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Tudo começou com uma mensagem de Natal ... Feliz Natal a todos. Que o Anjo Gabriel anuncie Jesus pessoalmente a cada um de nós. Desejo-o de todo o coração. Natal de 2021 SOBRE AS GRAVURAS Apesar do dia a dia nos apresentar noticias tristes, o que Deus preparou para os que recebem o seu Filho supera em muito qualquer outra realidade. Estas gravuras servem para meditar e nos darmos conta do que realmente sucedeu entre nós. Temos sido educados a conduzir um modo de vida que torna muito dificil compreender o que verdadeiramente aconteceu na história humana. Tudo o que nos puder ajudar nesta direção merece ser acolhido com grande alegria. E o que Deus está preparando para a Igreja através de Cristo só será totalmente conhecido quando se completar a História. Esta gravura costuma ser entendida como Jesus encontrado no Templo. Mas considerando o que ele disse à sua mãe, e a admiração que sua fala lhe produziu, pode-se entender este mistério como Jesus descortinando sua relação com a Santissima Trindade. Isto Ele quer mostrar ainda hoje aos que aceitam partilhar a sua vida com a dele, como o fez Maria. A história da samaritana é sobre conhecer Jesus. Isto nos leva a entender melhor Jesus encontrado no Templo. O episódio de Jesus encontrado no Templo e respondendo à sua mãe é visto algumas vezes como uma descompostura de um menino repreendido. Mas chama a atenção que Maria não parece ter ficado meditando no que Jesus dizia aos doutores, o que deve ter sido um assunto aparentemente mais complexo e surpreendente para os homens, mas naquelas poucas palavras que Jesus lhe havia respondido. E chama a atenção que Maria não parece ter ficado magoada por estas palavras, como se tivesse recebido uma descompostura. Em vez disso, tais palavras foram para ela objeto de meditação por toda a vida. E também que, de tantas coisas que Jesus pode ter dito à sua mãe durante a sua infância, o Evangelho parece ter escolhido apenas estas para serem registradas. Obviamente aqui estamos diante de algo que transcende qualquer traquinagem de criança. Impressiona também perceber não apenas que estas são as únicas palavras conhecidas de Jesus menino, mas são justamente estas as primeiras palavras de Jesus registradas pelo Novo Testamento: "Não sabiam que devo estar nas (coisas) de meu Pai?" (Luc. 2, 49). E mais, perceber a semelhança destas palavras que Jesus disse ainda menino, com algumas das últimas que Ele disse em vida: "Ainda não me conhecem? Quem me vê, vê o Pai" (Jo. 14, 9). E é importante notar como, em ambos os casos, Jesus está falando do mistério da SS. Trindade. Então, se entendemos que nem mesmo no Paraíso, quando veremos a Trindade face a face, será possível esgotar a beatitude da Trindade que, por mais que Deus no-la queira fazer participante, só é inteiramente acessível ao próprio Deus, não é também dificil entender por que aqueles que entreveem algo deste mistério nas palavras de Jesus guardam para sempre suas palavras no coração e jamais terminam de entendê-las, como o Evangelho diz que fez Maria: "Eles não entenderam a palavra que havia lhes falado. Sua mãe guardava todas as palavras em seu coração" (Luc. 2, 51). Ainda sobre Jesus no Templo. Quando ensinava, Jesus ensinou sobre muitas coisas que sua mãe fazia. Lucas diz: "Sua mãe guardava todas as palavras em seu coração" (Luc. 2, 51). Jesus ensinou constantemente como guardar a sua palavra. Jesus disse aos judeus que nele haviam crido: "Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus discipulos, e conhecereis a verdade" (Jo 8, 31). Disse depois também aos seus apóstolos, durante a ultima ceia: "Eis que estais puros, por causa da palavra que vos fiz ouvir" (Jo 15, 3). Após a ceia, dirigindo-se ao Pai, fez um balanço do resultado de seus ensinamentos: "Pai, manifestei teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus e a mim os deste. E eles guardaram a tua palavra" (Jo. 17, 6). E o discipulo a quem Jesus amava, e que havia vivido com Maria após a morte de Jesus, assim resumiu o que ele também deve ter visto Maria fazer: "Aquele que verdadeiramente guarda a sua palavra, neste o amor de Deus se terá tornado perfeito" (1 Jo 2, 5). Jesus chama a menina de volta à vida. Antes disso, porém, havia dito ao seu pai: "Não temas, crê somente" (Mc. 5, 36). A fé está envolvida todas as realidades descritas pelo Evangelho. Sem ela não é possivel "guardar todas as palavras no coração", como fazia a mãe de Jesus. Sem fé não é possivel entender quase nada do que Jesus ensinou. São Paulo define o Evangelho como "uma força de Deus ('dynamis Theou') que age sobre aqueles que crêem" (Rom. 1, 17). Hugo de S. Vitor diz que pela pureza de coração produzida pela fé é possível experimentar interiormente a realidade das coisas que se crêem. São Paulo diz que a fé é a realidade ('hipostasis') das coisas que se esperam (Heb 11, 1). Assim, não é dificil perceber que para guardar a palavra é necessária a fé. Foi aos que creram nEle que Jesus disse: "Se permanecerdes na minha palavra sereis verdadeiramente meus discipulos" (Jo. 8, 31). E na última ceia, quando Jesus diz que seus discípulos haviam guardado a palavra, disse também antes que isto foi porque Ele lhes havia manifestado o nome de Deus (Jo. 17, 6). Ora, diz Hugo de S. Vitor, o nome de Deus é a fé. Deste modo, quando no episódio do menino Jesus no Templo se diz de Maria que "guardava todas as palavras em seu coração", é possivel entrever aí a fé da que também havia recebido a Anunciação. Maria foi elogiada na Anunciação como "Bem aventurada a que creu, porque as coisas que lhe foram ditas por parte do Senhor hão de se tornar realidade perfeita". (Luc. 1, 45). Ao que Maria, concordando, respondeu: "Minha alma engrandece o Senhor porque o Poderoso fez em mim grandes coisas, grande é o seu nome" (Luc 1, 49). Não só a Maria foram anunciadas grandes coisas por parte do Senhor. São João diz que Deus concede aos que crêem "o poder de se tornarem filhos de Deus" (Jo. 1, 12). "Jesus falava a palavra através de muitas parábolas, conforme podiam ouvir, e sem parábolas não lhes falava" (Mc. 4, 34). Uma parabola é como uma gravura apresentada em palavras. Elas nos querem dizer algo que os olhos não podem ver. O problema é que elas não podem ser entendidas apenas pelo trabalho da inteligência. Não adiantaria, por exemplo, consultar um dicionário especializado em parábolas. Seria preciso, em vez disso, como Maria, guardar as palavras no coração (Luc. 2, 51). Nos homens brilha uma luz que os olhos não podem ver. As parábolas somente podem ser entendidas através desta luz que "estava na vida e que brilha em todo homem" (Jo. 1, 4). O propósito das parabolas é nos ajudar a encontrar esta luz. "Muitas vezes e de muitos modos Deus falou aos pais pelos profetas, e nestes últimos dias nos falou pelo seu Filho" (Heb. 1, 1-2). Assim, quando pela fé percebemos que Deus nos quer dizer algo que os olhos não vêem, é preciso não fechar o coração (Heb. 4, 7). É preciso guardar, pela memória, durante longo tempo, a palavra no coração, por meio da caridade. Para fazer isto bem feito, além disso, temos que considerar que em nosso coração há muito lixo acumulado desde muito tempo e que deve ser limpo. Com isto fica evidente que o entendimento de uma parábola é fruto do trabalho conjunto das três virtudes teologais, da fé, da esperança e do amor. As palavras de Jesus dirigidas à sua mãe no Templo, que a nós podem parecer uma descompostura de criança, foram para Maria como as parábolasdirigidas aos apóstolos, mas são muito mais fortes do que, por exemplo, a parábola do semeador (Mc. 4, 1-9), e encontraram um coração mais preparado. Maria soube entendê-lo, e "guardou todas as palavras no coração". Muitos anos depois da morte e ressurreição de Jesus, quando Lucas foi