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Professora Dr.ª Paula Marçal Natali Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Infâncias, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: cenários de diversidade • Intervenções com Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: cenário de diversas possibilidades e sistematizações Objetivos de Aprendizagem • Refletir sobre a constituição do brincar e das diferentes infâncias na atualidade. • Elencar diversas possibilidades de ações educativas com jogos, brinquedos e brincadeiras. JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: DIFERENTES INFÂNCIAS, CONTEXTOS E INTERVENÇÕES unidade V INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, trilharemos o caminho da riqueza das experiências e das diversidades pertinentes aos jogos, brinquedos e às brincadeiras. Aprender e refletir sobre a não linearidade do mundo e das relações educativas é tarefa do(a) professor(a)/profissional que pretende ter uma atuação situada e crítica sobre e na realidade. Num primeiro momento, vamos estudar a cultura lúdica e sua cons- tituição em diferentes realidades a partir de um olhar diverso: do tra- balho infantil, das crianças dos países que falam a língua portuguesa e das crianças que moram em fronteiras. Assim, buscamos ampliar, caro(a) aluno(a), sua capacidade de compreender a ludicidade em muitas situa- ções e, também, ativar sua atenção para a análise de pesquisas que valori- zam outras invisíveis experiências sociais (SANTOS, 2010). Na segunda parte desta unidade, listamos algumas ações sistematiza- das com o brincar e jogar, visando que, neste processo de aprendizagem, possamos reconfigurar essas práticas educativas em nosso cotidiano, con- siderando o contexto, os objetivos e anseios com que se trabalha. Nesse processo, reiteramos a necessidade de potencializar a participação de to- dos envolvidos na ação educativa com os jogos, brinquedos e brincadeiras. Todo esse processo visa a ampliar o repertório cultural e de conheci- mento dos adultos, no caso nós professores(as)/profissionais, que traba- lharemos com a cultura lúdica infantojuvenil. Segundo Wajskop (1992, p. 92), se pretendemos compreender o brincar como um direito da crian- ça e do adolescente, temos que cuidar com muito esmero da formação de quem realiza e implementa a ação educativa , pois “[...] a representação que se tem da criança e de sua atividade lúdica vai resultar na maneira como o adulto se relaciona com o brincar infantil”. Partindo dessa afirmação, buscaremos, aqui, a ampliação de conhe- cimentos pertinentes à formação do(a) profissional(a) que trabalha com essa linguagem, visando a compreensão mais apurada da cultura lúdica infantojuvenil. 146 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Nesta etapa de nosso estudo, caro(a) aluno(a), ire- mos retratar uma parte do imenso universo que se pode encontrar na relação entre as configurações de infância e cultura lúdica infantojuvenil. O brincar e o jogar não se encerram em uma experiência fe- chada e determinada, são múltiplos, mutáveis e sua riqueza está nessa diversidade de expressões. Essa proposta de estudo parte do princípio que os jogos, brinquedos e as brincadeiras são produ- ções culturais, frutos de vários determinantes, como os fatores sociais, culturais, geográficos, econômicos e históricos. Podemos aprender muito sobre os di- ferentes grupos sociais a partir da convivência com seu brincar. Assim, essa aprendizagem nos instru- mentaliza como professores(as)/profissionais para atuar com essa linguagem, ela torna-se um funda- mento do qual devemos nos aproximar para desen- volvermos nossa ação educativa. Para alcançarmos o objetivo de tratar das dife- rentes infâncias e seu brincar, utilizaremos como base três produções brasileiras sobre o brincar em realidades diversas. Todos os livros selecionados para esta nossa contação fogem da lógica de caracte- rizar os grupos sociais apenas por dados estatísticos ou oficiais dos locais e das crianças e avançam para uma análise das características culturais e das con- tradições e belezas de cada ambiente ou grupo social pesquisado. Infâncias, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Cenários de Diversidade EDUCAÇÃO FÍSICA 147 Estas produções são: o livro Trama doce-amar- ga: (exploração do) trabalho infantil e cultura lúdica de Maurício Roberto da Silva, lançado em 2003; o livro Brincar, brinquedos e brincadeiras: modos de ser criança nos países de língua oficial portuguesa, de 2014, organizado por Catarina Tomás e Natália Fer- nandes; e o mais recente, lançado em 2017, Crianças em Fronteiras: histórias, culturas e direitos, organi- zado por Verônica Regina Müller. Vamos conhecer mais sobre o mundo do brincar? O livro Trama doce-amarga: (exploração do) tra- balho infantil e cultura lúdica, segundo Demartini et al. (2003, p. 7), trata da criança [...] sujeita à exploração pelo capital, no trabalho, a que tem o lúdico subsumido de sua vida coti- diana [...] a preocupação é com esse processo so- negador/limitador do tempo livre para o lúdico”. Um livro que nos ensina sobre os meandros do cruel cotidiano de crianças trabalhadoras dos canaviais de Pernambuco, no Brasil e, especialmente, da constitui- ção de sua cultura lúdica como espaço de resistência. No cenário do trabalho inserido na lógica neoliberal, temos, entre outras mazelas, o trabalho infantil, que é a [...] inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho, especialmente nos pa- íses de industrialização intermediária e subor- dinada, como por exemplo, nos países asiáticos, latino americanos e outros, onde se vem dete- riorando prematuramente a força humana de trabalho das crianças e jovens, mediante a ex- ploração invisível do trabalho e da informalida- de do mundo do trabalho (SILVA, 2003, p. 25). Esse contexto nos apresenta as diferentes infâncias que temos na sociedade e o criminoso contexto a que muitas estão submetidas. Em consequência, te- mos diversas conformações dessa categoria geracio- nal, e como afirmamos anteriormente, que resultam em produções culturais múltiplas, e não temos, en- tão, uma única infância e um único brincar. Silva (2003) aponta que todas as formas de ex- ploração do trabalho infantil podem prejudicar a vi- vência da cultura lúdica e, também, o direito à esco- larização da criança e do adolescente, resultando em problemas de constituição identitária. Essa realidade de exploração do trabalho pode ser entendida como um tempo furtado de chances e sonhos arruinados [...] que impõe às crianças possíveis sequelas nutricionais (envelhecimento precoce, desnu- trição), cognitivas, psicossociais e culturais, comprometendo de maneira marcante o pre- sente e o futuro das gerações (Silva, 2003, p. 28). Para Silva (2003), a exploração do trabalho infantil, além do furto do lúdico na vida dessas crianças e ado- lescentes, promove um degradante processo de roubo do tempo de “[...] usufruto da cultura lúdica, a escola- rização e a sociabilidade, como possibilidade de forta- lecimento das relações sociais lúdicas infantis” (Silva, 2003, p. 209). Portanto, a exploração do trabalho infan- til promove diversos procedimentos de alienação na vida das crianças que trabalham na produção de cana. Sobre a ludicidade, o autor afirma que estes mo- mentos de brincadeira entre as crianças e os adolescen- tes trabalhadores não podem ser vistos como diversão, entretenimento ou possibilidade de afastar o sentimen- to de tédio, e sim como uma postura de resistência em meio a um ambiente de tanto sofrimento e injustiça. A sociedade que se anuncia por meio do brincar nesses terrenos adversos, baseia-se em valores lúdicos, tais como: a lentidão e a preguiça como virtude, em detrimento da aceleração para a acumulação de capital; a liberdade; a criativi- dade; a gratuidade; a fantasia; o faz de conta e outros valores estéticos (SILVA, 2003, p. 29). 