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Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 • ANATOMIA DO RETO O reto é a última parte do intestino grosso e conecta o cólon sigmóide ao canal anal. Ele se inicia ao nível de S2-S3 e termina no períneo. O reto possui cerca de 12 a 16 cm de extensão e pode ser subdividido em três partes de acordo com a sua posição no peritônio: o terço proximal encontra-se i n t r a p e r i t o n e a l m e n t e , o t e r ç o m é d i o retroperitonealmente e o terço inferior abaixo do d i a f r a g m a p é l v i c o e , p o r t a n t o , extraperitonealmente. O reto possui duas flexuras: a flexura sacral (dobra dorsal) resulta da forma côncava do sacro e a flexura perineal (dobra ventral) do envolvimento do reto pelo músculo levantador do ânus (sling puborretal). Ali é o ponto de transição com o canal anal (junção anorretal). Morfologicamente o reto é similar ao restante do intestino grosso. Contudo, ele não possui tênias, apêndices epiplóicos, nem pregas semilunares. Achados característicos do reto são as três constantes dobras transversas (válvulas de Houston). A dobra retal média (válvula de Kohlrausch) é a mais forte e localizada a cerca de 7 cm do ânus; tumores abaixo desta prega podem ser palpáveis durante o toque retal digital. A ampola retal (secção entre a válvula de Kohlrausch e a junção anorretal) é consideravelmente elástica e serve como reservatório durante a defecação. O reto é suprido pela artéria retal superior (ramo da artéria mesentérica inferior), artéria retal média (ramo da artéria ilíaca interna) e artéria retal inferior (ramo da artéria pudenda interna da artéria ilíaca interna). A drenagem sanguínea venosa se dá pelas veias correspondentes para a veia mesentérica inferior (sistema porta-hepático) ou para a veia ilíaca externa (circulação corporal). Os vasos linfáticos cursam ao longo das veias, motivo pelo qual o carcinoma retal proximal preferencialmente apresenta metástases para os pulmões. A inervação simpática é provida pelo plexo mesentérico inferior, e a inervação parassimpática pelos nervos esplâncnicos pélvicos e plexo hipogástrico inferior. • ANATOMIA DO CANAL ANAL É a última parte do trato gastrointestinal, parte do sistema digestório. Ele possui cerca de 3 a 4 cm de extensão e encontra-se completamente retroperitoneal, ou seja, fora da cavidade peritoneal. Ele se inicia na junção anorretal distalmente à flexura perineal e termina no ânus. Ele encontra-se no triângulo anal do períneo, entre as fossas isquioanais direita e esquerda. O canal anal pode ser subdividido nas zonas colunar, intermediária e cutânea. - Zona colunar: O lúmen possui dobras de membrana mucosa (colunas anais) produzidas por corpos Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes APG 08 Constipação intestinal e Doenças hemorroidárias Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 cavernosos arteriais (almofadas (coxins) anais) na submucosa. Tais colunas estão conectadas umas às outras em suas porções distais por dobras transversais (válvulas anais). Atrás das válvulas anais encontra-se criptas (criptas de Morgagni), no interior das quais os ductos excretores das glândulas anais se abrem. Todas as válvulas anais em conjunto formam a linha denteada (ou pectínea), uma linha serrilhada onde a mucosa intestinal se funde com o epitélio escamoso (pavimentoso) do canal anal; - Zona intermédia: Distalmente à linha denteada há uma zona de 1 cm de extensão com mucosa anal (anoderma); - Zona cutânea: Essa zona abaixo da borda anal (linha anocutânea) é uma depressão entre os esfíncteres anais interno e externo e possui pele perianal regular. A tensão do músculo corrugador da pele anal produz sua aparência em forma de ventilador; • ESFÍNCTER INTERNO DO ÂNUS O esfíncter interno do ânus é um anel bem definido d e f i b r a s m u s c u l a r e s l i s a s o r i e n t a d a s obliquamente, que é contínuo com a musculatura circular do reto e que termina na junção dos componentes superficial e subcutâneo do músculo esfíncter externo. Sua espessura varia entre 1,5 e 3,5 mm, dependendo da altura no canal anal e se o canal está distendido. Ele é geralmente mais delgado em mulheres e se torna mais espesso com a idade. Também pode estar espessado em processos patológicos, tais como o prolapso retal e a constipação crônica. A porção inferior do esfíncter é atravessada por fibras da camada longitudinal conjunta, que passa para a submucosa da parte inferior do canal. - Suprimento vascular - o esfíncter interno do ânus é suprido por ramos terminais dos vasos retais superiores e ramos dos vasos retais inferiores; - Inervação - o esfíncter interno do ânus é s u p r i d o p e l o s s i s t e m a s s i m p á t i c o e parassimpático por fibras que se estendem para baixo a partir da parte inferior do reto. As fibras simpáticas se originam nos dois segmentos espinais lombares inferiores, são distribuídas através do plexo hipogástrico inferior e causam a contração do esfíncter. As fibras parassimpáticas se originam nos segundo ao quarto segmentos espinais sacrais, são distribuídas através do plexo hipogástrico inferior, e causam o relaxamento do esfíncter; • ESFÍNCTER EXTERNO DO ÂNUS O esfíncter externo do ânus é um complexo ovoide e tubular de musculatura estriada esquelética, composto principalmente por fibras musculares estriadas esqueléticas do tipo 1 (de contração lenta), as quais são bem adequadas a uma contração prolongada. Ele tem sido descrito como consistindo em parte profunda, superficial e subcutânea, mas o esfíncter externo do ânus deve ser considerado como uma entidade funcional e anatômica isolada, embora os terços superior, médio e inferior apresentem diferentes aspectos e fixações. O ultrassom endoanal e o imageamento por ressonância magnética revelam que as fibras mais superiores se fundem com as fibras mais inferiores do músculo puborretal. No terço superior, algumas destas fibras superiores decussam anteriormente para os músculos transversos superficiais do períneo, e posteriormente algumas fibras estão fixadas à rafe anococcígea. A maioria das fibras do terço médio do esfíncter externo do ânus circunda a parte inferior do esfíncter interno. O terço médio está preso anteriormente ao corpo do períneo e posteriormente ao cóccix através do ligamento anococcígeo: algumas fibras de cada lado do esfíncter decussam