visitá-la para escrever o seu Evangelho, ainda estavam fortemente gravadas em seu coração, mais do que muitas outras. Quando João, que morou com Maria, iniciou seu Evangelho com as palavras: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (Jo 1, 1), não é impossivel entrever aí traços de Maria que guardava em seu coração as palavras de Jesus no Templo. Como discípula de Cristo, Maria era bastante diferente dos apóstolos. É evidente, por exemplo, que se tivesse estado na barca em meio à tempestade, ela não teria se apavorado, nem gritado em desespero, pedindo por socorro. Ela foi um exemplo de fé com a qual Deus nos quis ensinar algo a ser guardado em nossos corações. A gravura mostra o que ocorre conosco quando cremos em Cristo: ele nos abraça em sua humanidade e quer nos comunicar o amor com que o Pai o ama, no interior da Trindade, desde toda a eternidade. "Esta é a realidade", diz S. Inácio de Antioquia (Ef. 15, 3), "e ela se manifestará diante de nossas faces, se o amarmos santamente". Para entender isto, é preciso notar que para ver não são suficientes os olhos. É necessária também a luz. Assim também para crer não basta a fé. É necessária também uma outra luz, que os olhos do corpo não são capazes de ver. Esta luz brilha em todos os homens. Ela estava no Verbo e é a vida. Mas os homens decidiram viver na escuridão e não são capazes de receber esta luz. O Verbo então se fez carne e quis construir em nós o seu santuário. Quando cremos, não somos nós que vivemos, mas permitimos que Cristo viva em nós (Gal. 2, 20). O corpo de Cristo ressuscitado, diz S. Tomás de Aquino (ST. IIIa, Q. 48 a.6 ad 2), apesar de sua corporeidade, possui uma força espiritual por estar hipostaticamente unido à divindade. Por isto, pelo "contato espiritual da fé", Cristo em sua humanidade vem nos comunicar a luz verdadeira que, apesar de já brilhar em todos os homens, eles não eram capazes de receber. Aos que porém o receberam, "deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus" (Jo. 1, 12). "Este é o mistério que ficou escondido desde todos os séculos e desde as gerações", diz S. Paulo, "mas agora foi manifestado aos que Deus quis dar a conhecer a riqueza de sua glória: Cristo em nós" (Col. 1, 26-27). E este é o testemunho de Deus, diz S. João: "quem tem o Filho, tem a vida" (1 Jo. 5, 9-12) Maria escolheu "a melhor parte, que jamais lhe será tirada" (Luc. 10, 42). 1. E São Paulo diz a Timóteo, seu "reconhecido filho na fé" (1 Tim. 1, 1), que a "primeira de todas as coisas" ('próton panton') é a oração, acrescentando serem quatro os modos ou as formas de oração (1 Tim. 2, 1). 2. Os quatro modos de oração que S. Paulo menciona, em grego, são a deésis, a proseuké, a entéuksis e a eukaristia (1 Tim. 2, 1). A Vulgata Latina traduz estes termos como obsecratio, oratio, postulatio e gratiarum actio. A Biblia de Jerusalém os traduz para o português como pedido, oração, súplica e ação de graças. Do que parece concluir-se ser muito dificil traduzir do grego estes termos para qualquer outro idioma. Tanto na tradução Latina como na Portuguesa não é fácil entender o que o Apóstolo quer ensinar. 3. A primeira das formas de oração é a deésis, que pode ser traduzida como pedido. Mas só pedimos verdadeiramente o que desejamos. Para pedir, então, há que se aprender a desejar, e tratam-se aqui de desejos das coisas celestes. 4. A segunda forma é a proseuké. O Pai Nosso, a Ave Maria e outras orações semelhantes são proseuké. São orações aprendidas porque nos foram transmitidas pelas Escrituras ou pela Tradição. 5. Mas observando mais atentamente a própria palavra, notamos que proseuké vem do verbo eukomai. Eukomai significa desejar. Euké é desejo. 6. Proseuké, então, significa, na verdade, "para desejar". Assim entendendo, é o próprio Deus que, vendo que já aprendemos a desejar as coisas do alto, nos ensina melhor o que devemos desejar e ordena, se assim o permitimos, pela proseuké, os desejos celestes. 7. Convém recordar aqui sobre isto o exemplo do profeta Daniel, um homem de Deus verdadeiramente extraordinário. Os próprios anjos estavam tão impressionados com sua oração que o chamaram de "homem de desejos" (Dan. 10, 11). 8. A terceira forma de oração mencionada por S. Paulo é chamada de entéuksis, que é o modo mais profundo de oração. 9. A palavra "entéuksis" vem do verbo "tínkano", que significa alcançar, obter, pegar, golpear. "Tínkano" pode ser traduzido tanto como alcançar como também golpear porque significa alcançar com força. O tempo futuro de "tínkano" é "teuksomai". "Teuksomai", embora seja o mesmo verbo, deriva de outra raiz que significa construir. Aqui o significado parece dar a entender um alcançar com força, mas cujo resultado é não apenas algo tomado ou golpeado, mas também mais elaborado e trabalhado. De "teuksomai" vem a palavra "teuksis". "Teuksis" então seria uma construção alcançada e realizada com vigor ou poder. E de "teuksis" vem finalmente a "en- teuksis", que é um construir dentro, com fortaleza, um construir internamente com poder. 10. Isto as Escrituras e a experiência mostram que é o que sucede quando nos recolhemos com determinação e, interiormente, o Espirito Santo constrói, através da fé e da caridade, uma morada para Cristo. 11. É também o que Cristo descreve quando diz que "das entranhas dos que creem nEle correrão rios de água viva" (Jo. 7, 38). E João acrescenta que Jesus falava do Espirito Santo, que viria em Pentecostes. 12. A expressão "das entranhas" denota o recolhimento, ou também a cela interior. É o "en" da "en-teuksis". 13. Assim a "enteuksis", ou a "teuksis" que está "en", é a construção interior que pela fé o Espirito Santo faz em nós. São os tais "rios de água viva". 14. Do exposto pode-se entender que a "deésis", o "pedido", que é a primeira das formas de oração que São Paulo lista a Timóteo, é a base das demais formas de oração. Significa aprender a desejar, ser um "homem de desejos", como era o profeta Daniel. 15. A proseuké é a segunda forma de oração. A proseuké é mais profunda que a deésis. Através da Revelação a proseuké é por Deus conduzida e ensinada externamente (mas não somente). É o que ocorre quando Cristo nos ensina o Pai Nosso. Ele próprio no Evangelho chama o Pai Nosso de proseuké, quando diz: Assim, portanto, rezai (proseukéste) vós (Mat. 6, 9). 16. Se tivermos aprendido a nos recolher para orar, como Jesus ensina no preâmbulo do Pai Nosso (Mat. 6, 6), a "entéuksis" é conduzida por Deus de um modo puramente interno. É no recolhimento do quarto interior que Cristo nos envia o seu Espirito. A entéuksis é mais do que a proseuké. 17. Mas no fim aparece um quarto modo de oração, que S. Paulo chama de "eukaristia", isto é, o belo agradecimento. 18. No Novo Testamento eukaristia significa oração de agradecimento. Nos primeiros anos o sacramento do corpo do Senhor era chamado de "partir o pão". Só cem anos depois é que o sacramento começou a ser chamado também de eukaristia. Nas cartas de S. Inácio de Antioquia (c. 117 DC) o sacramento do corpo do Senhor já começa a ser chamado de eukaristia. Mas no Novo Testamento eukaristia significa oração de agradecimento. 19. As quatro formas de oração, a deésis, a proseuké, a entéuksis e a eukaristia,são listadas, nesta ordem, por São Paulo em 1 Tim. 2, 1. 20. Mas é interessante notar que a eukaristia é a quarta forma de oração, e não a primeira ou a segunda. 21. Considerando o que foi exposto, a eukaristia não parece que devia estar colocada por último. 22. A eukaristia parece ser a mais simples de todas as formas de oração. 23. Por que está então no fim da lista paulina? 24. A lição é forte. 25. É porque sem um ambiente pleno de eukaristia, não é possível desenvolver as outras formas de oração. 