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Cecília Correia Odontologia Oncologia Oral @cecicorreiaa_ | UFPE Lesões potencialmente malignas 01 Leucoplasia Em 2002, foi recomendado fazer uma distinção entre diagnóstico clínico provisório de leucoplasia oral e diagnóstico definitivo. Diagnóstico provisório é feito quando a lesão não pode ser claramente diagnosticada no exame clínico como nenhuma outra doença da mucosa oral com aparência branca. Diagnóstico definitivo de leucoplasia oral é quando a lesão persiste após a identificação e eliminação do fator etiológico suspeito e posterior exame histopatológico. É importante salientar que a biópsia e a análise histopatológica de uma leucoplasia diagnosticada clinicamente têm dois objetivos: Excluir qualquer outra lesão definida, por exemplo, líquen plano; Estabelecer o grau de displasia epitelial, se presente Leucoplasia é a lesão pré-maligna mais comum. Estima-se que a prevalência global da leucoplasia varie de 0,5 a 3,46%. O país de maior prevalência é a Índia, onde o hábito de fumar e mascar tabaco é maior que em qualquer parte do mundo. O tabaco tem sido relatado como possível fator etiológico. Tem sido reportado que de 70 a 90% das leucoplasias estão relacionadas ao tabaco, e há uma relação direta da frequência e duração do hábito com a prevalência das leucoplasias. Por outro lado, o uso de bebidas alcoólicas como fator etiológico independente para o desenvolvimento de leucoplasia tem sido questionado, assim como a participação de outros fatores, como a infecção por Candida albicans é ainda incerta. Consumo rotineiro de frutas frescas e vegetais pode ter um efeito protetor na prevenção primária de leucoplasia. Com relação a possíveis fatores genéticos, de modo geral pouco ainda é conhecido sobre a influência no desenvolvimento de leucoplasia oral. O aparecimento da leucoplasia geralmente ocorre em pacientes com idade superior a 30 anos, e o pico de incidência é acima dos 50 anos. As leucoplasias são mais comuns em homens. No entanto, mais recentemente, está sendo observado um aumento da incidência em mulheres. Clinicamente, as leucoplasias podem ser isoladas e localizadas ou difusas e múltiplas. Apesar de os locais de ocorrência serem muito variáveis e parcialmente relacionados a sexo e hábito do tabaco, as leucoplasias são mais comuns na mucosa jugal, lábios e gengiva. Entretanto, apesar de as lesões em assoalho bucal e língua serem menos comuns, elas têm maior possibilidade de apresentar displasia epitelial e transformação para carcinoma espinocelular (CEC). De modo geral, os tipos homogêneo e não homogêneo são as duas variantes clínicas reconhecidas de leucoplasia. Características Clínicas Leucoplasia não homogênea Cecília Correia Odontologia Oncologia Oral @cecicorreiaa_ | UFPE Lesões potencialmente malignas 02 A expressão “não homogêneo” é aplicada tanto para a cor (mistura de branco e vermelho) quanto para a textura (exofítica, papilar ou verrucosa). É uma lesão predominantemente branca, com superfície irregular, nodular ou exofítica. Leucoplasia homogênea Lesão predominantemente branca com superfície plana e uniforme, aparência delgada e consistência normal. O tipo homogêneo é comumente assintomático, enquanto o tipo não homogêneo (branco e vermelho) é mais frequentemente associado a queixa de leve desconforto ou dor. É importante salientar que outro subtipo de leucoplasia foi descrito em 1985. Nesse subtipo, as lesões começam como leucoplasias convencionais (homogêneas ou não homogêneas) e com o passar do tempo tornam-se multifocais e com aspecto verrucoso. Este tipo de leucoplasia é chamado de leucoplasia verrucosa proliferativa (LVP). ATENÇÃO Leucoplasia verrucosa proliferativa O primeiro procedimento que o cirurgião- dentista deve adotar diante de uma lesão branca de mucosa oral é tentar excluir outras possíveis lesões com aspecto branco antes de estabelecer o diagnóstico de leucoplasia. Para tal, é fundamental raspar a lesão para verificar se é removível ou não à raspagem. Caso seja removível, o provável diagnóstico clínico é candidose pseudomembranosa. Outra conduta imprescindível é verificar