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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Cirurgia Torácica MALFORMAÇÕES PULMONARES Introdução: As malformações pulmonares manifestam- se por desconforto respiratório no período neonatal e/ou por infecções respiratórias de repetição ao longo da infância, da adolescência e da vida adulta. Os principais eventos associados à formação do trato respiratório inferior que ocorrem durante o período embrionário/fetal são: - 4 semanas: divisão entre esôfago e traqueia. - 6 semanas: formação dos brônquios principais e dos brônquios lobares, 3 à direita e 2 à esquerda. - 30 semanas: formação dos alvéolos pulmonares, que crescem em número até os 8 anos de idade. A formação dos alvéolos pulmonares ocorre entre a 30ª e a 32ª semana de gestação. Em gestantes de alto risco, deve-se administrar corticoides durante este período para induzir a formação dos alvéolos pulmonares no feto, devido ao risco aumentado de parto prematuro. As artérias brônquicas pertencem à circulação sistêmica e, por isso, sangram muito mais que as artérias pulmonares, pois a pressão arterial sistêmica (120/80 mmHg) é muito maior do que a pressão arterial pulmonar (25/12 mmHg). Agenesia Pulmonar e Aplasia Pulmonar: A agenesia pulmonar é definida como a ausência completa de parênquima pulmonar, ou seja, ausência de brônquios, bronquíolos, alvéolos pulmonares, vasos sanguíneos e vasos linfáticos. A aplasia pulmonar é definida como a formação apenas do brônquio principal (brônquio fonte) em fundo cego, ou seja, na ausência de formação do restante do parênquima pulmonar. Nos casos de agenesia pulmonar e de aplasia pulmonar, a caixa torácica é normal e o pulmão saudável geralmente aumenta de volume e ocupa o espaço do hemitórax contralateral, onde não há pulmão, sendo denominado pulmão remanescente vicariante. Os principais achados clínicos associados à agenesia pulmonar e à aplasia pulmonar são taquipneia, dispneia, tosse, sibilância e infecções pulmonares recorrentes. Entretanto, o paciente pode apresentar-se assintomático. A ausculta pulmonar geralmente é normal, exceto na região axilar ipsilateral. Imagem: Radiografia de tórax indicando agenesia pulmonar à esquerda em paciente adulto. Imagem: Radiografia de tórax indicando agenesia pulmonar à esquerda com expansão do pulmão direito remanescente. Hipoplasia Pulmonar: A hipoplasia pulmonar é definida como o desenvolvimento incompleto da árvore brônquica e dos vasos sanguíneos pulmonares. A gravidade das manifestações clínicas depende do grau de hipoplasia pulmonar. A hipoplasia pulmonar geralmente está associada a outras alterações/malformações fetais, torácicas ou 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 não torácicas, como oligodrâmnio grave, agenesia renal, Síndrome de Potter, hérnia diafragmática congênita, malformação adenomatoide cística, Síndrome de Cimitarra, Síndrome de Jeune, etc. O tratamento da hipoplasia pulmonar baseia-se em ventilação mecânica para o pulmão hipoplásico em situações de aumento da necessidade de oxigênio (O2). Imagem: Radiografia de tórax indicando hipoplasia pulmonar à direita. Cisto Broncogênico: O cisto broncogênico é definido como uma lesão cística única, localizada no mediastino em 70% dos casos e no parênquima pulmonar em 30% dos casos. Quando o cisto broncogênico origina-se de brotamento anormal proximal, ele localiza-se no mediastino. Quando o cisto broncogênico origina-se de brotamento anormal distal, ele localiza-se no parênquima pulmonar. O cisto broncogênico pode ser assintomático ou, dependendo de sua localização, causar sintomas associados à compressão brônquica, traqueal e/ou esofágica, como dispneia, tosse, estridor e disfagia. Na radiografia de tórax e/ou na TC de tórax, o cisto broncogênico manifesta-se como massa única e homogênea localizada no mediastino ou no parênquima pulmonar. O tratamento baseia-se em ressecção cirúrgica da lesão. Imagem: Radiografia de tórax e TC de tórax indicando a presença de cisto broncogênico de localização paratraqueal direita. Enfisema