26. A eukaristia equivale ao preceito segundo o qual se alguém não toma a sua própria cruz (subentendendo-se, com alegria) não pode ser discípulo de Jesus. Um dos principais temas da escola de Jesus é a oração. É a unica coisa necessaria, diz Jesus. Segundo S. Paulo, é a primeira de todas as coisas. 27. A eukaristia é simples. Agradecer sempre, com alegria. Nunca reclamar com amargura. 28. Mas sem isso não se progride no resto. 29. Pode-se entender isto facilmente. Os frutos do Espirito Santo são agápe, alegria, paz, benignidade, etc. (Gal. 5, 22). Nada disso cresce sem eukaristia. 30. Então há que se reformar pela raiz o modo basico como entendemos a nós, às coisas e ao mundo. Um entendimento claro, mas sobrenatural, iluminado pelo Espirito Santo, cuja conclusão óbvia seja uma vida eukarística. Assim como abraçou as crianças, Jesus também sai em busca da ovelha perdida até encontrá-la e, achando-a, abraça-a e a coloca em seus ombros (Luc. 15, 4-5). Por estar unido à divindade, e porque Deus sustenta cada ente em sua existência, Cristo pode, em sua própria humanidade, tocar, abraçar e colocar espiritualmente sobre seus ombros cada um de nós. Isto ocorre com certeza quando nos recolhemos para rezar e cremos em Cristo. Por isto a fé é tão importante. Pela fé abraçamos realmente a Cristo. Não há como exagerar a relevância deste ponto. Formar Cristo em nós é o principal trabalho da pedagogia cristã. É preciso um trabalho de parto, diz São Paulo, até que "Cristo seja formado em nós" (Gal. 4, 19). E São Paulo diz também que "trabalhava e lutava com toda a energia, ensinando os homens em toda a sabedoria, até apresentá-los perfeitos em Cristo" (Col. 1, 28-29). Pela fé Cristo não somente vive em nós (Gal. 2, 20), mas também fala conosco: "As minhas ovelhas ouvem a minha voz", diz Jesus, "e eu chamo cada uma pelo próprio nome" (Jo. 10, 3). São Paulo conhecia esta voz e dizia que "sua palavra é viva, penetrante, alcança até a divisão da alma e do espírito, e não há criatura oculta à sua presença" (Heb. 4, 12-13). Quando Jesus nos toma em seus braços, ele nos quer falar principalmente sobre a Santíssima Trindade. O quanto o Pai nos ama, e como o Pai o enviou para nos manifestar este amor: "Não sabiam que eu devia estar nas coisas de meu Pai?" (Luc. 2, 49). "Assim como o Pai me amou", diz Jesus, "assim também eu vos amei. Permanecei em meu amor" (Jo. 15, 9). A gravura é sobre a profundidade da fé que o Evangelho nos pede. "Eu sou a ressurreição e a vida", disse Jesus. "Crês nisso?" "Quem crê em mim, se estiver morto, viverá, e se estiver vivo, não morrerá para a vida eterna" (Jo. 11, 26). E este é o mistério da Encarnação, diz S. Tomás de Aquino: "Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo. 3, 16) (ST. IIIa. Q. 1, a. 2, sc). Narra o Evangelho que "o filho mais novo estava ainda ao longe. Quando o pai o viu, encheu-se de compaixão e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos" (Lc. 15, 20). Na parábola do filho pródigo, o pai espera que o filho mais novo caia em si e decida voltar para casa para então ir ao seu encontro. "O filho mais velho, porém, enraivesceu-se e não queria entrar" (Lc 15, 28). O contexto da parabola mostra ter sido apresentada aos fariseus que murmuravam porque Jesus recebia os pecadores e comia com eles (Lc. 15, 2). O filho mais velho, então, fazia na parabola o papel dos fariseus. Tivesse sido apresentada em outro contexto, e principalmente após a ressurreição, o pai não teria esperado pela volta do filho mais novo. Teria enviado o filho mais velho em busca do mais novo. Teria-lhe dito: "Teu irmão mais novo sofre no meio da lama, comendo lavagem de porcos. Toma um burrinho, procura-o, abraça-o, beija-o por mim, faz-lhe saber o quanto eu o amo e traze-o de volta". Ao encontrá-lo, o mais velho lhe diz: "Irmão, que fazes tu em meio a toda esta lama? E que comida é esta com que te alimentas? O pai te ama e me pediu que te abraçasse e te beijasse com o amor com que me ama. Crê em mim. Sou eu mesmo. Sobe no burrinho e vamos para a casa do pai nosso". Esta é a realidade que ocorre quando estamos recolhidos em oração, cremos em Cristo e reconhecemos a sua voz. São João diz que "quem crê que aquele que vêm pela água e pelo sangue", isto é, pela fé e pelo amor, "é Jesus, o Filho de Deus, este venceu o mundo" (1 Jo. 5, 5-6). Este também é o motivo porque tantas vezes Jesus repetia: "Filha, a tua fé te salvou" (Mc. 5, 34). E também: "Não se turbe o vosso coração. Crêde em Deus, crêde também em mim" (Jo. 14, 1). Por estar hipostaticamente unido à divindade, Cristo pode realmente abraçar- nos em sua humanidade, onde quer que estejamos, sempre que nEle cremos. É por causa desta maravilha que São Paulo escreveu: "Quero que saibais a luta em que me empenho por vós para que chegueis à compreensão deste mistério de Deus, que é Cristo, em quem se acham escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, e em quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Col. 2, 2-3; 2, 9). Nós subimos no burrinho quando "permanecemos no seu amor" (Jo. 15, 9). A casa do pai é a Santíssima Trindade. O Pai é verdadeiramente pai dentro da Santíssima Trindade. O verdadeiro amor de Pai é o que existe na Santissima Trindade. São Paulo dá testemunho disto claramente, quando diz aos cristãos de Éfeso: "Dobro o meu joelho diante do Pai, do qual toma nome toda a paternidade, no céu e na terra" (Ef. 3, 15). É ainda na casa do Pai onde existe o verdadeiro amor. "Deus é amor" (1 Jo 4, 16), mas o verdadeiro amor é aquele pelo qual o Pai ama o Filho, no interior da Santíssima Trindade, hoje e sempre, desde toda a eternidade. É por causa deste amor que existe na Trindade que o maior de todos os mandamentos é o mandamento do amor (Mc. 12, 29). Cristo se encarnou para poder-nos conduzir a conhecer e partilhar o amor que existe na casa do Pai. Ele o disse exatamente assim: "Vou preparar-vos um lugar na casa de meu Pai. E para onde eu vou, conheceis o caminho" (Jo. 14, 2-4). Relata o Evangelho que em Jericó havia um homem chamado Zaqueu, rico e pecador, que procurava ver Jesus. Jesus lhe diz: "Zaqueu, desce depressa, pois hoje devo ficar em tua casa" (Lc 19, 5). Todos murmuravam, dizendo: "Foi hospedar-se na casa de um pecador" (Luc. 19, 5). Mas Zaqueu respondeu: "Senhor, eis que eu dou metade de meus bens aos pobres e, se defraudei alguém, restituo o quádruplo" (Lc. 19, 8). Esta, e outras histórias, mostram que a semente da fé, para produzir fruto, deve romper com o pecado. À adúltera que seria apedrejada, Jesus diz: "Ninguém te condenou, nem eu te condeno. Mas vai, e de agora em diante não peques mais" (Jo. 8, 11). E a mulher pecadora, "sabendo que Jesus estava à mesa, aos pés dele, chorava e com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e a ungi-los com perfume" (Lc. 7, 38). E a todos indistintamente João diz: "Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo,nele não está o amor do Pai" (1 Jo. 2, 15). Durante a última ceia, "sabendo Jesus que chegara a hora de passar ao Pai" (Jo. 13, 1), deixou-nos um presente extraordinário. Ao recebermos a Eucaristia, recebemos realmente o corpo e o sangue de Cristo, sua humanidade unida à divindade, que permanece sacramentalmente conosco enquanto se conservarem íntegras as aparências do pão e do vinho. Pelo que, ao receber a Eucaristia, importa muito crer firmemente na presença de Cristo e amá- lo enquanto se preservam as aparências de pão e vinho. O efeito deste sacramento, diz S. Tomás de Aquino, é o de uma refeição espiritual, que conduz o amor ao ato (ST. IIIa. Q. 79 a.1 ad 2). A este contato espiritual e união de amor produzidos pela Eucaristia aplicam- se estas palavras de Jesus: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Permanecei em mim, e eu em vós. Como o ramo não pode dar fruto, se não permanece na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto, porque sem mim não podeis fazer nada" (Jo. 