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1 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Tromboembolismo Venoso INTRODUÇÃO • Definição: o Migração de coágulo da circulação sistêmica para a pulmonar ▪ Por definição, para haver um tromboembolismo venoso (TEV), normalmente há uma trombose em algum lugar da circulação, normalmente nas veias da panturrilha, poplíteo ou pelve ▪ Na panturrilha acontece menos, geralmente são os vasos profundos da pelve e da coxa o Esses trombos vão migrar dentro da circulação sistêmica e chegar no pulmão, que funcionaria como se fosse um filtro para esses trombos o Então, por definição, o TEV teria que ter uma trombose venosa periférica (TVP) e esse trombo migra, seja totalmente ou parcialmente, para dentro da circulação pulmonar o Hoje, tentamos usar esse termo de tromboembolismo venoso porque entendemos que existe uma situação sistêmica que esteja favorecendo a formação desse trombo ▪ Na parte da embolia pulmonar (EP) / tromboembolismo pulmonar (TEP), então, tem, na grande maioria das vezes, o trombo vindo da circulação sistêmica o No COVID, ocorre um estado de hipercoagulabilidade que parece estar relacionado com o pulmão → Os números de embolia pulmonar saltaram com a pandemia do coronavírus ▪ Nesse caso, então, há uma situação específica dentro do pulmão, possivelmente por exposição de receptores, que faz com que tenha o trombo no pulmão (e não tromboembolismo venoso em si) ▪ Na COVID, então, essa migração de trombo é menos habitual e a formação do trombo é muito mais por mecanismos locais dentro do pulmão, favorecendo a embolia pulmonar o O tromboembolismo pulmonar é muito importante porque ele mata muito ▪ Incidência anual de embolia pulmonar de 32% dos pacientes com TVP ▪ 630000 pacientes desenvolveram EP a cada ano nos EUA, com 200000 mortes ▪ Mesmo sabendo disso, nem sempre fazem a profilaxia adequada para pacientes internados de alto risco • Outras embolias (não causadas por trombos): o Embolia por Schistossoma, por doença falciforme e por drogas ilícitas injetáveis o Embolia gasosa o Embolia por líquido amniótico o Embolia gordurosa (como em fratura de ossos longos) o Embolia tumoral FATORES PREDISPONENTES • Tríade de Virchow: o Estase + hipercoagulabilidade + injúria vascular → Juntos propiciam a trombose PROFA. JESSICA POLESE 2 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Situações que causam estase → Imobilidade, repouso no leito, pacientes com doenças pulmonares ou com trombose prévia e insuficiência venosa crônica etc. ▪ Situações de hipercoagulabilidade → Malignidade, anticorpo anticardiolipina, síndrome nefrótica etc. ▪ Situações de injúria vascular → Trauma e cirurgia (principalmente ginecológicas e ortopédicas) o São situações comuns na prática clínica e que devemos tentar ao máximo intervir, mas algumas vezes é impossível, sendo preciso iniciar medicação para poder prevenir trombose (Ex.: Paciente que já teve embolia ou trombose e tem um câncer) • Fatores cirúrgicos: o Grandes cirurgias → Principalmente as cirurgias abdominais e pélvicas ▪ Sem profilaxia → 20% de TVP e EP em 1-2% ❖ Cirurgia ortopédica sem profilaxia → 50% de TEP após TVP ▪ Embolia fatal em cirurgia geral → 0,1 a 0,4% ❖ Em cirurgia de quadril → 1-5% (sem profilaxia) • Fatores clínicos: o Internação → ICC, DPOC, sepsis, outras doenças inflamatórias, idade avançada, doente crítico e tempo de repouso prolongado (também exige profilaxia) o Imobilização prolongada (mesmo que não seja pós-operatório) → Aumenta 1,5-3x o risco o Gravidez (9x mais comum) → TEP é causa de 20-50% das mortes na gravidez ▪ Aumento de 60x a chance de trombose após o parto e 5x durante a gravidez o Uso de contraceptivo oral e reposição hormonal (2-4x) o Obesidade o Idade avançada (acima de 70 anos aumenta 25x) o Câncer (4-6x) o Policitemia vera, trombocitose, leucemia e síndrome de hiperviscosidade o Doença reumática → Anticoagulante lúpico o Doença inflamatória intestinal • Fatores genéticos: o Deficiência de antitrombina III o Fator V Leyden o Proteína C o Proteína S 3 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 FISIOPATOLOGIA • Fatores que interferem o TEV e suas repercussões: o Tamanho e localização do trombo ▪ Trombos pequenos/segmentares podem até não ser tratados de acordo com alguns grupos ▪ Trombos maiores, pegando