Lobar Congênito: O enfisema lobar congênito é definido como o aumento maciço e uniforme do lobo pulmonar acometido causando compressão dos lobos pulmonares adjacentes. O enfisema lobar congênito é uma doença rara de etiologia e fisiopatologia desconhecidas. O enfisema lobar congênito é mais frequente no lobo superior esquerdo, no lobo superior direito e no lobo médio direito. A doença cursa com desconforto respiratório progressivo nas primeiras semanas de vida, tiragem, diminuição dos murmúrios vesiculares e abaulamento do hemitórax acometido. Imagem: Radiografia de tórax indicando enfisema lobar congênito à esquerda. Às vezes, o enfisema lobar congênito pode simular quadro de pneumotórax hipertensivo. O tratamento clínico do enfisema lobar congênito apresenta baixa eficácia e a ressecção cirúrgica do lobo pulmonar acometido apresenta maior eficácia e melhores resultados. Malformação Adenomatoide Cística: A malformação adenomatoide cística caracteriza-se por formação de estruturas brônquicas e/ou vasculares desorganizadas e sem cartilagem, possivelmente devido ao crescimento excessivo de bronquíolos terminais. O diagnóstico da malformação adenomatoide cística já pode ser realizado antes do nascimento por meio de ecografia obstétrica a partir da 20ª semana de gestação. Aproximadamente 25% dos pacientes que apresentam a doença são incompatíveis com a vida devido à presença de outras malformações congênitas concomitantes. Os 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 pacientes com malformação adenomatoide cística geralmente cursam com síndrome respiratória aguda do RN. O tratamento clínico apresenta baixa eficácia e, sempre que houver possibilidade, deve-se realizar ressecção cirúrgica das lesões pulmonares. Imagem: Radiografia de tórax indicando malformação adenomatoide cística. Sequestro Pulmonar: O sequestro pulmonar é definido como a presença de tecido pulmonar não funcionante que recebe irrigação sanguínea de vaso sanguíneo sistêmico. O tecido pulmonar não funcionante pode ser extralobar ou intralobar. O sequestro pulmonar acomete principalmente a região basal posterior dos pulmões e cursa com infecções pulmonares de repetição e degeneração cística intralobar. Na TC com contraste, pode-se observar a presença de artéria anormal irrigando parte do parênquima pulmonar. O tratamento do sequestro pulmonar baseia-se em ressecção cirúrgica do tecido pulmonar não funcionante, geralmente por meio de lobectomia. Fístula Arteriovenosa: A fístula arteriovenosa é definida como a comunicação entre artéria e veia na circulação pulmonar. As fístulas arteriovenosas determinam shunt da circulação arterial para a circulação venosa. As fístulas arteriovenosas pequenas geralmente são assintomáticas. Alguns pacientes podem apresentar dessaturação arterial que não melhora com o uso de oxigênio (O2), cianose, dispneia aos esforços, baqueteamento digital e policitemia. O diagnóstico da fístula arteriovenosa baseia-se em TC com contraste ou em angiografia pulmonar e o tratamento baseia-se em embolização ou em ressecção do tecido pulmonar que contém a fístula arteriovenosa. Imagem: TC de tórax indicando sequestro pulmonar extralobar à direita. Imagem: TC de tórax indicando sequestro pulmonar intralobar à esquerda. Abcesso Pulmonar: O abcesso pulmonar é definido como a coleção de pus localizada no parênquima pulmonar. O abcesso geralmente resulta de infecção subaguda do parênquima pulmonar que evolui para a formação de cavidade necrótica intraparenquimatosa preenchida por líquido purulento. A principal causa de abcesso pulmonar é a infecciosa (pneumonia aspirativa). As principais causas não 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 infecciosas de abcesso pulmonar são neoplasias pulmonares, infarto pulmonar, granulomatose de Wegener,nódulos reumatoides, cistos pulmonares e sequestro pulmonar. Ao exame de imagem, o abcesso pulmonar apresenta-se como lesão com nível hidroaéreo no parênquima pulmonar. Imagem: Radiografia de tórax (PA e perfil) indicando a presença de abcesso pulmonar