15, 1-5). Ora, segundo S. Tomás de Aquino, este contato espiritual entre nós e a humanidade de Cristo se dá não apenas pelos sacramentos, mas "pela fé e pelos sacramentos da fé" (ST. IIIa, Q. 48 a.6, ad 2). Por este motivo, a refeição espiritual produzida pela Eucaristia pode ser estendida a todo o tempo pelo exercicio da fé em Cristo. Estes são os principais momentos em que podemos crescer em graça diante de Deus. São os momentos mais preciosos de nossa vida, "os únicos realmente necessários" (Lc. 10, 14). Sobre eles dizia Santo Inácio de Antioquia, o discípulo pessoal de São João: "Não me agradam o alimento corruptível, nem os prazeres desta vida. Quero o pão de Deus, que é a carne de Jesus Cristo, e como bebida quero o seu sangue, que é amor incorruptivel" (Rom. 7, 3). E também: "A fé é a carne do Senhor, e o amor é o sangue de Cristo" (Tral. 8, 1). E porque é assim que Cristo insistia, na última ceia: "Permanecei no meu amor" (Jo. 15, 9). E a quem permanecesse em seu amor, isto é, no amor do Verbo Encarnado, Ele prometia que "seria amado pelo seu Pai" (Jo. 14, 21). Para alguns pode parecer difícil alcançar qual seria a distinção entre estas duas coisas. Mas são os que se habituam à intimidade com o Verbo Encarnado, pela fé e pela Eucaristia, que começam a compreender quem é o Pai. A estes Jesus diz que "meu Pai o amará, a ele viremos e nele estabeleceremos a nossa morada" (Jo. 14, 22). Não poderia ser diferente. Poucos anos antes, Jesus já o havia explicado aos seus apóstolos: "Ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho quiser revelar" (Mat. 11, 27). "O justo vive da fé", diz São Paulo, e "caminha da fé para a fé" (Rom. 1, 17). O Apóstolo compara este caminho à vida dos atletas que competem nos estádios, onde os competidores se preparam poderosamente em tudo, para poderem receber o prêmio de uma coroa que, no caso dos justos, é incorruptível (I Cor. 9, 25). Renovar pela fé, dia a dia, o homem interior, "não olhando para as coisas que se vêem, mas para as que não se vêem" (2 Cor. 4, 16-18) é o bom combate que São Paulo diz a Timóteo ter combatido ininterruptamente. O combate da fé (2 Tim. 4, 7). Os que lutam verdadeiramente neste combate logo percebem que o grande inimigo não é a fraqueza humana. O pecado não se resume em um equivoco cometido que pode ser facilmente reparado. Quem peca se torna escravo do pecado. São Paulo diz que há uma lei do pecado que peleja contra a razão e que nos acorrenta ao próprio pecado (Rom. 7, 23). O pecado, portanto, se assemelha muito mais ao politico que se corrompe do que ao matemático que comete um erro de cálculo. A corrupção é oferecida ao político de caso pensado. Uma vez aceita, ele se submete ao submundo do crime, uma realidade paralela que tem suas próprias leis não escritas. O pobre homem passa a viver na casa do ladrão, de onde não conseguirá sair apenas atravessando a porta. Por isso é que São Paulo, ainda falando do bom combate, diz que "nosso combate não é contra o sangue, nem contra a carne, mas contra os espiritos dominadores deste mundo de trevas" (Ef. 6, 12). O ingresso neste submundo não se dá somente pelo pecado, mas também "pelo amor do mundo e do que há no mundo". "Se alguém ama o mundo", diz S. João, "nele não está o amor do Pai" (1 Jo. 2, 15). Por isso o demônio, que desde o início reconheceu em Cristo um homem justo, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e lhe disse: "Tudo isto é meu, e tudo isto te darei se, prostrado, me adorares" (Mt. 4, 9). A proposta não foi aceita. O tentador não desiste. Na última ceia Jesus sabia "que o diabo pusera no coração de Judas Iscariotes que o entregasse" (Jo 13, 2). Jesus então se prepara para "resgatar- nos do Maligno" (Mt. 6, 13), contra o qual também nós teremos que lutar. Para preparar-nos para esta luta, São Paulo deseja aos cristãos de Tessalônica estas duas coisas: "o amor de Deus e a hypomoné de Cristo" (2 Tess. 3, 5). Hypomoné é uma palavra grega impossível de traduzir em qualquer língua, inclusive o Latim. Aparece uma infinidade de vezes nos escritos dos apóstolos. Trata- se de uma virtude sem a qual não pode haver vitória no combate espiritual. É uma grande paciência, unida a uma não menor perseverança, ambas levadas ao heroismo. O maior exemplo de hypomoné que jamais existiu nos foi dado por Cristo em sua paixão. Aquele que devia confirmar os irmãos na fé em Cristo, negou por três vezes a Cristo. Outros apóstolos simplesmente fugiram. Não é curioso notar que foi apenas Pedro quem foi repetidamente tentado para negar Cristo? Atado, Jesus é conduzido pelos judeus ao Pretório (Jo. 18, 12). Pilatos pergunta a Jesus: "O que é a verdade?" (Jo. 18, 38) Não espera resposta. O Pai da mentira aplaude em delírio: "Grande, Pilatos! Excelente!" A morte de Cristo na cruz contém lições supremas de fé. Durante a vida pública Jesus havia dito abertamente (Mc. 8, 31) aos discípulos que sofreria pelas mãos dos judeus, seria morto e ressuscitaria ao terceiro dia. Apesar de tê-lo repetido diversas vezes, os apóstolos não compreendiam a palavra (Mc. 9, 32). A Escritura diz que eles ficavam tristes. Por este motivo, quando Jesus foi preso, repetiam-se cenas que já haviam sido vistas antes. Por ocasião da prisão de Jesus, seus discípulos fugiram apavorados. Os discípulos já haviam se acovardado, por ocasião de uma tempestade em uma barca, e Jesus os censurou pela sua pouca fé (Mc. 8, 26). Ao Jesus ser preso, Pedro inicialmente não quis fugir, como os demais. Mas depois, apavorado pelas acusações, negou a Cristo três vezes. Em outro momento, em outra barca açoitada pelas ondas, Pedro havia tentado caminhar sobre as águas mas, assustado pela força do vento, começou a afundar. Jesus novamente censurou-o pela sua pouca fé (Mt. 14, 32). A fé que faltava então aos apóstolos foi mais tarde descrita por João como um encontro com a luz: "Nós ouvimos e vimos com os nossos olhos", pela fé, "Aquele que era desde o princípio, o contemplamos e apalpamos, porque a vida se manifestou e este é o testemunho que vos anunciamos, que Deus é luz e nele não há treva alguma" (1 Jo. 1, 1-5). "Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens" (Jo. 1, 4). Se Jesus falava tão insistentemente de sua paixão com os apóstolos, certamente não o ocultava de sua mãe. Ao contrário, devia falar-lhe com mais clareza e detalhe. Não é de se supor que Maria ficasse triste. Em vez disso ela cria, e via o que os olhos não podem ver. Assim, quando Jesus foi preso, não foi umasurpresa para Maria. Ela devia também saber que seu filho seria abandonado pelos discípulos. Desde antes da Anunciação a fé de Maria era grande. O justo vive da fé, e cresce constantemente da fé para a fé. Quando Jesus lhe falava de sua morte, Maria pode ter respondido a Jesus: "Meu filho, sempre guardei em meu coração que devias estar nas coisas de teu Pai. Meu coração está onde está o teu. Graças a ti, Ele também é meu Pai. Naquele dia, eu estarei feliz de estar contigo". Aos pés da cruz, a fé de Maria não era como a dos apóstolos na barca, nem como a de Pedro caminhando sobre as águas, nem como a de uma mulher iluminada pela luz mas, segundo o testemunho de João, Maria era, "em meio às dores de um parto, como uma mulher vestida de Sol" (Apoc. 12, 1-2). Era também um exemplo da hypomoné a que todos somos chamados, para entrar no Reino de Deus. Depois das virtudes teologais, a hypomoné é a maior de todas as virtudes. É o que se entende das palavras de São Paulo, quando deseja aos Tessalonicenses "o amor de Deus", isto é, as virtudes teologais, "e a hypomoné de Cristo" (2 Tes. 3, 5). Jesus ensina manifestamente a mesma coisa quando diz, na parábola do semeador, que o último obstáculo antes da semente alcançar a terra fértil, onde ela dará abundante fruto, é o espinheiro, que somente pode ser vencido por uma hypomoné