se há algum trauma por arestas de dentes ou próteses que estejam em contato direto com a lesão branca. Se algum fator traumático for identificado, o diagnóstico clínico é hiperqueratose reacional, e a conduta indicada é a remoção do trauma e o acompanhamento do paciente por cerca de 2 semanas. Biópsia incisional deve ser realizada em lesões brancas que não forem removíveis com a raspagem, lesões que persistiram após a eliminação do trauma e lesões brancas sem causa aparente. Em lesões brancas diagnosticadas clinicamente como leucoplasias homogêneas, não há grandes preocupações com relação ao local para realização da biópsia, visto que a lesão tem o mesmo aspecto em toda a extensão. Entretanto, quando se trata de uma leucoplasia não homogênea, a realização da biópsia deve envolver áreas dos diferentes Diagnóstico Cecília Correia Odontologia Oncologia Oral @cecicorreiaa_ | UFPE Lesões potencialmente malignas 03 aspectos clínicos, principalmente áreas vermelhas e verrucosas, visto que são os locais mais propensos para apresentar alterações microscópicas. Caso a leucoplasia não homogênea apresente sintoma de dor, a biópsia preferencialmente deve envolver o local sintomático. As leucoplasias não homogêneas geralmente são as que têm maior possibilidade de apresentar alterações microscópicas, como displasia epitelial ou até mesmo CEC. A prevalência de displasia epitelial varia de 5 a 25%. Entretanto, nem sempre há uma correlação clinicopatológica e, eventualmente, leucoplasias homogêneas podem apresentar importantes alterações microscópicas. Os achados histopatológicos das leucoplasias variam; porém, de modo geral, apresentam acantose e hiperparaqueratose com ou sem displasia epitelial. Em algumas situações pode ter carcinoma in situ, ou até mesmo carcinoma invasivo. Quando presente, displasia epitelial pode ser leve, moderada ou intensa. Embora existam aspectos que são usados para a classificação do grau de displasia, a interpretação desses achados é subjetiva. Características microscópicas Encontra-se projeções do tecido epitelial em forma de gotas; alteração da estratificação epitelial (as células deixam de mostrar progressivo achatamento da parte mais profunda do epitélio até a superfície), duplicação da camada basal; presença de células epiteliais com hipercro- Displasia epitelial matismo, pleomorfismo, disceratose e que as mitoses são frequentes. A presença dessa alteração indica maior risco de transformação maligna. Cecília Correia Odontologia Oncologia Oral @cecicorreiaa_ | UFPE Lesões potencialmente malignas 04 Aumento da proliferação celular na camada espinhosa do tecido epitelial, resultando no aumento da espessura epitelial, deixando a interface epitélio- conjuntivo mais plana. Acantose Aumento da espessura da camada ceratina do epitélio de revestimento. Hiperparaqueratose O risco de transformação maligna da leucoplasia é variável, e essa variação em diversos estudos pode ser atribuída a vários fatores, como tempo do período de observação, tipo da população estudada e modalidade terapêutica empregada. No entanto, de modo geral, o risco é relativamente baixo, visto que aproximadamente 12% das leucoplasias transformam-se em câncer. Algumas características têm sido relatadas como associadas ao risco aumentado de transformação maligna, entre as quais: leucoplasias em mulheres, longo tempo de duração da lesão, leucoplasia em não fu- Risco de transformação maligna mantes, localização em assoalho bucal e língua, leucoplasia não homogênea, presença de displasia epitelial. Entre esses fatores, parece que a presença de displasia epitelial associada ao tipo clínico não homogêneo é o mais importante indicador de potencial de malignização. É geralmente aceito que lesões displásicas têm o risco cinco vezes maior que lesões não displásicas. O tratamento da leucoplasia deve ser planejado após a realizaçãoda biópsia, a qual definirá o grau de displasia epitelial, se presente, ou até mesmo se já existe um carcinoma in situ ou carcinoma invasivo. Sempre que possível, as leucoplasias devem ser removidas. No entanto, em lesões sem displasia ou com displasia leve, a decisão