à esquerda. Os agentes causais mais comumente associados ao desenvolvimento de abcesso pulmonar são bactérias anaeróbias, bactérias aeróbias gram-positivas, como Staphylococcus sp., e bactérias aeróbias gram-negativas, como Klebsiella sp. e Pseudomonas sp. Outros microrganismos que também estão associados ao desenvolvimento de abcesso pulmonar são Actinomyces, Aspergillus, Blastomyces, Coccidioides, Cryptococcus, Histoplasma, Legionella e Mycobacterium tuberculosis. O desenvolvimento de abcesso pulmonar como evolução de pneumonia aspirativa por anaeróbios é comum em pacientes alcoolistas e em pacientes epiléticos, devido ao risco aumentado de aspiração de bactérias presentes na cavidade oral. Aproximadamente 1/3 dos pacientes com pneumonite aeróbica e abcesso pulmonar e aproximadamente metade dos pacientes com pneumonia necrotizante desenvolvem empiema. A apresentação clínica do abcesso pulmonar de causa infecciosa geralmente caracteriza- se por pneumonia aspirativa de evolução insidiosa que não melhora apesar da antibioticoterapia adequada. O tratamento do abcesso pulmonar baseia-se em antibioticoterapia com cobertura para germes anaeróbios e gram-negativos, como ampicilina + sulbactam, imipeném e meropeném EV por no mínimo 3 semanas e, após, amoxicilina + clavulanato VO por alguns meses, dependendo da resposta terapêutica. O tratamento cirúrgico de drenagem do abcesso pulmonar está indicado para casos sem resposta ou com baixa resposta ao tratamento clínico com antibióticos e/ou para casos com abcesso pulmonar > 6 cm de diâmetro. As drenagens cirúrgicas guiadas apresentam bons resultados. Outra alternativa de tratamento cirúrgico é a lobectomia. Bronquiectasia: A bronquiectasia é definida como a dilatação brônquica permanente. Antigamente, a bronquiectasia era uma doença altamente prevalente, devido à ausência de antibióticos e de vacinas. Atualmente, a bronquiectasia é mais comum em pacientes que apresentam doenças como fibrose cística, discinesia ciliar e deficiência de α1-antitripsina. As bronquiectasias são classificadas em cilíndricas ou tubulares, caracterizadas por dilatação uniforme do brônquio em fundo cego, císticas ou saculares, caracterizadas por dilatação periférica do brônquio com destruição do parênquima pulmonar, e mistas ou varicosas. Além disso, as bronquiectasias também classificam-se em perfundidas e não perfundidas. As bronquiectasias cilíndricas ou tubulares geralmente têm perfusão da artéria pulmonar e as bronquiectasias císticas ou saculares têm mínima perfusão da artéria pulmonar. As bronquiectasias localizadas geralmente acometem bases pulmonares e são causadas por processo infeccioso/inflamatório, enquanto as bronquiectasias difusas geralmente associam-se a doenças congênitas. Os principais achados clínicos associados à bronquiectasia são sinusite aguda ou crônica, pneumonia de repetição, tosse produtiva, hemoptise, roncos e sibilos difusos e diminuição dos murmúrios vesiculares. O tratamento da bronquiectasia baseia-se em uso de antibióticos (tratamento de infecções pulmonares de repetição), broncodilatadores e fisioterapia respiratória. A antibioticoterapia deve ser iniciada empiricamente sempre que houver alteração no aspecto do escarro. Em pacientes com fibrose cística, as infecções pulmonares 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 geralmente são causadas por Pseudomonas aeruginosa. A prevenção de infecções pulmonares deve ser realizada por meio de vacinação contra influenza e pneumococo. Imagem: TC de tórax indicando a presença de bronquiectasias difusas em ambos os pulmões. O tratamento cirúrgico está indicado para pacientes com doença localizada sem resposta adequada ao tratamento clínico e com volume pulmonar remanescente que permita a ressecção pulmonar. A cirurgia representa a única forma de tratamento curativo para a bronquiectasia, que é uma doença irreversível e progressiva. Assim, o tratamento cirúrgico deve ser realizado enquanto ainda há possibilidade de resolução do quadro.
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