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Professora Dr.ª Paula Marçal Natali
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta 
unidade:
• Infâncias, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: cenários de 
diversidade
• Intervenções com Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: 
cenário de diversas possibilidades e sistematizações
Objetivos de Aprendizagem
• Refletir	sobre	a	constituição	do	brincar	e	das	diferentes	
infâncias na atualidade.
• Elencar diversas possibilidades de ações educativas com 
jogos, brinquedos e brincadeiras.
JOGOS, BRINQUEDOS E 
BRINCADEIRAS: DIFERENTES 
INFÂNCIAS, CONTEXTOS 
E INTERVENÇÕES
unidade 
V
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), nesta unidade, trilharemos o caminho da riqueza das 
experiências e das diversidades pertinentes aos jogos, brinquedos e às 
brincadeiras. Aprender e refletir sobre a não linearidade do mundo e das 
relações educativas é tarefa do(a) professor(a)/profissional que pretende 
ter uma atuação situada e crítica sobre e na realidade.
Num primeiro momento, vamos estudar a cultura lúdica e sua cons-
tituição em diferentes realidades a partir de um olhar diverso: do tra-
balho infantil, das crianças dos países que falam a língua portuguesa e 
das crianças que moram em fronteiras. Assim, buscamos ampliar, caro(a) 
aluno(a), sua capacidade de compreender a ludicidade em muitas situa-
ções e, também, ativar sua atenção para a análise de pesquisas que valori-
zam outras invisíveis experiências sociais (SANTOS, 2010).
Na segunda parte desta unidade, listamos algumas ações sistematiza-
das com o brincar e jogar, visando que, neste processo de aprendizagem, 
possamos reconfigurar essas práticas educativas em nosso cotidiano, con-
siderando o contexto, os objetivos e anseios com que se trabalha. Nesse 
processo, reiteramos a necessidade de potencializar a participação de to-
dos envolvidos na ação educativa com os jogos, brinquedos e brincadeiras.
Todo esse processo visa a ampliar o repertório cultural e de conheci-
mento dos adultos, no caso nós professores(as)/profissionais, que traba-
lharemos com a cultura lúdica infantojuvenil. Segundo Wajskop (1992, 
p. 92), se pretendemos compreender o brincar como um direito da crian-
ça e do adolescente, temos que cuidar com muito esmero da formação de 
quem realiza e implementa a ação educativa , pois “[...] a representação 
que se tem da criança e de sua atividade lúdica vai resultar na maneira 
como o adulto se relaciona com o brincar infantil”. 
Partindo dessa afirmação, buscaremos, aqui, a ampliação de conhe-
cimentos pertinentes à formação do(a) profissional(a) que trabalha com 
essa linguagem, visando a compreensão mais apurada da cultura lúdica 
infantojuvenil.
146 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
Nesta etapa de nosso estudo, caro(a) aluno(a), ire-
mos retratar uma parte do imenso universo que se 
pode encontrar na relação entre as configurações de 
infância e cultura lúdica infantojuvenil. O brincar 
e o jogar não se encerram em uma experiência fe-
chada e determinada, são múltiplos, mutáveis e sua 
riqueza está nessa diversidade de expressões.
Essa proposta de estudo parte do princípio que 
os jogos, brinquedos e as brincadeiras são produ-
ções culturais, frutos de vários determinantes, como 
os fatores sociais, culturais, geográficos, econômicos 
e históricos. Podemos aprender muito sobre os di-
ferentes grupos sociais a partir da convivência com 
seu brincar. Assim, essa aprendizagem nos instru-
mentaliza como professores(as)/profissionais para 
atuar com essa linguagem, ela torna-se um funda-
mento do qual devemos nos aproximar para desen-
volvermos nossa ação educativa.
Para alcançarmos o objetivo de tratar das dife-
rentes infâncias e seu brincar, utilizaremos como 
base três produções brasileiras sobre o brincar em 
realidades diversas. Todos os livros selecionados 
para esta nossa contação fogem da lógica de caracte-
rizar os grupos sociais apenas por dados estatísticos 
ou oficiais dos locais e das crianças e avançam para 
uma análise das características culturais e das con-
tradições e belezas de cada ambiente ou grupo social 
pesquisado.
Infâncias, Jogos, 
Brinquedos e Brincadeiras:
Cenários de Diversidade
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 147
Estas produções são: o livro Trama doce-amar-
ga: (exploração do) trabalho infantil e cultura lúdica 
de Maurício Roberto da Silva, lançado em 2003; o 
livro Brincar, brinquedos e brincadeiras: modos de 
ser criança nos países de língua oficial portuguesa, de 
2014, organizado por Catarina Tomás e Natália Fer-
nandes; e o mais recente, lançado em 2017, Crianças 
em Fronteiras: histórias, culturas e direitos, organi-
zado por Verônica Regina Müller. Vamos conhecer 
mais sobre o mundo do brincar?
O livro Trama doce-amarga: (exploração do) tra-
balho infantil e cultura lúdica, segundo Demartini et 
al. (2003, p. 7), trata da criança
[...] sujeita à exploração pelo capital, no trabalho, 
a que tem o lúdico subsumido de sua vida coti-
diana [...] a preocupação é com esse processo so-
negador/limitador do tempo livre para o lúdico”.
Um livro que nos ensina sobre os meandros do cruel 
cotidiano de crianças trabalhadoras dos canaviais de 
Pernambuco, no Brasil e, especialmente, da constitui-
ção de sua cultura lúdica como espaço de resistência. 
No cenário do trabalho inserido na lógica neoliberal, 
temos, entre outras mazelas, o trabalho infantil, que é a 
[...] inclusão precoce e criminosa de crianças 
no mercado de trabalho, especialmente nos pa-
íses de industrialização intermediária e subor-
dinada, como por exemplo, nos países asiáticos, 
latino americanos e outros, onde se vem dete-
riorando prematuramente a força humana de 
trabalho das crianças e jovens, mediante a ex-
ploração invisível do trabalho e da informalida-
de do mundo do trabalho (SILVA, 2003, p. 25).
Esse contexto nos apresenta as diferentes infâncias 
que temos na sociedade e o criminoso contexto a 
que muitas estão submetidas. Em consequência, te-
mos diversas conformações dessa categoria geracio-
nal, e como afirmamos anteriormente, que resultam 
em produções culturais múltiplas, e não temos, en-
tão, uma única infância e um único brincar.
Silva (2003) aponta que todas as formas de ex-
ploração do trabalho infantil podem prejudicar a vi-
vência da cultura lúdica e, também, o direito à esco-
larização da criança e do adolescente, resultando em 
problemas de constituição identitária. Essa realidade 
de exploração do trabalho pode ser entendida como 
um tempo furtado de chances e sonhos arruinados
[...] que impõe às crianças possíveis sequelas 
nutricionais (envelhecimento precoce, desnu-
trição), cognitivas, psicossociais e culturais, 
comprometendo de maneira marcante o pre-
sente e o futuro das gerações (Silva, 2003, p. 28).
Para Silva (2003), a exploração do trabalho infantil, 
além do furto do lúdico na vida dessas crianças e ado-
lescentes, promove um degradante processo de roubo 
do tempo de “[...] usufruto da cultura lúdica, a escola-
rização e a sociabilidade, como possibilidade de forta-
lecimento das relações sociais lúdicas infantis” (Silva, 
2003, p. 209). Portanto, a exploração do trabalho infan-
til promove diversos procedimentos de alienação na 
vida das crianças que trabalham na produção de cana.
Sobre a ludicidade, o autor afirma que estes mo-
mentos de brincadeira entre as crianças e os adolescen-
tes trabalhadores não podem ser vistos como diversão, 
entretenimento ou possibilidade de afastar o sentimen-
to de tédio, e sim como uma postura de resistência em 
meio a um ambiente de tanto sofrimento e injustiça. 
A sociedade que se anuncia por meio do brincar 
nesses terrenos adversos, baseia-se em valores 
lúdicos, tais como: a lentidão e a preguiça como 
virtude, em detrimento da aceleração para a 
acumulação de capital; a liberdade; a criativi-
dade; a gratuidade; a fantasia; o faz de conta e 
outros valores estéticos (SILVA, 2003, p. 29).
148 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
Em toda essa cultura lúdica, constituída no contexto 
investigado por Silva (2003), configuram-sediferen-
tes possibilidades para essas manifestações culturais 
do brincar e jogar, que buscam a ruptura e a posição 
de resistência frente aos ditames da desigualdade so-
cial inerentes à realidade investigada.
O pesquisador elabora uma forte e contunden-
te crítica ao capital e a programas assistencialistas e 
paliativos diante da exploração do trabalho infantil, 
trazendo o contexto dessa degradação humana na 
região do açúcar da Zona da Mata Pernambucana. 