perfeita. Jesus também repete o mesmo ensinamento quando diz que ninguém pode ser seu discípulo se, renunciando primeiro a si mesmo, não toma a sua cruz (subentendendo-se, 'com muita alegria': Mt. 5, 12), e o segue (Mt. 16, 24). A história de Maria nos mostra, mais do que qualquer outra, como realizar estas coisas. Se queremos ressuscitar junto com Cristo, temos que morrer para o mundo. "Se alguém ama o mundo", diz João, "nele não está o amor do Pai" (1 Jo. 2, 15). Mas não é possivel morrer para o mundo sem uma hypomoné perfeita. Mas a hypomoné perfeita exige uma fé brilhante como o Sol, como vemos na mãe de Jesus. "Sem fé é impossivel agradar a Deus" (Heb. 11, 6). "Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Considerai as coisas do alto, não as coisas da terra, pois vós morrestes e vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Col. 3, 1-3). Nesta passagem da Epístola aos Colossenses, São Paulo nos ensina a rezar. "Se ressuscitastes com Cristo" fica melhor traduzido "se fostes co- ressuscitados ('sin-eghérthete') com Cristo". Sua ressurreição é a causa de nossa ressurreição. O Apóstolo aqui se refere à graça santificante, o esplendor da alma pelo qual participamos da natureza divina (ST Ia IIae, Q. 110, a. 2-3). "Buscai as coisas do alto": buscai ('zeteite') é o mesmo 'buscai' ('zeteite') do Sermão da Montanha. "Buscai ('zeteite') em primeiro ('proton') o Reino de Deus e a sua justiça (santidade)" (Mt. 6, 33). De onde se conclui que 'as coisas do alto' e o 'Reino de Deus' se referem à mesma realidade a ser buscada ('zetein'). Buscai o Reino de Deus "em primeiro" ('proton') é a mesma expressão usada por São Paulo quando escreve a Timóteo e coloca a oração como a "primeira de todas as coisas" ('proton panton') (1 Tim. 2, 1). De onde se conclui também que "as coisas do alto", o "Reino de Deus" e a "oração" se referem à mesma realidade. "Onde Cristo está sentado à direita de Deus" é uma referência evidente à Santíssima Trindade. São Paulo está nos dizendo que devemos buscar na oração a Santíssima Trindade, a fonte do amor de Deus (1 Jo. 4, 16), aquele amor com que desde toda a eternidade o Pai ama o Filho e ao qual Jesus se refere quando diz: "Assim como o Pai me ama, assim eu vos amei" (Jo. 15, 9). "Considerai as coisas do alto, não as coisas da terra": estas palavras se referem ao exercicio da fé. Não é possivel considerar as coisas do alto sem o exercício da fé. Sem a fé, nossos olhos somente vêem as coisas da terra. Somente pela fé podemos ver o que os olhos não vêem. Isto ocorre quando a fé é iluminada por aquela luz que nos é intermediada pelo Verbo: "Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens" (Jo. 1, 4). "Porque vós morrestes": o Apóstolo aqui nos quer mostrar que o exercício da fé, próprio da oração, não se pode dar sem ser precedido pelo recolhimento. O recolhimento não é apenas o silêncio. É, antes de tudo, a morte para as coisas da terra. "Se alguém ama o mundo, nele não pode estar o amor do Pai" (1 Jo. 2, 15). O que significa que antes de rezarmos e elevar-nos pela fé às coisas do alto, é necessário morrer e ser sepultado para as coisas da terra. O que, por sua vez, não se pode fazer sem a hypomoné e sem um grande desejo de fruir a Deus. São Tomás de Aquino diz que o ato próprio da caridade é a "busca da fruição de Deus, que é a essência da vida eterna" (ST Ia IIae, Q. 114, a.4) e que "nenhuma virtude possui tanta inclinação ao seu ato como a caridade" (ST IIa IIae, Q. 23, a.2). Por aqui então se entende por que São Paulo desejava que o Senhor conduzisse o coração dos Tessalonicenses "ao amor de Deus e à hypomoné de Cristo" (2 Tes. 3, 5). "Pois vossa vida está escondida com Cristo em Deus": com estas palavras São Paulo agora mostra que a parte central da oração é o amor. "A vossa vida" é uma expressão que significa o amor, pois é isto o que dizemos a quem amamos: "Tu és a minha vida!". Nossa vida estar escondida ('kekriptai', do verbo 'kripto') com Cristo significa que morrer para o mundo e o exercício da fé são, na oração, atos preparatórios para amar a Cristo, o qual está realmente presente e nos toca espiritualmente pelo exercicio da fé. Nossa vida estará escondida com Cristo em Deus porque, como dizia Jesus, "quem me vê, vê o Pai" (Jo. 14, 9), e não há outro caminho para conhecer o Pai a não ser pela união da fé e do amor no Verbo encarnado (Jo. 14, 6). Para vir a conhecer a felicidade que há na Santíssima Trindade, é preciso primeiro aprender a amar o Verbo encarnado, pois "nele habita corporalmente", diz São Paulo, "toda a plenitude da divindade" (Col. 2, 9). E o próprio Cristo no-lo atesta que é assim que tudo deve ser feito: "Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigênito, para que quem nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo. 3, 16). Assim Jesus ensinou seus discípulos a rezar: "Tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a tua porta, ora ao teu Pai que está no oculto ('kripto'). E o teu Pai, vendo no oculto ('kripto'), te recompensará" (Mt. 6, 6). Em seguida, disse: "Assim, pois, havereis de rezar", e lhes ensinou o Pai Nosso (Mt. 6, 9-13). Primeiro, "entra no teu quarto": entrar no quarto é o recolhimento que deve preceder toda oração. Isto significa que antes de rezar devemos com todo o empenho morrer totalmente para as coisas da terra. Em seguida, "fecha a tua porta": fechar a porta é o exercício da fé, iluminado por uma luz que os olhos não vêem e que procede de Deus através do Verbo encarnado. É a luz de que fala o prólogo do Evangelho de São João "a luz verdafeira que ilumina todos os homens" (Jo. 1, 9). A fé é movida por esta luz assim como o vento impulsiona as velas de um navio. É a causa eficiente pela qual a alma é movida ao conhecimento sobrenatural (ST Ia IIae, Q. 110 a.2). Pela fé não somente vemos o que os olhos não vêem mas também, uma vez visto um pouco, desejamos ver muito mais. Salomão já dizia: "Dá um pouco ao sábio, e ele se tornará ainda mais sábio" (Pr. 9, 9). Fechando a porta, pela fé somos abraçados por Cristo em sua humanidade, tão realmente como ele em sua vida terrena abraçou as crianças, como abraçou a ovelha perdida, e como o pai abraçou o filho prodigo. O que permiteque esta maravilha seja possivel é a união hipostática entre a natureza humana e divina em Cristo. Sendo assim, não é causa de espanto que quando os judeus perguntaram a Cristo o que deviam fazer para realizarem a obra de Deus, ele lhes tenha respondido: "Esta é a obra de Deus, que creiais naquele que Ele enviou" (Jo. 6, 29). Em outra palavras, a obra de Deus está em permitir que seu Filho nos abrace. "E esta é a realidade", diz Santo Inácio de Antioquia, "que se manifestará diante de nossas faces se o amarmos santamente" (Ef. 15, 3). Depois Cristo diz: "ora ao teu Pai que está no oculto e teu Pai, vendo no oculto, te recompensará". Isto significa que, tendo entrado no quarto e fechado a porta pela fé, Jesus ainda quer nos mostrar que dentro deste quarto existe um lugar mais reservado ou oculto ('kripto'). Trata-se do mesmo lugar onde São Paulo nos dizia que nossa vida está oculta ('kekriptai', do verbo 'kripto') com Cristo em Deus (Col. 3, 3). Procurar dentro deste quarto o lugar oculto, estando a porta fechada, é amar a Cristo que, em sua humanidade, está realmente presente pela fé. Jesus diz que neste lugar oculto o Pai nos vê porque "ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho quiser revelar" (Mt. 11, 27). Vendo-nos em Cristo, a recompensa que o Pai nos dará é o próprio amor a Cristo. Pois qual é o presente que Deus quer nos dar, senão o seu próprio Filho? "Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo. 3, 16). Neste lugar oculto repetem-se as palavras da transfiguração: "Este é o meu filho amado, ouvi-o" (Mt. 17, 5). E realiza-se também a parábola pela qual