148 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Em toda essa cultura lúdica, constituída no contexto investigado por Silva (2003), configuram-sediferen- tes possibilidades para essas manifestações culturais do brincar e jogar, que buscam a ruptura e a posição de resistência frente aos ditames da desigualdade so- cial inerentes à realidade investigada. O pesquisador elabora uma forte e contunden- te crítica ao capital e a programas assistencialistas e paliativos diante da exploração do trabalho infantil, trazendo o contexto dessa degradação humana na região do açúcar da Zona da Mata Pernambucana. Para estudar essa realidade, Silva (2003, p. 59) recor- re ao diálogo junto às crianças e nesta convivência brincam, jogam, leem e escutam histórias, cantam, realizam paródias e conversam sobre o lazer “[...] dos adultos, sobre o folclore e a cultura naqueles rin- cões”, estabelecendo-se uma relação profunda entre o pesquisador e as crianças. No livro, o lúdico é tomado em seu potencial de expressão de subversão frente às imposições cruéis da sociedade capitalista, e a infância é compreendida [...] a partir de horizontes emancipatórios, que leva em conta os direitos das crianças, a partir da produção cultural que elaboram, ensejando intervir ativamente no processo sociocultural e político de construção de cidadanias (SILVA, 2003, p. 184). Assim, nessa produção, a cultura lúdica infantil nos é apresentada com sua premissa alinhada à participação social de crianças e adolescentes em direção à potencialização de sua identidade. O lú- dico entendido como expressão crítica é apresen- tado como uma lógica que não corresponde às ca- racterísticas predominantes na atualidade que são orientadas pelo consumo, individualidade, volatili- dade e exploração. O brincar das crianças canavieiras, nessa ló- gica, perversa de inserção precoce no trabalho, ocorre também nas pequenas oportunidades que esta dinâmica permite. O autor traz, ainda, outros exemplos de estudos com crianças que têm uma vida dura e injusta e que têm na expressão das brin- cadeiras e jogos uma forma de resistência à vida a qual são submetidas. A degradante realidade das crianças trabalhadoras brincando em meio aos canaviais, segundo Silva (2003, p. 221), explicita aos que conhecem este contexto que, [...] o contraditório de tudo isso é que essas crianças arranjem forças e elementos em meio à dor, ao constrangimento do trabalho forçado e ao despotismo dos patrões, mediante a ma- nifestação da alegria e do prazer do jogo como instrumentos de luta. De posse desses artifícios, entre os liames da resistência e do conformis- mo, as crianças manifestam seus impulsos lú- dicos nas brechas que permitem o gozo de uma liberdade ainda que passageira. Esta capacidade de resistir das crianças e dos adoles- centes trabalhadores e o jogo imposto entre a neces- sidade de brincar e a obrigação imposta no trabalho compõem o cotidiano dessas infâncias. Este contexto impiedoso configura-se como uma realidade atroz que necessita de uma profunda reestruturação social, ainda mais se tomarmos como parâmetro o avanço nas discussões e leis que foram elaboradas no século XX sobre o direito infantojuvenil, como também so- bre o brincar. A restrição aos direitos básicos dessas crianças também resvala no escasso lazer que têm à dispo- sição na região canavieira. A região pesquisada ca- rece de parques, praças e centros culturais, e o au- tor aponta também a dificuldade de transporte e deslocamento da população rural como fatores que EDUCAÇÃO FÍSICA 149 impedem vivências amplas de lazer, haja vista que as atividades de lazer concentram-se, cada vez mais, nas grandes cidades, atreladas ao lazer-consumo. Silva (2003) também aponta diversos fatores que compõem o cenário de diferenciação entre o brincar de meninas - que desde novas têm mais tarefas no âmbito doméstico -, e de meninos canavieiros. Sobre os brinquedos, o brincar e o consumo, Silva (2003) nos relata que via nas crianças canavieiras - im- pedidas de adquirir os brinquedos industrializados e que são expostos na mídia - um potencial criativo e de ressignificação desenvolvido em relação ao impro- viso dos brinquedos e do brincar, e nisto analisou al- gum viés positivo na composição de sua cultura lúdica. Identificou, também, que os pais das crianças trabalha- doras desejavam implicitamente que seus filhos tives- sem acesso aos brinquedos industrializados, apresen- tando mais uma contradição inerente a essa realidade. [...] apesar da miséria em que vivem, possuem humor, fazem festa, brincam de roda, inventam histórias, causos e jogos, talvez para reinventar essa vida cotidiana tão cruel, opressiva e vili- pendiada, mas também vivida com luta, desejo e utopia (SILVA, 2003, p. 258). Configura-se um contexto em que se desenvolvem especialmente jogos e brincadeiras tradicionais, pro- dução cultural da humanidade que existe e resiste na vida das crianças canavieiras. Assim, com diversas posições de contraposição a essa realidade, como a elucidada por Silva (2003), no brincar das crianças, a população luta por uma vida digna, lutam para a conquista de um tempo livre. Essas análises a respeito do enfrentamento da vida cotidiana e do potencial lúdico nessas rela- ções, não excluem e nem pormenorizam, caro(a) aluno(a), o fato de que esta é uma realidade de- sumana e que o trabalho infantil leva à consequ- ências cruéis, como o envelhecimento precoce. As crianças exploradas no trabalho que foram entre- vistadas são submetidas a vastas horas de trabalho em seu cotidiano, e contam sobre [...] acordar muito cedo e renunciar ou dimi- nuir o tempo destinado às brincadeiras, o tem- po para que o corpo pudesse com plenitude e sem pressão entregar-se as conjecturas lúdicas (SILVA, 2003), delineando-se que brincavam, jogavam, cantavam e liam histórias, apesar de todo sofrimento a que eram expostas, confirmando a análise do pesquisador da cultura lúdica como ponto e movimento de resistên- cia destes corpos infantojuvenis. Contarmos sobre essa infância canavieira, obje- tivando evidenciar as diferentes infâncias e o poten- cial da dimensão lúdica em suas vidas, revela que Nos engenhos, Silva (2003) encontrou como brin- quedo mais comum entre as crianças réplicas de ca- minhões que as crianças conheciam: os que trans- portam cana. Os adultos que contaram mais sobre seus brinquedos e brincadeiras de infância - “[...] fu- guete, flecha e ioiô, improvisados com a palha e nós da cana”. A pesquisa desenvolvida mostrou que, 150 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS [...] apesar de suas insistentes e comoventes re- sistências lúdicas, de que são crianças privadas de suas infâncias, assim como os jovens são cer- ceados de suas juventudes (SILVA, 2003, p. 295). O autor evidencia ainda que a questão da exploração do trabalho infantil está atrelada ao modo de produ- ção capitalista e que sua extinção não seria possível dentro dessa forma de organização social. A resis- tência que as crianças apresentaram no brincar é uma questão de sobrevivência, que desde pequenas são obrigadas a lutar para obter. údo organizado por Tomás e Fernandes (2014) no livro Brincar, brinquedos e brincadeiras: modos de ser criança nos países de língua oficial portuguesa, desvela categorias sobre o brincar que aproximam e também distanciam essas culturas unidas pela lín- gua oficial de seus países e sobre a compreensão da centralidade do brincar na vida das crianças. Vamos elucidar algumas características do brin- car das crianças do Brasil, Cabo Verde, Guiné Bis- sau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, que são países que falam a língua por- tuguesa. Além da língua, o princípio que uniu os pesquisadores da infância que estudaram o brincar dessas crianças foi a convicção de que elas [...] tem formas próprias de interpretar o mun- do, de agir, de pensar e de sentir, nas quais o brincar assume uma centralidade inquestioná- vel, ainda que possa adotar diferentes facetas decorrentes das ‘latitudes’ em que ocorre (TO- MÁS; FERNANDES, 2014, p. 13). Essa obra, estimado(a) aluno(a), estáorientada por um princípio que é muito caro para compreender- mos o mundo em sua diversidade, na valorização dessa amplitude de experiências: o princípio da Epistemologia do Sul, desenvolvido pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que pro- põe a superação do modelo hegemônico de visão de mundo que tem o norte do globo terrestre como re- ferência, evidenciando assim que, [...] a experiência social em todo o mundo é muito mais ampla e variada do que o que a tra- dição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante. [...] esta