nestas áreas para formar uma comissura na linha mediana anterior e posterior. As fibras do terço inferior se encontram abaixo do nível do esfíncter interno do ânus e estão separadas do epitélio anal da parte mais inferior pela submucosa. O comprimento e a espessura do esfíncter externo do ânus variam entre os sexos. Em mulheres, a porção anterior tende a ser mais curta, a parede pode ser ligeiramente mais delgada, e o tubo pode assumir o formato de um cone assimétrico, e os músculos transverso do períneo e bulboesponjoso se fundem com o esfíncter externo do ânus na parte inferior do períneo. Em homens, o esfíncter externo do ânus é mais anular e está separado do ponto central do períneo no qual os músculos transversos do períneo e bulboesponjoso se fundem, de modo a existir um plano cirúrgico de clivagem entre o esfíncter externo do ânus e o períneo. - Suprimento vascular - o esfíncter externo do ânus é suprido pelos ramos terminais dos vasos retais inferiores, com uma pequena contribuição da artéria sacral mediana; - Inervação - o esfíncter externo do ânus é inervado principalmente pelo ramo retal inferior do nervo pudendo (divisões anteriores dos segundo, terceiro e quarto nervos espinais sacrais). Ele também pode receber algum Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 suprimento direto através de fibras que deixam os ramos anteriores destes nervos à medida que eles saem dos forames sacrais e seguem por baixo da fáscia sobreo músculo levantador do ânus, de modo a atingir a junção anorretal. • HISTOLOGIA DO RETO Histologicamente o reto é similar ao restante do intestino grosso, com sua estrutura usual: mucosa, submucosa, muscular e serosa/adventícia. A mucosa possui o típico epitélio intestinal com enterócitos colunares (cilíndricos) simples e numerosas células caliciformes. Na zona de transição anal o epitélio colunar (cilíndrico) se achata mais e mais e eventualmente se torna epitélio escamoso (pavimentoso) estratificado não queratinizado. A camada epitelial é seguida por uma camada de tecido conjuntivo (lâmina própria) com sangue e vasos linfáticos e uma camada muscular (lâmina muscular mucosa). A submucosa contém tecido conectivo frouxo (conjuntivo laxo) com vasos sanguíneos, folículos linfoides e o plexo de Meissner. Ela possui uma densa rede de veias (plexo venoso retal) e é espessada nas dobras transversais. A muscular possui a típica musculatura circular interna e longitudinal externa entre as quais encontra-se o plexo de Auerbach. A musculatura anular continua até o músculo esfíncter anal externo dentro do sistema esfinctérico enquanto a musculatura longitudinal continua como o músculo corrugador da pele anal, inserindo-se na pele ao redor do ânus. • HISTOLOGIA DO CANAL ANAL No canal anal a mucosa intestinal (zona colorretal) muda para mucosa anal (anoderma) através de uma zona transicional e finalmente se funde com a pele perianal (zona cutânea). - Zona colorretal: É equivalente à estrutura histológica do reto com epitélio colunar (cilíndrico) simples. Pregas de membrana mucosa preenchidas com pequenas artérias formam coxins na parede; - Zona de transição: Ela lembra a estrutura histológica do reto, mas apresenta tanto epitélio colunar (cilíndrico) quanto epitélio escamoso (pavimentoso) estratificado. São características as pregas mucosas transversais com criptas e glândulas anais (ductos epiteliais tubulares); - Anoderma (“zona branca”): Ela possui epitélio estratificado escamoso (pavimentoso) não queratinizado, que é associado com o esfíncter anal interno. Essa zona apresenta neurônios sensitivos densamente agrupados, registrando o status do conteúdo intestinal (ex.: sólido, líquido ou gasoso); - Zona cutânea: Ela é igual à estrutura histológica da pele, com epitélio escamoso (pavimentoso) estratificado queratinizado. É fortemente pigmentada e possui todas as estruturas associadas com a pele, como suor e glândulas sebáceas, corpúsculos de Pacini e folículos pilosos. • FISIOLOGIA DO RETO O reto é a última parada antes das fezes serem eliminadas pelo canal anal. Similarmente ao cólon, eletrólitos são absorvidos (sódio, potássio, cloreto) e ingredientes alimentares não digeríveis são decompostos por bactérias anaeróbicas. As fezes são espessadas através da absorção de água e misturadas com muco. Além disso o reto é parte dos órgãos de continência e possui um importante papel no mecanismo de defecação. Se as fezes entrarem na ampola retal, que usualmente está vazia, são estimulados os receptores de elasticidade. A informação é transferida ao sistema nervoso central, dando ao indivíduo a vontade de defecar. Ele pode então decidir iniciar ou atrasar a defecação relaxando ou contraindo o músculo levantador do ânus e o músculo esfíncter anal externo. Entretanto o aumento da pressão na ampola leva a um crescente relaxamento involuntário dos músculos lisos corrugador da pele do ânus e esfíncter anal interno (reflexo inibitório retoanal), que é o motivo pelo qual reter fezes por um prolongado período envolve um “esforço” crescente. O reto suporta a defecação através de contração. Adicionalmente a pressão intra- abdominal é aumentada através de contração voluntária do diafragma e músculos abdominais (pressão abdominal). • FISIOLOGIA DO CANAL ANAL O canal anal é uma importante parte dos órgãos de continência. Ele é cercado por um sistema esfinctérico que envolve proximamente o lúmen. O esfíncter anal interno é permanentemente contraído através do tônus simpático e relaxa sobre influência parassimpática. O esfíncter anal externo envolve o canal anal como uma pinça. Relaciona-se proximamente com o músculo puborretal (parte do músculo elevador do ânus), que envolve o Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 reto por trás (sling puborretal) e assim forma um fechamento em dobra. Tanto o esfíncter anal externo quanto o músculo puborretal são voluntariamente controlados. As almofadas (coxins) anais possuem um importante papel no controle fino. Fisiologicamente eles são preenchidos com sangue arterial. Durante a defecação o esfíncter interno relaxa de forma que o sangue nos coxins é drenado, permitindo a passagem das fezes através do canal anal. Um alargamento patológico das almofadas (coxins) leva a hemorróidas. As glândulas anais humanas são rudimentares. Seu odor secretado não possui mais um papel para os humanos. Para muitos