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Alice Bastos Pneumonia adquirida na comunidade Introdução A pneumonia é um processo inflamatório posterior à ação de agentes infecciosos como vírus, bactérias e fungos, que acomete os bronquíolos e alvéolos; A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é a doença adquirida fora do ambiente hospitalar ou de unidades especiais de atenção à saúde ou, ainda, que se manifesta em até 48h da admissão na unidade assistencial. Epidemiologia Entre as síndromes de infecções respiratórias, a PAC é a de maior risco de morte, e maior número de internações; Entre os pacientes internados em enfermaria, a PAC apresenta uma elevada taxa de mortalidade (10 a 12%), podendo chegar a 50% quando a PAC ocorre na forma grave; É uma das principais causas de morte em pacientes com mais de 65 anos de idade, especialmente aqueles que apresentam comorbidades significativas como DPOC, diabetes melito e insuficiência cardíaca. Fatores de risco Entre os fatores de risco para PAC estão: → Tabagismo; → Alcoolismo; → Dentes em mau estado de conservação; → Desnutrição; → Asma; → Imunossupressão; → Institucionalização; → Idade 70 anos. Etiologia As causas mais comuns de PAC podem ser divididas de acordo com a gravidade: → Ambulatório: S. pneumoniae, M. pneumoniae, C. pneumoniae, vírus respiratórios, H. influenzae; → Enfermaria: S. pneumoniae, M. pneumoniae, C. pneumoniae, vírus respiratórios, H. influenzae, Legionella sp.; → UTI: S. pneumoniae, bacilos gram-negativos, H. influenzae, Legionella sp., S. aureus, vírus influenza; Pode ocorrer o encontro de infecções mistas com dois ou mais agentes, sendo que o vírus influenza pode anteceder e facilitar a ação de agentes bacterianos como S. pneumoniae, S. aureus e H. influenzae. Fisiopatologia A pneumonia é resultado da: → Proliferação dos patógenos microbianos nos espaços alveolares; → Resposta do hospedeiro a esses agentes patogênicos; Os microrganismos podem chegar às vias respiratórias inferiores pelos seguintes mecanismos: → Aspiração de secreções orofaríngeas (durante o sono ou nos pacientes com níveis deprimidos de consciência); → Inalados na forma de gotículas contaminadas; → Disseminação hematogênica ou por extensão dos espaços pleural ou mediastinal infectados (casos raros); A pneumonia evidencia-se apenas quando a capacidade dos macrófagos alveolares ingerirem ou destruírem os microrganismos é “vencida”; → Quando isso acontece, os macrófagos alveolares ativam a resposta inflamatória para reforçar as defesas das vias respiratórias inferiores; → Essa resposta inflamatória do hospedeiro, mais do que a proliferação dos microrganismos, desencadeia a síndrome clínica da pneumonia; A liberação de mediadores inflamatórios como a interleucina (IL) 1 e o fator de necrose tumoral (TNF) provoca febre; Alice Bastos As quimiocinas como a IL-8 e o fator de estimulação das colônias de granulócitos estimulam a liberação dos neutrófilos e sua atração ao pulmão; → Isso causa leucocitose periférica e secreções purulentas aumentadas; Os mediadores inflamatórios liberados pelos macrófagos e pelos neutrófilos recém-recrutados acarretam extravasamento alveolocapilar; → Até mesmo os eritrócitos conseguem atravessar a membrana alveolocapilar e isso causa hemoptise; → O extravasamento capilar é responsável pelos infiltrados radiográficos e pelos estertores detectáveis à ausculta; A hipoxemia é atribuída ao preenchimento dos espaços alveolares; → Além disso, alguns patógenos bacterianos interferem na vasoconstrição hipoxêmica e essa interferência pode causar hipoxemia grave; A dispneia tem como causas: → Redução da complacência pulmonar secundária ao extravasamento capilar; → Hipoxemia; → Hiperestimulação do centro respiratório; → Secreções profusas; → Broncoespasmo desencadeado pela infecção; Se a doença for grave, as