Para estudar essa realidade, Silva (2003, p. 59) recor-
re ao diálogo junto às crianças e nesta convivência 
brincam, jogam, leem e escutam histórias, cantam, 
realizam paródias e conversam sobre o lazer “[...] 
dos adultos, sobre o folclore e a cultura naqueles rin-
cões”, estabelecendo-se uma relação profunda entre 
o pesquisador e as crianças.
No livro, o lúdico é tomado em seu potencial de 
expressão de subversão frente às imposições cruéis 
da sociedade capitalista, e a infância é compreendida
[...] a partir de horizontes emancipatórios, que 
leva em conta os direitos das crianças, a partir 
da produção cultural que elaboram, ensejando 
intervir ativamente no processo sociocultural 
e político de construção de cidadanias (SILVA, 
2003, p. 184).
Assim, nessa produção, a cultura lúdica infantil 
nos é apresentada com sua premissa alinhada à 
participação social de crianças e adolescentes em 
direção à potencialização de sua identidade. O lú-
dico entendido como expressão crítica é apresen-
tado como uma lógica que não corresponde às ca-
racterísticas predominantes na atualidade que são 
orientadas pelo consumo, individualidade, volatili-
dade e exploração.
O brincar das crianças canavieiras, nessa ló-
gica, perversa de inserção precoce no trabalho, 
ocorre também nas pequenas oportunidades que 
esta dinâmica permite. O autor traz, ainda, outros 
exemplos de estudos com crianças que têm uma 
vida dura e injusta e que têm na expressão das brin-
cadeiras e jogos uma forma de resistência à vida a 
qual são submetidas.
A degradante realidade das crianças trabalhadoras 
brincando em meio aos canaviais, segundo Silva (2003, 
p. 221), explicita aos que conhecem este contexto que,
[...] o contraditório de tudo isso é que essas 
crianças arranjem forças e elementos em meio 
à dor, ao constrangimento do trabalho forçado 
e ao despotismo dos patrões, mediante a ma-
nifestação da alegria e do prazer do jogo como 
instrumentos de luta. De posse desses artifícios, 
entre os liames da resistência e do conformis-
mo, as crianças manifestam seus impulsos lú-
dicos nas brechas que permitem o gozo de uma 
liberdade ainda que passageira.
Esta capacidade de resistir das crianças e dos adoles-
centes trabalhadores e o jogo imposto entre a neces-
sidade de brincar e a obrigação imposta no trabalho 
compõem o cotidiano dessas infâncias. Este contexto 
impiedoso configura-se como uma realidade atroz 
que necessita de uma profunda reestruturação social, 
ainda mais se tomarmos como parâmetro o avanço 
nas discussões e leis que foram elaboradas no século 
XX sobre o direito infantojuvenil, como também so-
bre o brincar.
A restrição aos direitos básicos dessas crianças 
também resvala no escasso lazer que têm à dispo-
sição na região canavieira. A região pesquisada ca-
rece de parques, praças e centros culturais, e o au-
tor aponta também a dificuldade de transporte e 
deslocamento da população rural como fatores que 
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 149
impedem vivências amplas de lazer, haja vista que 
as atividades de lazer concentram-se, cada vez mais, 
nas grandes cidades, atreladas ao lazer-consumo. 
Silva (2003) também aponta diversos fatores que 
compõem o cenário de diferenciação entre o brincar 
de meninas - que desde novas têm mais tarefas no 
âmbito doméstico -, e de meninos canavieiros.
Sobre os brinquedos, o brincar e o consumo, Silva 
(2003) nos relata que via nas crianças canavieiras - im-
pedidas de adquirir os brinquedos industrializados e 
que são expostos na mídia - um potencial criativo e 
de ressignificação desenvolvido em relação ao impro-
viso dos brinquedos e do brincar, e nisto analisou al-
gum viés positivo na composição de sua cultura lúdica. 
Identificou, também, que os pais das crianças trabalha-
doras desejavam implicitamente que seus filhos tives-
sem acesso aos brinquedos industrializados, apresen-
tando mais uma contradição inerente a essa realidade.
[...] apesar da miséria em que vivem, possuem 
humor, fazem festa, brincam de roda, inventam 
histórias, causos e jogos, talvez para reinventar 
essa vida cotidiana tão cruel, opressiva e vili-
pendiada, mas também vivida com luta, desejo 
e utopia (SILVA, 2003, p. 258). 
Configura-se um contexto em que se desenvolvem 
especialmente jogos e brincadeiras tradicionais, pro-
dução cultural da humanidade que existe e resiste na 
vida das crianças canavieiras. Assim, com diversas 
posições de contraposição a essa realidade, como a 
elucidada por Silva (2003), no brincar das crianças, 
a população luta por uma vida digna, lutam para a 
conquista de um tempo livre.
Essas análises a respeito do enfrentamento da 
vida cotidiana e do potencial lúdico nessas rela-
ções, não excluem e nem pormenorizam, caro(a) 
aluno(a), o fato de que esta é uma realidade de-
sumana e que o trabalho infantil leva à consequ-
ências cruéis, como o envelhecimento precoce. As 
crianças exploradas no trabalho que foram entre-
vistadas são submetidas a vastas horas de trabalho 
em seu cotidiano, e contam sobre
[...] acordar muito cedo e renunciar ou dimi-
nuir o tempo destinado às brincadeiras, o tem-
po para que o corpo pudesse com plenitude e 
sem pressão entregar-se as conjecturas lúdicas 
(SILVA, 2003),
delineando-se que brincavam, jogavam, cantavam e 
liam histórias, apesar de todo sofrimento a que eram 
expostas, confirmando a análise do pesquisador da 
cultura lúdica como ponto e movimento de resistên-
cia destes corpos infantojuvenis.
Contarmos sobre essa infância canavieira, obje-
tivando evidenciar as diferentes infâncias e o poten-
cial da dimensão lúdica em suas vidas, revela que 
Nos engenhos, Silva (2003) encontrou como brin-
quedo mais comum entre as crianças réplicas de ca-
minhões que as crianças conheciam: os que trans-
portam cana. Os adultos que contaram mais sobre 
seus brinquedos e brincadeiras de infância - “[...] fu-
guete, flecha e ioiô, improvisados com a palha e nós 
da cana”. A pesquisa desenvolvida mostrou que, 
150 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
[...] apesar de suas insistentes e comoventes re-
sistências lúdicas, de que são crianças privadas 
de suas infâncias, assim como os jovens são cer-
ceados de suas juventudes (SILVA, 2003, p. 295).
O autor evidencia ainda que a questão da exploração 
do trabalho infantil está atrelada ao modo de produ-
ção capitalista e que sua extinção não seria possível 
dentro dessa forma de organização social. A resis-
tência que as crianças apresentaram no brincar é 
uma questão de sobrevivência, que desde pequenas 
são obrigadas a lutar para obter.
údo organizado por Tomás e Fernandes (2014) no 
livro Brincar, brinquedos e brincadeiras: modos de 
ser criança nos países de língua oficial portuguesa, 
desvela categorias sobre o brincar que aproximam 
e também distanciam essas culturas unidas pela lín-
gua oficial de seus países e sobre a compreensão da 
centralidade do brincar na vida das crianças.
Vamos elucidar algumas características do brin-
car das crianças do Brasil, Cabo Verde, Guiné Bis-
sau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e 
Timor Leste, que são países que falam a língua por-
tuguesa. Além da língua, o princípio que uniu os 
pesquisadores da infância que estudaram o brincar 
dessas crianças foi a convicção de que elas 
[...] tem formas próprias de interpretar o mun-
do, de agir, de pensar e de sentir, nas quais o 
brincar assume uma centralidade inquestioná-
vel, ainda que possa adotar diferentes facetas 
decorrentes das ‘latitudes’ em que ocorre (TO-
MÁS; FERNANDES, 2014, p. 13).
Essa obra, estimado(a) aluno(a), estáorientada por 
um princípio que é muito caro para compreender-
mos o mundo em sua diversidade, na valorização 
dessa amplitude de experiências: o princípio da 
Epistemologia do Sul, desenvolvido pelo sociólogo 
português Boaventura de Souza Santos, que pro-
põe a superação do modelo hegemônico de visão de 
mundo que tem o norte do globo terrestre como re-
ferência, evidenciando assim que, 
[...] a experiência social em todo o mundo é 
muito mais ampla e variada do que o que a tra-
dição científica ou filosófica ocidental conhece 
e considera importante. [...] esta riqueza social 
está sendo desperdiçada. É deste desperdício 
que se nutrem as ideias que proclamam que não 
há alternativa, que a história chegou ao fim e 
[...] o furto do lúdico atinge as crianças inde-
pendente de classes sociais, gênero e cultura. 