mais nas artérias pulmonares e seus principais ramos, devemos ter + cautela o Doença cardíaca ou pulmonar coexistente → Se já é um paciente limítrofe, qualquer nível de sobrecarga da vasculatura pulmonar vai trazer uma consequência muito grande o Liberação de mediadores humorais, vasoconstrição e hipoxemia o Taxa de resolução do trombo → Fatores que vão degradar esse trombo ou impedir que ele aumente (lembrando que é um processo dinâmico de fatores pró-coagulação a anticoagulação constantes) • Colapso cardíaco: o Se há obstrução dentro de grandes vasos, como artérias pulmonares, há uma repercussão hemodinâmica o O tronco da pulmonar as pulmonares saem do ventrículo direito, então com a obstrução, cria uma sobrecarga para trás (coração direito) ▪ Aumenta tensão na parede do VD ▪ Ativação neuro-hormonal ▪ Inflamação e sofrimento do miocárdio (aumento de troponina) ▪ Isquemia do VD ▪ Diminuição da contratilidade ▪ Essa sobrecarga do coração direito acaba evoluindo para uma sobrecarga de coração esquerdo ❖ Baixa perfusão coronária ❖ Choque cardiogênico e morte o É esse o processo da parte hemodinâmica, que é o que geralmente mata no TEV o Em pacientes em choque cardiogênico, são exigidas medidas enérgicas, como uso de fibrinolíticos → São pacientes de alto risco, então apenas as medidas tradicionais podem causar a morte • Consequências cardiovasculares: o Para os mecanismos compensatórios falharem e chegar a reduzir o débito cardíaco tem que ter uma obstrução praticamente maior que 50% das artérias pulmonares ▪ Isso ocorre porque o coração e os vasos pulmonares possuem uma capacidade de distensão muito grande ▪ Uma obstrução de 30-40% aumenta a pressão no VD, mas mantém o DC apesar de aumentar a FC e ter contratilidade alterada o Se a obstrução aumenta a esse ponto, o VD começa a dilatar, levando a um aumento também do AD, acumulando muito sangue → Insuficiência sistólica o Um trombo grande causa mais sintomas e mudança na oxigenação e hemodinâmica o Há fragmentação do trombo pela compressão torácica, batimento cardíaco ou fibrinólise 4 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Pode acontecer uma resolução completa, mas é incomum (é preciso iniciar algum medicamento) → 50% têm obstrução após 6 meses o Os trombos pequenos podem provocar alterações hemodinâmicas graves, possivelmente por reflexo vasoconstrictor e liberação de componentes vasoativos • Alterações na troca gasosa: o Quadro de hipoxemia devido à alteração V/Q e shunt intrapulmonar → O sangue não está conseguindo passar da artéria para veia o Hipoxemia por reflexo intrapulmonar e estímulo vagal com hiperventilação resultante e redução de CO2 o Grandes eventos embólicos suficientes para aumentar a pressão no AD podem gerar shunt direito-esquerdo em caso de forame oval patente (ou o forame pode acabar abrindo nessa situação de aumento de pressão) QUADRO CLÍNICO • Características do quadro clínico: o O quadro clínico de TEV é complexo porque ele não tem sintomas muito típicos, são todos sintomas muito inespecíficos ▪ Por isso, o número de subdiagnóstico é elevado → Quase 30% são feitos só em necrópsia ▪ Então, TEV tem que ser uma situação sempre em mente, principalmente em PS e UTI DIAGNÓSTICO • Probabilidade: o Para ver de a probabilidade do paciente ter embolia pulmonar (EP), usamos alguns escores/critérios → Baseado neles, o médico terá sua tomada de decisãoEscore de Genebra x Escore de Wells – O de Genebra não é tão utilizado, usamos mais o de Wells 5 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Suspeita de TVP ou EP: o Se na aplicação dos escores (Ex.: Wells), foi constada uma baixa/intermediária probabilidade de embolia pulmonar, é feito o D-dímero ▪ D-dímero é um produto de degradação da fibrina, então pode estar presente em vários processos inflamatórios e infecciosos de qualquer natureza ▪ É muito mais um marcador inflamatório quando elevado (podendo ser desde embolia pulmonar a uma infecção) ▪ Quando ele é negativo (baixo), ele ajuda muito porque exclui a possibilidade de TEV ▪ Se o D-dímero estiver positivo, então, temos que evoluir para um teste de imagem ▪ Mas, mesmo se o D-dímero for baixo, porém o paciente tem alta probabilidade clínica de EP, ele também é levado para o exame de imagem (nesse caso, nem era necessário avaliar o D-dímero) • Avaliação clínica: o