animais esse odor ainda realiza importantes funções (ex.: marcação de territórios ou estímulo sexual). •REFLEXO DE DEFECAÇÃO Os movimentos peristálticos em massa empurram o material fecal do colo sigmoide para o reto. A distensão resultante da parede retal estimula os receptores de estiramento, que iniciam um reflexo de defecação que resulta na defecação, a eliminação das fezes do reto por meio do ânus. O reflexo de defecação ocorre do seguinte modo: em resposta à distensão da parede retal, os receptores enviam impulsos nervosos sensitivos para a medula espinal sacral. Impulsos motores da medula viajam ao longo dos nervos parassimpáticos de volta para o colo descendente, colo sigmoide, reto e ânus. A contração resultante dos músculos longitudinais retais encurta o reto, aumentando assim a pressão em seu interior. Esta pressão, junto com contrações voluntárias do diafragma e dos músculos abdominais, além do estímulo parassimpático, abrem o músculo esfíncter interno do ânus. O músculo esfíncter externo do ânus é controlado voluntariamente. Se for voluntariamente relaxado, a defecação ocorre e as fezes são expelidas através do ânus; se for voluntariamente contraído, a defecação pode ser adiada. Contrações voluntárias do diafragma e dos músculos abdominais auxiliam na defecação ao aumentar a pressão no interior do abdome, que empurra as paredes do colo sigmoide e do reto para dentro. Se a defecação não ocorrer, as fezes voltam para o colo sigmoide até que a próxima onda de peristaltismo em massa estimule os receptores de estiramento, novamente produzindo a vontade de defecar. Em crianças, o reflexo de defecação provoca esvaziamento automático do reto, porque o controle voluntário do músculo esfíncter externo do ânus ainda não se desenvolveu. O número de defecações em um determinado período de tempo depende de vários fatores, como a dieta, a saúde e o estresse. A variação normal de atividade intestinal vai de 2 ou 3 defecações por dia a 3 ou 4 defecações por semana. A diarreia é um aumento da frequência, do volume e do teor de líquido das fezes causado por aumento na motilidade e diminuição na absorção pelos intestinos. Quando o quimo passa muito rapidamente pelo intestino delgado e as fezes passam muito rapidamente pelo intestino grosso, não há tempo suficiente para a absorção. A diarreia frequente pode resultar em desidratação e desequilíbrio eletrolítico. A motilidade excessiva pode ser causada pela intolerância à lactose, estresse e microrganismos que irritam a túnica mucosa gastrintestinal. A constipação intestinal se refere à defecação infrequente ou difícil causada pela diminuição da motilidade do intestino. Como as fezes permanecem no colo por períodos prolongados, ocorre uma absorção excessiva de água, e as fezes tornam-se ressecadas e duras. A constipação intestinal pode ser causada por maus hábitos (adiar a defecação), espasmos do colo,teor insuficiente de fibras na dieta, ingestão inadequada de líquidos, falta de exercício, estresse emocional e certos medicamentos. Um tratamento comum é um laxante suave, como o leite de magnésia, que induz à defecação. No entanto, muitos médicos afirmam que os laxantes viciam, e que adicionar fibras à dieta, aumentar a prática de exercícios físicos e aumentar a ingestão de líquido são maneiras mais seguras de controlar este problema comum. • INERVAÇÃO O canal anal é inervado pelas divisões autônoma e somática do sistema nervoso. Fibras simpáticas pré-ganglionares se originam nos dois segmentos lombares inferiores, seguem através da cadeia simpática lombar para os dois gânglios simpáticos sacrais superiores, e para o plexo hipogástrico inferior através dos nervos esplâncnicos sacrais. As fibras parassimpáticas se originam nos segundo ao quarto segmentos espinais sacrais e também seguem para o plexo hipogástrico inferior através dos nervos esplâncnicos pélvicos. A partir do plexo hipogástrico inferior, tanto fibras simpáticas como parassimpáticas seguem juntas em nervos do “plexo pélvico” e entram na parede retal inferior através dos “ligamentos laterais” do reto e da junção anorretal pela fáscia endopélvica por sobre o músculo levantador do ânus. Elas são distribuídas para os plexos submucoso e Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 mioentérico, onde a maioria das fibras termina sobre células intersticiais de Cajal. O suprimento autônomo para o ânus inerva a parte superior da mucosa anal (rica em termorreceptores), o músculo esfíncter interno do ânus e a capa longitudinal conjunta. Fibras simpáticas causam o relaxamento da musculatura retal inferior, mas causam a contração da capa longitudinal conjunta e das fibras do músculo esfíncter interno do ânus através de receptores α-adrenérgicos. As fibras parassimpáticas causam o relaxamento do músculo esfíncter interno do ânus através de receptores muscarínicos, os quais estimulam a liberação de óxido nítrico a partir de neurônios nitrérgicos intramurais. O músculo esfíncter externo do ânus e a metade inferior da mucosa anal e a pele perianal (as quais são ricas em nociceptores e receptores de pressão) recebem uma inervação somática derivada das divisões anteriores dos segundo, terceiro, e quarto nervos espinais sacrais, a qual é principalmente distribuída através do ramo retal inferior do nervo pudendo. Pode haver também algum suprimento direto através de fibras que partem dos ramos anteriores dos segundo ao quarto nervos sacrais à medida que eles saem dos forames sacrais e seguem por baixo da fáscia sobre o músculo levantador do ânus para alcançar a junção anorretal (pois alguns reflexos somáticos não são abolidos pela secção dos nervos pudendos). • REFLEXOS, CONTROLE DA FUNÇÃO ANORRETAL E CONTINÊNCIA Arcos reflexos locais existem dentro dos plexos intramurais anorretais e também dentro dos segmentos sacrais da medula espinal; um centro espinal para a coordenação da função anorretal ainda não foi identificado. Estes arcos reflexos envolvem elementos tanto autônomos como somáticos porque a coordenação da continência e da iniciação da defecação requer que a parte inferior do reto e os músculos esfíncteres interno e externo do ânus atuem juntos. O músculo esfíncter interno do ânus frequentemente relaxa após a distensão do reto (reflexo inibitório retoanal, ou RIRA), sugerindo que vias reflexas locais existam entre as fibras sensitivas retais inferiores e