Assim, todo este processo é resultante do fato 
de que a sociedade burguesa instrumentaliza 
a cultura, priorizando a sua faceta produtiva 
e sua manifestação apenas como produto. 
Dessa maneira, a criança é desvalorizada, pois 
não é vista como sujeito das relações sociais e 
produtora de uma cultura infantil, mas como 
mera consumidora dos produtos da Indústria 
Cultural. [...] é preciso mais uma vez ressaltar 
que	a	morte	do	lúdico	não	significa	a	morte	
do sujeito, considerando que este, provavel-
mente,	procurará	sempre	ressignificar	o	tempo	
e o espaço para a vivência da cultura lúdica 
em qualquer circunstância em que estejam 
envolvidos. Quanto a isso basta ver as crian-
ças brincando em espaços hostis, como por 
exemplo, nas favelas com esgotos a céu aberto.
Fonte: Silva (2003, p. 206–207).
SAIBA MAIS
Diante da ampla diversidade de vivências do brin-
car e de suas múltiplas influências na constituição da 
cultura, vamos agora, prezado(a) aluno(a), aprender 
sobre o brincar de algumas crianças de países que 
falam oficialmente a língua portuguesa. O conte-
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 151
outras semelhantes. [...] para combater o des-
perdício da experiência para tornar visíveis as 
iniciativas e os movimentos alternativos e para 
lhes dar credibilidade, de pouco serve recorrer 
à ciência social (SANTOS, 2010, p. 94).
Essa busca por desvelar e conhecer outras experiên-
cias, no caso dessas obras que estamos estudando, 
coaduna com o princípio de estudarmos outras vi-
vências e nuances do brincar e do jogar, como no 
que debatemos no livro de Silva (2003), tratando do 
potencial de resistência da cultura lúdica das crian-
ças exploradas no trabalho.
O livro de Tomás e Fernandes (2014, p. 13), so-
bre as crianças que falam a língua portuguesa, bus-
ca superar a tendência hegemônica “[...] de olhar 
as crianças do Sul, a partir de temáticas constantes, 
como a exclusão e a vulnerabilidade”. Assim, a par-
tir do princípio da Epistemologia do Sul, as autoras 
pretendem ampliar o conhecimento e contribuir 
para a superação de estereótipos analíticos sobre as 
crianças e adolescentes dos países periféricos e semi-
periféricos, objetivando que todos possam aprender 
mais sobre o brincar das crianças de alguns países 
que falam oficialmente a língua portuguesa.
O brincar toma centralidade nessa obra, pois a 
ludicidade é imprescindível na vida das crianças - 
assim como sua análise -, pois se pretendemos com-
preender a cultura infantil, temos que:
[...] brincar é uma atividade sociocultural mui-
to importante para as crianças e é nuclear para 
a (re) construção das suas relações sociais e das 
formas individuais e coletivas que lhes possibi-
lita interpretar o mundo (TOMÁS; FERNAN-
DES, 2014, p. 15).
Vamos, aqui, elucidar as principais considerações 
construídas pelos pesquisadores que dedicaram-se a 
refletir sobre o brincar nesses países, nos afastando 
da pretensão de empregar a complexidade analítica 
de cada produção que compõe o livro. Buscaremos, 
assim, pincelar a riqueza lúdica de cada um dos paí-
ses que falam oficialmente a língua portuguesa.
Sobre o Brasil, Morelli et al. (2014) ressaltam 
que devido à imensa dimensão geográfica do país e à 
diversidade de populações que formam uma grande 
combinação cultural, há uma amplitude da cultura 
lúdica de nosso país. 
A forma, o conteúdo, o lugar, e o tempo de 
brincar de cada cultura dentro do território 
brasileiro, são por um lado muito próprios e 
por outro, mostram o híbrido entre o que era 
antes e o que foi assimilado nas inter-rela-
ções étnicas e culturais em geral (MORELLI 
et al., 2014, p. 27).
Assim, os autores não têm a pretensão de represen-
tar a realidade brasileira, mas sim evidenciar ex-
periências localizadas sobre o brincar das crianças 
brasileiras. Em um resgate histórico, a partir dos 
anos 1960, de uma cidade pequena, evidenciam um 
brincar com muita disponibilidade de espaço, varia-
das brincadeiras e pouco acesso a brinquedos e, na 
maioria das vezes, brinquedos artesanais. Contudo, 
em um contexto do fim dos anos 1990, com crianças 
pobres, encontraram uma cultura infantil constru-
ída sem acesso a brinquedos, em meio a violências 
constantes em um bairro extremamente inseguro. 
Esse recorte, com um viés para o brincar localizado 
dessa infância brasileira, desvela a necessidade do 
brincar como direito garantido.
Sobre Cabo Verde, Elias e Lima (2014) apon-
tam que o maior problema desse arquipélago é a 
desigualdade social. Dentre as inúmeras consequ-
ências desse contexto explicitadas no texto, ressal-
152 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
tamos as diferenças entre as infâncias e culturas 
lúdicas dentro do país, atreladas às desiguais con-
dições socioeconômicas, e os fatores implicados 
no processo de globalização às quais são submeti-
das as crianças cabo-verdianas.
A compreensão que se tem nesse contexto é de 
uma criança
[...] situada dentro de uma cultura específica 
resultante de influências africanas e europeias 
– heranças coloniais, como também norte-a-
mericana e brasileira via produtos de consumo 
tais como filmes infantis e telenovelas (ELIAS; 
LIMA, 2014, p. 56).
Uma infância que tem sua cultura lúdica constituída 
nesse contexto de diversidade de influências media-
da pelo contexto da desigualdade.
As crianças cabo-verdianas que vivem em meio 
a pobreza têm, na rua, um espaço para o brincar, 
apesar da violência a que são expostas; por outro 
lado, as crianças que têm maior poder aquisitivo; 
brincam ou em espaços privados ou em ambientes 
públicos e são mais cuidadas pelos pais. Existe no 
país, para as crianças mais ricas, a possibilidade 
de pagar para vivenciar experiências lúdicas com 
uma tendência a mercantilizar essas relações. So-
bre a escola das crianças cabo-verdianas, os auto-
res afirmam que: 
Não se encontram preparadas pedagogica-
mente de forma a utilizarem as brincadeiras 
no processo de aprendizagem, uma vez que os 
professores preocupam-se mais em ensinar o 
ler e escrever do que promover o lúdico, mes-
mo em períodos destinados a tal. O fato do 
sistema escolar ser demasiado formal, contri-
bui para a desvalorização da cultura da infân-
cia, o que limita a criatividade infantil (ELIAS; 
LIMA, 2014, p. 67).
Assim, esse olhar sobre o brincar das crianças ca-
bo-verdianas teve seu viés analítico baseado nas 
consequências das desigualdades sociais e efeitos da 
globalização sobre a cultura lúdica infantil no país.
Outro país incluído no livro foi Guiné-Bissau. 
Sobre o contexto desse país, Otinta (2014) aponta 
que necessita de muitos avanços nos índices da edu-
cação oferecida para as crianças e maior atenção aos 
níveis de mortalidade infantil do país. Consideran-
do que a brincadeira na vida da criança é essencial 
e constrói suas relações com o mundo, destaca-se, 
nessa cultura, um ditado:
Como se diz no kriol Bissau-guineense: mininu 
ku sibi brinka i ta sibi tchiu sempre. Isto quer 
dizer que é a brincar que mininu aprende o 
que mais ninguém lhe pode ensinar (OTINTA, 
2014, p. 81).
Nessa análise é destacada a essência do brincar na in-
fância elencada na ludicidade, criatividade, ensino e 
aprendizagem. No brincar da infância do país,Otin-
ta (2014) afirma que a mininesa tem diversos meca-
nismos para perpetuar o brincar e ampliar sua cultu-
ra lúdica, buscando sempre renová-lo e reinventá-lo.
Sobre o brincar no Moçambique, Colonna e Antó-
nio (2014) afirmam que este acontece muito frequen-
temente no espaço público, na rua, muito em função 
das altas temperaturas. Com os olhares voltados para o 
espaço periférico da cidade de Maputo, constatam que 
as brincadeiras são entre as crianças e, em geral, sem 
brinquedos. Afirmam que a constante atenção dada à 
divulgação dos problemas sociais do país, que são sem 
dúvida urgentes, muitas vezes encobrem a possibilida-
de fundamental de olhar outros elementos da cultura, 
como, por exemplo, a brincadeira, destacada no texto.
Além do brincar, os pesquisadores também ob-
servaram, no cotidiano das crianças, o tempo divi-
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 153
dido entre a escola e os trabalhos domésticos e, as-
sim, brincam no entremeio e durante essas tarefas. 
