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PANIFICAÇÃO E CONFEITARIA – BREVE HISTÓRICO Os grãos têm sido o alimento mais importante da dieta humana desde ostempos da pré-história, então não seria grande exagero dizer que a panificação é quase tão antiga quanto os seres humanos. Os primeiros alimentos feitos a partir de grãos Antes de aprender a plantar, o homem coletava alimentos na natureza. As sementes de várias gramíneas selvagens, os ancestrais dos cereais atuais, eram ricas em nutrientes e consideradas importantes para a alimentação. Essas sementes, ao contrário das atuais, possuíam uma película protetora que se aderia firmemente ao grão. As pessoas aprenderam que, ao torrar essas sementes, provavelmente sobre rochas aquecidas, sua película soltava-se mais facilmente quando golpeadas com utensílios de madeira. Os primeiros alimentos feitos com grãos surgiram principalmente na porção leste da região mediterrânea, já que, aparentemente, esta era uma área em que os grãos selvagens eram abundantes. Por causa da escassez de utensílios, é provável que as primeiras preparações com grãos tenham sido feitas por meio da torra do grão seco, que era então moído entre duas pedras e misturado com água para se obter uma pasta. Como os grãos já haviam sido cozidos no processo de torra para a remoção da película, a pasta não necessitava de cozimento adicional. Mais tarde, descobriu-se que essa pasta, ao ser estendida sobre uma pedra quente próxima do fogo, transformava-se em um produto mais interessante que a pasta crua. Pães chatos não levedados, como o pão sírio, ainda são alimentos importantes em muitas culturas. Esses pães feitos a partir dessa pasta foram o primeiro passo no desenvolvimento dos pães como são conhecidos hoje. Para compreender como os pães evoluíram, é preciso entender um pouco como os grãos evoluíram. Como será explicado em um capítulo posterior, os pães atuais dependem da combinação de certas proteínas para adquirir sua estrutura. De modo geral, apenas o trigo e outros grãos da mesma família contêm uma quantidade suficiente dessas proteínas, que formam uma substância elástica chamada glúten. Outros poucos grãos contêm as proteínas do glúten, mas não possuem uma estrutura tão boa quanto a do trigo. Além disso, as proteínas devem estar cruas para que o glúten seja formado. Como os primeiros grãos selvagens tinham de ser aquecidos para que liberassem suas películas protetoras, o produto resultante só podia ser usado para pastas e mingaus, mas não para pães. Com o tempo, o homem pré-histórico aprendeu a cultivar e, como resultado, passou a plantar apenas os grãos cujo beneficiamento era mais fácil. Consequentemente, desenvolveram-se variedades híbridas cuja película poderia ser removida sem a torra. Sem esse passo, os pães modernos não teriam surgido. Os primeiros pães fermentados Uma pasta de grãos, se deixada em repouso por algum tempo, atrai leveduras (organismos microscópicos que produzem dióxido de carbono) do ar e começa a fermentar. Foi assim, certamente, que surgiram os primeiros pães levedados, embora, por um longo período da história, a presença do fermento tenha sido meramente acidental. Por fim, o homem aprendeu que podia guardar uma parte da massa levedada para fermentar a massa do dia seguinte. Pequenos pães chatos ou ligeiramente cônicos feitos de uma pasta de grãos, fermentados ou não, eram cozidos sobre uma pedra quente, ou outra superfície plana, ou cobertos e deixados perto do fogo, ou sobre as brasas. Os egípcios da Antiguidade desenvolveram a arte de assar pães em moldes – os primeiros pães de forma. Esses moldes eram aquecidos para que recebessem a massa; então eram cobertos e empilhados dentro de uma câmara aquecida. Esses foram, talvez, os primeiros pães produzidos em série. Os pães feitos de farinha de trigo eram caros e apenas os mais ricos tinham acesso a eles. A maioria das pessoas comia pães de cevada e outros grãos. Na Grécia Antiga, cerca de cinco ou seis séculos antes de Cristo, já eram usados fornos fechados. Para aquecê-los, acendia-se uma fogueira em seu interior. Possuíam uma porta frontal que podia ser fechada, de modo que era possível colocar e retirar alimentos sem perder muito calor. Os pães assados nesses fornos eram, em sua maior parte, uma espécie de bolo feito a partir de uma pasta de grãos, que era misturada com a massa levedada do dia anterior para fermentar. Esses pães chatos ou ligeiramente cônicos eram chamados de maza. Esse tipo de pão, em especial os feitos de cevada, era a base da alimentação na época. A propósito, na Grécia Antiga, todos