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Atresia de Esôfago Introdução • Definição: refere-se à condição em que um órgão condutor está anormalmente fechado ou ausente, podendo ocorrer em diversas estruturas, mais comumente no esôfago, duodeno, reto e cólon; • Atresia de esôfago: não existe uma conti- nuidade do órgão, identificando-se um coto proximal e outro distal, que frequentemente encontra-se comunicado com a traqueia; • Epidemiologia: sua incidência é de 1:3 mil a 1:4 mil nascidos vivos. → • Thoman Lanm (1936): anastomose pri- mária em 30 pacientes com nenhuma sobre- vida; • Ladd e Logan Leven (1939): gastrosto- mia com ligadura de fístula, esofagostomia e interposição esofágica subsequente; • Cameron Haight (1941): 1ª anastomose esofágica primária com êxito e 10 fracassos prévios; • Após 1960: menor mortalidade e maior sobrevida; • Rothemberg (2005): video-toracoscópia. Fisiopatologia • Resulta de uma alteração entre a 4ª-5ª se- mana embrionária; • Ocorre por uma algumas falhas no pro- cesso de formação embriológica: - Aumento da pressão intraembriônica; - Oclusão epitelial; - Falha na recanalização (todo o tubo gas- trointestinal seria maciço, devendo-se ter uma recanalização por apoptose celular para a formação de sua luz); - Desequilíbrio no crescimento diferencial entre os esboços esofágicos e traqueal; - Insuficiência vascular; - Transtorno no processo de fusão; - Deficiência na divisão celular; • No desenvolvimento embriológico, pos- suem uma mesma origem o sistema gastroi- ntestinal e o sistema respiratório, ambos vindos a partir da formação do tubo endo- dérmico, este que surge por volta do 21º dia, na região do assoalho do intestino anterior, tem-se a formação de um sulco laringotra- queal que se desenvolve no sentido cranial; • Ao mesmo tempo, ocorre uma septação la- teral que separa a porção ventral ou tra- queobrônquica da porção dorsal ou esofá- gica, considerando-se que, o intestino pri- mitivo é um tubo único que deve ter a divi- são; • Além disso, ocorre uma proliferação epi- telial com obliteração da luz que é em se- guida recanalizada pela disposição de vacú- olos. Causas • As atresias podem estar associadas a: - Fatores ambientais: diabetes materna; - Uso de medicamentos maternos: meti- mazol, uso prolongado de progesterona e estrógeno e talidomida; - Síndrome alcoólico-fetal: caracterizada por aberrações cromossômicas, malforma- ções, dimorfismo da fáscia e lesão dos teci- dos do sistema nervoso; - Fenilcetonúria; - Trissomia do 18: incompatível com a vida; - Trissomia do 21; Marianne Barone (15A) Cirurgia Pediátrica – Prof. Maria Cristina Gomes de Abreu - Mutações genéticas: N-myc, Chd-7, e Sox-2; • Síndrome de Charge: é uma síndrome autossômica dominante que ocorre decor- rente da haploinsuficiência do gene CHD- 7, ou seja, há uma dosagem reduzida desse gene, não sendo suficiente para se ter um fe- nótipo normal, cursando com atresia esofá- gica em 10% dos casos, além de ser carac- terizada por: - Coloboma; - Malformação cardíaca; - Atresia de coanas; - Retardo mental; - Anomalias genitais; - Alterações auditivas Prognóstico • Até 1940, um recém-nascido com atresia de esôfago apresentava uma taxa de morta- lidade de 100%, esta que, atualmente, equi- vale à 65 a 100%; • Houve uma melhora na taxa de mortali- dade resultando de progressos na técnica ci- rúrgica, cuidados perinatais, UTI neonatal equipada com respiradores, administração de antibióticos, formação de equipes espe- cializadas e nutrição parenteral permitindo que a criança consiga ficar muito tempo sem se alimentar por boca e ainda assim sobre- viver. Classificação → • É feita de acordo com a classificação de Ladd-Gross, referente ao tipo de estenose; • Atresia de esôfago sem fístula (A): não apresenta comunicação, com um ponto pro- ximal e outro distal, e compreende a 7% dos casos; • Atresia de esôfago com fístula proximal (B): apresenta comunicação do coto proxi- mal com a traqueia e compreende a 1% dos casos; • Atresia de esôfago com fístula distal (C): apresenta comunicação do coto distal com traqueia e compreende a 87% dos casos; • Atresia de esôfago com duas fístulas (D): apresenta duas comunicações (proximal e distal) e compreende a 1% dos casos; • Fístula sem atresia (E): apresenta comu- nicação sem atresia (ausência de septação), com uma forma de “H” e compreende a 4% dos casos. → • A classificação de risco é feita pela classi- ficação de Waterson, de forma que, quanto menor o peso, menos a chance de sobrevida; • Grupo A: peso maior que 2500g e sem anomalias associadas, apresenta sobrevida de 100%; • Grupo B: peso entre 2000 e 2500g com anomalias associadas moderadas, apre- senta sobrevida de 85% • Grupo C: peso menor que 2000g e com anomalias associadas graves, apresenta so- brevida de 65%. Comorbidades • Cerca de 50% dos casos de atresia de esô- fago podem apresentam pelo menos uma anomalia associada, que: - Cardíacas: 35%, geralmente graves; - Gastrointestinais: 24%; - Anorretais: 14%; - Geniturinárias: 13%; - Vertebrais e esqueléticas: 10%; - Respiratórias: 6%; - Genéticas ou cromossômicas: 4%; • Caso a criança apresente todas as anoma- lias, diz-se que ela apresenta a chamada sín- drome de VACTREL (iniciais de cada uma das anomalias: Vertebral, Anorretal, Cardíaca, Traqueal, Esofágica, Renal e Membros); • Anomalias incompatíveis com a vida: anomalias cardíacas incorrigíveis, agenesia renal bilateral (Síndrome de Potter) e tris- somia do 18. Diagnóstico → • Quadro clínico: história de salivação ex- cessiva, interrupção na passagem de sonda nasogástrica, cianose e abdome escavado; • Nos casos de fístula em H, de mais difícil diagnóstico, a criança cursa ao longo da vida com broncopneumonia de repetição; • Antigamente, costumava-se, após o parto, ter a passagem de sonda nasogástrica e retal, que auxiliava no diagnóstico precoce com frequência. Como deixou de ser protocolo, o diagnóstico é feito com 2-3h de vida. → • Raio-X simples ou com contrate (io- dado): observa-se o coto esofágico. O con- traste usado deve ser apenas o iodado, visto que, caso use o bário e tenha broncoaspira- ção, causando pneumonite grave (o iodado causa uma menos grave); • Broncoscopia: observa-se o brônquio di- reito, o esquerdo e a fístula no meio, a qual geralmente está no nível da carina da tra- queia; • Ultrassom antenatal: principalmente no primeiro trimestre, permite observar o poli- drâmnio (indicando obstrução gastrointes- tinal, acumulando líquido amniótico por não ter a ingestão fetal), esôfago dilatado e diminuição ou ausência da bolha gástrica; • Ressonância magnética antenatal: “bolsa” dilatada no tórax (porção proximal do esôfago). Tratamento • O tratamento da atresia de esôfago é cirúr- gico, buscando estabelecer uma continui- dade do órgão e visa estabelecer a continui- dade do órgão condutor; • Deve-se colocar o RN em decúbito lateral esquerdo posicionado abraçando um coxim, por se ter uma entrada cirúrgica do lado direito, sendo uma melhor forma de acesso ao esôfago • Antigamente, era realizada a toracotomia lateroposterior interescapulovertebral, em que se tinha uma incisão muscular e, com o crescimento, a criança costumava a apresentar sequelas (fibrose de músculo); • Técnica de Marchese: é a técnica atual mais utilizada para os procedimentos cirúr- gicos de correção de atresia, em que não se tem incisão dos músculos; - A incisão é feita no triângulo ausculta- tório, formado pelas bordas dos músculos dorsal, trapézio e romboide, sendo uma re- gião que não tem músculos e, com isso, evita-se sequelas anatômicas e motoras; - A incisão é feita cerca de 1cm daborda da escápula e seu tamanho depende do ta- manho da criança, abrindo os músculos in- tercostais e afastar os pulmões; • No procedimento, a veia ázigo, geralmente, é ligada, pois esta possui uma curvatura se- guida posteriormente pelo esôfago distal. Logo atrás da veia ázigo está o coto distal; • Além disso, é realizada a ligadura da fís- tula (pela desconexão do esôfago distal co- municando com a traqueia) e reconstrução primária do esôfago (anastomose término- terminal primária); • Na ligadura da fístula e na anastomose tér- mino-terminal primária, é necessário pre- servar o máximo do esôfago, realizando a anastomose dos dois cotos. Para isso, de- vem ser feitas suturas em pontos separados, posteriormente e anteriormente; • Então, tem-se a passagem da sonda na- sogástrica para funcionar como um molde na região recém-ligada e evitar estenose; • O esôfago não tem camada serosa, desta forma, pode-se usar fios absorvíveis ou não, com ponto separados e mantendo uma sonda interna. → • Ocorre em atresias do tipo A (7%), apre- sentando-se o chamado long gap, em que os cotos estão separados por mais de 3 vérte- bras; • Presente, principalmente, em casos de atresia esofágica com ausência de fístula; • Nesses casos, o tratamento é feito por gas- trostomia e, com o crescimento, esofagotomia, tratando-se de formas de re- construção esofágica: - Gastrostomia: é realizada para adminis- tração de alimentos diretamente da sonda estomacal, visto que, o paciente está impos- sibilitado de receber via oral, sendo feita en- tre 4-12 meses de vida, apresentando uma alta morbidade e mortalidade por se tratar de uma cirurgia de grande porte e dificul- dade; - Esofagotomia terminal: é necessária para evitar a broncoaspiração de saliva e possível pneumonia de repetição, conside- rando-se que, o coto fechado pode propiciar esse acúmulo de saliva no trato respiratório; • O tratamento do long gap é realizado por técnicas de alongamento esofágico, que não são tão efetivas: - Livaditis: trata-se