as fibras motoras esfinctéricas. Este relaxamento também ocorre sob estimulação de nervos sensitivos somáticos, mesmo após o reto ter sido completamente excisado, e é presumivelmente mediado através de proprioceptores presentes no assoalho pélvico e de uma via reflexa adicional através dos segmentos espinais sacrais. A integração do estímulo sensitivo a partir do canal anal de modo a controlar a atividade da musculatura anal ocorre em muitos níveis no sistema nervoso, incluindo a medula espinal, o tronco encefálico, o tálamo e o córtex. A atividade neural não somente monitora e regula a defecação, mas também outros comportamentos mais sutis no reto e no canal anal, tal como a separação de fezes do gás retal; ajustes locais para a consistência e quantidade fecais; movimentos autolimpantes no reto e no canal anal; coordenação com outras ações dos músculos perineais e abdominais. Para manter o canal anal fechado, a pressão dentro do canal anal tem que ser mais alta que a do reto. A pressão resultante no canal é mantida principalmente pela atividade tônica do músculo esfíncter interno do ânus como o resultado de um tônus simpático: aumentos súbitos de pressão intrarretal, por exemplo, durante tosse ou esforço, são compensados por uma rápida contração do músculo esfíncter externo do ânus e do músculo puborretal através de reflexos espinais. A angulação da junção anorretal e a teoria da “valva” não são mais consideradas como importantes na continência, uma vez que o imageamento dinâmico do processo de defecação (proctografia) demonstrou que existe uma ampla faixa de angulação que não se correlaciona com a função. O músculo esfíncter interno do ânus não fecha o canal completamente; o espaço (de aproximadamente 7 mm) é selado pelos distensíveis tecidos subepiteliais vascularizados. - DEFECAÇÃO - é um ato fisiológico consciente em resposta à sensação de necessidade da passagem de fezes pelo reto: ela requer o relaxamento coordenado dos músculos do assoalho pélvico e do esfíncter anal. A dinâmica tem sido estudada usando medições de pressão no intestino grosso, reto e ânus, e por várias t é c n i c a s d e i m a g e a m e n t o , i n c l u i n d o fluoroscopia, ultrassonografia e imageamento por ressonância magnética. O processo é iniciado por contrações em massa do intestino grosso, as quais direcionam as fezes para o r e t o . A d i s t e n s ã o r e t a l o c o r r e progressivamente; existe um pequeno aumento na pressão intrarretal porque a musculatura retal relaxa como resultado de reflexos intramurais locais ou reflexos espinais mediados por fibras simpáticas e parassimpáticas. O RIRA está provavelmente envolvido em permitir a descida do conteúdo retal para a porção superior do canal anal, onde ela pode sofrer uma “amostragem” pelo contato com os receptores da Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 mucosa (particularmente com termorreceptores). A defecação pode ser adiada através de contração consciente do esfíncter externo do ânus até que as contrações cessem e uma peristalse retal retrógrada mova as fezes para fora da parte distal do reto, de modo que a sensação de defecação passe. A iniciação da defecação envolve o relaxamento consciente dos músculos do assoalho pélvico e do músculo esfíncter externo do ânus, de modo que o assoalho pélvico desça ligeiramente, permitindo que o ângulo anorretal se torne retilíneo. O relaxamento reflexo do músculo esfíncter interno do ânus e da capa longitudinal conjunta permite que o canal anal se abra. A contração dos músculos abdominais auxiliará a expulsão pelo reto, mas as contínuas contrações em massa do intestino grosso empurram mais fezes para baixo no reto, de modo que toda a parte esquerda do intestino grosso seja esvaziada; - INCONTINÊNCIA ANORRETAL - é comum e pode ocorrer por uma variedade de razões. Pressões retais anormalmente altas, conforme ocorre na diarreia severa, podem superar um esfíncter normal, e doenças do sistema nervoso autônomo podem produzir uma atividade motora anormal ou perda da sensação normal, de modo que não haja uma consciência da presença de fezes. Lesões no músculo esfíncter do ânus podem resultar de um p a r t o v a g i n a l d e v i d o à d i s t e n s ã o , instrumentação ou procedimentos cirúrgicos. A atrofiado músculo esfíncter externo do ânus pode ocorrer de modo secundário a uma lesão no nervo pudendo durante o parto (e também pode ocorre em diabéticos, doença neurológica e nos idosos). Um esfíncter lesado não será capaz de superar flutuações normais de pressões intrarretais, ou pode haver uma combinação de lesão e disfunção retal, resultando em incontinência anal; • EPIDEMIOLOGIA DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL A dificuldade de definir constipação intestinal e, portanto, a deficiência de critérios uniformes nos estudos epidemiológicos não possibilitam conhecer a verdadeira prevalência da constipação e as comparações entre os diferentes estudos. Entretanto, é consenso que a constipação intestinal é uma queixa bastante frequente na população em geral, aumentando com a idade, no sexo feminino e nas populações de menor nível socioeconômico. A idade avançada não parece ser importante fator de risco quando avaliada isoladamente. Os pacientes da terceira idade apresentam, frequentemente, outras condições e comorbidades que aumentam a prevalência da constipação nesta faixa etária, as quais serão comentadas adiante. No Brasil, ainda não existem estudos epidemiológicos acerca da real prevalência da constipação intestinal no adulto. Na população ocidental, a constipação afeta entre 2 a 28% dos indivíduos, sendo uma das queixas mais comuns nos consultórios médicos. Na América do Norte, com relação à idade, aproximadamente 15 a 20% das pessoas com mais de 65 anos referem ser obstipadas; em asilos e casas de repouso, esse valor é bem mais elevado, acima de 50%. Levando em consideração que dois terços dos pacientes com constipação procuram assistência médica, frequentemente necessitando de exploração diagnóstica e uso de medicações, o custo ao sistema de saúde é bastante elevado. Nos EUA, foi estimado gasto em torno de 7 bilhões de dólares anuais no manejo da constipação. Em função desses dados, têm sido preconizados programas preventivos a fim de diminuir os gastos tanto para o sistema de saúde público quanto para o privado. Além disso, vem sendo