Relatam também que nessa realidade não existem 
construções próprias, como praças para o brincar e 
jogar infantojuvenil; então, apropriam-se dos espa-
ços disponíveis. As crianças apresentam em seu dia 
a dia desde pequeninas um alto grau 
[...] de autonomia e liberdade, o que faz com que 
os seus momentos lúdicos se desenvolvam prin-
cipalmente fora da supervisão e do controle dos 
adultos. Esta ausência dos adultos é contrabalan-
ceada por uma presença significativa de outras 
crianças, sendo que as meninas e meninos das 
periferias de Maputo brincam quase sempre em 
grupos, que podem ser mais ou menos numero-
sos (COLONNA; ANTÓNIO, 2014, p. 103).
Nesse ambiente, apesar de prevalecerem as brincadei-
ras, jogos e brinquedos tradicionais, as crianças e ado-
lescentes mostraram-se abertas e dispostas a inovações 
no desenvolvimento de suas brincadeiras, englobando 
elementos que têm acesso, por exemplo, na televisão.
A respeito do brincar em Portugal, Silva (2014) 
analisa esse brincar no tempo, destacando a mu-
dança da rotina das crianças portuguesas e a di-
minuição do tempo livre dessa população durante 
décadas. Para a realização dessa análise, o autor de-
dica-se a estudar quatro gerações de dez famílias a 
respeito de seu brincar.
O cenário português revela a transformação da 
vida das crianças, onde parte de um cotidiano
[...] muito igual (escola uma parte do dia e o 
para ser vivido informalmente, entremeado 
pela catequese e ou os escuteiros ao fim de se-
mana e o tempo de aprovisionamento pessoal), 
as duas décadas que findam e iniciam a recen-
te passagem de milênio conhecem a paulatina 
cassação do tempo verdadeiramente livre das 
crianças à mercê de uma saga institucionaliza-
da [...] ditada por condicionamentos de ordem 
familiar, pela gestão de expectativas escolares e 
consequente alargamento da oferta de serviços 
públicos potenciados, uns, e empurrados, ou-
tros, por e para essa nova realidade emergente 
(SILVA, 2014, p. 108).
Assim, sobre a cultura lúdica infantil portuguesa no 
desenvolvimento do tempo, revelou um período em 
que as crianças já tiveram mais autonomia em seu 
cotidiano e no seu brincar, tendo mais comando do 
seu tempo e do espaço para isso. Na atualidade, re-
velam uma intensa vigilância e institucionalização 
do brincar em sua dimensão temporal e espacial, e 
uma paulatina ausência das manifestações de brin-
cadeiras e brinquedos tradicionais (SILVA, 2014).
Em São Tomé e Príncipe, a pesquisa foi ampla, 
com crianças das comunidades urbanas, periféricas 
e rurais, contemplando cerca de 800 crianças das 
duas ilhas. O cenário de pobreza atinge especial-
mente as crianças e adolescentes, pois eles represen-
tam mais da metade da população do país.
As brincadeiras das crianças santonenses foram 
caracterizadas por ocorrer antes e depois do tem-
po escolar e, frequentemente, nos deslocamentos e 
também durante o tempo escolar. Crianças também 
brincam entre e durante as tarefas domésticas, como 
deveres pessoais do cotidiano, por exemplo:
[...] as meninas fazem bobô mina (ato de levar o 
bebê nas costas com o auxílio de um pano, mui-
to usual nos países africanos) com as bonecas 
quando vão lavar roupa (BARRA, 2014, p. 139).
Sobre os espaços, as crianças brincam na escola e 
também nos espaços públicos. Apresentam brinca-
deiras vigorosas fisicamente e gostam muito de jogar, 
especialmente bola, e de brincadeiras de faz de con-
154 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
ta. Os brinquedos estão presentes, mas não de forma 
central ou contundente para o brincar, sendo alguns 
industrializados - os mais comuns, como bicicletas, 
bolas, bonecas - ou construídos pelas crianças.
No Timor Leste, Oliveira et al. (2014) desvelam a 
cultura lúdica timorense a partir do estudo das me-
mórias das brincadeiras no ambiente escolar. O Ti-
mor-Leste é um país que se tornou independente em 
1999 e que tem a população jovem em sua maioria, 
um alto grau de analfabetismo adulto e uma carac-
terística multilinguística, a última por influenciar no 
processo educacional, pois os professores precisam 
dominar diversas línguas.
Acerca do brincar, devido ao pouco acesso aos 
brinquedos industrializados, predominam os brinque-
dos produzidos e criados pelas crianças timorenses. 
Destaca-se, também, a transmissão de diversas brinca-
deiras entre as crianças e adultos preservadas pela tra-
dição oral do local. Os autores ainda apresentam um 
repertório de brincadeiras características, do país pre-
servado pela cultura local em meio ao intenso contato 
que tiveram com diversas outras culturas, que também 
influenciaram a composição da cultura lúdica.
Todo esse contexto apresentado no livro organi-
zado por Tomás e Fernandes (2014) traz à tona o 
valor da brincadeira, jogos e brinquedos na cultu-
ra infantil e na constituição da identidade de tantos 
países. A cultura lúdica permeada pela diversidade 
de características fica explícita nessa obra, como um 
direito infantojuvenil fundamental.
Vamos, agora, nos aventurar por outro olhar so-
bre a infância e a cultura lúdica e a vida nas fronteiras 
entre países, que é o foco do livro Crianças em Fron-
teiras: histórias, culturas e direitos, organizado por Ve-
rônica Regina Müller (2017). Vamos tratar do Chile 
1 “[...] la creatividad e imaginación resultan ser los principales recursos para las actividades de recreación aprovechando todo lo que les ofrece la natureza y los 
recursos de desecho introducidos” (TORRES; LARA, 2017, p. 34).
na fronteira da Cordilheira dos Andes, na região do 
Maule, e do Brasil e Paraguai na região fronteiriça en-
tre as cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero.
A obra busca caracterizar a infância distancian-
do-se da lógica de que são, em geral, [...] mostradas 
características estáticas, inteiras, inflexíveis, localiza-
das em um e somente um lugar físico ou subjetivo” 
(MÜLLER, 2017, p. 17). Partindo dessa possibilida-
de de expandir o olhar sobre a infância, a obra busca 
elucidar “[...] diferentes latitudes e longitudes para 
a ampliação da navegação nas infâncias do mundo” 
(MÜLLER, 2017, p. 17).
Sobre a região de fronteira do Chile, Torres e 
Lara (2017) trazem relatos sobre a infância em esco-
las de fronteira na Cordilheira dos Andes, na região 
do Maule, consideradas escolas rurais. A cultura lú-
dica nesse contexto escolar evidencia que ela é muito 
influenciada pelas condições naturais do ambiente, 
cercado pelo perigo iminente da erupção do vulcão 
e por períodos intensos de neve, neblina e fortíssi-
mos ventos; assim, o brincar adapta-se e acomoda-
-se nessa intensa realidade natural.
O brincar e jogar nesse contexto foram retra-
tados com ausência de materiais desportivos e as 
crianças brincam com os elementos da natureza dis-
poníveis, por exemplo: pedaços de madeira e mate-
riais recicláveis, interagindo fortemente com a natu-
reza local. Em seu tempo livre costumam observar 
a natureza, pássaros e correm e brincam entre eles.
Nessa realidade,
[...] a criatividade e imaginação resultam ser 
os principais recursospara as atividades de re-
creação, aproveitando tudo que lhes oferece a 
natureza e os recursos de resíduos (TORRES; 
LARA, 2017, p. 34, tradução minha)1.
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 155
As crianças acabam tendo uma proximidade com a 
natureza e uma relação positiva e harmoniosa com 
esse contexto educativo.
No livro também é relatado sobre o brincar das 
crianças moradoras na fronteira entre Brasil, na ci-
dade de Ponta Porã, e Paraguai, na cidade de Pedro 
Juan Caballero. Os autores nos contam sobre esse 
aspecto cultural, especialmente a partir das especi-
ficidades de uma região fronteiriça e a da inserção 
das crianças paraguaias nas escolas brasileiras e seu 
brincar (NUNES et al., 2017).
Os autores partem do entendimento de que as 
fronteiras podem ser compreendidas como esta-
belecimento de limites entre culturas, e estas não 
são contínuas e lineares. Assim, as fronteiras têm a 
possibilidade de
[...] proporcionar elos de integração, de forma 
concomitante podem circunscrever ou produ-
zir segregação na distribuição de populações ou 
de atividades dentro das sociedades (NUNES et 
al., 2017, p. 111).
No contexto escolar, é possível observar essas carac-
terísticas das fronteiras não só quando as crianças 
brincam e cantam em guarani, mas também relatam 
brincadeiras paraguaias, realizadas na língua portu-
guesa, por exemplo, Voté, em português é pé na lata 
e Kañy, esconde-esconde. As brincadeiras no recreio 
foram identificadas, nessa escola de fronteira, com 
predominância das brincadeiras e jogos da cultura 
brasileira. Apesar de frequentarem essa escola um 
número maior de crianças paraguaias, é a cultura 
brasileira que predomina no espaço.