riqueza social está sendo desperdiçada. É deste desperdício que se nutrem as ideias que proclamam que não há alternativa, que a história chegou ao fim e [...] o furto do lúdico atinge as crianças inde- pendente de classes sociais, gênero e cultura. Assim, todo este processo é resultante do fato de que a sociedade burguesa instrumentaliza a cultura, priorizando a sua faceta produtiva e sua manifestação apenas como produto. Dessa maneira, a criança é desvalorizada, pois não é vista como sujeito das relações sociais e produtora de uma cultura infantil, mas como mera consumidora dos produtos da Indústria Cultural. [...] é preciso mais uma vez ressaltar que a morte do lúdico não significa a morte do sujeito, considerando que este, provavel- mente, procurará sempre ressignificar o tempo e o espaço para a vivência da cultura lúdica em qualquer circunstância em que estejam envolvidos. Quanto a isso basta ver as crian- ças brincando em espaços hostis, como por exemplo, nas favelas com esgotos a céu aberto. Fonte: Silva (2003, p. 206–207). SAIBA MAIS Diante da ampla diversidade de vivências do brin- car e de suas múltiplas influências na constituição da cultura, vamos agora, prezado(a) aluno(a), aprender sobre o brincar de algumas crianças de países que falam oficialmente a língua portuguesa. O conte- EDUCAÇÃO FÍSICA 151 outras semelhantes. [...] para combater o des- perdício da experiência para tornar visíveis as iniciativas e os movimentos alternativos e para lhes dar credibilidade, de pouco serve recorrer à ciência social (SANTOS, 2010, p. 94). Essa busca por desvelar e conhecer outras experiên- cias, no caso dessas obras que estamos estudando, coaduna com o princípio de estudarmos outras vi- vências e nuances do brincar e do jogar, como no que debatemos no livro de Silva (2003), tratando do potencial de resistência da cultura lúdica das crian- ças exploradas no trabalho. O livro de Tomás e Fernandes (2014, p. 13), so- bre as crianças que falam a língua portuguesa, bus- ca superar a tendência hegemônica “[...] de olhar as crianças do Sul, a partir de temáticas constantes, como a exclusão e a vulnerabilidade”. Assim, a par- tir do princípio da Epistemologia do Sul, as autoras pretendem ampliar o conhecimento e contribuir para a superação de estereótipos analíticos sobre as crianças e adolescentes dos países periféricos e semi- periféricos, objetivando que todos possam aprender mais sobre o brincar das crianças de alguns países que falam oficialmente a língua portuguesa. O brincar toma centralidade nessa obra, pois a ludicidade é imprescindível na vida das crianças - assim como sua análise -, pois se pretendemos com- preender a cultura infantil, temos que: [...] brincar é uma atividade sociocultural mui- to importante para as crianças e é nuclear para a (re) construção das suas relações sociais e das formas individuais e coletivas que lhes possibi- lita interpretar o mundo (TOMÁS; FERNAN- DES, 2014, p. 15). Vamos, aqui, elucidar as principais considerações construídas pelos pesquisadores que dedicaram-se a refletir sobre o brincar nesses países, nos afastando da pretensão de empregar a complexidade analítica de cada produção que compõe o livro. Buscaremos, assim, pincelar a riqueza lúdica de cada um dos paí- ses que falam oficialmente a língua portuguesa. Sobre o Brasil, Morelli et al. (2014) ressaltam que devido à imensa dimensão geográfica do país e à diversidade de populações que formam uma grande combinação cultural, há uma amplitude da cultura lúdica de nosso país. A forma, o conteúdo, o lugar, e o tempo de brincar de cada cultura dentro do território brasileiro, são por um lado muito próprios e por outro, mostram o híbrido entre o que era antes e o que foi assimilado nas inter-rela- ções étnicas e culturais em geral (MORELLI et al., 2014, p. 27). Assim, os autores não têm a pretensão de represen- tar a realidade brasileira, mas sim evidenciar ex- periências localizadas sobre o brincar das crianças brasileiras. Em um resgate histórico, a partir dos anos 1960, de uma cidade pequena, evidenciam um brincar com muita disponibilidade de espaço, varia- das brincadeiras e pouco acesso a brinquedos e, na maioria das vezes, brinquedos artesanais. Contudo, em um contexto do fim dos anos 1990, com crianças pobres, encontraram uma cultura infantil constru- ída sem acesso a brinquedos, em meio a violências constantes em um bairro extremamente inseguro. Esse recorte, com um viés para o brincar localizado dessa infância brasileira, desvela a necessidade do brincar como direito garantido. Sobre Cabo Verde, Elias e Lima (2014) apon- tam que o maior problema desse arquipélago é a desigualdade social. Dentre as inúmeras consequ- ências desse contexto explicitadas no texto, ressal- 152 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS tamos as diferenças entre as infâncias e culturas lúdicas dentro do país, atreladas às desiguais con- dições socioeconômicas, e os fatores implicados no processo de globalização às quais são submeti- das as crianças cabo-verdianas. A compreensão que se tem nesse contexto é de uma criança [...] situada dentro de uma cultura específica resultante de influências africanas e europeias – heranças coloniais, como também norte-a- mericana e brasileira via produtos de consumo tais como filmes infantis e telenovelas (ELIAS; LIMA, 2014, p. 56). Uma infância que tem sua cultura lúdica constituída nesse contexto de diversidade de influências media- da pelo contexto da desigualdade. As crianças cabo-verdianas que vivem em meio a pobreza têm, na rua, um espaço para o brincar, apesar da violência a que são expostas; por outro lado, as crianças que têm maior poder aquisitivo; brincam ou em espaços privados ou em ambientes públicos e são mais cuidadas pelos pais. Existe no país, para as crianças mais ricas, a possibilidade de pagar para vivenciar experiências lúdicas com uma tendência a mercantilizar essas relações. So- bre a escola das crianças cabo-verdianas, os auto- res afirmam que: Não se encontram preparadas pedagogica- mente de forma a utilizarem as brincadeiras no processo de aprendizagem, uma vez que os professores preocupam-se mais em ensinar o ler e escrever do que promover o lúdico, mes- mo em períodos destinados a tal. O fato do sistema escolar ser demasiado formal, contri- bui para a desvalorização da cultura da infân- cia, o que limita a criatividade infantil (ELIAS; LIMA, 2014, p. 67). Assim, esse olhar sobre o brincar das crianças ca- bo-verdianas teve seu viés analítico baseado nas consequências das desigualdades sociais e efeitos da globalização sobre a cultura lúdica infantil no país. Outro país incluído no livro foi Guiné-Bissau. Sobre o contexto desse país, Otinta (2014) aponta que necessita de muitos avanços nos índices da edu- cação oferecida para as crianças e maior atenção aos níveis de mortalidade infantil do país. Consideran- do que a brincadeira na vida da criança é essencial e constrói suas relações com o mundo, destaca-se, nessa cultura, um ditado: Como se diz no kriol Bissau-guineense: mininu ku sibi brinka i ta sibi tchiu sempre. Isto quer dizer que é a brincar que mininu aprende o que mais ninguém lhe pode ensinar (OTINTA, 2014, p. 81). Nessa análise é destacada a essência do brincar na in- fância elencada na ludicidade, criatividade, ensino e aprendizagem. No brincar da infância do país,Otin- ta (2014) afirma que a mininesa tem diversos meca- nismos para perpetuar o brincar e ampliar sua cultu- ra lúdica, buscando sempre renová-lo e reinventá-lo. Sobre o brincar no Moçambique, Colonna e Antó- nio (2014) afirmam que este acontece muito frequen- temente no espaço público, na rua, muito em função das altas temperaturas. Com os olhares voltados para o espaço periférico da cidade de Maputo, constatam que as brincadeiras são entre as crianças e, em geral, sem brinquedos. Afirmam que a constante atenção dada à divulgação dos problemas sociais do país, que são sem dúvida urgentes, muitas vezes encobrem a possibilida- de fundamental de olhar outros elementos da cultura, como, por exemplo, a brincadeira, destacada no texto. Além do brincar, os pesquisadores também ob- servaram, no cotidiano das crianças, o tempo divi- EDUCAÇÃO FÍSICA 153 dido entre a escola e os trabalhos domésticos