alterações da mecânica pulmonar secundárias às reduções do volume e da complacência pulmonares, bem como o shunt intrapulmonar do sangue, podem levar o paciente à insuficiência respiratória e à morte. Quadro clínico O paciente frequentemente tem: → Tosse; → Expectoração; → Dispneia; → Dor torácica; Pode apresentar algum achado sistêmico, como: → Confusão; → Cefaleia; → Sudorese; → Calafrios; → Dores musculares; → Febre > ou = 37,8°C; Ao exame físico, é comum observar: → Aumento da frequência respiratória; → Utilização dos músculos acessórios da respiração; → Acentuação ou atenuação do frêmito toracovocal (palpação); → Submacicez e macicez (percussão), que refletem a condensação pulmonar ou o líquido pleural subjacente respectivamente; → Estertores, sopros brônquicos e possivelmente atrito pleural (ausculta); A apresentação clínica pode não ser tão evidente nos pacientes idosos e em imunocomprometidos; → Nesses pacientes, sintomas inespecíficos, como perda de apetite, confusão mental, desidratação, agravamento dos sintomas ou sinais de outras enfermidades crônicas podem ser as manifestações iniciais da pneumonia; Os pacientes mais graves podem apresentar: → Choque séptico; → Indícios de falência de órgãos. Diagnóstico Diagnóstico clínico e radiológico A radiografia de tórax, em associação com a anamnese e o exame físico, faz parte da tríade propedêutica clássica para PAC; Os achados radiográficos consistentes com o diagnóstico de PAC incluem: consolidações segmentares ou lobares, infiltrados intersticiais, cavitações; Além da contribuição ao diagnóstico, a radiografia de tórax permite ainda avaliar a extensão das lesões, detectar complicações e auxiliar no diagnóstico diferencial; Além da radiografia de tórax, existem outros exames de imagem que podem ser utilizados: → Tomografia computadorizada (TC) de tórax: útil em casos em que a acurácia da radiografia de tórax e da UST é baixa, como em pacientes Alice Bastos obesos, imunossuprimidos e indivíduos com alterações radiológicas prévias; • Deve ser realizada quando houver dúvidas sobre a existência de infiltrado pneumônico, para a detecção de complicações como empiema e neoplasia; → Ultrassonografia de tórax: apresenta maior sensibilidade e maior acurácia do que a radiografia de tórax na identificação de alterações parenquimatosas; • Os principais achados na PAC são: consolidações, padrão intersticial focal, lesões subpleurais e anormalidade na linha pleural. IMPORTANTE! Para os pacientes ambulatoriais, a avaliação clínica e radiológica geralmente é suficiente antes de iniciar o tratamento; → A maioria dos resultados dos exames laboratoriais não fica disponível a tempo, de forma a influenciar significativamente o tratamento inicial. Diagnóstico etiológico A realização de testes etiológicos não é necessária nos casos de pacientes com PAC não grave em tratamento ambulatorial; → Os exames que buscam a etiologia são recomendados apenas para pacientes com PAC grave ou não respondedora à terapia empírica inicial, bem como nos internados em UTI; Coloração pelo gram e cultura de escarro: como as etiologias da PAC grave são um pouco diferentes das que se observam na doença mais branda, as vantagens principais da realização desses exames são: → Alertar o médico para patógenos insuspeitos e/ou resistentes; → Permitir a modificação apropriada do tratamento; Hemocultura: não é um exame obrigatório para todos os pacientes hospitalizados com PAC; → Os pacientes de alto risco (aqueles com neutropenia secundária à pneumonia, deficiências de complemento, doença hepática crônica ou PAC grave) devem fazer hemoculturas; Teste de antígenos urinários: existem testes para detectar antígenos pneumocócicos e de Legionella na urina; → Esses dois testes podem detectar os antígenos mesmo depois de ter sido iniciado o tratamento antibiótico apropriado;→ O