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Tema 03 Módulo 01

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Tratamento Nutricional dos desequilíbrios orgânicos
Microbiota Intestinal: Conceitos e Características: A microbiota intestinal pode ser vista como um órgão do corpo real que contribui para o bem-estar do organismo hospedeiro. Os trilhões de micro-organismos que colonizam o trato gastrointestinal (GI) influenciam processos locais e sistêmicos, como transformação de nutrientes, fornecimento de vitaminas, maturação da imunidade mucosa, comunicação intestino-cerebral e até progressão de tumor.
Como outros órgãos, o funcionamento adequado da microbiota intestinal depende de uma composição celular estável, que, no caso da microbiota humana, consiste principalmente em bactérias dos filos Bacteroidetes, Firmicutes, Actinobacteria e, em menor extensão, Proteobacteria.
Grandes mudanças na proporção entre esses filos ou na expansão de novos grupos de bactérias levam a um desequilíbrio conhecido como disbiose. A redução da diversidade microbiana e o crescimento de Proteobacteria são características da disbiose. Um número crescente de doenças está associado à disbiose intestinal, que, em alguns casos, contribui para o desenvolvimento ou a gravidade da doença.
A disbiose é uma característica marcante das doenças inflamatórias intestinais (DII), como colite ulcerativa e doença de Crohn, assim como de distúrbios metabólicos, doenças autoimunes e distúrbios neurológicos. Ela pode desencadear a doença nas primeiras semanas de vida, conforme observado na enterocolite necrosante; durante a idade adulta, por meio da promoção de câncer colorretal; ou em pessoas já idosas, como a diarreia associada a Clostridium difficile.
Ao contrário dos micro-organismos infecciosos, não é possível estabelecer a patogenicidade de bactérias intestinais específicas por meio da aplicação dos postulados de Koch, uma vez que uma grande fração da microbiota não pode ser isolada como cultura pura. A implicação patogênica de micro-organismos específicos em uma doença depende principalmente da identificação de populações bacterianas deslocadas com base no sequenciamento de DNA de alto rendimento de genes 16S rRNA conservados.
· Postulados de Koch: Procedimentos realizados em sequência para estabelecer a relação causal entre um microrganismo e uma doença.
Além disso, a fronteira entre o bem e o mal é frequentemente confusa, já que algumas bactérias simbióticas podem se tornar patogênicas quando presentes em grande número no intestino. Chamadas de patobiontes, elas podem ser difíceis de se reconhecer quando sua expansão ocorre simultaneamente a outras mudanças na composição microbiana do intestino.
Além da atribuição de responsabilidade por associação, a descoberta dos mecanismos subjacentes às mudanças de grupos microbianos é fundamental para a compreensão dos processos que levam à disbiose. Consequentemente, a identificação de fatores que causam fortes alterações na microbiota intestinal constitui um fator indispensável para o desenvolvimento de estratégias destinadas a prevenir a disbiose intestinal.
Vários fatores exógenos e endógenos afetam a composição microbiana do intestino. Os efeitos resultantes variam de transitórios a duradouros, assim como de inofensivos até prejudiciais.
Frequentemente, um único fator não é suficiente para induzir disbiose, pois a microbiota intestinal tem uma resiliência intrínseca, ou seja, uma capacidade de se adaptar às variações na disponibilidade de nutrientes e às mudanças nas condições ambientais. Em contraste, as ações combinadas de vários fatores podem levar grupos microbianos a um ponto de inflexão que eventualmente acarreta grandes mudanças de significado patológico.
Os principais fatores que influenciam a composição da microbiota intestinal são:
· Dieta
· Vários Medicamentos
· Mucosa Intestinal
· Sistema Imunológico
· A própria Microbiota
Mudanças moderadas na composição microbiana podem, portanto, fornecer uma janela de oportunidade para outros fatores agravantes a fim de amplificar mudanças em grupos bacterianos específicos a ponto de causar desequilíbrio. Estresse oxidativo, bacteriófagos e bacteriocinas constituem fatores típicos que exacerbam as mudanças da microbiota a ponto de promover a disbiose.
A microbiota desempenha um papel vital na formação do sistema imunológico do hospedeiro. Pode-se dizer que existe um verdadeiro cruzamento entre ambos, o que permite o desenvolvimento da tolerância do hospedeiro aos antígenos inofensivos da microbiota.
Estudos em animais livres de germes (GF) mostraram que a falta da microbiota intestinal leva a uma deficiência significativa no funcionamento do sistema imunológico.