os alimentos eram divididos em duas categorias: maza e opson (o que se comia com os maza). A categoria opson incluía legumes, queijos, peixes, carnes ou qualquer outro alimento que não fosse pão. Era comum espalhar os opson sobre os pães chatos, resultando em espécie de ancestral da pizza moderna. Escritos da Grécia Antiga descrevem nada menos que oitenta tipos de pães e outros produtos de panificação desenvolvidos pelos padeiros profissionais da época. Alguns desses poderiam ser chamados de “pães verdadeiros” em vez de maza ou pão chato, pois eram feitos com massas sovadas com farinha de trigo, que fornecia as proteínas do glúten. Muitos séculos depois, Roma não havia feito grandes progressos com seus pães. Foi com a chegada dos padeiros vindos da Grécia que os alimentos feitos com grãos começaram a ir muito além dos mingaus e pães chatos. No final do Império Romano, a panificação já era uma indústria importante. As padarias, em geral, eram administradas por imigrantes gregos. Uma importante inovação da panificação romana foi introduzida pelos gauleses, um povo europeu conquistado pelos romanos. Os gauleses, ancestrais da França moderna, haviam desenvolvido o fabrico da cerveja. Descobriram que, ao acrescentar a espuma da cerveja à massa do pão, ele ficava mais leve e crescido. A espuma continha leveduras da fermentação da cerveja. Esse processo foi o começo do uso controlado de uma fonte de leveduras para a feitura de pães. Muitos dos produtos feitos pelos padeiros romanos continham bastante mel e óleo, de modo que poderiam ser chamados mais apropriadamente de pães doces, e não de pães. O fato de a principal gordura disponível ser o óleo impunha limitações aos tipos de preparações que podiam ser produzidas. Somente uma gordura sólida como a manteiga permite ao confeiteiro produzir massas duras como aquelas a que estamos mais acostumados: de torta e biscoito, por exemplo. Panificação e confeitaria na Idade Média Após a queda do Império Romano, a profissão de padeiro praticamente desapareceu. Somente no final da Idade Média começou a ressurgir como uma profissão importante entre aqueles que trabalhavam para a nobreza. Os pães continuaram a ser produzidos por padeiros profissionais, e não domesticamente, pois eram necessários fornos que demandavam muitos cuidados. Em razão do risco de incêndio, os fornos em geral eram separados das demais construções e, muitas vezes, do lado de fora dos muros da cidade. Em muitaspartes da Europa, cuidar dos fornos e preparar a massa do pão eram funções distintas. O forneiro mantinha o forno, aquecia-o à temperatura ideal e supervisionava o cozimento dos pães que lhe eram confiados. No início, os fornos nem sempre ficavam perto do local onde a massa era produzida, e um forno servia a vários padeiros. É interessante notar que em muitas padarias atualmente, em especial nas maiores, essa divisão de trabalho se mantém. O chef responsável pelo forno assa os pães e outros produtos que lhe são entregues e nem sempre participa do processo de elaboração da massa e modelagem dos produtos. Ao longo da Idade Média, parte do trabalho do padeiro era peneirar a farinha integral que os clientes lhe traziam. Passar a farinha na peneira grossa apenas removia parte do farelo, ao passo que as peneiras mais finas removiam quase todo o farelo, resultando em uma farinha mais branca. Já que muito do grão era removido durante a obtenção da farinha branca, o rendimento era baixo, tornando o pão branco mais caro; portanto, a maioria das pessoas não podia comprar esse tipo de pão. Somente por volta de 1650 os padeiros começaram a comprar farinha de moinhos. Como o pão era o alimento mais importante da época, muitas leis versavam sobre fatores como o nível de aproveitamento do trigo, os ingredientes obrigatórios do pão e o seu tamanho. Foi também durante a Idade Média que os padeiros e confeiteiros profissionais da França associaram-se para proteger e desenvolver sua arte. Leis proibiam quaisquer pessoas que não os padeiros de comercializar pão, e as confrarias tinham poder suficiente para limitar a certificação somente a seus associados. Essas confrarias, bem como o sistema de aprendizado, que já estava bem desenvolvido no século XVI, também eram um meio de transmitir o conhecimento sobre panificação de geração para geração. Para se tornarem mestres-padeiros, os trabalhadores tinham de fazer um curso para aprendizes e obter um certificado que atestava que eles tinham obtido as habilidades necessárias para a função. Esses padeiros certificados podiam ter seus próprios estabelecimentos. Eles eram