teste para antígeno pneumocócico na urina possui sensibilidade e especificidade de 80% e 90%, respectivamente; → A sensibilidade e especificidade do teste para Legionella na urina podem chegar a 90% e 99% respectivamente; Reação em cadeia de polimerase: o PCR de swabs de nasofaringe se tornou padrão para diagnóstico de infecções respiratórias virais; → A PCR múltipla pode detectar o ácido nucleico de espécies Legionella, M. pneumoniae, C. pneumoniae e micobactérias; → Nos pacientes com pneumonia pneumocócica, a carga bacteriana aumentada no sangue total evidenciada pela PCR está associada a um risco mais alto de choque séptico, à necessidade d e ventilação mecânica e à morte; Sorologia: A elevação de quatro vezes no título dos anticorpos IgM específicos entre as amostras de soro das fases aguda e de convalescença geralmente é considerada diagnóstica da infecção pelo patógeno em questão. exames complementares Hemograma completo: permite a identificação de leucopenia; → Leucocitose além de plaquetopenia < 100.000 pode significar critério menor de gravidade; Bioquímica: a dosagem de ureia sérica acima de 65 mg/dl é um indicador de gravidade; → Glicose sérica e ionograma devem ser solicitados; Gasometria arterial: deve ser realizada se a SpO2 estiver abaixo de 92%, ou se houver suspeita de alguma doença pulmonar crônica ou PAC grave; Alice Bastos Biomarcadores: os dois atualmente usados são a proteína C-reativa (PCR) e a procalcitonina (PCT); → Os níveis desses reagentes de fase aguda aumentam na presença de uma resposta inflamatória, particularmente com patógenos bacterianos; → A PCR pode ser útil na identificação de piora da doença ou falha do tratamento, e a PCT pode ajudar para determinar a necessidade de terapia antibacteriana; → Esses testes não devem ser usados soizinhos, mas, quando interpretados em conjunto com outros achados da história, exame físico, radiologia e exames laboratoriais, podem ajudar na escolha da antibioticoterapia e manejo adequado de pacientes gravemente enfermos com PAC. Avaliação da gravidade Os pacientes com diagnóstico de PAC devem ser sempre avaliados quanto à gravidade da doença, cuidado que tem impacto direto na redução da mortalidade; Os escores de prognóstico disponíveis dimensionam a gravidade e ajudam a predizer o prognóstico da PAC, guiando a decisão quanto ao local de tratamento (ambulatorial, hospitalar ou UTI) quanto à necessidade de investigação etiológica, quanto à escolha do antibiótico e sua via de administração. PSI É composto por 20 itens e classifica os pacientes em cinco categorias, estimando a mortalidade em 30 dias e sugerindo o local de tratamento; Pode subestimar a gravidade da doença em pacientes jovens e sem doenças associadas por ponderar muito a idade e a presença de comorbidades na sua pontuação. CURB-65 e CRB-65 O CURB-65 baseia-se nas seguintes variáveis: → Confusão mental (escore ≤ 8); → frequência Respiratória > 30 ciclos/min; → Blood pressure: pressão arterial sistólica < 90 mmHg ou pressão diastólica < 60 mmHg; → Idade ≥ 65 anos; A forma simplificada (CRB-65), sem a dosagem de ureia, é útil em ambientes nos quais exames laboratoriais não estão disponíveis, como na atenção primária. Diretrizes da ATS/IDSA 2007 Os critérios de gravidade estão classificados como maiores e menores; Na presença de um dos critérios maiores, há a indicação de admissão à UTI; Alice Bastos → A presença de três ou mais critérios menores também indica cuidados intensivos; Esses critérios, não se prestam para a avaliação de pacientes ambulatoriais, motivo pelo qual o próprio documento recomenda o uso do PSI ou do CURB-65 para guiar a decisão nesses pacientes. Tratamento Como o médico raramente conhece a etiologia da PAC antes de iniciar o tratamento, o esquema antibiótico inicial geralmente é empírico; → Esse tratamento tem como propósito cobrir