156 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
As crianças paraguaias saem de seu território para 
estudar em escolas brasileiras, buscando mais qua-
lidade no ensino, e foi constatado que a maioria 
das(os) professoras(es) não fala guarani. Os pesqui-
sadores não acharam que encontrariam um cenário 
em que as crianças paraguaias
[...] brincavam tão somente com brincadeiras 
brasileiras. Compreendemos dessa maneira, 
que elas ficam destituídas de liberdade de ex-
pressão enquanto cidadãs de um espaço trans-
fronteiriço (NUNES et al., 2017, p. 118).
Afinal, a brincadeira como expressão da cultura 
desvela as relações estabelecidas no cotidiano das 
crianças paraguaias que estudam no Brasil e precisa 
ser valorizada e vivenciada nesse espaço em que elas 
estão inseridas.
Neste item, caro(a) aluno(a), buscamos ampliar 
nosso olhar sobre o brincar infantil em diferentes 
vertentes, transitamos do viés analítico do trabalho 
infantil, das particularidades e essencialidades das 
crianças que falam a mesma língua em territórios 
tão diversos, e das crianças que vivem em fronteiras. 
Buscamos elucidar, até aqui, quantas possibilidades 
de intervenção educativa e diversidades de princí-
pios teórico-metodológicos se abrem no trabalho 
com jogos, brinquedos e brincadeiras com a infância 
em tantos contextos e vivências.
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 157
158 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
Intervenções com Jogos, 
Brinquedos e Brincadeiras
CENÁRIO DE DIVERSAS POSSIBILIDADES E SISTEMATIZAÇÕES
Vamos, aqui, ilustrar experiências de ações educati-
vas com a linguagem dos jogos, brinquedos e brin-
cadeiras com diferentes grupos sociais, objetivos e 
temas. Essas possibilidades são apenas indicações 
de que podemos, junto com nossos(as) alunos(as), 
criar e recriar para vivenciarmos a cultura lúdica de 
múltiplas formas.
Ilustramos experiências de uma corrida orienta-
da em uma instituição de contraturno escolar com 
adolescentes; uma caça ao tesouro pelo espaço de 
um bairro com crianças e adolescentes; criação de 
brinquedos com adultos na universidade para ação 
educativa com crianças e uma caça aos pássaros com 
crianças pequenas em uma escola.
Todas essas ações educativas têm como funda-
mento para a sua realização o entendimento de que 
somos pessoas em constante processo de aprendiza-
gem e que a ludicidade, apesar de, em nossa cultura, 
ser vivenciada mais na infância, pode e precisa ser 
potencializada nas diversas gerações. Outra questão 
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 159
importante é que as regras são mutáveis e devem ser 
assim, se pretendemos que a atividade seja vivencia-
da a partir do viés da participação social.
Assim, vamos ilustrar algumas práticas que não 
são fechadas em si, metodologicamente, mas que es-
peramos que gerem aprendizagens e novas vivências 
de jogos, brinquedos e brincadeiras.
• Corrida de Orientação: 
Nessa ação educativa objetivamos desenvolver, com 
os adolescentes de uma instituição de contraturno 
escolar, uma corrida orientada, com diversos desa-
fios e jogos cooperativos, visando realizar atividades 
de integração e coletivas. Durante as semanas que 
antecederam a corrida de orientação, os adolescen-
tes decidiram o nome de suas equipes, gritos para 
a torcida e comemoração das provas, customizaram 
camisetas que seriam utilizadas no dia do evento e 
aprenderam sobre a dinâmica da atividade em si.
Na corrida de orientação, os alunos cumprem 
uma determinada trilha, passando por pontos de 
controle indicados em um mapa montado previa-
mente. O percurso de uma atividade de orienta-
ção indica os pontos do terreno em que os(as) alu-
nos(as) devem passar e a equipe decide os caminhos 
para chegar até os pontos marcados no mapa dis-
ponível para a equipe. Em nossa experiência, os(as) 
educadores(as) foram previamente conhecer o local 
da atividade e escolheram os pontos que os grupos 
passariam e cumpririam as brincadeiras no desen-
volvimento da corrida, fizeram o mapa do local e 
marcaram os cinco pontos escolhidos.
Nesses pontos, os educadores, visando o objeti-
vo geral da atividade, de ser uma vivência coletiva 
e integradora, escolheram desafios e jogos que en-
volvessem os grupos de adolescentes. Cumprir essas 
provas e atividades serviu para que se comprovasse 
que passaram pelos pontos indicados no mapa. Na 
experiência educativa contada aqui, as atividades 
desenvolvidas foram:
a. Ponto 1: fazer uma pirâmide humana com 
todo o grupo;
b. Ponto 2: realizar a atividade “nó humano”, 
que consiste em um círculo no qual todos 
devem dar as mãos entre si aleatoriamente, 
não podendo dar as mãos só para seu colega 
direto da esquerda ou da direita (única regra 
inicial). A partir daí tem-se um nó humano 
e o grupo deve voltar a ser um círculo linear 
sem soltar as mãos;
c. Ponto 3: em um emaranhado de letras e ob-
jetos grandes recortados, os participantes de-
vem encontrar as letras e montar o nome da 
equipe no chão o mais rápido possível com 
todos os integrantes de mãos dadas;
d. Ponto 4: realizar a atividade “navegar”: com os 
participantes um ao lado do outro e em cima 
de cadeiras ou bancos, o educador deve desa-
fiar o grupo a atravessar o “mar” para chegar a 
uma “ilha” (lado oposto ao local onde os ado-
lescentes estavam dispostos) que tem muitas 
coisas boas. Eles devem cumprir essa tarefa 
todos juntos e, principalmente, sem descer 
das cadeiras. Algumas dificuldades foram co-
locadas como um participante vendado e dois 
integrantes em completo silêncio;
e. Ponto 5: o grupo todo deve atravessar um 
“gaveteiro”, feito de barbante entre duas árvo-
res, com diversos tamanhos de passagem. O 
grupo deve montar estratégias para que to-
dos atravessem os buracos sem que diferentes 
participantes passem duas vezes pela mesma 
abertura.
Assim, a equipe que passar por cada ponto da ativi-
dade e cumpri-las, todos integrantes receberão uma 
marcação no braço, como, por exemplo, uma cor de 
tinta (apropriada para pintura na pele) para cada 
160 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
Há várias formas de realizar a atividade de caça 
ao tesouro, por exemplo: a cada pista encontrada, 
o grupo receber um pedaço de uma história ou de 
uma figura; realizar uma atividade ou perguntas que 
devem ser respondidas.
Na vivência relatada aqui, dividimos os grupos 
previamente e cada grupo escolheu um direito parasua equipe representar, como, por exemplo, saúde, 
educação, lazer e moradia. Com as equipes dividi-
das e identificadas por fitas coloridas amarradas no 
pulso e um educador responsável por cada equipe 
(esse acompanhamento foi feito devido ao fato de 
que andamos pelo bairro e atravessamos algumas 
ruas), estas deveriam realizar o caça ao tesouro e, ao 
fim, montar um quebra-cabeça.
Desta forma, antecipadamente, foram escondi-
das as pistas da caça ao tesouro, que levavam à leitu-
ra de um direito, por exemplo, à pista sobre o direito 
à educação, que estava escondida nas imediações da 
escola do bairro. Quando a equipe localizava a pista 
na escola, ela tinha como conteúdo o direito à saúde, 
que levava à unidade básica de saúde do bairro, e as-
sim sucessivamente. Ao final, com todas as pistas em 
mãos, a equipe deveria montar um quebra-cabeça 
com o nome do Estatuto da Criança e do Adoles-
cente e com um desenho representativo dos direitos 
infantojuvenis.
Esse quebra-cabeça foi montado pelas equipes 
em um encontro anterior do projeto, em que elas 
desenharam a respeito dos direitos do estatuto em 
uma cartolina que, posteriormente, foi plastificada e 
recortada pelos(as) educadores(as), visando a mon-
tar o quebra-cabeça.
A equipe vencedora deveria cumprir as etapas da 
caça ao tesouro em menor tempo e montar o quebra-
-cabeça e, assim, receber o baú com o tesouro, que 
eram bombons para todos os integrantes da atividade.
ponto. Assim, ao final, cada equipe poderá compro-
var que cumpriu todas as provas, passou por todos 
os pontos e que todos os integrantes participaram.