demonstrado que a qualidade de vida de indivíduos com constipação é bem menor do que a de indivíduos sem, e que o tratamento pode melhorar a qualidade de vida significativamente • ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL As causas da constipação podem ser classificadas em primárias e secundárias. As causas primárias são decorrentes de problemas inerentes ao próprio intestino e, baseado em sua fisiopatologia, são divididas em constipação com trânsito intestinal normal, constipação com trânsito intestinal lento e distúrbio anorretal. - Constipação com trânsito intestinal normal - é a forma mais frequente de constipação, também denominada constipação funcional ou constipação crônica idiopática. Nesta, apesar do trânsito intestinal e da frequência evacuatória serem normais, os pacientes podem se queixar de constipação associada a desconforto e a dor abdominal. Apesar de difícil, a diferenciação entre constipação funcional e síndrome do intestino irritável com predomínio de constipação deve ser realizada quando possível, visto ter implicações terapêuticas; Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 - Constipação com trânsito intestinal lento - caracterizada pelo retardo da passagem das fezes pelos cólons, geralmente avaliada pelo estudo do trânsito intestinal colônico. Clinicamente, os pacientes se queixam de baixa frequência evacuatória e distensão abdominal. Além disso, tais pacientes tendem a ser mais refratários ao tratamento clínico. Em relação à fisiopatologia, os mecanismos não estão esclarecidos e parecem ser diversos. Postula-se que haja anormalidades do plexo mioentérico, alterações da inervação colinérgica e anormalidades do sistema de transmissão neuromuscular noradrenérgico. Estudos recentes demonstraram haver diminuição do reflexo g a s t r o c ó l i c o m e d i a d o p o r r e c e p t o r e s serotoninérgicos ou por distensão antral, alterações na produção de óxido nítrico levando à dismotilidade colônica, e modificações da regulação do sistema nervoso entérico. Histologicamente, são observadas alterações em densidade e distribuição de neuropeptídeos do sistema nervoso entérico (p. ex., polipeptídeo vasointestinal, substância P), diminuição do volume das células intersticiais de Cajal no cólon e aumento de neurônios entéricos em processo apoptótico; - Distúrbios anorretais - esta forma de constipação é caracterizada pela incoordenação do mecanismo defecatório dependente da musculatura pélvica. A musculatura pélvica tem origem nos músculos do assoalho pélvico, o funcionamento em sua integridade plena é importante para o bom funcionamento dos cólons. Do ponto de vista clínico, nos distúrbios anorretais, as queixas mais frequentes são sensação de evacuação incompleta ou de estar obstruído e a necessidade de manipulação digital para evacuar. Os distúrbios anorretais são causa bastante frequente de constipação na terceira idade, particularmente em mulheres. O diagnóstico é confirmado pelas alterações nos exames de manometria anorretal e defecografia. Os mecanismos fisiopatológicos são diversos, porque os distúrbios abrangem um grupo heterogêneo de pacientes. Uma das causas é a dificuldade de relaxamento ou a contração inadequada do músculo puborretal e do esfíncter anal externo, denominada dissinergia do assoalho pélvico. Outras causas incluem a incapacidade de retificação do ângulo anorretal e a descida excessiva do períneo, comum em mulheres de idade avançada, e naqueles pacientes com presença de lesões locais, como hemorróidas e fissuras anais. As causas secundárias de constipação incluem diversas doenças, incluindo distúrbios psiquiátricos e variedade extensa de medicações. No idoso, os principais fatores etiológicos relacionados à constipação incluem: dieta pobre em fibras e baixa ingestão hídrica; diminuição da mobilidade e menor atividade física; maior número de comorbidades médicas; e uso de medicações que têm como efeito colateral a constipação intestinal. Outros fatores que não estão claramente envolvidos na gênese da constipação no idoso, ou que não foram amplamente investigados, incluem o processo de senescência de estruturas e mecanismos responsáveis pela formação das fezes e evacuação, como redução da prensa voluntária abdominal, da propulsão motora dos cólons, da percepção e complacência do reto e diminuição da pressão de contração e repouso do canal anal. Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 • QUADRO CLÍNICO DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL Na história clínica, devem ser caracterizados os sintomas relacionados à constipação: - defecação: evacuações infrequentes, ausência de urgência evacuatória, dificuldade para evacuar, esforço inefetivo evacuatório, necessidade de manobras digitais, sensação de evacuação incompleta, dor anal ou perianal, prolapso anal ao ato evacuatório, escape fecal; - abdominais: distensão abdominal, dor ou desconforto abdominal relacionado ou não à evacuação; - sistêmico: halitose, cefaléia, náuseas e cansaço. É importante caracterizar o tempo de início dos sintomas. Início dos sintomas na infância sugere problema congênito; por outro lado, início recente e progressivo nos indivíduos da faixa etária mais elevada sugere processo neoplásico. Sintomas associados, como emagrecimento e sangue nas fezes, também devem ser pesquisados e também apontam para processo neoplásico. Cólica e dores abdominais após alimentação podem indicar quadro obstrutivo. Outro aspecto que deve chamar atenção são os sintomas neurológicos, os quais podem ser decorrentes de doença neurológica de base levando à constipação. Determinados sintomas como lentificação, sensação de frio, queda de cabelo e rouquidão alertampara o diagnóstico de hipotireoidismo, o qual pode ser a causa da constipação. Incontinência urinária de esforço sugere disfunção do assoalho pélvico, enquanto desejar sem conseguir o ato de urinar está associado à inércia colônica. Antecedentes obstétricos são importantes, pois partos múltiplos, difíceis e com uso de fórceps sugerem dano ao assoalho pélvico. Como referido, comorbidades e uso de drogas (tabelas acima) podem ser a causa da constipação, devendo ser investigados. Além disso, o médico tem de estar atento ao tipo e às mudanças da dieta, além de fatores emocionais e psíquicos, como história de abuso sexual e depressão. Ao exame físico, voz e aparência do