Eletrocardiograma → Para identificar outras doenças o RX de tórax → Geralmente tem alguma alteração, apesar de não ser feito tanto mais, pela facilidade da TC o D-dímero → Ajuda muito para excluir TEP MÉTODOS DE IMAGEM • Cintilografia x Angiotomo: o Cintilografia ventilação-perfusão ▪ Nos pacientes com problema pulmonar não é possível utilizar esse exame porque pode falsear o resultado ▪ A indicação de cintilografia ocorre quando há insuficiência renal o Angiotomografia arterial ▪ Método que tem se difundido muito e geralmente é um processo fácil e rápido a nível de PS e UTI ▪ Porém, não é recomendada para pacientes com insuficiência renal, por conta do contraste o Em grávidas, há a discussão entre a utilização da cintilografia ou da angiotomografia ▪ Ultimamente, tem sido aceito fazer a angiotomo apesar da radiação e do contraste, pela chance maior de diagnóstico com ela 6 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Mas, por muito tempo, a cintilografia ventilação-perfusão era o método de escolha em gestantes (alguns ainda defendem isso) • Radiografia: o Hoje em dia, não se procura muito mais em radiografia sinais de embolia pulmonar, mas eles podem existir ▪ Sinal de Westmark → Oligoemia (pulmão bem escuro, sem feixe vascular) ▪ Sinal de Palla → Dilatação da artéria pulmonar (uma pausa no sangue e dilatação da artéria pulmonar) ▪ Corcova/triângulo de Hampton → Consolidação periférica, normalmente em formato triangular (geralmente associado a derrame pleural) • Cintilografia: o É feita a inalação, porque temos que ver como está o parênquima, e a perfusão para ver o vaso o No caso de EP, a ventilação vai estar normal, com o contraste chegando em todas as regiões, mas a perfusão não, pois terá áreas em que o contraste não chega (áreas ventiladas, mas não perfundidas) Radiografia de EP - Sinal de Westmark (oligoemia, esse pulmão está bem escuro porque o sangue não aparece no pulmão, não tem feixe vascular) e Sinal de Palla (dilatação da artéria pulmonar) Radiografia de EP - A imagem da esquerda mostra o sinal de Palla (dilatação da artéria pulmonar) e a imagem da direita mostra a corcova de Hampton 7 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Ecocardiograma: o É importante fazer por causa de sobrecarga de ventrículo direito, com dilatação dele e do átrio direito o Em certo ponto, o ventrículo esquerdo passa a sofrer também, diminuindo o débito (causando insuficiência coronariana) → Colapso cardíaco Cintilografia ventilação-perfusão – Nesse exame, podemos ver que, nas regiões anterior, posterior e oblíqua posterior direita principalmente, na inalação o contraste está chegando e na perfusão não está (setas azuis). Então, essas áreas estão ventiladas, mas não estão perfundidas Ecocardiograma x TC – Na TC é possível ver um trombo grande, que vai de um lado a outro dentro da artéria pulmonar (trombo “a cavaleiro”) 8 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 PROGNÓSTICO É muito importante definir prognóstico, até para definir como vamos tratar. • PESI: o Escore utilizado para o prognóstico o A partir dele definimos a mortalidade em 30 dias (Classe I a V, de muito baixa a muito alta mortalidade) o Existe a versão simplificada do PESI, onde não há alguns dos itens ▪ Nesse caso os pacientes são classificados em 0 e ≥ 1 pontos (sendo a mortalidade em 10% no segundo) o O PESI, então, é utilizado para definir prognóstico, definir onde o paciente será tratado e definir qual será a agressividade desse tratamento • Estratificação melhorada: o Para melhorar a avaliação do PESI, podemos acrescentar o ecocardiograma e a dosagem de troponina o Foi observado que mesmo pacientes de baixo risco, quando tinham alguma insuficiência ventricular direita ou elevação de enzimas cardíacas, havia maior probabilidade de morte o O risco vai medindo à medida que todos esses itens vão se somando 9 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 TRATAMENTO • Características do tratamento: o Intervenção precoce o Estratificação de risco o Seleção de terapia ▪ Pacientes com instabilidade hemodinâmica são candidatos à cirurgia (tromboendarterectomia) ou a terapias fibrinolíticas, porque têm um risco agudo muito grande de morte o Duração do tratamento ANTICOAGULAÇÃO • Avaliação: o Na presença de um trombo, faz-se o contraponto com uma terapia