Até poucos anos atrás, era opinião comum que o feto se desenvolvia em ambiente uterino totalmente estéril e que a primeira colonização intestinal ocorria desde o nascimento. No entanto, estudos recentes refutaram essa concepção e demonstraram a presença de micro-organismos na placenta, no líquido amniótico e no cordão umbilical. Foi levantada então a hipótese de que o feto começa a colonizar o próprio GI em desenvolvimento ao engolir o líquido amniótico e as bactérias que ele contém no útero. Além disso, o mecônio fetal contém micro-organismos.
De todo modo, é apenas no parto que os bebês ficam expostos à maioria dos micro-organismos responsáveis pela colonização intestinal e pelo desenvolvimento da microbiota. Ademais, o tipo de parto é muito importante, pois a microbiota intestinal inicial do bebê pode se assemelhar, em termos de composição, aos micro-organismos com os quais ele entrou em contato durante o parto.
Após um parto vaginal, o bebê entra em contato com a microbiota vaginal, mas, se for feita uma cesariana, ele entrará em contato com a microbiota epidérmica. Estudos demonstram que bebês nascidos de um parto natural podem desenvolver uma microbiota mais variada do que aqueles advindos de uma cesariana.
O padrão de colonização inicial é considerado caótico. Vários estudos sugerem que os fatores ambientais e a dieta são responsáveis por grandes mudanças na composição. Em uma criança, durante a primeira fase da colonização intestinal, os micro-organismos presentes são predominantemente aeróbios – muitos deles com potencial patogênico como Enterobactérias, Estafilococos e Estreptococos.
Em uma etapa posterior, os micro-organismos tornam-se predominantemente anaeróbios. A composição da comunidade intestinal continua a mudar durante o primeiro ano de vida e, posteriormente, em resposta a fatores externos, como dieta e uso de antibióticos.
Existe uma diferença significativa na composição da microbiota intestinal do bebê em relação a:
· Tipo de leite que bebe.
· Tipo de desmame que realiza.
· Diferentes tipos de alimentos que consome.
O aleitamento materno (AM) é o alimento idealizado pela natureza para recém-nascidos e lactentes, embora, nas últimas décadas, ele seja muito frequentemente substituído por diversas formulações lácteas (FL). De maneira geral, pode-se dizer que o AM tem se mostrado um fator protetor para muitas doenças inflamatórias intestinais e até para o neurodesenvolvimento, enquanto o uso dos diversos tipos de leite formulado para crianças tem demonstrado um aumento do risco de doenças intestinais por induzir a formação incorreta da microbiota intestinal.
Bebês amamentados têm uma população microbiana intestinal mais uniforme do que aqueles nutridos por FL. Esse aspecto tem implicações muito importantes para o futuro da criança.
O estudo da microbiota intestinal de um recém-nascido amamentado pode fornecer informações fundamentais sobre:
· O correto desenvolvimento do sistema imunitário
· A resposta e a tolerância imunológica
· A tendência ao desenvolvimento
Com esses dados, diminuem-se os riscos de patologias alérgicas, inflamatórias e autoimunes. A composição do leite materno, afinal, inclui:
· Proteínas
· Gorduras
· Carboidratos
· Imunoglobulinas
· Endocanabinóides
· Polissacarídeos indigeríveis
Alguns desses polissacarídeos atuam como verdadeiros prebióticos capazes de estimular seletivamente o crescimento de bactérias benéficas. A maioria deles é formada por bifidobactériasindispensáveis para o fortalecimento da proteção da mucosa intestinal graças à sua atividade específica contra patógenos e ao aumento da imunoglobulina A (relacionada à modulação do sistema imunológico intestinal).
Após o desmame, a composição da microbiota intestinal ainda varia em relação ao tipo de alimentação. Contudo, após os três anos de vida, na ausência de distúrbios, como mudanças alimentares em longo prazo ou o uso repetido de antibióticos e medicamentos, a composição bacteriana da microbiota intestinal permanece relativamente estável até a velhice. Em geral, ao longo da vida, as bifidobactérias diminuem, enquanto Bacteroidetes e Firmicutes aumentam.
Microbiota intestinal e o cérebro:A existência de uma correlação próxima entre a microbiota intestinal e o cérebro tornou-se cada vez mais evidente, embora os mecanismos envolvidos não sejam completamente claros: a existência de um eixo intestino-cérebro tornou-se, assim, o principal foco da neurociência.