paciente podem ser pistas para o diagnóstico, podendo apontar para hipotireoidismo, depressão e Parkinson. O exame neurológico é de suma importância, sendo necessário para descartar lesões centrais e, particularmente, lesões medulares. Nesses casos, a pesquisa da sensibilidade nas áreas sacrais é importante durante o exame físico. O exame físico do abdome pode revelar distensão, fezes endurecidas na região de palpação dos cólons ou massa inflamatória ou neoplásica. Caso o abdome esteja distendido, é aconselhável palpar a coluna lombar com o paciente em posição supina, a fim de excluir arqueamento anterior da coluna lombar como causa de distensão abdominal postural. Nas situações em que o paciente estiver de lado, a assoalho pélvico deve ser observado em repouso e após o paciente fazer esforço evacuatório a fim de detectar-se ausência ou deiscência perineal excessiva. O prolapso retal pode ser revelado nas manobras de e s f o r ç o , n a r e t i r a d a d o a p a r e l h o d e retossigmoidoscopia ou quando o paciente faz força na posição sentada. O exame digital do reto revela quando ele está vazio ou cheio de fezes. A avaliação do tônus do esfíncter anal, em repouso ou sob contração voluntária, informa a respeito do tônus ou da força contrátil do esfíncter anal externo. Anormalidades na palpação de reto e estruturas adjacentes devem ser investigadas. A endoscopia pode revelar a pigmentação marrom escura da melanosis coli, por abuso de laxativos (antraquinonas). O exame do reto distal pode evidenciar prolapso anterior da mucosa ou úlcera retal solitária. O uso do colonoscópio serve para excluir doenças estruturais do intestino grosso. Aspecto interessante que pode auxiliar em diagnóstico e acompanhamento dos pacientes constipados é o início de um diário no qual constem número e aspecto das evacuações, visto que os pacientes tendem a subestimar sua frequência intestinal. • DIAGNÓSTICO DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL O diagnóstico da constipação intestinal deve ser baseado no quadro clínico, lembrando-se que a frequência evacuatória é normal na maioria dos idosos com constipação. As queixas principais são Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 dificuldade e esforço para evacuar, presença de fezes endurecidas e sensação de evacuação incompleta. Durante realização da história clínica e do exame físico, é preciso afastar doenças e uso de medicações que podem contribuir para a constipação intestinal crônica. Em consenso recente, sugere-se que a maioria dos pacientes com constipação realize hemograma completo, glicemia, hormônio estimulante da tireóide (TSH), cálcio e creatinina sérica. Além disso, sugere-se que seja solicitada colonoscopia naqueles acima de 50 anos, com emagrecimento ou sangramento intestinal. No Brasil, a sorologia para doença de Chagas é outro teste que pode ser realizado a depender da epidemiologia do paciente. Em relação aos idosos, investigação com exames complementares ou encaminhamento ao gastroenterologista são recomendados em situações específicas(Tabela IV). De maneira geral, a realização de exames complementares no diagnóstico da etiologia da constipação deve ser criteriosa. Assim, é importante considerar a precisa indicação de cada teste diagnóstico e o impacto que as informações obtidas terão sobre a terapêutica. Frequentemente, nas constipações de longa data e sem sinais de alarme (emagrecimento, anemia, sangramento intestinal), recomenda-se uma abordagem terapêutica pragmática, a qual desconsidera a realização de extensa investigação com exames complementares e envolve abordagem com modificações higieno-dietéticas e comportamentais aliadas ao uso de laxativos. Na constipação refratária ao tratamento clínico, pode ser de grande auxílio na terapêutica definir o mecanismo fisiopatológico de base. Nesse sentido, o tratamento seria dieta rica em fibras, laxativos formadores de massa e osmóticos nos casos de constipação funcional; drogas procinéticas na constipação com trânsito intestinal lento; e biofeedback nos distúrbios anorretais. Recentemente, exames voltados para avaliação da estrutura e da função dos cólons e reto na abordagem da constipação foram avaliados e revisados, sendo que aspectos relacionados ao princípio e à indicação desses exames estão discutidos na Tabela V. Cabe ressaltar que, em apenas 50% dos pacientes submetidos à investigação complementar minuciosa, a causa fisiopatológica da constipação é definida. Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 • TRATAMENTO DA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL Em relação aos pacientes da terceira idade, apesar da alta prevalência da constipação neste grupo e dos aspectos peculiares de sua fisiopatogenia, são escassos os trabalhos avaliando e comparando a eficácia dos diferentes esquemas terapêuticos. Assim, muito do que é preconizado na terapêutica da constipação nos idosos é baseado em experiências empíricas e trabalhos científicos com pequena casuística, ausência de duplo-cego, período curto de estudo e alta taxa de desistência. A abordagem terapêutica da constipação intestinal pode ser dividida em não farmacológica, também denominada medidas gerais, e farmacológica. Em relação às medidas não farmacológicas, caso forem identificadas doenças ou uso de medicações que contribuam para a constipação, a primeira medida deve ser a retirada da respectiva medicação ou do tratamento da doença de base. As outras medidas incluem: - Reeducação do hábito intestinal: o ato defecatório, de certa forma, é um ato reflexo condicionado. Nesse sentido, os pacientes devem ser estimulados a evacuar no mesmo horário e a evitar abolir o desejo de evacuar. O período da manhã, após o café matinal, tende a ser o horário mais adequado, visto que é quando os cólons estão com sua atividade motora propulsiva mais intensa e se tem o reflexo gastrocólico. Outro fator importante é que se tenham banheiros adequados com privacidade e fácil acesso; - Ingestão de fibras: no mundo ocidental, a ingestão de fibras tende a ser deficiente e é causa importante de constipação intestinal. Recomenda-se que 30 g de fibras sejam consumidas diariamente, sendo estimulada a ingestão de frutas, vegetais e produtos integrais. Todavia, tal aumento deve ser gradual, cerca de 5 g a cada semana, para evitar aumento do processo fermentativo intestinal com produção