Caro(a) aluno(a), no desenvolvimento dessa ati-
vidade, ressaltamos algumas questões a serem obser-
vadas pelos(as) educadores(as): estes devem conhe-
cer bem o local em que será desenvolvida a corrida 
antes do evento e reproduzir o mapa com exatidão; 
cada equipe, na largada, deve ser direcionada a um 
ponto diferente do mapa; o número de participantes 
deve ser checado durante a prova, para que a equipe 
permaneça unida até o final; cada equipe deve ter 
um mapa com trajetos diferentes e que passem pelos 
mesmos pontos. A prova é vencida pela equipe que 
cumprir todo o percurso, seguindo as regras esta-
belecidas e em menor tempo. Sugerimos que, de al-
guma forma, a premiação seja desfrutada de forma 
coletiva, no nosso caso, realizamos um grande pi-
quenique com todos os participantes, batemos pal-
mas e entregamos um livro para cada integrante da 
equipe vencedora.
Essa atividade pode ser realizada de inúmeras for-
mas, com a entrega de um cartão-ponto para a equi-
pe marcar em cada ponto do mapa ou, ainda, se tiver 
disponível, bússolas para orientação das equipes.
• Caça ao tesouro: 
Essa experiência ocorreu em um projeto de exten-
são universitária que tem o brincar como principal 
conteúdo e que desenvolve suas atividades em uma 
praça pública. Nesse projeto, participam crianças e 
adolescentes. A temática desenvolvida pelos educa-
dores na ocasião foi sobre o Estatuto da Criança e 
do Adolescente, assim, esta foi também a temática 
do caça ao tesouro que ocorreu no bairro em que as 
atividades do projeto ocorrem, no qual as crianças e 
adolescentes moram.
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 161
• Criação/recriação de brinquedos:
Essa experiência foi realizada com adultos, em uma 
universidade, no curso de formação de professores 
de Educação Física. A proposta era que, a partir de 
suas experiências com os(as) alunos(as) no estágio 
obrigatório do curso, em qualquer âmbito (educa-
ção infantil, ensino fundamental I ou II, ensino mé-
dio ou, ainda, em projetos sociais), recriassem ou 
criassem um brinquedo com uma temática relevante 
para esses grupos sociais.
Esse processo de criação e recriação implica, 
anteriormente, aprendizagens sobre o brinquedo e 
o trabalho educativo com ele, que foram desenvol-
vidos em sala de aula. Os(as) alunos(as) trouxeram 
de suas vivências no estágio temáticas que surgiram 
nesse espaço, como a mídia, o consumismo, a com-
petição e a alimentação balanceada. A partir das 
leituras realizadas sobre brinquedos, das suas expe-
riências e vivências com eles, estudando essas temá-
ticas, criaram diversos brinquedos.
o nome da marca ou programa de TV, a boneca ga-
nhava um acessório estranho, que não pertence a 
uma boneca comum, por exemplo, encaixar um pa-
rafuso na sua barriga, colocar um olho de mola ou 
um pé de pato, ao ponto que as bonecas ficavam ir-
reconhecíveis, estranhas e não pareciam mais huma-
nas. Estabeleceram debates com as crianças a partir 
da interação com o brinquedo, ressaltando como 
essa relação desmedida e exagerada com o consumo 
e a mídia pode levar a uma vida distanciada de nos-
sa própria humanidade e como esse estímulo molda 
nossos gostos e desejos.
Outro exemplo de brinquedo recriado foi um 
tabuleiro grande de madeira com um labirinto e 
um buraco no meio, com o objetivo de que a bola 
corresse o labirinto e caísse no buraco. Para isso, as 
crianças deveriam realizar a tarefa juntas, segurando 
nas alças laterais para movimentar o tabuleiro, em 
harmonia e dialogando, a fim de atingir o objetivo 
de acertar o buraco no centro do tabuleiro. Nessa 
experiência com o brinquedo, foram realizados diá-
logos com os alunos sobre o valor da interação entre 
as pessoas e respeito ao tempo e ideias dos outros.
Um jogo recriado nessa oportunidade foi realiza-
do a partir do Twister (jogo em que os participantes 
obedecem ao que a roleta indica e, em um tabuleiro 
grande no chão com círculos coloridos, devem posi-
cionar mãos e pés em cada círculo cada vez que for 
solicitado, até que fique impossível se posicionar e o 
jogo recomece, como mostra a figura a seguir), com 
questões que as crianças deveriam responder sobre 
alimentação balanceada e saudável; as crianças posi-
cionavam-se no tapete até que não conseguiam mais 
se mover e o jogo recomeçava. Nessa intervenção, 
foi possível compreender o entendimento das crian-
ças sobre a alimentação saudável e também ensinar 
algumas noções sobre essa temática.
Entre os brinquedos e jogos criados, podemos citar 
duas bonecas, que a cada imagem de propaganda 
(que estavam em fichas) que as crianças acertavam 
162 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
O trabalho com a criação e recriação dos brin-
quedos, nesse caso, foi produzido por adultos para 
as crianças, a partir de demandas identificadas em 
uma ação educativa; entretanto, esta pode ser rea-
lizada com a crianças e adolescentes em diferentes 
ambientes educativos.
• Caça aos pássaros: 
Essa experiência é uma forma de realizar uma caça 
ao tesouro e ocorreu em uma escola de educação in-
fantil bem ampla. Para a sua concretização, são ne-
cessários apenas apitos, um para cada “pássaro” (edu-
cador(a)), senhas ou códigos para cada equipe, para 
que comprovem que encontraram todos os pássaros.
Divididas em equipes, as crianças devem lo-
calizar os pássaros escondidos (na nossa vivência, 
alguns se esconderam em cima das árvores) ape-
nas pelo ruído que o apito fazia. Esses “pássaros” 
(educadores) tinham senhas ou códigos (no nos-
so caso, trechos de um poema sobre brincadeiras 
e infância) que eram entregues a cada equipe que 
descobria o esconderijo do pássaro.
Venceu a caça aos pássaros a equipe que com-
pletou primeiro o poema, ou seja, que encontrou os 
pássaros escondidos pela escola primeiro. Para com-
pletar a brincadeira, é interessante discutir com as 
crianças sobre a união do grupo durante a atividade, 
a concentração e o silêncio, afinal, a única pista que 
se tem são os sons emitidos pelos apitos dos pássaros.
Figura 1 - Crianças jogando Twister
Durante o brincar a criança formula hipóteses 
para que possa compreender os problemas 
que lhe são propostos pelas pessoas e pela 
realidade com a qual interage. Num espaço 
à margem da vida comum, obedecendo a re-
gras criadas pelos sujeitos brincantes diante 
das situações inesperadas que surgem, as 
crianças brincam com o sentido da realidade 
mudando-o, transformando-o. 
Fonte: Silva (2004,p. 29).
SAIBA MAIS
A simplicidade das regras desta atividade nos 
mostra que é possível desenvolver atividades 
diferenciadas com a ludicidade, superando a 
organização tradicional do conteúdo.
REFLITA
Esses exemplos de atividades são apenas possibili-
dades de ações educativas e que permitem muitos 
desdobramentos. Essas novas vivências e recriações 
relacionam-se aos objetivos da intervenção, ao pú-
blico com que se trabalha, local, aos materiais dis-
poníveis e à cultura do grupo com que se trabalha. 
Assim, essas experiências são um convite à imagi-
nação e recriação para você, futuro(a) professor(a)/
profissional.
 163
conclusão geral
C
aro(a) aluno(a), nesta unidade, tratamos de diferentes infâncias, diver-
sas culturas lúdicas e distintas experiências educativas com os jogos, 
brincadeiras e brinquedos. Destacamos aqui o potencial de resistência 
do lúdico; da ocorrência deste em diferentes culturas; da superação da 
concepção de um ideal de infância e de cultura lúdica; e a possibilidade de recriar 
ações sistematizadas com jogos, brinquedos e brincadeiras, buscando ampliar o 
repertório de atividades educativas.
Essas proposições partem da concepção de que os jogos, brinquedos e brin-
cadeiras precisam ser analisados e trabalhados partindo de sua constituição his-
tórica e social. Reiteramos que não existe uma forma homogênea de vivenciar 
a cultura lúdica - esta afirmação visa a suplantar a visão linear de existir uma 
maneira correta de brincar -, e que esta deve ser perseguida e implementada na 
educação, como se este fosse o grande objetivo da educação com os jogos, brin-
quedos e brincadeiras.
Desta forma, não existe uma cultura infantojuvenil e um brincar global e úni-
co, como buscamos explicitar no texto com as múltiplas vivências e experiências 
relacionadas ao brincar. Desse modo, por que teríamos uma única maneira de 
trabalhar nos espaços educativos utilizando essa linguagem? Tomás e Fernandes 
(2014, p. 16) afirmam que é urgente “[...] o fato de estas ideias terem necessaria-
mente de ser analisadas criticamente e ser contextualizadas a partir das especifi-
cidades culturais nas quais a infância acontece”.