sobre realizar ou não o tratamento pode ser influenciada principalmente pelo local de ocorrência e tamanho da lesão. Por outro lado, em displasias moderadas ou intensas, o tratamento geralmente deve ser instituído. Alguns autores têm recomendado tratamento das leucoplasias independentemente do grau de displasia ou do local de ocorrência. Entretanto, existem situações em que o tratamento da leucoplasia pode ser difícil, como em lesões muito extensas e quando o paciente está debilitado, o que é mais comumente observado em idosos. Várias modalidades de tratamento têm sido empregadas para as leucoplasias, como excisão cirúrgica, crioterapia, laser cirúrgico de CO2, terapia fotodinâmica e tratamento farmacológico com retinoides e outros medicamentos. De modo geral, cirurgia é o tratamento mais recomendado Tratamento Cecília Correia Odontologia Oncologia Oral @cecicorreiaa_ | UFPE Lesões potencialmente malignas 05 para as leucoplasias. Independentemente do tipo de tratamento realizado, a taxa de recorrência varia de 20 a 35% e ocorre mais comumente nas adjacências da lesão previamente removida. Em geral, tempo de seguimento longo em intervalos de 6 a 12 meses é recomendado. Pacientes que foram tratados e permaneceram sem lesão por 3 anos talvez não necessitem serem mais acompanhados. Eritroplasias bucais De acordo com a OMS, as eritroplasias são manchas vermelhas da mucosa que não podem ser caracterizadas clinicamente ou patologicamente como nenhuma outra condição patológica conhecida. A designação eritroplasia é análoga à leucoplasia, termo usado para descrever placas brancas da mucosa oral. Juntas, a eritroplasia e a leucoplasia representam as duas lesões potencialmente malignas mais comuns da mucosa bucal e, eventualmente, podem apresentar características clínicas mistas, sendo então descritas como leucoeritroplasias ou eritroleucoplasias. As eritroplasias bucais são diagnosticadas predominantemente em pacientes do gênero masculino, após os 60 anos, com predileção anatômica para o assoalho bucal, a orofaringe, o palato mole, a borda lateral de língua e a mucosa jugal, existindo uma forte associação com os hábitos de tabagismo e de etilismo. Do ponto de vista histopatológico, sabe-se que a maioria das eritroplasias bucais representam carcinomas espinocelulares invasivos incipientes ou carcinomas in situ. Contudo, uma pequena parcela destes casos pode conter apenas displasias epite- liais intensas. Este cenário transforma a eritroplasia na lesão com maior taxa de malignização entre todas as lesões potencialmente malignas da mucosa bucal. Do ponto de vista clínico, o primeiro passo para a confirmação diagnóstica de uma eritroplasia é excluir a possibilidade de se tratar de outra lesão bucal de cor vermelha, como ulcerações traumáticas, candidose eritematosa e líquen plano, entre outras. Nos casos em que a hipótese diagnóstica clínica de eritroplasia impera, a etapa seguinte é a realização de biópsia incisional e envio do material para análise histopatológica. A maioria das eritroplasias é assintomática (fato que torna o diagnóstico precoce desafiador) e, conforme já coloca- do, embora sua etiologia esteja relacionada com hábitos de tabagismo e etilismo, sabe- se que estas lesões também podem surgir de modo idiopático. Diagnóstico e Tratamento Cecília Correia Odontologia Oncologia Oral @cecicorreiaa_ | UFPE Lesões potencialmente malignas 06 A progressão maligna das eritroplasias bucais é um evento previsível – aproximadamente 100% dos casos –, portanto, considera-se como objetivo central do tratamento destas lesões a prevenção da transformação maligna. Até o momento, não há nenhuma evidência de um tratamento universalmente eficaz para evitar a transformação maligna da eritroplasia bucal. Todavia, o tratamento de primeira escolha para as eritroplasias é a ressecção cirúrgica seguida de avaliação histopatológica e, quando é identificada a presença microscópica de carcinoma espinocelular microinvasivo ou francamente invasivo, o paciente deve ser tratado por um cirurgião de cabeça e pescoço. Queilite actínica Muitos especialistas consideram a Queilite Actínica (QA) como