Jesus dizia que "o Reino dos Céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho" (Mt. 22, 2). Até aqui tudo isto é mais ou menos o mesmo que São Paulo havia ensinado aos Colossenses, quando disse que nossa vida está escondida com Cristo em Deus (Col. 3, 1-3). Mas para Jesus trata-se também da preparação para o Pai Nosso. É depois de ensinar estas coisas que Jesus diz que devemos rezar chamando a Deus não só de Pai, mas nosso, isto é, Pai de quem ora junto com Cristo a quem amamos, e Pai do próprio Cristo que nos ama. É outra maravilha que se realizou porque certa vez um pai pediu ao seu filho mais velho que tomasse um burrinho e fosse procurar o filho pródigo para dizer-lhe, em seu nome, o quanto este pai o amava. Mas ele também queria que, para recebê-lo, o filho pródigo amasse primeiro o seu irmão mais velho e voltasse com ele. O amor abre os olhos, muito mais do que imaginamos, e até mesmo os olhos da fé. "O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não alcançou, isto Deus preparou para os que O amam" (1 Cor. 2, 9). À medida em que pelo amor Verbo encarnado se abrem os olhos, acontece que, como diz Jesus, "quem vê a Cristo, vê também o Pai" (Jo. 14, 9). Jesus pede então que, junto com ele, através do Pai Nosso, nos dirijamos ao Pai, mas já dentro do mistério da Santíssima Trindade. A Santíssima Trindade é a casa do Pai. Agora é também a nossa casa. "Naquele dia", diz Jesus, "se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará" (Jo. 16, 23). "Nesse dia, pedireis em meu nome, e não vos digo que rogarei ao Pai por vós, pois o próprio Pai vos ama, porque vós me amastes e crestes que vim de Deus" (Jo. 16, 26-27). "Ide e fazei discípulos todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo, ensinando-as a guardar tudo o que vos mandei. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos tempos" (Mt. 28, 19-20). Estas palavras de Jesus, que são as últimas antes de subir ao céu, contém as suas três recomendações mais importantes. A primeira recomendação é: "Ide e fazei discípulos (mateiésate = discipulai) todas as nações". Para ser seu discípulo, segundo as palavras de Jesus, é necessário renunciar a si mesmo, tomar a própria cruz e segui-lo (Mt. 16, 24). Como, porém, confundimos nossa identidade com o mundo ou com o que há no mundo, renunciar a si mesmo significa quase a mesma coisa que "morrer para as coisas da terra" (Col. 3, 3). Isto, por sua vez, não se pode fazer perfeitamente sem tomar com alegria a própria cruz. Ou seja, faz-se necessária uma hypomoné perfeita, da qual Jesus e sua mãe foram exemplos consumados a serem estudados e imitados. No entanto, na prática dificilmente será possivel um caminho tão direto. Mesmo com estes exemplos, é fácil constatar que para quem ama o mundo e está mergulhado nele é dificílimo sequer saber o que significa concretamente morrer para as coisas da terra, a não ser muito superficialmente. Entender como realmente estas coisas se fazem depende de entender a finalidade destas exigências. Diz o Apóstolo João: "Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai" (Jo. 2, 17). Destas palavras entende-se que a razão para não amar o mundo é alcançar a experiência do amor que há na Santíssima Trindade, que nos é conunicada por Cristo em sua humanidade. É sob esta medida que devem ser executados os preceitos da renúncia e da alegria na cruz. Ocorre porém que na oração podemos ter uma prévia destes preceitos. Quando oramos, segundo Jesus, devemos primeiro entrar no quarto, o que significa morrer para o mundo. Segundo, fechar a porta, o que significa crer em Cristo, permitindo que ele viva pelo menos alguns momentos em nós. Terceiro, procurar o lugar reservado dentro do quarto, o que significa amar a Cristo, algo que já é dom do Pai. Jesus, de fato, diz: "Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai" (Mt. 16, 27). E também o diz São Tiago: "Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vem do alto, descendo do Pai das luzes" (Tg. 1, 16). Finalmente, conhecendo que quem vê o Filho, vê o Pai (Jo. 14, 9), dirigir-se, junto com Cristo, ao Pai, na Santíssima Trindade. É o desejo de Jesus, como testemunham suas palavras: "Rogo por todos os que crêem em mim, para que como tu, ó Pai, estás em mim, e eu estou em ti, também eles estejam em nós" (Jo. 17, 21). Se conseguimos fazer isto na oração, podemos ter uma noção de como o amor com que Jesus nos ama é o mesmo com que, no mistério da Trindade, o Pai ama o Filho, e porque Deus é amor e suprema felicidade. Se pudermos habitualmente, ainda que durante meia hora de oração, experimentar em Cristo o amor do Pai, saberemos o motivo exato por que é necessário morrer para o mundo e como se faz para renunciar a si mesmo e tomar com alegria a própria cruz para sermos discípulos de Jesus. Esta foi a primeira recomendação. A segunda é "batizar todos os povos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Esta passagem se completa pela do Evangelho de São Marcos: "Aquele que crer e for batizado, será salvo. O que não crer, será condenado" (Mc. 16, 16). De onde se compreende que batizar está estreitamente relacionado com crer. Ao pedir que batizassem todos os povos em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo, Jesus queria que fizéssemos ver, a todos, os tesouros da Santíssima Trindade, aquilo que "os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração humano não alcançou, mas que Deus preparou para aqueles que O amam" (1 Cor. 2, 9). Mas que jamais será alcançado se antes não amarmos o seu Filho e permitirmos que ele viva em nós pela fé. É a segunda recomendação. A terceira é "ensinar a guardar tudo o que Ele nos mandou". Segundo São João, os mandamentos que devem ser ensinados a todos os povos são dois: crer no Verbo encarnado e amarmo-nosuns aos outros como Jesus nos amou (1 Jo. 3, 23). Estes são os dois mandamentos que Jesus ensinou aos seus discípulos, conforme exposto ao longo do Evangelho de São João. O primeiro, que São João chama de o antigo mandamento (1 Jo. 2, 7), foi ensinado aos apóstolos durante os três anos e meio da vida pública de Jesus, nos capitulos de 1 a 12 do Evangelho de João. Jesus se refere a ter ensinado este mandamento quando diz: "Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste, e eles guardaram a tua palavra" (Jo. 17, 6). "A tua palavra é a verdade" (Jo. 17, 17). "O que guarda a sua palavra, neste verdadeiramente o amor de Deus se tornou perfeito" (1 Jo. 2, 5). "Este não é o mandamento novo, mas o antigo. Este mandamento é a palavra que ouvistes" (1 Jo. 2, 7). O segundo mandamento começou a ser ensinado por Jesus na última ceia: "Dou- vos um mandamento novo, que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros" (Jo. 13, 34- 35). Este é um mandamento novo porque para amar os outros como Jesus nos amou é preciso primeiro experimentar o amor com que Jesus nos amou. Isto não se faz sem primeiro morrer para as coisas da terra, sem o desenvolvimento da fé no Verbo encarnado e sem a experiência da vida do amor em Cristo na oração. Por isso Jesus demorou três anos e meio para exicar-lhes o novo mandamento. Jesus se refere a este segundo mandamento quando diz: "Como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo" (Jo. 17, 18), "para que o mundo reconheça que me enviaste e os amaste como tu me amaste" (Jo. 17, 23), e "para que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles" (Jo. 17, 26). Diz São João que "nisto conheceremos que somos da verdade, se guardamos os seus mandamentos" (1 Jo. 3, 19-22). E depois acrescenta que os seus mandamentos são estes: crer naquele que o Pai enviou e amarmo-nos uns aos outros como Jesus nos amou (1 Jo. 3, 23). Estes dois mandamentos, tais como Jesus os apresentou, não começam a ser praticados simultaneamente. É preciso antes praticar o primeiro durante