anticoagulante o O problema da terapia anticoagulante é o risco de sangramento ▪ Há alguns indivíduos e fatores que têm o risco aumentado de sangramento (checar tabela) → Nesses casos, prioriza-se um ou outro anticoagulante dependendo desse risco o Então, sempre que for começar a anticoagular algum paciente, deve ser avaliado se ele tem fator de risco para sangramento • Anticoagulantes: o Atualmente, temos várias opções disponíveis: ▪ Heparina não fracionada (HNF)/ ▪ Heparina de baixo peso molecular (HBPM) → Fragmentos da heparina ▪ Fondaparinux (inibidor direto do Fator Xa) → Profilaxia e primeiros 7 dias (via SC) ▪ Antagonista da vitamina K ▪ Não antagonista da vitamina K (anticoagulantes diretos) o A anticoagulação tem avançado muito nos últimos anos, a pouco tempo só tínhamos disponível a heparina não fracionada, mais recentemente surgiu a heparina de baixo peso molecular e, hoje em dia, temos também os anticoagulantes orais diretos • Heparina: o A heparina age na cascata de coagulação exatamente sobre a trombina e o fator Xa, inibindo a antitrombina o O efeito das heparinas é igual, o problema da HNF em relação à HBPM é que por ser uma molécula grande a HNF se junta e tem outros efeitos e inclusive sugere-se um fator anti-inflamatório grande ▪ A HNF se liga a várias outras células e componentes do sangue, ela “se perde” → Quando se usa ela, tem que fazer o ajuste constantemente até atingir o nível de anticoagulação ▪ Então, com a HNF o sangramento é mais importante e o controle da anticoagulação é muito difícil o Ainda existem casos específicos em que a HNF é ainda indicada, mas são raros 10 PNEUMOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Quando se usa a HBPM o efeito é igual, só que por não ter essa perda tão grande, essa difusibilidade em outros tecidos etc. não é preciso fazer o controle rigoroso da anticoagulação o Existem várias opções de ambos os tipos e as dosagens variam conforme qual se usa, mas são padronizadas (Ex.: HBPM - Enoxaparina 1 mg/kg 12/12h) • Antagonista da vitamina K: o Em casos graves, inicialmente, administra-se as heparinas e, num segundo tempo, era iniciado o anticoagulante oral numa preparação de alta do paciente (usava-se antagonista da vitamina K) o O antagonista da vitamina K age indiretamente na coagulação, então ele sofre interferênciade várias coisas (Ex.: Alimentação com muita vitamina K, uso de outras medicações) → Controle difícil o Nos últimos 5 anos, começaram a chegar os anticoagulantes diretos, que são mais seguros em termos de sangramento e não é preciso fazer um controle rigoroso • Anticoagulantes diretos: o Agem diretamente nos fatores de coagulação, não usam mecanismos indiretos como a vitamina K, o que trouxe muita segurança para a anticoagulação, porém ainda são caras essas medicações ▪ Inibidores do Fator Xa → Rivaroxabana (Xarelto), Apixaban (Eliquis) e Edoxaba (Savaysa) ▪ Inibidor de trombina → Dabigatrana (Pradaxa) o Não é necessária a monitorização o A dose é fixa (não precisa ficar ajustando) o Têm uma curta meia vida → Facilita caso o cirurgião queira suspender para uma cirurgia (isso falando em pacientes já anticoagulados e não em profilaxia para cirurgia) o Não há necessidade de suspender em caso de cirurgia → É possível usar a curta meia vida a favor o Melhora a qualidade de vida → Porque não é preciso controlar tanto a dieta e o uso de outros medicamentos o Sem interação com alimentos e outras medicações • Tempo de anticoagulação: o Se é possível identificar o fator que estava causando o problema e que levou à embolia e se retira esse fator de risco, a anticoagulação pode durar apenas 3 meses ▪ Ex.: Utilização de contraceptivo oral, viagens longas, paciente acamado etc. o Se não é possível localizar a causa da embolia, mantém a anticoagulação por 6 meses → Isso é muito questionado, há um grupo que acha que esses pacientes devem ser mantidos anticoagulados o resto da vida ▪ Depois que se retira esse anticoagulante, há um risco de 12% de nova embolia, uma vez que não se localizou o motivo → Isso deve ser discutido com o paciente (se ele prefere ficar sem o anticoagulante sabendo desse risco ou se prefere manter a medicação) ❖ Essa chance pode ser > 12% se o paciente tiver outros fatores de risco, isso deve entrar na discussão
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