ajudados por aprendizes, que não eram remunerados e estavam aprendendo o ofício, e operários, empregados pagos que haviam completado o aprendizado mas não tinham o certificado de mestre-padeiro. Confeitaria Os padeiros também faziam bolos de massas contendo mel e outros ingredientes doces, como frutas secas. Muitas dessas preparações possuíam um significado religioso e eram feitas apenas em ocasiões especiais, como os Twelfth Night cakes (bolos do décimo segundo dia), assados após o Natal. Esses produtos quase sempre tinham uma textura densa, diferente da dos bolos que comemos hoje. Massas não levedadas eram feitas também para a confecção de tortas salgadas. No século XV, os confeiteiros da França formaram suas próprias confrarias e se desvincularam dos padeiros. A partir daí, a profissão de confeiteiro desenvolveu-se rapidamente, e muitos novos tipos de produtos foram criados. O mel era o adoçante mais importante. A cana-de-açúcar, fonte do açúcar refinado, era nativa da Índia e cultivada no sul da Ásia. Para ser trazido à Europa, o açúcar tinha de passar por muitos países, e a cada porto de passagem incidiam novas taxas e impostos sobre o já elevado preço. Para os europeus, o açúcar era um ingrediente raro, caro e luxuoso. A chegada dos europeus às Américas, em 1492, deu início à revolução na confeitaria. As Ilhas do Caribe eram propícias para o cultivo do açúcar, então aumentou a demanda e os preços caíram. O cacau e o chocolate, nativos do Novo Mundo, foram levados para o Velho Mundo pela primeira vez. Assim que os novos ingredientes tornaram-se mais comuns, a confeitaria foi ficando cada vez mais sofisticada, e muitas receitas novas foram criadas. Nos séculos XVII e XVIII, muitos dos doces e sobremesas que conhecemos hoje, como as massas laminadas ou folhadas – o folhado “simples” e o danish, por exemplo –, já estavam sendo feitas. Também no século XVIII, desenvolveram-se os métodos de refino do açúcar da beterraba. Enfim, os europeus puderam produzir seu próprio açúcar. Dos primeiros restaurantes a Carême Diz-se que o serviço de alimentação moderno inaugurou-se na virada da segunda metade do século XVIII. Assim como os padeiros e confeiteiros, os banqueteiros, açougueiros e outros profissionais do setor também precisavam ser licenciados por confrarias, que controlavam a produção. Aqueles que possuíam hospedarias tinham que comprar os vários itens do cardápio de fornecedores licenciados para servir refeições a seus hóspedes. Os hóspedes tinham pouca ou nenhuma opção de escolha e comiam o que era oferecido. Em 1765, um parisiense chamado Boulanger (cujo nome, por acaso, significa “padeiro”) começou a anunciar que servia sopas em seu estabelecimento, que ele chamava de “restaurantes” ou “restaurativas”. De acordo com o que se conta, um dos pratos que ele servia era pata de carneiro ao molho cremoso. A confraria dos traiteurs (que produzia, entre outras coisas, sopas) o processou, mas Boulanger ganhou a causa alegando que não se tratava de uma “sopa” de pata de carneiro, mas sim de uma pata de carneiro “ensopada”. Ao desafiar as regras das confrarias, Boulanger mudou o curso da história dos serviços de alimentação. Retrato de Marie-Antoine Carême, em M.A. Carême. L’artde la cuisine française au dix-neuvième siècle. Traité élémentaire et pratique,1833. Seção de Coleções e Manuscritos Raros, Biblioteca da Universidade de Cornell. Para a panificação, dois eventos importantes durante esse período foram a publicação dos dois primeiros grandes livros sobre panificação: L’art du meunier, du boulanger et du vermicellier (A arte de quem faz farinhas, pães e massas), de Malouin, em 1775, e Le parfait boulanger (O padeiro perfeito), de Parmentier, em 1778. O século XIX assistiu não só à evolução do setor de serviços de alimentação, mas também ao desenvolvimento da panificação como a conhecemos hoje. Depois da Revolução Francesa de 1789, muitos padeiros e confeiteiros que haviam trabalhado nas casas da nobreza abriram seus próprios estabelecimentos. Artesãos disputavam os clientes com a qualidade de seus produtos. As pessoas em geral – não apenas aristocratas e abastados – conseguiam comprar produtos finos. Algumas das padarias e confeitarias fundadas em Paris nessa época ainda estão funcionando. Uma nova invenção no século XVIII mudou a organização da cozinha comercial, que se centrava até então no fogão a lenha. Essa invenção era um fogão que fornecia uma fonte de calor mais controlável. As cozinhas comerciais foram divididas em três setores: o fogão, comandado pelo chef de cozinha ou cuisinier; a rotisseria, comandada