a contraparte em vermelhão labial da queratose actínica da pele, sendo uma doença com potencial de malignização. Embora considerado baixo (aproximadamente 15% dos casos), existe o risco permanente de desenvolvimento de um Carcinoma Espinocelular (CEC) nos casos de QA que não forem diagnosticados e tratados adequadamente. Os casos de CEC labial originados de QAs geralmente possuem melhor prognóstico do que os CECs que afetam a mucosa intrabucal. A QA é observada especialmente em homens com aproximadamente 50 anos, pele branca, geralmente descendentes de europeus que vivem em áreas tropicais e cuja ocupação comumente está associada à exposição solar crônica. Altas prevalências de QA já foram descritas em diversas populações brasileiras consideradas vulneráveis ao desenvolvimento desta doença, como trabalhadores rurais (40%), fazendeiros (17%) e trabalhadores em áreas de praia (15%). Na maioria absoluta das vezes, a QA afeta o lábio inferior devido à sua anatomia, que se projeta mais anteriormente do que o lábio superior e, consequentemente, se expõe mais à radiação ultravioleta do sol. A exposição solar crônica é o agente etiológico basilar da QA, em que o potencial oncogênico da radiação ultravioleta atua no desenvolvimento e na progressão da doença. O dano tecidual que a radiação ultravioleta causa à semimucosa labial age de modo dependente do tempo e da intensidade da exposição à luz solar. Clinicamente, a QA se caracteriza por um aspecto de espessamento da semimucosa labial que geralmente é acompanhado por uma coloração mais pálida ou esbranquiçada do vermelhão labial. Outro sinal clínico comumente observado é a perda de definição da linha – geralmente muito bem definida – que separa a pele e a semimucosa labial. O lábio afetado pela QA também pode apresentar descamação, fissuras transversais, ressecamento, edema, placas brancas, eritemas, erosões, hiperpigmentação, hipopigmentação, crostas, sangramento, endurecimentos, nódulos e úlceras, à medida que progride para um CEC. As QAs costumam ser persistentes e afetar o lábio inferior de modo generalizado. Características clínicas e histopatológicas Cecília Correia Odontologia Oncologia Oral @cecicorreiaa_ | UFPE Lesões potencialmente malignas 07 No panorama microscópico, a QA apresenta uma miríade de manifestações, variando de hiperqueratose, acantose epitelial, exocitose, atrofia epitelial, ulcerações e elastose até CECs, que geralmente são bem diferenciados. Além dos aspectos microscópicos mencionados, graus variados de displasia epitelial, carcinomas in situ e carcinomas microinvasivos também são frequentemente identificados em QAs. O diagnóstico da QA é realizado por meio da correlação clinicopatológica dos dados demográficos do paciente, das características clínicas e dos aspectos microscópicos da lesão. Não obstante, os aspectos clínicos de alguns casos podem ser discretos e não corresponder à gravidade das alterações histopatológicas, Diagnóstico e Tratamento tornado, assim, a biópsia incisional uma etapa fundamental para o diagnóstico definitivo. Lesões recorrentes, áreas brancas espessas ou eritematosas sangrantes, bem como crostas, atrofias e endurecimentos são características clínicas que podem indicar maior risco da existência microscópica de displasia epitelial ou até mesmo áreas de malignização em QAs. A maioria dos casos de QA está associada à exposição ocupacional à radiação ultravioleta da luz solar. Portanto, a prescrição do uso sistemático de protetor solar labial (FPS 30) e de chapéu (ou boné) como forma de proteção mecânica à luzsolar é fundamental. As excisões cirúrgicas conservadoras ou até mesmo a excisão cirúrgica ampla, conhecida como vermelhectomia, podem ser realizadas por cirurgiões-dentistas e são indicadas para os casos de QAs que apresentam displasia epitelial comprovada por meio de biópsia prévia. ALMEIDA, O. P. de et al. Patologia Oral. São Paulo: Artes Médicas, 2016. (ABENO: Odontologia Essencial: parte clínica). Algumas imagens foram retiradas deste site: http://patoestomatoufrgs.com.br/patologia- bucal/1_dpm.php. Referência
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