longo tempo. "É preciso adquirir verdadeiramente a palavra de Jesus", diz S. Inácio de Antioquia, até "ser capaz de ouvi-lo no silêncio, e até que sejamos o seu templo" (Ef. 15, 2). "E esta é a realidade", continua S. Inácio, "que se manifestará diante de nossas faces se o amarmos santamente" (Ef. 15, 3). Sobre isto é que São Paulo também diz aos Hebreus: "Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações" (Heb. 4, 7). E sobre isto João diz, novamente: "Nisto se manifesta o amor de Deus em nós: Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que vivamos por Ele. Aquele que crê no Filho de Deus, tem este testemunho em si mesmo" (1 Jo. 4, 9; 5, 10). É a partir deste momento em que, através do Verbo encarnado, conhecemos o amor que Deus tem por nós, e começamos a experimentar "o quanto Deus é bom" (1 Pe. 2, 3), que podemos amar o próximo como Jesus nos amou. Não se pode, portanto, fazer isto desde o início. É por isto que trata-se de um novo mandamento. E é por isto que São Paulo diz aos Efésios: "Revistam-se primeiro da couraça da justiça" (Ef. 6, 14), a couraça na qual se unem "a fé e a caridade" (1 Tes. 5, 8) e depois "coloquem as sandálias da prontidão de anunciar o Evangelho da paz" (Ef. 6, 15). O novo mandamento do amor supõe, portanto, uma certa superabundância do amor de Cristo em nós. Por isso São João diz: "Quando este novo mandamento for verdadeiro em vós, as trevas já passaram e já brilha a luz verdadeira". Aquele que ama o seu irmão "permanece na luz e nele não há pedra de tropeço" (1 Jo. 2, 8-10). Os que já vivem os dois mandamentos de Jesus encontram-se, por outro lado, em uma situação nova. Desenvolve-se neles uma "pressa" (spoudé) espiritual, que é resultado de uma "esperança conduzida até a perfeição" (Heb. 6, 11). Esta passagem pode ser explicada por outra da Summa Theologiae de S. Tomás de Aquino onde ele expõe que há uma esperança que precede a caridade e outra esperança que procede da caridade. A esperança dos imperfeitos precede a caridade, diz S. Tomás, mas a esperança dos perfeitos procede da caridade. De fato, "é daqueles que mais amamos que mais esperamos" (ST IIa IIae, Q. 17, a.8). Esta segunda esperança, diz São Paulo, é como "uma âncora da alma", que nos estabelece firmemente no alto, "que penetra além do véu onde Jesus entrou por nós" (Heb. 6, 11). "Aqueles em quem o testemunho de Jesus se tornou firme", diz São Paulo, "esperam a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Cor. 1, 7). É através desta esperança, diz ele ainda, "que somos salvos" (Rom. 8, 24). Trata-se da esperança das virgens prudentes, que haviam acendido permanentemente uma lâmpada que queimava azeite (Mt. 25, 1-13). Nesta parábola, o azeite que queima é a caridade, e a luz permanentemente acesa é a fé. Estas lâmpadas são o mesmo que a couraça da justiça, ou a couraça da fé e da caridade, de que São Paulo fala a Efésios e Tessalonicenses. As virgens prudentes que mantinham as suas lâmpadas acesas eram também as que viviam na permanente esperança da manifestação de seu noivo; as demais, que possuíam estas lâmpadas, mas não tinham reserva de óleo nem as mantinham acesas, não viviam a esperança de seu noivo. Mas, segundo São Paulo, "a coroa do bom combate é dada apenas àqueles que amam a epifania do Senhor" (2 Tim. 4, 8). Esta epifania ou manifestação não pode ser amada ou esperada se não temos em nós uma lâmpada permanentemente acesa pelo óleo da caridade. A manifestação do Senhor, por sua vez, é o Pentecostes, como diz o próprio Jesus: "Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ele testemunhará de mim" (Jo. 15, 26). "Neste dia não vos falarei mais em figuras, mas claramente vos falarei do Pai" (Jo. 16, 25). Esta mesma promessa foi renovada no dia da Ascensão, quando Jesus disse aos apóstolos: "Permanecei em Jerusalém", isto é, em oração, "até serdes revestidos da força do alto" (Lc. 24, 49). Assim, movidos pela pressa (spoudé), que procede da esperança, os apóstolos, que na véspera da paixão não conseguiam rezar uma hora com Jesus (Mt. 26, 40), fecharam-se no cenáculo para entregarem-se tenazmente à oração por dez dias seguidos. Uma descrição destes dez dias foi cuidadosamente compendiada por S. Lucas: "Eles estavam tenazmente dedicados (proskarterountes), com um só proposito (omothymadon), à oração (proseuké), junto com as mulheres, e Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele" (Atos 1, 14). Os apóstolos retiraram-se dez dias seguidos à oração ('proseuké'), e a ela estavam tenazmente dedicados ('proskarterountes'). "Proskarterountes" é o particípio do verbo "proskartereo", de onde vem também o substantivo "proskarterésis" (dedicação tenaz). Trata-se de uma palavra quase que somente utilizada no Novo Testamento por São Lucas e São Paulo, dois amigos e companheiros próximos. Significa a intenção tenaz e obstinada de alguém que se concentra totalmente em um só objetivo. Não é a mesma coisa que hypomoné. A proskarterésis é uma dedicação tenacíssima que implica também uma certa exclusividade. A tenacidade da oração dos apóstolos era, além disso, segundo S. Lucas, "omothymadon". "Omothymadon" é uma combinação de "omo" com "thymadon". "Thymadon" é o advérbio do substantivo "thymós". A palavra tem um significado muito rico. Significa uma combinação de uma só alma, uma só vida, um só respiro, um só coração, um só desejo, uma só paixão, um só espirito, uma só coragem, uma só mente, uma só vontade, um só propósito. E nestes dez dias Lucas menciona com destaquea presença de "Maria, a mãe de Jesus", uma mulher cuja fé e cuja hypomoné não se comparava com a de nenhum apóstolo, que havia educado e convivido 30 anos com Jesus, que soube crer como ninguém quando da Anunciação, brilhar como o Sol durante a paixão de seu Filho, alguém que teve uma experiência de oração como jamais haveria outra na Igreja, conforme o diz a própria Escritura: "O Senhor fez em mim maravilhas, doravante todas as gerações me chamarão bem aventurada, santo é o seu nome" (Lc. 1, 48-50). Sem dúvida que foi sob a orientação de Maria que os apóstolos se prepararam para rezar e receber o Espírito Santo. O Pentecostes não foi, porém, apenas para os Apóstolos. Jesus o promete a todos, e as Escrituras nos mostram o caminho, tal como a estrela de Belém mostrou o caminho aos magos que procuravam Jesus: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, de suas entranhas correrão rios de água viva. Jesus falava do Espirito Santo que deveriam receber os que nele cressem" (Jo. 7, 37-39). Sobre isto S. Tomás de Aquino diz que o Evangelho "consiste, de um modo especial, na graça do Espírito Santo, pois cada coisa parece ser aquilo que nela há de principal. Ora, o que é principalíssimo no Novo Testamento, e no qual consiste toda a sua virtude, é a graça do Espírito Santo, que nos é dada pela fé em Cristo" (ST Ia IIae, Q. 106, a.3). Após Pentecostes, disse Pedro ao paralitico: "Prata e ouro não tenho para mim; o que tenho, isto te dou. No nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda" (Atos 3, 6). Até hoje Pedro tem curado inúmeros paralíticos. Pedro nos explicou em suas cartas como Jesus conduziu os apóstolos ao Pentecostes. Dediquem-se com toda a pressa (spoudé), diz Pedro, e comecem pela fé (pístis) (2 Pe. 1, 5). Uma fé que seja "do mesmo valor que a minha" (2 Pe. 1, 1), diz ainda Pedro, isto é, a fé no Verbo encarnado. É a fé pela qual permitimos que Cristo viva em nós, tal como Maria, quando creu por ocasião da Anunciação e foi chamada bem-aventurada por ter crido. Jesus mesmo diz que pela fé nos tornamos sua mãe e seus irmãos: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe" (Mt. 12, 49). Mas no Evangelho de São João ele explica qual é a vontade de seu Pai: "A obra de Deus é que acrediteis naquele que Ele enviou" (Jo. 6, 29). Pela fé, diz São Paulo, Cristo