e, as- sim, brincam no entremeio e durante essas tarefas. Relatam também que nessa realidade não existem construções próprias, como praças para o brincar e jogar infantojuvenil; então, apropriam-se dos espa- ços disponíveis. As crianças apresentam em seu dia a dia desde pequeninas um alto grau [...] de autonomia e liberdade, o que faz com que os seus momentos lúdicos se desenvolvam prin- cipalmente fora da supervisão e do controle dos adultos. Esta ausência dos adultos é contrabalan- ceada por uma presença significativa de outras crianças, sendo que as meninas e meninos das periferias de Maputo brincam quase sempre em grupos, que podem ser mais ou menos numero- sos (COLONNA; ANTÓNIO, 2014, p. 103). Nesse ambiente, apesar de prevalecerem as brincadei- ras, jogos e brinquedos tradicionais, as crianças e ado- lescentes mostraram-se abertas e dispostas a inovações no desenvolvimento de suas brincadeiras, englobando elementos que têm acesso, por exemplo, na televisão. A respeito do brincar em Portugal, Silva (2014) analisa esse brincar no tempo, destacando a mu- dança da rotina das crianças portuguesas e a di- minuição do tempo livre dessa população durante décadas. Para a realização dessa análise, o autor de- dica-se a estudar quatro gerações de dez famílias a respeito de seu brincar. O cenário português revela a transformação da vida das crianças, onde parte de um cotidiano [...] muito igual (escola uma parte do dia e o para ser vivido informalmente, entremeado pela catequese e ou os escuteiros ao fim de se- mana e o tempo de aprovisionamento pessoal), as duas décadas que findam e iniciam a recen- te passagem de milênio conhecem a paulatina cassação do tempo verdadeiramente livre das crianças à mercê de uma saga institucionaliza- da [...] ditada por condicionamentos de ordem familiar, pela gestão de expectativas escolares e consequente alargamento da oferta de serviços públicos potenciados, uns, e empurrados, ou- tros, por e para essa nova realidade emergente (SILVA, 2014, p. 108). Assim, sobre a cultura lúdica infantil portuguesa no desenvolvimento do tempo, revelou um período em que as crianças já tiveram mais autonomia em seu cotidiano e no seu brincar, tendo mais comando do seu tempo e do espaço para isso. Na atualidade, re- velam uma intensa vigilância e institucionalização do brincar em sua dimensão temporal e espacial, e uma paulatina ausência das manifestações de brin- cadeiras e brinquedos tradicionais (SILVA, 2014). Em São Tomé e Príncipe, a pesquisa foi ampla, com crianças das comunidades urbanas, periféricas e rurais, contemplando cerca de 800 crianças das duas ilhas. O cenário de pobreza atinge especial- mente as crianças e adolescentes, pois eles represen- tam mais da metade da população do país. As brincadeiras das crianças santonenses foram caracterizadas por ocorrer antes e depois do tem- po escolar e, frequentemente, nos deslocamentos e também durante o tempo escolar. Crianças também brincam entre e durante as tarefas domésticas, como deveres pessoais do cotidiano, por exemplo: [...] as meninas fazem bobô mina (ato de levar o bebê nas costas com o auxílio de um pano, mui- to usual nos países africanos) com as bonecas quando vão lavar roupa (BARRA, 2014, p. 139). Sobre os espaços, as crianças brincam na escola e também nos espaços públicos. Apresentam brinca- deiras vigorosas fisicamente e gostam muito de jogar, especialmente bola, e de brincadeiras de faz de con- 154 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS ta. Os brinquedos estão presentes, mas não de forma central ou contundente para o brincar, sendo alguns industrializados - os mais comuns, como bicicletas, bolas, bonecas - ou construídos pelas crianças. No Timor Leste, Oliveira et al. (2014) desvelam a cultura lúdica timorense a partir do estudo das me- mórias das brincadeiras no ambiente escolar. O Ti- mor-Leste é um país que se tornou independente em 1999 e que tem a população jovem em sua maioria, um alto grau de analfabetismo adulto e uma carac- terística multilinguística, a última por influenciar no processo educacional, pois os professores precisam dominar diversas línguas. Acerca do brincar, devido ao pouco acesso aos brinquedos industrializados, predominam os brinque- dos produzidos e criados pelas crianças timorenses. Destaca-se, também, a transmissão de diversas brinca- deiras entre as crianças e adultos preservadas pela tra- dição oral do local. Os autores ainda apresentam um repertório de brincadeiras características, do país pre- servado pela cultura local em meio ao intenso contato que tiveram com diversas outras culturas, que também influenciaram a composição da cultura lúdica. Todo esse contexto apresentado no livro organi- zado por Tomás e Fernandes (2014) traz à tona o valor da brincadeira, jogos e brinquedos na cultu- ra infantil e na constituição da identidade de tantos países. A cultura lúdica permeada pela diversidade de características fica explícita nessa obra, como um direito infantojuvenil fundamental. Vamos, agora, nos aventurar por outro olhar so- bre a infância e a cultura lúdica e a vida nas fronteiras entre países, que é o foco do livro Crianças em Fron- teiras: histórias, culturas e direitos, organizado por Ve- rônica Regina Müller (2017). Vamos tratar do Chile 1 “[...] la creatividad e imaginación resultan ser los principales recursos para las actividades de recreación aprovechando todo lo que les ofrece la natureza y los recursos de desecho introducidos” (TORRES; LARA, 2017, p. 34). na fronteira da Cordilheira dos Andes, na região do Maule, e do Brasil e Paraguai na região fronteiriça en- tre as cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. A obra busca caracterizar a infância distancian- do-se da lógica de que são, em geral, [...] mostradas características estáticas, inteiras, inflexíveis, localiza- das em um e somente um lugar físico ou subjetivo” (MÜLLER, 2017, p. 17). Partindo dessa possibilida- de de expandir o olhar sobre a infância, a obra busca elucidar “[...] diferentes latitudes e longitudes para a ampliação da navegação nas infâncias do mundo” (MÜLLER, 2017, p. 17). Sobre a região de fronteira do Chile, Torres e Lara (2017) trazem relatos sobre a infância em esco- las de fronteira na Cordilheira dos Andes, na região do Maule, consideradas escolas rurais. A cultura lú- dica nesse contexto escolar evidencia que ela é muito influenciada pelas condições naturais do ambiente, cercado pelo perigo iminente da erupção do vulcão e por períodos intensos de neve, neblina e fortíssi- mos ventos; assim, o brincar adapta-se e acomoda- -se nessa intensa realidade natural. O brincar e jogar nesse contexto foram retra- tados com ausência de materiais desportivos e as crianças brincam com os elementos da natureza dis- poníveis, por exemplo: pedaços de madeira e mate- riais recicláveis, interagindo fortemente com a natu- reza local. Em seu tempo livre costumam observar a natureza, pássaros e correm e brincam entre eles. Nessa realidade, [...] a criatividade e imaginação resultam ser os principais recursospara as atividades de re- creação, aproveitando tudo que lhes oferece a natureza e os recursos de resíduos (TORRES; LARA, 2017, p. 34, tradução minha)1. EDUCAÇÃO FÍSICA 155 As crianças acabam tendo uma proximidade com a natureza e uma relação positiva e harmoniosa com esse contexto educativo. No livro também é relatado sobre o brincar das crianças moradoras na fronteira entre Brasil, na ci- dade de Ponta Porã, e Paraguai, na cidade de Pedro Juan Caballero. Os autores nos contam sobre esse aspecto cultural, especialmente a partir das especi- ficidades de uma região fronteiriça e a da inserção das crianças paraguaias nas escolas brasileiras e seu brincar (NUNES et al., 2017). Os autores partem do entendimento de que as fronteiras podem ser compreendidas como esta- belecimento de limites entre culturas, e estas não são contínuas e lineares. Assim, as fronteiras têm a possibilidade de [...] proporcionar elos de integração, de forma concomitante podem circunscrever ou produ- zir segregação na distribuição de populações ou de atividades dentro das sociedades (NUNES et al., 2017, p. 111). No contexto escolar, é possível observar essas carac- terísticas das fronteiras não só quando as crianças brincam e cantam em guarani, mas também relatam brincadeiras paraguaias, realizadas na língua portu- guesa, por exemplo, Voté, em português é pé na lata e Kañy, esconde-esconde. As brincadeiras no recreio foram identificadas, nessa escola de fronteira, com predominância das brincadeiras e jogos da cultura brasileira. Apesar de frequentarem essa escola um número maior de crianças paraguaias, é a cultura brasileira que predomina no espaço. 