excessiva de gases, distensão e desconforto abdominal; - Ingestão hídrica: a baixa ingestão hídrica tem sido associada mais ao risco de impactação fecal do que à constipação intestinal em si. Todavia, visto que os líquidos são coadjuvantes na dieta rica em fibras a fim de que haja formação do bolo fecal, é recomendado aos pacientes ingestão hídrica de cerca de 1,5 a 2,0 L/dia. É evidente que essa orientação não se aplica em situações nas quais a hipervolemia deve ser evitada (p. ex., casos de insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal crônica); - Atividade física: alguns estudos demonstraram que a baixa atividade física aumenta o risco de constipação e que se exercitar regularmente diminui esse risco. Toda-via, os limites individuaispara a prática de exercícios devem ser respeitados, principalmente em indivíduos da terceira idade. Na medida do possível, caminhadas diárias ou prática de natação devem ser estimuladas. Nas situações em que não há melhora da constipação intestinal com a adoção de medidas gerais, o tratamento farmacológico deve ser instituído. Existem diferentes tipos de medicamentos denominados laxativos e classifica- dos de acordo com seu mecanismo de ação (Tabela VI). Em recente revisão, foi proposto, para constipação intestinal funcional com trânsito intestinal normal, algoritmo terapêutico que sugere iniciar com agentes formadores de massa ou hidróxido de magnésio; na falha desses, usar bisacodil e, depois, polietilenoglicol (PEG). A seguir, serão abordados os diferentes tipos de laxativos, seus mecanismos de ação e respectivas indicações. - Formadores de massa: são compostos por fibras solúveis, fibras insolúveis, ambas ou por fibras sintéticas. São substâncias hidrofílicas que absorvem água do lúmen intestinal, aumentam o bolo fecal, amolecem as fezes e, portanto, facilitam a evacuação. Além disso, aumentam a motilidade gastrintestinal levando à diminuição do tempo de trânsito intestinal e à maior frequência evacuatória. As fibras solúveis absorvem água rapidamente e são decompostas nos cólons. Por outro lado, as fibras insolúveis absorvem menos água do que as fibras solúveis e, por não serem degradadas nos cólons, mantêm o volume líquido das fezes até a evacuação. A introdução das fibras deve ser gradual a fim de evitar flatulência e distensão abdominal. Além disso, os formadores de massa são indicados para Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 pacientes com trânsito intestinal normal. Naqueles que apresentam trânsito colônico lento e disfunção anorretal, parecem não ter efeito; - Osmóticos ou salinos: são substâncias hiperosmolares que determinam secreção de água para luz intestinal, causam amolecimento das fezes e aumentam a atividade propulsora dos cólons. Incluem os salinos açúcares pouco absorvíveis e os polietilenoglicóis (PEGs). Os efeitos colaterais do hidróxido de magnésio estão relacionados a dores abdominais, f l a t u l ê n c i a , m e t e o r i s m o s , d i s t ú r b i o s e l e t r o l í t i c o s , c o m o h i p o c a l e m i a e hipermagnesemia, e interferência na absorção de medicações. Os açúcares pouco absorvíveis podem causar flatulências, dores abdominais e hipocalemia. Os PEGs não são absorvidos, metabolizados pelas bactérias colônicas e, por isso, são melhor tolerados do que outros laxativos osmóticos como a lactulose. Em estudo multicêntrico, placebo-controlado com 150 pacientes, o PEG 3350 demonstrou ser um bom laxativo que leva a amolecimento das fezes e aumento da freqüência evacuatória; - Estimulantes: estes medicamentos são derivados do difenilmetano (fenolfetaleina, bisacodil e picossulfato de sódio) e das antraquinonas (sene, cáscara-sagrada e aloés). O mecanismo de ação desses laxativos consiste no aumento da motilidade e da secreção intestinal por meio da estimulação do plexo mioentérico colônico e da alteração do fluxo de água e eletrólitos. Em doses baixas, os laxativos estimulantes inibem a absorção de água e sódio; em doses maiores, estimulam a secreção. De maneira geral, são medicamentos de ação rápida e têm como efeito colateral cólicas abdominais, incontinência fecal e hipocalemia. O uso crônico de antraquinonas pode levar ao aparecimento de uma pigmentação marrom-escura da mucosa colônica, denominada melanosis coli. Todavia, essa é uma condição benigna que desaparece com a suspensão da medicação. A fenolfetaleína está em desuso, pois alguns estudos têm apontado efeito carcinogênico. Outra reação adversa do uso crônico dos estimulantes laxativos, porém questionável, é a lesão do plexo nervoso mioentérico determinando o cólon catártico. Em razão dessas considerações, este grupo de laxativos é a segunda linha na terapêutica da constipação intestinal, após a falha do tratamento com laxativos formadores de massa e osmóticos salinos; - Emolientes: seu mecanismo de ação consiste em diminuir a tensão superficial e facilitar a entrada de água nas fezes determinando seu amolecimento. Sua efetividade na constipação é menor do que o Psyllium. Tem indicação nos casos de fissura anal e hemorróidas. O principal exemplo de medicamento desta classe de laxativos é o d o c u s s a t o d e s ó d i o , g e r a l m e n t e comercializado em associação com outras classes de laxativos; - Procinéticos: atuam acelerando o trânsito intestinal e aumentando a freqüência das evacuações. Agem estimulando a inervação parassimpática pela ativação dos receptores da serotonina (5-HT4). A cisaprida, uma das primeiras medicações agonistas do receptor 5-HT4 a ser comercializada, demonstrou ser efetiva no aumento da peristalse colônica e da defecação. Todavia, foi retirada do mercado, pois induz o aparecimento de arritmias ventriculares complexas. O tegaserode é uma droga recente, agonista parcial dos receptores 5-HT4, que estimula os reflexos peristálticos e os trânsitos intestinal e colônico. Na constipação intestinal, seu uso foi comprovadamente benéfico em mulheres de meia-idade com quadro associado de síndrome do intestino irritável. Por enquanto, não está definida sua indicação em homens e na população de idosos. Além das medidas gerais e do uso de laxativos, existem alternativas para o tratamento da constipação intestinal. O biofeedback envolve treinamento do ato defecatório com auxílio de eletromiografia ou manometria anorretal. Esse procedimento consiste em realizar o relaxamento da musculatura