pelo cozinheiro de assados e grelhados ou rôtisseur; e o forno, comandado pelo chef confeiteiro ou pâtissier. O chef confeiteiro e o cozinheiro de assados e grelhados reportavam-se ao cuisinier, que também era conhecido como chef de cuisine, que significa “chefe da cozinha”. Ainda que o fogão fosse o elemento novo dessa cozinha reorganizada, o forno do padeiro continuava sendo o forno a lenha, há tanto tempo em uso. O chef mais famoso do começo do século XIX foi Marie-AntoineCarême, também conhecido como Antonin Carême, que viveu de 1784 a 1833. Suas esculturas espetaculares de açúcar e confeitos trouxeram-lhe muita fama. Ele fez com que as profissões de chef e de confeiteiro se tornassem respeitadas. O livro de Carême, Le pâtissier royal (O confeiteiro real), foi um dos primeiros a explicar sistematicamente a arte da confeitaria. Ironicamente, Carême passou a maior parte de sua carreira servindo à nobreza e à realeza, em uma época em que os suprimentos necessários à arte da panificação e da confeitaria difundiam se entre os cidadãos comuns. Carême teve pouco contato com os aspectos comerciais da profissão. Apesar de suas conquistas e fama como confeiteiro, Carême não era padeiro de formação, mas chef de cuisine. Quando jovem, aprendeu com rapidez todos osramos da gastronomia e dedicou sua carreira ao aperfeiçoamento e à sistematização das Escoffier E Georges-August Escoffier (1847– 1935), o grande chef de seu tempo, ainda é reverenciado por chefs e gourmets como o pai da gastronomia do século XX. Seus principais feitos foram: (1) a simplificação do menu clássico, (2)a sistematização dos métodos de cocção e (3)a reorganização da cozinha. Os livros e receitas de Escoffier ainda são uma importante fonte de referência para chefs profissionais. Os métodos básicos de cocção e preparo que aprendemos ainda hoje se fundamentam em seu trabalho. Seu livro Le guide culinaire ,ainda muito usado, organiza as receitas em um esquema simples, baseado nos ingredientes principais e no método de cozimento, simplificando bastante os esquemas anteriores de Carême. Para aprender a cozinha clássica, de acordo com Escoffier, é preciso começar pelo conhecimento de um número relativamente pequeno de procedimentos e ingredientes básicos. Ainda que Escoffier não tenha trabalhado como padeiro, aplicou o mesmo esquema de elaboração de pratos salgados às sobremesas. Muitas das sobremesas que inventou, como os Pêssegos Melba, são ainda hoje servidas. técnicas culinárias. Seus muitos livros são a primeira descrição metódica dos princípios culinários, das receitas e da elaboração de menus. Panificação moderna e tecnologia O século XIX foi uma época de grandes progressos tecnológicos. Processos automatizados permitiam aos padeiros mecanizar várias tarefas que antes requeriam um grande esforço físico. O mais importante desses avanços tecnológicos foi a criação do moinho de rolo. Antes de sua invenção, a farinha era moída entre duas pedras, por fricção e então peneirada, em geral muitas vezes, para se separar o farelo. O processo era lento. O moinho de rolo, descrito no Capítulo 4 (ver p. 57), é muito mais rápido e eficiente. Isso representou um enorme avanço para a indústria da panificação. Outro avanço importante do período foi a disponibilidade de novas farinhas provenientes das plantações de trigo dos Estados Unidos. O nível de proteínas dessas variedades de trigo era mais alto do que o dos cultivados no norte da Europa, e a exportação desse grão promoveu a produção de pão branco em larga escala. No século XX, outros avanços da tecnologia – da refrigeração e dos fornos sofisticados ao transporte aéreo, distribuindo ingredientes frescos por todo o mundo – em muito contribuíram para os setores de panificação e confeitaria. Técnicas de conservação ajudaram a disponibilizar e a baratear alguns ingredientes antes caros e difíceis de encontrar. Também em virtude da tecnologia moderna de conservação, agora é possível fazer parte ou quase todo o processo de preparo dos alimentos antes do transporte, em vez de realizar esse preparo na loja ou no restaurante em si. Assim, tornou-se possível a abertura de lojas de conveniência. Hoje muitos processos trabalhosos podem ser evitados, como o preparo da massa folhada – basta comprá-la pronta nos mercados. Os equipamentos modernos ajudaram a mudar as técnicas e os tempos de produção. Por exemplo, os cilindros agilizam a produção de massas laminadas, como a massa para danish, ao mesmo tempo em que rendem um produto mais uniforme. As câmaras de crescimento conservam as massas cruas levedadas de um