vive em nós (Gal. 2, 20). E isto vale principalmente na oração, quando entramos no quarto, fechamos a porta pela fé e nos dirigimos ao lugar oculto, onde nossa vida está escondida com Cristo em Deus, onde o Pai nos vê e nos recompensa, dando-nos a conhecer, pela caridade, o seu Filho encarnado (Mt. 6, 6). Esta é a fé de mesmo valor que a de Pedro. Isto feito, diz Pedro, à fé acrescentem a virtude ('areté') (1 Pe. 1, 5). A areté a que Pedro se refere são as virtudes infusas de que S. Tomás de Aquino trata na Summa Theologiae (Ia IIae, Q. 63, a. 3-4). São virtudes que não se adquirem pelo treino. Em vez disso, são infundidas por Deus à medida em que avançamos na vida espiritual pelo desenvolvimento das virtudes teologais. Estas virtudes, quando amadurecem, são facilmente reconhecíveis pelos frutos do Espirito Santo enumerados por São Paulo na espístola aos Gálatas: "Amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, fortaleza" (Gal. 5, 22). À virtude, continua Pedro, acrescentem o conhecimento (gnosis) (2 Pe. 1, 5). Sem uma fé amadurecida pela virtude, o conhecimento não é possível. Trata-se do conhecimento que surge quando, sobre uma fé robustecida pela virtude, guardamos as palavras de Deus no coração, como fazia a mãe de Jesus (Lc. 2, 49), inclinando decididamente a mente às coisas que não se vêem. Ao conhecimento, continua Pedro, acrescentem o fortalecimento (enkratéia) (2 Pe. 1, 6). É impossivel achar uma tradução adequada para enkratéia. A Vulgata traduz por abstinência, mas a palavra, pelo menos hoje, não transmite toda a realidade. Tampouco automínio, tradução comum nas versões portuguesas. Empoderamento talvez fosse melhor, mas tampouco é adequada. Nem mesmo fortalecimento satisfaz. Enkratéia é uma palavra derivada de "kratos" (força, poder). Democracia significa o povo (demos) no poder (kratos). "Pantokrator" significa todo-poderoso. No grego existe ainda o verbo "enkrateiomai", que deriva de enkratéia. Quem 'enkrateietai' é quem faz as coisas com enkratéia. A enkratéia é o poder que age naqueles que, guiados por um conhecinento mais claro das coisas divinas, são capazes de vivenciar que o progresso na fé implica um combate. Este combate, diz São Paulo, assemelha-se aos que correm no estádio: "Todos correm, mas só um ganha o prêmio, e o que luta, faz tudo com enkratéia ('panta enkrateietai'). Correi, pois, deste modo, para vencerdes" (1 Cor. 9, 25). E Jesus completa São Paulo: "Ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da árvore da vida, que está no Paraiso de meu Deus" (Apoc. 2, 7). Não basta, portanto, apenas lutar; é preciso aprender a lutar com tudo, e este poder tem que vir de Deus, pela graça. É a enkratéia. Sem enkratéia não pode haver hypomoné. Por isso Pedro continua e diz que à enkratéia deve-se acrescentar a hypomoné (2 Pe. 1, 6). Daqui e de muitas outras passagens pode-se depreender o quanto a hypomoné é decisiva no desenvolvimento da vida cristã. A hypomoné é o resultado esperado da enkratéia. A hypomoné é o heroísmo da paciência e da perseverança de que Jesus nos deu o maior exemplo em sua paixão. Sem hypomoné não é possível não amar o mundo. Onde houver amor do mundo, ali não estará o amor do Pai e a oração nunca terá sua semente plantada em terreno fértil. Se não fosse algo tão importante, Jesus não nos teria deixado com tanta insistência um exemplo tão claro e tão inequívoco. À hypomoné, continua Pedro, acrescentem a eusebéia (2 Pe. 1, 6). "Eusebéia" costuma ser traduzido como "piedade", mas esta palavra revela pouco de seu conteúdo ao homem moderno. A eusebéia se manifesta naquele modo de oração em que, segundo S. Inácio de Antioquia, podemos começar já a "ouvir a palavra de Jesus mesmo em meio ao silêncio" (Ef. 15, 2). A eusebéia se dá quando a fé deixa de ser apenas aquela pela qual, "ao entrar pelo ouvido, compreendemos o ensinamento do Espirito Santo" (Rom. 10, 17), para tornar- se também "a substância (hypóstasis) das coisas que se esperam" (Heb. 11, 1). Pela eusebéia, diz Pedro em sua primeira carta, começamos a saborear "o quanto Deus é bom" (1 Pe. 2, 3) e começamos a desejar, "como crianças recém nascidas, o puro leite espiritual, pelo qual crescemos para a salvação" (1 Pe. 2, 2). À eusebéia, continua Pedro, acrescentem a filadelfia (2 Pe. 1, 7). "Filadelfia" é uma palavra composta de "filia" (amor) e "adelfós" (irmão). É o amor fraterno. Tal como Jesus a apresentou aos apóstolos, o amor fraterno é o novo mandamento pelo qual amamos o próximo como Jesus nos amou. Mas, para isto, diz Pedro, é preciso primeiro a eusebéia (2 Pe. 1, 6). É preciso experimentar primeiro "como Deus é bom" (1 Pe. 2, 3). Em sua primeira carta, Pedro escreve: "Se provastes o quanto Deus é bom, e pelo Espírito vossas almas foram purificadas psta uma filadelfia sem hipocrisia, amai-vos uns aos outros calorosamente e com coração puro. Porque (isto será sinal) de que fostes regenerados por uma semente incorruptível que é a palavra viva de Deus, aquela que (diz Isaías) que permanece para sempre" (1 Pe. 1, 22-23). Ora, nós já sabemos o que vem depois do amor ao próximo, isto é, do amor do novo mandamento.Ao amor ao próximo, vivido conforme foi exposto por Jesus em seu novo mandamento, segue-se a experiência da oração em "omothymos proskarteresis" (a uníssona e tenacíssima oração) dos apóstolos nos dez dias transcorridos no cenáculo. É o que vimos na descrição do Pentecostes no livro de Atos (Atos 1, 14). Mas aqui Pedro não menciona, depois da filadelfia, nenhuma oração em "omothymos proskarteresis", como faz Lucas em Atos. Em vez disso, Pedro diz simplesmente que à filadelfia devemos acrescentar a "agápe" (2 Pe. 2, 7). "Agápe" é a palavra grega para significar a caridade. É o primeiro mandamento, o mandamento de amar a Deus. Disto podemos concluir que a "proseuké" (oração) em "omothymos proskarteresis", de que fala São Lucas ter ocorrido naqueles dez dias no cenáculo sob a orientação da mãe de Jesus, não é outra coisa senão o exemplo vivido de como se pratica o primeiro mandamento: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com todas as tuas forças" (Mc. 12, 29-31). Tudo isto, por sua vez, é o cumprimento do que Jesus havia prometido: "Não penseis que vim revogar a Lei e os profetas, mas dar-lhes pleno cumprimento" (Mt. 5, 17). O ensinamento dos apóstolos, e também o de Pedro, nos mostra o quão profundo é este mandamento, quão árduo é o combate da fé que conduz ao seu cumprimento e quais são as etapas que precisam ser vencidas para poder ser alcançado. Tudo isto claramente ensinado por Jesus aos apóstolos e, por meio deles, a todos nós. Pedro então conclui: "Se todas estas coisas" (estas coisas, isto é, a fé, a virtude, o conhecimento, a enkratéia, a hypomoné, a eusebéia, a filadelfia e a caridade) "estiverem presentes em vós e em crescimento, elas não vos deixarão desocupados nem infrutíferos no caminho para o supraconhecimento (epignósis) de Nosso Senhor Jesus Cristo" (2 Pe. 1, 8), "para que vos torneis companheiros (koinonói) da natureza divina (theias physeos)" (2 Pe. 1, 4). É o Pentecostes, como Jesus já o havia prometido: "Neste dia nada me perguntareis. Não vos falarei mais em figuras, mas claramente vos falarei do Pai" (Jo. 16, 23-25). Tudo isto, porém começa, desde os seus princípios, pela fé (pístis), que Pedro quer que seja "de mesmo valor que a dele" (2 Pe. 1, 1), isto é, pela fé em Cristo, o Filho de Deus vivo, eternamente gerado pelo Pai na Santíssima Trindade, que nos é dado por esta mesma fé. "A todos que o receberam", diz João, isto é, "a todos os que creram em seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus" (Jo. 1, 12). E a estas palavras de João, Jesus acrescenta, logo em seguida, que "Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo. 3, 16).
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