156 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS As crianças paraguaias saem de seu território para estudar em escolas brasileiras, buscando mais qua- lidade no ensino, e foi constatado que a maioria das(os) professoras(es) não fala guarani. Os pesqui- sadores não acharam que encontrariam um cenário em que as crianças paraguaias [...] brincavam tão somente com brincadeiras brasileiras. Compreendemos dessa maneira, que elas ficam destituídas de liberdade de ex- pressão enquanto cidadãs de um espaço trans- fronteiriço (NUNES et al., 2017, p. 118). Afinal, a brincadeira como expressão da cultura desvela as relações estabelecidas no cotidiano das crianças paraguaias que estudam no Brasil e precisa ser valorizada e vivenciada nesse espaço em que elas estão inseridas. Neste item, caro(a) aluno(a), buscamos ampliar nosso olhar sobre o brincar infantil em diferentes vertentes, transitamos do viés analítico do trabalho infantil, das particularidades e essencialidades das crianças que falam a mesma língua em territórios tão diversos, e das crianças que vivem em fronteiras. Buscamos elucidar, até aqui, quantas possibilidades de intervenção educativa e diversidades de princí- pios teórico-metodológicos se abrem no trabalho com jogos, brinquedos e brincadeiras com a infância em tantos contextos e vivências. EDUCAÇÃO FÍSICA 157 158 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Intervenções com Jogos, Brinquedos e Brincadeiras CENÁRIO DE DIVERSAS POSSIBILIDADES E SISTEMATIZAÇÕES Vamos, aqui, ilustrar experiências de ações educati- vas com a linguagem dos jogos, brinquedos e brin- cadeiras com diferentes grupos sociais, objetivos e temas. Essas possibilidades são apenas indicações de que podemos, junto com nossos(as) alunos(as), criar e recriar para vivenciarmos a cultura lúdica de múltiplas formas. Ilustramos experiências de uma corrida orienta- da em uma instituição de contraturno escolar com adolescentes; uma caça ao tesouro pelo espaço de um bairro com crianças e adolescentes; criação de brinquedos com adultos na universidade para ação educativa com crianças e uma caça aos pássaros com crianças pequenas em uma escola. Todas essas ações educativas têm como funda- mento para a sua realização o entendimento de que somos pessoas em constante processo de aprendiza- gem e que a ludicidade, apesar de, em nossa cultura, ser vivenciada mais na infância, pode e precisa ser potencializada nas diversas gerações. Outra questão EDUCAÇÃO FÍSICA 159 importante é que as regras são mutáveis e devem ser assim, se pretendemos que a atividade seja vivencia- da a partir do viés da participação social. Assim, vamos ilustrar algumas práticas que não são fechadas em si, metodologicamente, mas que es- peramos que gerem aprendizagens e novas vivências de jogos, brinquedos e brincadeiras. • Corrida de Orientação: Nessa ação educativa objetivamos desenvolver, com os adolescentes de uma instituição de contraturno escolar, uma corrida orientada, com diversos desa- fios e jogos cooperativos, visando realizar atividades de integração e coletivas. Durante as semanas que antecederam a corrida de orientação, os adolescen- tes decidiram o nome de suas equipes, gritos para a torcida e comemoração das provas, customizaram camisetas que seriam utilizadas no dia do evento e aprenderam sobre a dinâmica da atividade em si. Na corrida de orientação, os alunos cumprem uma determinada trilha, passando por pontos de controle indicados em um mapa montado previa- mente. O percurso de uma atividade de orienta- ção indica os pontos do terreno em que os(as) alu- nos(as) devem passar e a equipe decide os caminhos para chegar até os pontos marcados no mapa dis- ponível para a equipe. Em nossa experiência, os(as) educadores(as) foram previamente conhecer o local da atividade e escolheram os pontos que os grupos passariam e cumpririam as brincadeiras no desen- volvimento da corrida, fizeram o mapa do local e marcaram os cinco pontos escolhidos. Nesses pontos, os educadores, visando o objeti- vo geral da atividade, de ser uma vivência coletiva e integradora, escolheram desafios e jogos que en- volvessem os grupos de adolescentes. Cumprir essas provas e atividades serviu para que se comprovasse que passaram pelos pontos indicados no mapa. Na experiência educativa contada aqui, as atividades desenvolvidas foram: a. Ponto 1: fazer uma pirâmide humana com todo o grupo; b. Ponto 2: realizar a atividade “nó humano”, que consiste em um círculo no qual todos devem dar as mãos entre si aleatoriamente, não podendo dar as mãos só para seu colega direto da esquerda ou da direita (única regra inicial). A partir daí tem-se um nó humano e o grupo deve voltar a ser um círculo linear sem soltar as mãos; c. Ponto 3: em um emaranhado de letras e ob- jetos grandes recortados, os participantes de- vem encontrar as letras e montar o nome da equipe no chão o mais rápido possível com todos os integrantes de mãos dadas; d. Ponto 4: realizar a atividade “navegar”: com os participantes um ao lado do outro e em cima de cadeiras ou bancos, o educador deve desa- fiar o grupo a atravessar o “mar” para chegar a uma “ilha” (lado oposto ao local onde os ado- lescentes estavam dispostos) que tem muitas coisas boas. Eles devem cumprir essa tarefa todos juntos e, principalmente, sem descer das cadeiras. Algumas dificuldades foram co- locadas como um participante vendado e dois integrantes em completo silêncio; e. Ponto 5: o grupo todo deve atravessar um “gaveteiro”, feito de barbante entre duas árvo- res, com diversos tamanhos de passagem. O grupo deve montar estratégias para que to- dos atravessem os buracos sem que diferentes participantes passem duas vezes pela mesma abertura. Assim, a equipe que passar por cada ponto da ativi- dade e cumpri-las, todos integrantes receberão uma marcação no braço, como, por exemplo, uma cor de tinta (apropriada para pintura na pele) para cada 160 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Há várias formas de realizar a atividade de caça ao tesouro, por exemplo: a cada pista encontrada, o grupo receber um pedaço de uma história ou de uma figura; realizar uma atividade ou perguntas que devem ser respondidas. Na vivência relatada aqui, dividimos os grupos previamente e cada grupo escolheu um direito parasua equipe representar, como, por exemplo, saúde, educação, lazer e moradia. Com as equipes dividi- das e identificadas por fitas coloridas amarradas no pulso e um educador responsável por cada equipe (esse acompanhamento foi feito devido ao fato de que andamos pelo bairro e atravessamos algumas ruas), estas deveriam realizar o caça ao tesouro e, ao fim, montar um quebra-cabeça. Desta forma, antecipadamente, foram escondi- das as pistas da caça ao tesouro, que levavam à leitu- ra de um direito, por exemplo, à pista sobre o direito à educação, que estava escondida nas imediações da escola do bairro. Quando a equipe localizava a pista na escola, ela tinha como conteúdo o direito à saúde, que levava à unidade básica de saúde do bairro, e as- sim sucessivamente. Ao final, com todas as pistas em mãos, a equipe deveria montar um quebra-cabeça com o nome do Estatuto da Criança e do Adoles- cente e com um desenho representativo dos direitos infantojuvenis. Esse quebra-cabeça foi montado pelas equipes em um encontro anterior do projeto, em que elas desenharam a respeito dos direitos do estatuto em uma cartolina que, posteriormente, foi plastificada e recortada pelos(as) educadores(as), visando a mon- tar o quebra-cabeça. A equipe vencedora deveria cumprir as etapas da caça ao tesouro em menor tempo e montar o quebra- -cabeça e, assim, receber o baú com o tesouro, que eram bombons para todos os integrantes da atividade. ponto. Assim, ao final, cada equipe poderá compro- var que cumpriu todas as provas, passou por todos os pontos e que todos os integrantes