O que temos, na realidade, são princípios que orientam a prática educativa e 
que precisam ser introjetadas pelos(as) educadores(as), como o respeito à cultura 
do grupo em que se trabalha e o profundo sentido de ser um(a) educador(a) e 
pesquisador(a). As experiências e análises sobre cultura lúdica relatadas são fru-
tos de um intenso processo de pesquisa e estudo no que se refere ao papel dos(as) 
adultos(as) nessa relação educativa com o brincar. Assim, elas nos preenchem de 
ideias para novas possibilidades de atuação.
164 
atividades de estudo
1. Durante a Unidade V, aprendemos muito sobre os diferentes grupos so-
ciais a partir da convivência com seu brincar. Assim, essa aprendizagem nos 
instrumentaliza	 como	 professores(as)/profissionais	 para	 atuar	 com	 essa	
linguagem, ela torna-se um fundamento do qual devemos nos aproximar 
para desenvolvermos nossa ação educativa. A partir dessa proposta de 
estudo, como podemos entender os jogos, brinquedos e brincadeiras?
2. O livro Trama doce-amarga: (exploração do) trabalho infantil e cultura lúdica, 
de Silva (2003), nos ensina sobre os meandros do cruel cotidiano de crian-
ças trabalhadoras nos canaviais de Pernambuco no Brasil e, especialmen-
te, da constituição de sua cultura lúdica como espaço de resistência. Essa 
realidade de exploração do trabalho pode ser entendida como um tempo 
furtado, de chances e sonhos arruinados. Segundo o autor, o que a ex-
ploração do trabalho causou nas crianças?
3. No livro de Silva (2003), o autor traz algumas considerações sobre a ludi-
cidade quando os momentos de brincadeira entre estas crianças e ado-
lescentes que são exploradas no trabalho não podem ser vistos como di-
versão, entretenimento ou possibilidade de afastar o sentimento de tédio. 
Como o lúdico é entendido nesse contexto, segundo o autor?
4. O livro de Tomás e Fernandes (2014, P. 13) aborda as crianças que falam 
a língua portuguesa, buscando superar a tendência hegemônica “[...] de 
olhar as crianças do Sul, a partir de temáticas constantes, como a exclu-
são e a vulnerabilidade”. No que se refere à análise feita sobre o Brasil, 
quais foram as principais evidências encontradas no resgate histórico 
realizado?
5. Durante esta unidade, aprendemos algumas experiências de ações educa-
tivas com os jogos, brinquedos e brincadeiras com diferentes grupos so-
ciais, objetivos e temas. Visite uma rua do seu bairro que tenha crianças 
brincando	e	faça	uma	reflexão	sobre	os	jogos,	brinquedos	e	brincadeiras	
que essas crianças possuem. Elas brincam na rua? Quais são os ma-
teriais dos brinquedos que elas utilizam? Como é composto o grupo 
brincante? O lúdico está presente? De que forma? Tente relacionar 
com os conteúdos vivenciados nesta disciplina.
 165
LEITURA
COMPLEMENTAR
Jogos na guerra2
Uma imagem de guerra, extraída num campo de refu-
giados albaneses no Kosovo, mostra duas crianças brin-
cando com uma boneca Barbie, perante o olhar entre o 
apreensivo, o desolado e o fatalisticamente resignado 
dos adultos que com elas partilham as tendas de campa-
nha dispostas para os albergar. 
Não é apenas a boneca Barbie que aparece neste con-
texto de incerteza e de dor insolitamente exposta, na sua 
arrogância loira oxigenada perante o infortúnio colecti-
vo. Símbolo maior da indústria cultural fornecedora do 
mercado infantil de jogos e brinquedos, a boneca Barbie 
é talvez menos inesperada no processo de globalização 
dos dispositivos de jogo e nos produtos de consumo lú-
dico das crianças do que o próprio acto de brincar das 
crianças, no momento em que tudo falta: a casa, a esco-
la,	um	país	para	viver,	talvez	até	uma	família,	a	confiança	
num futuro vivível, a certeza – mesmo se precária - da 
sobrevivência.
No entanto, o que relatos e estudos das crianças da 
guerra nos contam é essa forma de conseguir criar um 
mundo outro, nas condições da mais dura adversidade, 
através	do	jogo	e	da	ficção	de	uma	existência	onde	até	
o horror aparece transmudado em projecção imaginária 
de uma realidade alternativa. Pedro Rosa Mendes conta 
no livro “a Baía dos Tigres” que viu uma criança entre as 
ruínas da cidade do Bié, em Angola, jogando futebol, in-
diferente à desolação à sua volta. O esférico com que se 
entretinha - imaginando-se o Eusébio ou o Pelé da épo-
ca, como qualquer criança de qualquer outra parte do 
mundo - era, à falta de melhor, os restos de uma caveira 
2 Texto reproduzido nas normas da língua portuguesa de Portugal.
humana: “Não é por maldade. O crânio estava disponí-
vel, perto e seco. Tu e eu conhecemos as balizas da hu-
manidade: crânios enterram-se, bolas são redondas. [À 
criança] ninguém deu oportunidade para tanto.” (Men-
des, 1999:386). 
O	jogo	da	criança	do	Bié	tem	o	mesmo	significado	do	de	
qualquer outra criança que, em paz, brinca à guerra e 
até já aprendeu, a golpes de joystick, o que é um míssil 
Patriot ou um B-52 carregado de bombas de implosão... 
Entre as crianças que brincam com uma Barbie, ou que 
chutam um crânio humano, ou que empunham uma 
Kalashnikov de plástico, ou que jogam ao berlinde, ou 
lançam o peão, ou brincam às casinhas, ou se divertem 
na consola ou no écran do computador há todo um mun-
do de diferenças: de condição de social, de contexto, de 
valores, de referências simbólicas, de expectativas e pos-
sibilidades. Mas há também um elemento comum: a ex-
periência das situações mais extremas através do jogo e 
da construção imaginária de contextos de vida. 
O imaginário infantil constitui uma das mais estudadas 
características	 das	 formas	 específicas	 de	 relação	 das	
crianças com o mundo. A investigação tem sido domina-
da pelas correntes teóricas da Psicologia. As perspectivas 
predominantes são as psicanalíticas e as construtivistas. 
Para Freud, o imaginário infantil corresponde à expres-são do princípio do desejo sobre o princípio da realidade, 
sendo o jogo simbólico uma expressão do inconsciente, 
para além da formação da censura. Para Piaget, o jogo 
simbólico é a expressão do pensamento autístico das 
crianças, progressivamente eliminado pelo processo de 
desenvolvimento e construção do pensamento racio-
166 
LEITURA
COMPLEMENTAR
nal. Apesar das diferenças essenciais entre as diversas 
orientações, sedimentadas na história da disciplina, as 
perspectivas psicológicas do imaginário infantil possuem 
um elemento comum, que é aliás inerente à própria 
concepção moderna da infância: o imaginário infantil é 
concebido	como	a	expressão	de	um	déficit	-	as	crianças	
imaginam o mundo porque carecem de um pensamento 
objetivo ou porque estão imperfeitamente formados os 
seus	laços	racionais	com	a	realidade.	Esta	ideia	do	déficit	
é	 inerente	 à	 negatividade	na	definição	da	 criança,	 que	
constitui um pressuposto epistêmico na construção so-
cial da infância pela modernidade: criança é o que não 
fala (infans), o que não tem luz (o a-luno), o que não 
trabalha, o que não tem direitos políticos, o que não é 
imputável, o que não tem responsabilidade parental ou 
judicial, o que carece de razão, etc. 
Sublinhamos	que	a	negatividade	definitória	da	 infância	
assenta numa base ideológica que é resultante do pro-
cesso	de	 reflexividade	moderna,	e	 tem	suporte	no	dis-
curso	científico	e	pericial.	
A Psicologia tem sido a disciplina hegemônica na inter-
pretação das formas de racionalidade e comportamento 
das crianças. Recentemente, a revisão das bases episte-
mológicas da disciplina tem vindo, porém, a contrariar as 
concepções	do	déficit	que	atrás	assinalamos.	Por	exem-
plo, uma revisão recente dos conceitos psicanalíticos e 
construtivistas sobre o jogo simbólico, postula que, ao 
contrário da ideia de uma diferença radical entre o jogo 
da criança e o jogo do adulto, por imaturidade infantil, o 
que existe é um princípio de transposição imaginária do 
real, que é comum a todas as gerações e se exprime, por 
exemplo, na experiência emocional das narrativas literá-
rias	ou	cinematográficas	tanto	quanto	nas	brincadeiras	
das crianças, constituindo assim uma “capacidade estri-
tamente humana” (Harris, 2002), mas que é radicalizada 
pelas crianças. É, portanto, da ordem da diferença e não 
do	déficit	que	falamos,	quando	falamos	do	imaginário	in-
fantil, por relação com o dos adultos. 