da miotomia circular do coto proximal, havendo um ganho de cerca de 1cm pela incisão e tração da ca- mada submucosa, que é rica em fibras elás- ticas. Pode apresentar como complicações impactação alimentar, pseudo divertículo, estenose distal ao divertículo, disfagia e dis- motilidade; - Foker: é uma forma de indução de cres- cimento externo. Tem-se a sutura dos cotos proximal e distal, com exteriorização dos fios pelo tórax e realizando sua tração de 1 a 2 mm por dia por de 10 a 17 dias, man- tendo o RN na UTI, com risco de rotura de estruturas, podendo ser efetivo no caso de ausência de complicações; • Esofagocoloplastia: é feita a substituição esofágica por cólon; - Colo direito + ileo terminal: mantém a válvula ileo-cecal, impedindo o refluxo; - Colo esquerdo: mais longo e vasos mais calibrosos; - Colo transverso: transposição anisope- ristáltica; - Via retro-esternal: maior facilidade, po- rém mais angulações; - Vantagens: fácil realização, sendo uma região que apresenta vasos e arcadas margi- nais longas; - Complicações: necrose da alça (3 a 15%), fístula cervical, refluxo gástrico, estenose (28%), crescimento do colo (10%) e morte (25%). A via retroesternal apresenta maior facilidade, porém é mais angulações; • Após a cirurgia de correção da atresia de esôfago, deve-se deixar a criança em obser- vação e em nutrição parenteral. Complicações • Fístulas (15 a 20%): é a mais importante das complicações, devendo manter a cri- ança em nutrição parenteral por cerca de 15 dias, ocorrendo por: - Deiscência anastomótica parcial ou total devido erro técnico na sutura (fio ou tipo de sutura); - Tensão anastomótica exacerbada; - Segmento inferior friável (o coto inferior é muito pequeno e friável, de forma que pontos muito apertados pode gerar isque- mia); - Isquemia das bordas anastomótica; - Sepse; - Quanto menor a criança, maiores as chances de a fístula fechar sozinha, visto que, é possível fazer extensão do jejum com nutrição parenteral; • Estenoses anastomótica (40%): são ob- servadas mais posteriormente à cirurgia (tem fibrose da anastomose com o cresi- mento) e, em alguns casos, a estenose é tão intensa que deve ser feita dilatação, com di- agnóstico por esofagograma ou broncosco- pia. Clinicamente, observa-se infecções res- piratórias recorrentes, episódios de apnéia e cianose; • Refluxo gastresofágico (40%): apenas 50% necessitam de cirurgia e, clinicamente, ob- serva-se vômitos, sintomas respiratórios (aspiração), esofagite (estenose e úlcera) e desordem na motilidade; • Traqueomalácia (78%): apenas 10 a 20% são relevantes, ocorrendo por fraqueza es- trutural da parede da traqueia e/ou defi- ciência de cartilagem devido a colapso na expiração, com diagnóstico radiográfico la- teral do tórax e broncoscopia; - É comum a ocorrência de deficiência de cartilagem em crianças que tem atresia de esôfago, geralmente com resolução com o descimento da criança; - Clinicamente, observa-se estridor pro- gressivo, cianose e apneia; - Tratamento: conservador (resolução es- pontânea após 1 ano) ou cirúrgico (diante de risco de vida, pneumonias repetição e im- possibilidade de extubação). A aortopexia, é a fixação da aorta junto ao esterno, que au- menta o espaço no mediastino e gera uma menor compressão da traqueia pelo esôfago ou vasos, sem manuseamento do esôfago ou da traqueia para aumentar o mediastino (as- sim, diminui o colabamento da traqueia); • Complicações respiratórias: pneumonia aspirativa de repetição associada a refluxo gastresofágico (a tração na cirurgia para re- alizar a anastomose aumenta o ângulo de His, facilitando a DGRE), esofagite, úlceras, podendo demandar uma 2ª cirurgia para correção do refluxo gastroesofágico; • São intrinsicamente relacionados com a própria malformação: traqueomalácia e refluxo gastroesofágico. Condutas • Na identificação de um RN com suspeita de atresia de esôfago, deve-se: suspender o aleitamento, inserir uma sonda nasoesofá- gica até seu limite, aspirar continuadamente para evitar afogamento com saliva, admi- nistrar soro, fornecer suporte calórico e transferência para um serviço com suporte; • Não é uma cirurgia de emergência; • Transporte do recém-nascido com atresia de esôfago: - Estabilização clínica; - Passagem de sonda nasoesofágica (oroe- sofágica); - Manutenção da temperatura; - Oxigenioterapia; - Intubação orotraqueal associada a assis- tência ventilatória; - Suporte hidríco e calórico e aspiração contínua (sistema de Venturi); • Sistema de Venturi de aspiração contí- nua: tem-se a ligação de uma haste do sis- tema à uma sonda do coto principal do esô- fago, ao mesmo tempo liga-se o soro na ou- tra haste, de forma que, cria-se uma pressão negativa (vácuo) que aspira a saliva auto- maticamente, por um princípio físico.
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