participaram. Caro(a) aluno(a), no desenvolvimento dessa ati- vidade, ressaltamos algumas questões a serem obser- vadas pelos(as) educadores(as): estes devem conhe- cer bem o local em que será desenvolvida a corrida antes do evento e reproduzir o mapa com exatidão; cada equipe, na largada, deve ser direcionada a um ponto diferente do mapa; o número de participantes deve ser checado durante a prova, para que a equipe permaneça unida até o final; cada equipe deve ter um mapa com trajetos diferentes e que passem pelos mesmos pontos. A prova é vencida pela equipe que cumprir todo o percurso, seguindo as regras esta- belecidas e em menor tempo. Sugerimos que, de al- guma forma, a premiação seja desfrutada de forma coletiva, no nosso caso, realizamos um grande pi- quenique com todos os participantes, batemos pal- mas e entregamos um livro para cada integrante da equipe vencedora. Essa atividade pode ser realizada de inúmeras for- mas, com a entrega de um cartão-ponto para a equi- pe marcar em cada ponto do mapa ou, ainda, se tiver disponível, bússolas para orientação das equipes. • Caça ao tesouro: Essa experiência ocorreu em um projeto de exten- são universitária que tem o brincar como principal conteúdo e que desenvolve suas atividades em uma praça pública. Nesse projeto, participam crianças e adolescentes. A temática desenvolvida pelos educa- dores na ocasião foi sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim, esta foi também a temática do caça ao tesouro que ocorreu no bairro em que as atividades do projeto ocorrem, no qual as crianças e adolescentes moram. EDUCAÇÃO FÍSICA 161 • Criação/recriação de brinquedos: Essa experiência foi realizada com adultos, em uma universidade, no curso de formação de professores de Educação Física. A proposta era que, a partir de suas experiências com os(as) alunos(as) no estágio obrigatório do curso, em qualquer âmbito (educa- ção infantil, ensino fundamental I ou II, ensino mé- dio ou, ainda, em projetos sociais), recriassem ou criassem um brinquedo com uma temática relevante para esses grupos sociais. Esse processo de criação e recriação implica, anteriormente, aprendizagens sobre o brinquedo e o trabalho educativo com ele, que foram desenvol- vidos em sala de aula. Os(as) alunos(as) trouxeram de suas vivências no estágio temáticas que surgiram nesse espaço, como a mídia, o consumismo, a com- petição e a alimentação balanceada. A partir das leituras realizadas sobre brinquedos, das suas expe- riências e vivências com eles, estudando essas temá- ticas, criaram diversos brinquedos. o nome da marca ou programa de TV, a boneca ga- nhava um acessório estranho, que não pertence a uma boneca comum, por exemplo, encaixar um pa- rafuso na sua barriga, colocar um olho de mola ou um pé de pato, ao ponto que as bonecas ficavam ir- reconhecíveis, estranhas e não pareciam mais huma- nas. Estabeleceram debates com as crianças a partir da interação com o brinquedo, ressaltando como essa relação desmedida e exagerada com o consumo e a mídia pode levar a uma vida distanciada de nos- sa própria humanidade e como esse estímulo molda nossos gostos e desejos. Outro exemplo de brinquedo recriado foi um tabuleiro grande de madeira com um labirinto e um buraco no meio, com o objetivo de que a bola corresse o labirinto e caísse no buraco. Para isso, as crianças deveriam realizar a tarefa juntas, segurando nas alças laterais para movimentar o tabuleiro, em harmonia e dialogando, a fim de atingir o objetivo de acertar o buraco no centro do tabuleiro. Nessa experiência com o brinquedo, foram realizados diá- logos com os alunos sobre o valor da interação entre as pessoas e respeito ao tempo e ideias dos outros. Um jogo recriado nessa oportunidade foi realiza- do a partir do Twister (jogo em que os participantes obedecem ao que a roleta indica e, em um tabuleiro grande no chão com círculos coloridos, devem posi- cionar mãos e pés em cada círculo cada vez que for solicitado, até que fique impossível se posicionar e o jogo recomece, como mostra a figura a seguir), com questões que as crianças deveriam responder sobre alimentação balanceada e saudável; as crianças posi- cionavam-se no tapete até que não conseguiam mais se mover e o jogo recomeçava. Nessa intervenção, foi possível compreender o entendimento das crian- ças sobre a alimentação saudável e também ensinar algumas noções sobre essa temática. Entre os brinquedos e jogos criados, podemos citar duas bonecas, que a cada imagem de propaganda (que estavam em fichas) que as crianças acertavam 162 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O trabalho com a criação e recriação dos brin- quedos, nesse caso, foi produzido por adultos para as crianças, a partir de demandas identificadas em uma ação educativa; entretanto, esta pode ser rea- lizada com a crianças e adolescentes em diferentes ambientes educativos. • Caça aos pássaros: Essa experiência é uma forma de realizar uma caça ao tesouro e ocorreu em uma escola de educação in- fantil bem ampla. Para a sua concretização, são ne- cessários apenas apitos, um para cada “pássaro” (edu- cador(a)), senhas ou códigos para cada equipe, para que comprovem que encontraram todos os pássaros. Divididas em equipes, as crianças devem lo- calizar os pássaros escondidos (na nossa vivência, alguns se esconderam em cima das árvores) ape- nas pelo ruído que o apito fazia. Esses “pássaros” (educadores) tinham senhas ou códigos (no nos- so caso, trechos de um poema sobre brincadeiras e infância) que eram entregues a cada equipe que descobria o esconderijo do pássaro. Venceu a caça aos pássaros a equipe que com- pletou primeiro o poema, ou seja, que encontrou os pássaros escondidos pela escola primeiro. Para com- pletar a brincadeira, é interessante discutir com as crianças sobre a união do grupo durante a atividade, a concentração e o silêncio, afinal, a única pista que se tem são os sons emitidos pelos apitos dos pássaros. Figura 1 - Crianças jogando Twister Durante o brincar a criança formula hipóteses para que possa compreender os problemas que lhe são propostos pelas pessoas e pela realidade com a qual interage. Num espaço à margem da vida comum, obedecendo a re- gras criadas pelos sujeitos brincantes diante das situações inesperadas que surgem, as crianças brincam com o sentido da realidade mudando-o, transformando-o. Fonte: Silva (2004,p. 29). SAIBA MAIS A simplicidade das regras desta atividade nos mostra que é possível desenvolver atividades diferenciadas com a ludicidade, superando a organização tradicional do conteúdo. REFLITA Esses exemplos de atividades são apenas possibili- dades de ações educativas e que permitem muitos desdobramentos. Essas novas vivências e recriações relacionam-se aos objetivos da intervenção, ao pú- blico com que se trabalha, local, aos materiais dis- poníveis e à cultura do grupo com que se trabalha. Assim, essas experiências são um convite à imagi- nação e recriação para você, futuro(a) professor(a)/ profissional. 163 conclusão geral C aro(a) aluno(a), nesta unidade, tratamos de diferentes infâncias, diver- sas culturas lúdicas e distintas experiências educativas com os jogos, brincadeiras e brinquedos. Destacamos aqui o potencial de resistência do lúdico; da ocorrência deste em diferentes culturas; da superação da concepção de um ideal de infância e de cultura lúdica; e a possibilidade de recriar ações sistematizadas com jogos, brinquedos e brincadeiras, buscando ampliar o repertório de atividades educativas. Essas proposições partem da concepção de que os jogos, brinquedos e brin- cadeiras precisam ser analisados e trabalhados partindo de sua constituição his- tórica e social. Reiteramos que não existe uma forma homogênea de vivenciar a cultura lúdica - esta afirmação visa a suplantar a visão linear de existir uma maneira correta de brincar -, e que esta deve ser perseguida e implementada na educação, como se este fosse o grande objetivo da educação com os jogos, brin- quedos e brincadeiras. Desta forma, não existe uma cultura infantojuvenil e um brincar global e úni- co, como buscamos explicitar no texto com as múltiplas vivências e experiências relacionadas ao brincar. Desse modo, por que teríamos uma única maneira de trabalhar nos espaços educativos utilizando essa linguagem? Tomás e Fernandes (2014, p. 16) afirmam que é urgente “[...] o fato de estas ideias terem necessaria- mente de ser analisadas criticamente e ser contextualizadas a partir das especifi- cidades culturais nas quais a infância acontece”. O que temos, na realidade, são princípios que orientam a prática educativa e que precisam ser introjetadas pelos(as) educadores(as), como o respeito à cultura do grupo em que se trabalha e o profundo sentido de ser um(a) educador(a) e pesquisador(a). As experiências e análises sobre cultura lúdica relatadas são fru- tos de um intenso processo de pesquisa e estudo no que se refere ao papel dos(as) adultos(as) nessa relação educativa com o brincar. Assim, elas nos preenchem de ideias para novas possibilidades de atuação. 