os patógenos mais prováveis e deve ser iniciado o mais rápido possível; A terapia antimicrobiana empírica é baseada na gravidade da enfermidade (pacientes internados ou ambulatoriais); Além disso, a escolha do antibiótico também deve levar em consideração: → Patógeno mais provável no local de aquisição da doença; → Fatores de risco individuais; → Presença de doenças associadas; → Fatores epidemiológicos, como viagens recentes, alergias e relação custo-eficácia. Tratamento de pacientes ambulatoriais A recomendação é o uso de monoterapia com beta- lactâmico ou macrolídeos para os pacientes ambulatoriais, sem comorbidades, nenhum uso recente de antibióticos, sem fatores de risco para resistência e sem contraindicação ou história de alergia a essas drogas; → Para esses casos, sugere-se evitar o uso de fluoroquinolonas, em decorrência do potencial risco de efeitos colaterais graves; Em casos de história do uso de um antibiótico nos 3 meses anteriores, quando os pacientes vêm de regiões onde a taxa local de resistência aos macrolídeos é superior a 25% e na presença de doenças associadas (DPOC, doença hepática ou renal, câncer, diabetes, ICC, alcoolismo ou imunossupressão), recomenda-se: → Associar macrolídeos a um beta-lactâmico; OU → Realizar monoterapia com uma fluoroquinolona respiratória por pelo menos 5 dias. Tratamento de pacientes internados em enfermarias A recomendação atual é o emprego de beta-lactâmico associado a um macrolídeo OU fluoroquinolona respiratória isolada; → Um beta-lactâmico isolado pode ser usado se houver exclusão confirmada de Legionella sp. Tratamento de pacientes internados na UTI A terapia combinada deve ser recomendada para pacientes com PAC grave com indicação de admissão em UTI por reduzir a mortalidade; → A administração dos antibióticos deve incluir preferencialmente um macrolídeo e um beta- lactâmico, ambos por via endovenosa. IMPORTANTE! A duração do tratamento, suficiente para garantir sucesso no tratamento da PAC, pode ser diferente conforme a gravidade da PAC: → PAC de baixa gravidade e com tratamento ambulatorial: monoterapia por 5 dias; → PAC de moderada a alta gravidade: períodos de 7 a 10 dias; → O tratamento pode ser estendido até 14 dias a critério do médico assistente. Terapia adjuvante com corticoide Evidências de moderada a alta qualidade sugerem que os corticoides, quando associados a antibióticos e terapia usual, melhoram a evolução de pacientes com PAC tratados; Os benefícios incluem: → Redução no tempo de internação; → Redução no tempo para estabilização clínica; Alice Bastos → Redução na taxa de ventilação mecânica; → Redução na progressão para SARA aguda; Apesar dos benefícios, são necessários novos estudos que confirmem o impacto dessa terapia sobre a mortalidade relacionada à PAC, apesar de as meta- análises sugerirem a redução dessa taxa, sobretudo no grupo com apresentação mais grave. Prevenção Algumas medidas de prevenção são: → Cessação do tabagismo; → Redução do etilismo; → Melhora do status nutricional; → Evitar contato com crianças doentes; → Cuidar da higiene oral; → Vacinação: vacina anti-influenza e vacina antipneumocócica. Alice Bastos Referências CORRÊA, R. A. et al. Recomendações para o manejo da pneumonia adquirida na comunidade 2018. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 44, n. 5, p. 405-424. Disponível em: https://cdn.publisher.gn1.link/jornaldepneumologia.com.br/pdf/Cap_Suple_98_1.pdf. Acesso em: 20 Fev. 2022. LIMPER, A. H. Visão geral da pneumonia. In: GOLDMAN, L.; SCHAFER, A. I. Goldman Cecil Medicina. 24. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 2013-2043. MANDELL, L. A.; WUNDERINK, R. G. Pneumonia. In: KASPER, D. L. et al. Medicina interna de Harrison. 19. Ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. p. 3587-3619.
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