Mas é numa vertente sociológica e antropológica que 
essa diferença pode fazer mais sentido. O imaginário in-
fantil é inerente ao processo de formação e desenvolvi-
mento da personalidade e racionalidade de cada criança 
concreta, mas isso acontece no contexto social e cultural 
que fornece as condições e as possibilidades desse pro-
cesso. As condições sociais e culturais são heterogéneas, 
mas incidem perante uma condição infantil comum: a de 
uma geração desprovida de condições autônomas de so-
brevivência e de crescimento e que está sob o controlo 
da geração adulta. A condição comum da infância tem a 
sua dimensão simbólica nas culturas da infância.
Fonte: Sarmento (2003).
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 167
Crianças na América Latina: Histórias, culturas e direitos.
Verônica Regina Muller 
Editora: CRV
Sinopse: [...] Este livro é sobre sobrevivência. [...] Trabalhos como os apresenta-
dos	nesse	livro	são	capazes	de	registrar	com	método	científico	a	força	serena	e	
despretensiosa que as crianças trazem consigo. No caso particular da América 
Latina, a esperança guardada no coração de uma criança ganha simbolismo ainda 
maior. Os países do nosso querido continente guardam em cumplicidade uma 
dor histórica que os une por cima das rixas regionais. Todos nós sabemos o que 
é ter cultura e terras ricas, mas manter a maior parte do povo vivendo na miséria. 
Todos nós sabemos o que a busca pelo poder pode fazer com nossas gentes. To-
dos nós temos sangue nativo derramado em abundância em nosso solo sagrado. 
[...] As formas de colonização se modernizam e o conhecimento transforma-se 
em uma das mais importantes armas para enfrentar as sangrentas batalhas que 
continuam a acontecer na política, na economia, nas ruas, nas escolas. Contudo, 
agora, a América Latina está pronta para travar um combate à altura do seu povo. 
Professores, educadores, mestres e doutores têm dedicado suas vidas a lutar por 
justiça social. Alguns setores da academia invadem a luta política para demonstrar 
que a busca franca e rigorosa pela verdade é capaz de moldar realidades e contra-
balançar a luta pelo poder.
Indicação para Ler
168 
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 
Tarja Branca - A Revolução que faltava
Ano: 2014
Sinopse:	a	partir	dos	depoimentos	de	adultos	de	gerações,	origens	e	profissões	
diferentes, o documentário discorre sobre a pluralidade do ato de brincar e 
como o homem pode se relacionar com a criança que mora dentro dele. Por 
meio	de	reflexões,	o	filme	mostra	as	diferentes	formas	de	como	a	brincadeira,	
ação tão primordial à natureza humana, pode estar interligada com o comporta-
mento do homem contemporâneo e seu “espírito lúdico”.
Indicação para Assistir
Site direcionado a um projeto de difusão, pesquisa e contato com a cultura lúdica em diversos locais, 
nele estão disponíveis materiais, vídeos e brincadeiras interessantes para a formação do(a) professor(a) 
/profissional.
Disponível em: <http://territoriodobrincar.com.br/o-projeto/>. Acesso em: 28 jun. 2017.
Indicação para Acessar
 169
referências
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FERNANDES, N. Brincar, brinquedos e brincadei-
ras: modos de ser criança nos países de língua oficial 
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ga: o brincar das crianças nas periferias de Ma-
puto. In: TOMÁS, C.; FERNANDES, N. Brincar, 
brinquedos e brincadeiras: modos de ser criança 
nos países de língua oficial portuguesa. Maringá: 
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direitos. Curitiba: CRV, 2017. p. 107-120.
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OLIVEIRA, S. Valorizando a cultura timorense atra-
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modos de ser criança nos países de língua oficial 
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Cad. Educ., Pelotas, Fae/UFPel, v. 01, n.21, p. 51-
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view/1467>. Acesso em: 20 jun. 2017.
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de formação de educadores. In: FRIEDMANN, A. 
O direito de brincar: a brinquedoteca. São Paulo: 
Scritta, 1992.
170 
gabarito
1. Os jogos, brinquedos e brincadeiras são produções culturais, frutos de vários deter-
minantes,	como	os	fatores	sociais,	culturais,	geográficos,	econômicos	e	históricos.	O	
brincar e o jogar não se encerram em uma experiência fechada e determinada, são 
múltiplos, mutáveis e sua riqueza está nessa diversidade de expressões.
2. Silva (2003) aponta que todas as formas de exploração do trabalho infantil podem 
prejudicar a vivência da cultura lúdica e também o direito à escolarização da criança 
e do adolescente resultando em problemas de constituição identitária. Assim, explo-
ração do trabalho infantil, além do furto do lúdico da vida dessas crianças e adoles-
centes promove um degradante processo de roubo do tempo de “[...] usufruto da 
cultura lúdica, a escolarização e a sociabilidade, como possibilidade de fortalecimen-
to das relações sociais lúdicas infantis” (Silva, 2003, p. 209). Portanto, a exploração do 
trabalho infantil promove diversos procedimentos de alienação na vida das crianças 
que trabalham na produção da cana.
3. É entendido como uma postura de resistência em meio a um ambiente de tanto so-
frimento e injustiça. Em toda esta cultura lúdica constituída no contexto investigado 
pelo	autor,	configuram-se	diferentes	possibilidades	para	essas	manifestações	cultu-
rais do brincar e jogar, que buscam a ruptura e até posição de resistência diante dos 
ditames da desigualdade social inerentes àquela realidade investigada. No livro, o 
lúdico é tomado em seu potencial de expressão de subversão diante das imposições 
cruéis da sociedade capitalista.
4. Em um resgate histórico, a partir dos anos 1960, de uma cidade pequena, eviden-
ciam um brincar com muita disponibilidade de espaço, variadas brincadeiras e pou-
co acesso a brinquedos e, na maioria das vezes, brinquedos artesanais. Porém, em 
um	contexto	do	fim	dos	anos	1990	com	crianças	pobres,	encontraram	uma	cultura	
infantil construída sem acesso a brinquedos, em meio a violências constantes em 
um bairro extremamente inseguro. Esse recorte com um viés para o brincar localiza-
do dessa infância brasileira desvela a necessidade do brincar como direito garantido.
5. Nessa atividade, é importante que você faça uma análise a partir do que presenciou 
no local escolhido. As discussões presentes neste livro poderão oferecer um leque 
de	reflexões	sobre	o	brincar	e	o	lúdico.	
 EDUCAÇÃO FÍSICA 
 171
conclusão geral
Prezado(a) aluno(a), nesta caminhada que realiza-
mos juntos(as) entre as inúmeras reflexões e estu-
dos a respeito do conteúdo de Jogos, Brinquedos e 
Brincadeiras, muitas possibilidades de configuração 
da ação educativa com essa linguagem foram deline-
adas. Este foi o principal objetivo na elaboração des-
te material: fornecer a você, futuro(a) professor(a)/
profissional de Educação Física, subsídios teórico-
-práticos para enriquecer sua atuação profissional.
O brinquedo, o jogo e a brincadeira configu-
ram-se, além de um conteúdo essencial na Educa-
ção Física, como uma expressão da vida humana, 
que é vivenciada com mais intensidade na infância. 
Essas linguagens são a principal produção infanto-
juvenil e uma necessidade inerente a esta categoria 
geracional. Reivindicamos que ela seja preservada, 
estimulada e reconhecida desta forma, não apenas 
nos espaços comumente chamados de educativos, 
mas por toda a sociedade. Oportunizar o brincar 
e o jogar são direitos das crianças e adolescentes 
reconhecidos em lei.
Neste material, priorizamos a compreensão da 
cultura lúdica a partir de seu potencial de expressão, 
assim, não só buscamos estabelecer reflexões com o 
contexto social e histórico em que as crianças e ado-
lescentes estão incluídas, como também seu brincar 
e jogar. Buscamos isso por meio de pesquisas e estu-
dos que contribuíram para a conceituação, reflexão 
sobre a prática pedagógica na área, a constituição 
histórica dos jogos, brinquedos e brincadeiras e as 
diversas possibilidades de realizar ações educativas 
com essas linguagens.
Desejo que o estudo deste livro colabore com a 
formação de você, caro(a) aluno(a), no sentido de 
que a ação educativa com os jogos, brinquedos e 
brincadeiras supere a noção de ocupação do “tem-
po livre” infantojuvenil, tão praticada pelo mundo 
adulto. Almejo que a ação educativa se estabeleça 
em direção à ressignificação dessa linguagem e à 
emancipação social das crianças e adolescentes com 
quem se trabalha, considerando sempre que elas são 
produtoras de cultura: a cultura lúdica.
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