164 atividades de estudo 1. Durante a Unidade V, aprendemos muito sobre os diferentes grupos so- ciais a partir da convivência com seu brincar. Assim, essa aprendizagem nos instrumentaliza como professores(as)/profissionais para atuar com essa linguagem, ela torna-se um fundamento do qual devemos nos aproximar para desenvolvermos nossa ação educativa. A partir dessa proposta de estudo, como podemos entender os jogos, brinquedos e brincadeiras? 2. O livro Trama doce-amarga: (exploração do) trabalho infantil e cultura lúdica, de Silva (2003), nos ensina sobre os meandros do cruel cotidiano de crian- ças trabalhadoras nos canaviais de Pernambuco no Brasil e, especialmen- te, da constituição de sua cultura lúdica como espaço de resistência. Essa realidade de exploração do trabalho pode ser entendida como um tempo furtado, de chances e sonhos arruinados. Segundo o autor, o que a ex- ploração do trabalho causou nas crianças? 3. No livro de Silva (2003), o autor traz algumas considerações sobre a ludi- cidade quando os momentos de brincadeira entre estas crianças e ado- lescentes que são exploradas no trabalho não podem ser vistos como di- versão, entretenimento ou possibilidade de afastar o sentimento de tédio. Como o lúdico é entendido nesse contexto, segundo o autor? 4. O livro de Tomás e Fernandes (2014, P. 13) aborda as crianças que falam a língua portuguesa, buscando superar a tendência hegemônica “[...] de olhar as crianças do Sul, a partir de temáticas constantes, como a exclu- são e a vulnerabilidade”. No que se refere à análise feita sobre o Brasil, quais foram as principais evidências encontradas no resgate histórico realizado? 5. Durante esta unidade, aprendemos algumas experiências de ações educa- tivas com os jogos, brinquedos e brincadeiras com diferentes grupos so- ciais, objetivos e temas. Visite uma rua do seu bairro que tenha crianças brincando e faça uma reflexão sobre os jogos, brinquedos e brincadeiras que essas crianças possuem. Elas brincam na rua? Quais são os ma- teriais dos brinquedos que elas utilizam? Como é composto o grupo brincante? O lúdico está presente? De que forma? Tente relacionar com os conteúdos vivenciados nesta disciplina. 165 LEITURA COMPLEMENTAR Jogos na guerra2 Uma imagem de guerra, extraída num campo de refu- giados albaneses no Kosovo, mostra duas crianças brin- cando com uma boneca Barbie, perante o olhar entre o apreensivo, o desolado e o fatalisticamente resignado dos adultos que com elas partilham as tendas de campa- nha dispostas para os albergar. Não é apenas a boneca Barbie que aparece neste con- texto de incerteza e de dor insolitamente exposta, na sua arrogância loira oxigenada perante o infortúnio colecti- vo. Símbolo maior da indústria cultural fornecedora do mercado infantil de jogos e brinquedos, a boneca Barbie é talvez menos inesperada no processo de globalização dos dispositivos de jogo e nos produtos de consumo lú- dico das crianças do que o próprio acto de brincar das crianças, no momento em que tudo falta: a casa, a esco- la, um país para viver, talvez até uma família, a confiança num futuro vivível, a certeza – mesmo se precária - da sobrevivência. No entanto, o que relatos e estudos das crianças da guerra nos contam é essa forma de conseguir criar um mundo outro, nas condições da mais dura adversidade, através do jogo e da ficção de uma existência onde até o horror aparece transmudado em projecção imaginária de uma realidade alternativa. Pedro Rosa Mendes conta no livro “a Baía dos Tigres” que viu uma criança entre as ruínas da cidade do Bié, em Angola, jogando futebol, in- diferente à desolação à sua volta. O esférico com que se entretinha - imaginando-se o Eusébio ou o Pelé da épo- ca, como qualquer criança de qualquer outra parte do mundo - era, à falta de melhor, os restos de uma caveira 2 Texto reproduzido nas normas da língua portuguesa de Portugal. humana: “Não é por maldade. O crânio estava disponí- vel, perto e seco. Tu e eu conhecemos as balizas da hu- manidade: crânios enterram-se, bolas são redondas. [À criança] ninguém deu oportunidade para tanto.” (Men- des, 1999:386). O jogo da criança do Bié tem o mesmo significado do de qualquer outra criança que, em paz, brinca à guerra e até já aprendeu, a golpes de joystick, o que é um míssil Patriot ou um B-52 carregado de bombas de implosão... Entre as crianças que brincam com uma Barbie, ou que chutam um crânio humano, ou que empunham uma Kalashnikov de plástico, ou que jogam ao berlinde, ou lançam o peão, ou brincam às casinhas, ou se divertem na consola ou no écran do computador há todo um mun- do de diferenças: de condição de social, de contexto, de valores, de referências simbólicas, de expectativas e pos- sibilidades. Mas há também um elemento comum: a ex- periência das situações mais extremas através do jogo e da construção imaginária de contextos de vida. O imaginário infantil constitui uma das mais estudadas características das formas específicas de relação das crianças com o mundo. A investigação tem sido domina- da pelas correntes teóricas da Psicologia. As perspectivas predominantes são as psicanalíticas e as construtivistas. Para Freud, o imaginário infantil corresponde à expres-são do princípio do desejo sobre o princípio da realidade, sendo o jogo simbólico uma expressão do inconsciente, para além da formação da censura. Para Piaget, o jogo simbólico é a expressão do pensamento autístico das crianças, progressivamente eliminado pelo processo de desenvolvimento e construção do pensamento racio- 166 LEITURA COMPLEMENTAR nal. Apesar das diferenças essenciais entre as diversas orientações, sedimentadas na história da disciplina, as perspectivas psicológicas do imaginário infantil possuem um elemento comum, que é aliás inerente à própria concepção moderna da infância: o imaginário infantil é concebido como a expressão de um déficit - as crianças imaginam o mundo porque carecem de um pensamento objetivo ou porque estão imperfeitamente formados os seus laços racionais com a realidade. Esta ideia do déficit é inerente à negatividade na definição da criança, que constitui um pressuposto epistêmico na construção so- cial da infância pela modernidade: criança é o que não fala (infans), o que não tem luz (o a-luno), o que não trabalha, o que não tem direitos políticos, o que não é imputável, o que não tem responsabilidade parental ou judicial, o que carece de razão, etc. Sublinhamos que a negatividade definitória da infância assenta numa base ideológica que é resultante do pro- cesso de reflexividade moderna, e tem suporte no dis- curso científico e pericial. A Psicologia tem sido a disciplina hegemônica na inter- pretação das formas de racionalidade e comportamento das crianças. Recentemente, a revisão das bases episte- mológicas da disciplina tem vindo, porém, a contrariar as concepções do déficit que atrás assinalamos. Por exem- plo, uma revisão recente dos conceitos psicanalíticos e construtivistas sobre o jogo simbólico, postula que, ao contrário da ideia de uma diferença radical entre o jogo da criança e o jogo do adulto, por imaturidade infantil, o que existe é um princípio de transposição imaginária do real, que é comum a todas as gerações e se exprime, por exemplo, na experiência emocional das narrativas literá- rias ou cinematográficas tanto quanto nas brincadeiras das crianças, constituindo assim uma “capacidade estri- tamente humana” (Harris, 2002), mas que é radicalizada pelas crianças. É, portanto, da ordem da diferença e não do