do assoalho pélvico durante o esforço evacuatório e educar o paciente a correlacionar o processo com o ato defecatório em si. Apesar da necessidade de estudos bem conduzidos, os trabalhos existentes têm apontado alto sucesso terapêutico com uso do biofeedback em pacientes com trânsito intestinal normal e distúrbios do ato defecatório, como contração puborretal paradoxal. Outro estudo recente sugeriu seu uso na constipação crônica refratária, com trânsito intestinal lento e normal. Nesse trabalho, foram estudados cem indivíduos, incluindo idosos, no qual se demonstrou melhora significativa dos sintomas de constipação (esforço para evacuar, sensação de evacuação incompleta, necessidade de auxílio digital para evacuar). Outra opção terapêutica é a abordagem cirúrgica. Na constipação intestinal crônica refratária ao Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 tratamento clínico e com diagnóstico de inércia colônica, a colectomia total com anastomose ileorretal tem apresentado bons resultados, sendo estes melhores nos pacientes sem alterações no exame de manometria antroduodenal. Entretanto, os trabalhos não avaliaram especificamente os idosos; e a morbidade dessa abordagem cirúrgica deve ser considerada na decisão terapêutica. • DOENÇA HEMORROIDÁRIA Os plexos venosos hemorroidários são estruturas anatômicas normais presentes no canal anal que protegem suas paredes do traumatismo decorrente da evacuação. Normalmente, são divididos em duas estruturas vasculares distintas delimitadas pela linha pectínea em plexo hemorroidário superior, que é submucoso, inferior e subcutâneo, de acordo com a drenagem da região anorretal. A doença hemorroidária representa uma dilatação das veias desses plexos hemorroidários. • EPIDEMIOLOGIA É uma condição comum na população adulta, principalmente entre os 25 e 40 anos, com discreta predominância no sexo masculino. • ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA A etiologia precisa das hemorróidas ainda é pouco conhecida. Alguns fatores parecem estar associados à sua formação, sendo considerados de risco para o desenvolvimento de hemorróidas: hereditariedade, idade,constipação, diarréia, abuso de laxantes ou lavagens, obesidade, gravidez, hipertensão portal e trombose de veia porta. Essas condições levariam ao enfraquecimento dos tecidos de sustentação, nos quais estão localizados os plexos venosos, permitindo deslizamento, prolapso e ingurgitamento desses plexos. • CLASSIFICAÇÃO Em geral, as hemorróidas são classificadas como: - Hemorróidas internas: acima da linha pectínea, recobertas por mucosa retal ou transicional. A drenagem venosa se faz para as veias hemorroidárias superiores e sistema porta; - Hemorróidas externas: localizadas abaixo da linha pectínea, próximas ao orifício anal, Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 recobertas por epitélio escamoso. A drenagem venosa se faz para o sistema cava inferior. As hemorróidas internas são classificadas em diferentes graus conforme descrito na Tabela II. Já as hemorróidas externas não costumam ser classificadas. • QUADRO CLÍNICO Os sintomas incluem sangramento, que é geralmente vivo, intermitente e relacionado às evacuações, prurido, desconforto e dor anal (Tabela I). A hemorróida externa geralmente é assintomática, a menos que esteja trombosada. Os sintomas, em sua maioria, são decorrentes das hemorróidas internas. • DIAGNÓSTICO No exame proctológico, observam-se mamilos hemorroidários no canal anal, verificando-se, mais frequentemente, um mamilo à esquerda e dois à direita. Podem ser evidenciados, ainda, plicomas, processo inflamatório local, trombose e encarceramento do plexo hemorroidário. • TRATAMENTO O tratamento varia de acordo com o grau do prolapso hemorroidário e as complicações existentes, podendo ser: - Clínico - indicado quando os sintomas são discretos, consiste de: a) Correção do hábito intestinal (dieta rica em fibras e líquidos); b) Higiene anal. É preferível a irrigação de água ao uso de papel higiênico no local; c) Controle da diarréia em pacientes com diarréia crônica; d) Pomadas antiinflamatórias e anestésicas. Não é aconselhável o uso de pomadas com corticosteróide por mais de uma semana. - Alternativos - indicados no tratamento das hemorróidas internas. O objetivo é provocar reação inflamatória na porção proximal dos mamilos internos, reduzindo o seu volume e fixando a mucosa na parede retal para impedir o prolapso e o sangramento. a) Escleroterapia (graus I e II); b) Ligadura elástica (graus I, II e III); c) Crioterapia; d) Fotocoagulação por raios infra-vermelhos. Mais indicada nas hemorróidas internas de pequeno volume; - Cirúrgico - indicado para hemorróidas mistas, graus III e IV, quando existe complicação. • TROMBOSE HEMORROIDÁRIA Trombose hemorroidária: é uma complicação que gera grande desconforto ao paciente. • ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA Os principais fatores predisponentes são a pressão exercida durante o parto e o abuso de álcool. • QUADRO CLÍNICO O principal sintoma é dor anal intensa. Ocasionalmente, as hemorróidas externas trombosadas podem sangrar através de erosão Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 formada na pele ou por perfuração espontânea. Os trombos externos costumam ser únicos e extremamente dolorosos devido à distensão da pele anal, rica em terminações nervosas. Trombose de hemorróidas internas é menos frequente. Quando ocorre, são trombos múltiplos que incidem nos estágios mais avançados da doença. Os sintomas típicos incluem dor, pressão em região anal, presença de muco e impossibilidade de redução espontânea do mamilo prolapsado. • DIAGNÓSTICO Ao exame da região anal, observa-se nódulo doloroso (plexo hemorroidário encarcerado), com edema importante da região. • TRATAMENTO O tratamento, em geral, é conservador. Devem ser utilizados analgésicos quando existe dor leve a moderada. A aplicação de gelo local nas primeiras 24 horas e o calor úmido a partir do segundo dia também auxiliam o alívio dos sintomas. Quando a dor é intensa, o tratamento é cirúrgico. Após a cicatrização, pode ocorrer fibrose com aparecimento de plicoma sentinela. Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes Julia Franco Fernandes - 4˚ PERÍODO MEDICINA - FASA 2022.2 Passei Direto: Julia Franco Fernandes @juliafnandes
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