dia para o outro para que estejam prontas para assar na manhã seguinte. É possível preparar alguns alimentos com muito mais antecedência e em grandes quantidades, conservando-os em condições adequadas até serem finalizados e servidos. Estilos modernos Todos esses avanços ajudaram a mudar os estilos e hábitos alimentares. A evolução que vem ocorrendo há centenas de anos na panificação e na confeitaria continua. Vale a pena explorar um pouco mais as mudanças ocorridas na gastronomia no setor de restaurantes, pois as mudanças no âmbito da panificação e da confeitaria tiveram um curso semelhante. Uma geração após Escoffier, o chef mais influente da metade do século XX foi Fernand Point (1897 a 1955). Trabalhando de forma tranquila e sistemática em seu restaurante La Pyramide, em Vienne, França, ele tornou a cozinha clássica mais simples e leve. A influência de Point pode ser observada muito além de seu tempo. Muitos de seus aprendizes, como Paul Bocuse, Jean e Pierre Troisgros e Alain Chapel, acabaram por se tornar alguns dos chefs mais famosos da gastronomia moderna. Juntamente com outros chefs de sua geração, tornaram-se conhecidos na década de 1960 e começo da de 1970, por um estilo que ficou conhecido como nouvelle cuisine. Eles adotaram a abordagem leve de Point e levaram-na adiante ao propor sabores e preparações mais simples e naturais, com molhos e temperos mais suaves e tempo de cozimento reduzido. Na tradicional clássica, muitos pratos eram montados no salão do restaurante pelos garçons. A nouvelle cuisine, no entanto, enfatizava a finalização artística dos pratos feita pelo chef, na cozinha. No departamento de confeitaria, essa técnica foi o início da prática atual de servir as sobremesas empratadas. Um importante evento na história da gastronomia moderna norte-americana foi a inauguração, em 1971, do restaurante de Alice Waters, Chez Panisse, em Berkeley, Califórnia. A filosofia de Waters é a de que a boa comida depende de bons ingredientes, por isso ela localizou fornecedores de legumes, verduras, frutas e carnes de alta qualidade – que ela preparava da maneira mais simples possível. Nas décadas seguintes, muitos chefs e restaurateurs seguiram seu estilo, buscando os melhores produtos da estação, cultivados organicamente na região. No final do século XX, à medida que o turismo tornou-se mais fácil e imigrantes chegaram à Europa e aos Estados Unidos vindos de várias partes do mundo, cresceu o interesse pelo sabor das cozinhas regionais. Chefs tornaram-se mais informados não apenas sobre as cozinhas tradicionais de outras partes da Europa, mas também da Ásia, da América Latina e de outros lugares. Muitos dos chefs mais criativos inspiram-se nessas cozinhas e usam algumas de suas técnicas e ingredientes. Grandes chefs confeiteiros, como Gaston Lenôtre, revitalizaram a arte da confeitaria fina e inspiraram e ensinaram gerações de profissionais. O uso de ingredientes e técnicas de mais de uma cozinha regional em um único prato passou a ser conhecido como fusion cuisine. A fusion cuisine nem sempre rende bons resultados; por não ser fiel a nenhuma cultura, pode tornar-se uma grande mistura. Esse foiprecisamente o caso na década de 1980, quando a ideia ainda era nova. Chefs combinavam uma série de ingredientes e técnicas sem prestar muita atenção ao efeito final dessas combinações. O resultado, muitas vezes, era uma grande bagunça. Mas aqueles chefs que se deram ao trabalho de estudar a fundo as cozinhas e culturas em que se inspiravam causaram uma nova sensação na gastronomia e nos menus dos restaurantes. No setor da confeitaria, ingredientes como o maracujá, a manga e o capim-limão, antes estranhos e exóticos no hemisfério Norte, agora são facilmente encontrados. Padeiros, chefs e consumidores muitas vezes reagiram contra a tecnologia na produção de alimentos, por meio da redescoberta de preparações e técnicas esquecidas. Os padeiros, especialmente, estão procurando reaver os sabores tradicionais dos pães, perdidos no processo de industrialização dos produtos da panificação, que se tornaram mais refinados, padronizados e – como muitos dizem– insípidos. Inspirado no exemplo de Lionel Poilâne (p. 131), padeiros estão buscando métodos para a produção artesanal de pães tradicionais, feitos com fermentos naturais, e experimentando farinhas especiais, em busca do sabor. No cardápio de sobremesas dos restaurantes, essa tendência pode ser vista na apresentação de sobremesas tradicionais que combinam muito bem com os confeitos e ornamentos ultramodernos.
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