déficit que falamos, quando falamos do imaginário in- fantil, por relação com o dos adultos. Mas é numa vertente sociológica e antropológica que essa diferença pode fazer mais sentido. O imaginário in- fantil é inerente ao processo de formação e desenvolvi- mento da personalidade e racionalidade de cada criança concreta, mas isso acontece no contexto social e cultural que fornece as condições e as possibilidades desse pro- cesso. As condições sociais e culturais são heterogéneas, mas incidem perante uma condição infantil comum: a de uma geração desprovida de condições autônomas de so- brevivência e de crescimento e que está sob o controlo da geração adulta. A condição comum da infância tem a sua dimensão simbólica nas culturas da infância. Fonte: Sarmento (2003). EDUCAÇÃO FÍSICA 167 Crianças na América Latina: Histórias, culturas e direitos. Verônica Regina Muller Editora: CRV Sinopse: [...] Este livro é sobre sobrevivência. [...] Trabalhos como os apresenta- dos nesse livro são capazes de registrar com método científico a força serena e despretensiosa que as crianças trazem consigo. No caso particular da América Latina, a esperança guardada no coração de uma criança ganha simbolismo ainda maior. Os países do nosso querido continente guardam em cumplicidade uma dor histórica que os une por cima das rixas regionais. Todos nós sabemos o que é ter cultura e terras ricas, mas manter a maior parte do povo vivendo na miséria. Todos nós sabemos o que a busca pelo poder pode fazer com nossas gentes. To- dos nós temos sangue nativo derramado em abundância em nosso solo sagrado. [...] As formas de colonização se modernizam e o conhecimento transforma-se em uma das mais importantes armas para enfrentar as sangrentas batalhas que continuam a acontecer na política, na economia, nas ruas, nas escolas. Contudo, agora, a América Latina está pronta para travar um combate à altura do seu povo. Professores, educadores, mestres e doutores têm dedicado suas vidas a lutar por justiça social. Alguns setores da academia invadem a luta política para demonstrar que a busca franca e rigorosa pela verdade é capaz de moldar realidades e contra- balançar a luta pelo poder. Indicação para Ler 168 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Tarja Branca - A Revolução que faltava Ano: 2014 Sinopse: a partir dos depoimentos de adultos de gerações, origens e profissões diferentes, o documentário discorre sobre a pluralidade do ato de brincar e como o homem pode se relacionar com a criança que mora dentro dele. Por meio de reflexões, o filme mostra as diferentes formas de como a brincadeira, ação tão primordial à natureza humana, pode estar interligada com o comporta- mento do homem contemporâneo e seu “espírito lúdico”. Indicação para Assistir Site direcionado a um projeto de difusão, pesquisa e contato com a cultura lúdica em diversos locais, nele estão disponíveis materiais, vídeos e brincadeiras interessantes para a formação do(a) professor(a) /profissional. Disponível em: <http://territoriodobrincar.com.br/o-projeto/>. Acesso em: 28 jun. 2017. Indicação para Acessar 169 referências BARRA, M. Brincar na latitude zero. In: TOMÁS, C.; FERNANDES, N. Brincar, brinquedos e brincadei- ras: modos de ser criança nos países de língua oficial portuguesa. Maringá: Eduem, 2014. p. 131-154. COLONNA, E.; ANTÓNIO, R. A Hilwe, Yo Thlan- ga: o brincar das crianças nas periferias de Ma- puto. In: TOMÁS, C.; FERNANDES, N. Brincar, brinquedos e brincadeiras: modos de ser criança nos países de língua oficial portuguesa. Maringá: Eduem, 2014. p. 85-106. DEMARTINI, Z. B. F.; GUSMÃO, N. M. M. e; WHITAKER, D. Apresentação. In: SILVA, M. R. Trama Doce-Amarga: (exploração do) trabalho in- fantil e cultura lúdica. Ijuí: Ijuí; São Paulo: Hucitec, 2003. p. 07-12. ELIAS, H.; LIMA, R. W. ‘Nu Kre Brinka’: descons- truindo as brincadeiras de crianças em Cabo-Verde. In: TOMÁS, C.; FERNANDES, N. 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O brincar e o jogar não se encerram em uma experiência fechada e determinada, são múltiplos, mutáveis e sua riqueza está nessa diversidade de expressões. 2. Silva (2003) aponta que todas as formas de exploração do trabalho infantil podem prejudicar a vivência da cultura lúdica e também o direito à escolarização da criança e do adolescente resultando em problemas de constituição identitária. Assim, explo- ração do trabalho infantil, além do furto do lúdico da vida dessas crianças e adoles- centes promove um degradante processo de roubo do tempo de “[...] usufruto da cultura lúdica, a escolarização e a sociabilidade, como possibilidade de fortalecimen- to das relações sociais lúdicas infantis” (Silva, 2003, p. 209). Portanto, a exploração do trabalho infantil promove diversos procedimentos de alienação na vida das crianças que trabalham na produção da cana. 3. É entendido como uma postura de resistência em meio a um ambiente de tanto so- frimento e injustiça. Em toda esta cultura lúdica constituída no contexto investigado pelo autor, configuram-se diferentes possibilidades para essas manifestações cultu- rais do brincar e jogar, que buscam a ruptura e até posição de resistência diante dos ditames da desigualdade social inerentes àquela realidade investigada. No livro, o lúdico é tomado em seu potencial de expressão de subversão diante das imposições cruéis da sociedade capitalista. 4. Em um resgate histórico, a partir dos anos 1960, de uma cidade pequena, eviden- ciam um brincar com muita disponibilidade de espaço, variadas brincadeiras e pou- co acesso a brinquedos e, na maioria das vezes, brinquedos artesanais. Porém, em um contexto do fim dos anos 1990 com crianças pobres, encontraram uma cultura infantil construída sem acesso a brinquedos, em meio a violências constantes em um bairro extremamente inseguro. Esse recorte com um viés para o brincar localiza- do dessa infância brasileira desvela a necessidade do brincar como direito garantido. 5. Nessa atividade, é importante que você faça uma análise a partir do que presenciou no local escolhido. As discussões presentes neste livro poderão oferecer um leque de reflexões sobre o brincar e o lúdico. EDUCAÇÃO FÍSICA 171 conclusão geral Prezado(a) aluno(a), nesta caminhada que realiza- mos juntos(as) entre as inúmeras reflexões e estu- dos a respeito do conteúdo de Jogos, Brinquedos e Brincadeiras, muitas possibilidades de configuração da ação educativa com essa linguagem foram deline- adas. Este foi o principal objetivo na elaboração des- te material: fornecer a você, futuro(a) professor(a)/ profissional de Educação Física, subsídios teórico- -práticos para enriquecer sua atuação profissional. O brinquedo, o jogo e a brincadeira configu- ram-se, além de um conteúdo essencial na Educa- ção Física, como uma expressão da vida humana, que é vivenciada com mais intensidade na infância. Essas linguagens são a principal produção infanto- juvenil e uma necessidade inerente a esta categoria geracional. Reivindicamos que ela seja preservada, estimulada e reconhecida desta forma, não apenas nos espaços comumente chamados de educativos, mas por toda a sociedade. Oportunizar o brincar e o jogar são direitos das crianças e adolescentes reconhecidos em lei. Neste material, priorizamos a compreensão da cultura lúdica a partir de seu potencial de expressão, assim, não só buscamos estabelecer reflexões com o contexto social e histórico em que as crianças e ado- lescentes estão incluídas, como também seu brincar e jogar. Buscamos isso por meio de pesquisas e estu- dos que contribuíram para a conceituação, reflexão sobre a prática pedagógica na área, a constituição histórica dos jogos, brinquedos e brincadeiras e as diversas possibilidades de realizar ações educativas com essas linguagens. Desejo que o estudo deste livro colabore com a formação de você, caro(a) aluno(a), no sentido de que a ação educativa com os jogos, brinquedos e brincadeiras supere a noção de ocupação do “tem- po livre” infantojuvenil, tão praticada pelo mundo adulto. Almejo que a ação educativa se estabeleça em direção à ressignificação dessa linguagem e à emancipação social das crianças e adolescentes com quem se trabalha, considerando sempre que elas são produtoras de cultura: a cultura lúdica. h.5g37cz5hhiwj h.ms97wm9n0tib h.gjdgxs