A evidência de que a disfunção da microbiota pode desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento de certas doenças neurológicas é fornecida pela descoberta de que a intervenção a restaurar a saúde e a integridade da microbiota pode ter uma influência positiva no curso, nos sintomas e nas condições clínicas dessas doenças. Essa é a principal razão pela qual o intestino é chamado de "segundo cérebro".
O limite necessário para desencadear a disbiose depende muito dos grupos bacterianos afetados. Mudanças amplas nos principais filos Bacteroidetes e Firmicutes podem permanecer sem consequências patológicas, ao passo que quantidades aumentadas de grupos marginais têm o potencial de causar grandes alterações na microbiota intestinal e na saúde dos indivíduos.
As bactérias da família das Enterobacteriaceae podem se expandir rápido e consecutivamente em relação às alterações nas condições oxidativas do intestino, como ocorre, por exemplo, durante uma inflamação. Devido à pirogenicidade do lipopolissacarídeo (LPS) de Enterobacteriaceae, o crescimento dessa família de bactérias geralmente intensifica uma resposta inflamatória contínua. Parâmetros adicionais, como temperatura, pressão atmosférica e pressão parcial de oxigênio, também influenciam a composição microbiana do intestino.
Nutrição: A dieta é o principal elemento que afeta a microbiota intestinal. Variações naturais na ingestão de alimentos causam mudanças transitórias na composição microbiana, embora componentes predominantes, como carne, peixe e fibras, tenham efeitos duradouros sobre a microbiota e deixem assinaturas típicas caracterizadas por mudanças em grupos bacterianos específicos.
A alteração da composição dos alimentos, bem como a escassez ou o excesso de oferta, afetam a microbiota intestinal. A ausência de nutrientes no intestino durante a alimentação parenteral aumenta os níveis de Proteobacteria, promovendo uma inflamação na parede da mucosa e eventualmente causando uma quebra da barreira epitelial. O fornecimento excessivo de nutrientes leva à obesidade, que está associada à disbiose e aos distúrbios metabólicos inflamatórios.
A obesidade é caracterizada pela diminuição da diversidade microbiana e por uma sobrerrepresentação de Firmicutes em seres humanos obesos.
Uma proporção mais baixa de Bacteroidetes para Firmicutes resulta em uma maior liberação de LPS na circulação. Já níveis mais altos de LPS contribuem para um estado de inflamação crônica de baixo grau (o que ocorre na obesidade).
A dieta geralmente é uma combinação de proteínas, gorduras e carboidratos; portanto, o efeito isolado de cada macronutriente na microbiota in vivo não é facilmente determinado. Contudo, como veremos adiante, as dietas ricas em um ou dois desses tipos de alimentos fornecem pistas valiosas sobre suas respectivas influências.
Proteínas:Em longo prazo, a alta absorção de proteínas animais, aminoácidos e gorduras aumenta as quantidades relativas de Bacteroides, enquanto a baixa ingestão de proteínas e a elevada de carboidratos aumentam os níveis de Prevotella. No entanto, surtos de ingestão de alta proteína em curto prazo não produzem necessariamente os mesmos efeitos.
Enquanto as mudanças microbianas induzidas pelo alto consumo de proteínas são moderadas, as que ocorrem nos produtos de fermentação são mais evidentes. Uma dieta rica em proteínas aumenta a produção de:
· Ácidos graxos de cadeia ramificada
· Substâncias potencialmente tóxicas, como sulfeto, amônia e compostos N-nitrosos
Com uma ingestão alimentar excessiva de proteínas e aminoácidos, também é registrado um aumento da síntese de óxido nítrico (NO). Esse produto antimicrobiano influencia fortemente a microbiota intestinal, enquanto os níveis aumentados de NO medidos em pacientes obesos provavelmente contribuem para o desenvolvimento de uma microbiota associada à obesidade.
Gorduras: Uma alta ingestão de gordura induz mudanças notáveis na composição da microbiota intestinal. A diversidade geral diminui com a abundância relativa de Bacteroidetes, enquanto a relativa de Firmicutes aumenta. Mesmo certas características estruturais, como o grau de saturação de ácidos graxos, marcam a microbiota.
A dieta rica em gordura também exerce indiretamente uma influência na microbiota intestinal, aumentando o pool de ácidos biliares. Após a emulsificação dos lipídios da dieta, a maioria dos ácidos biliares é reabsorvida no íleo distal.
Os ácidos biliares não absorvidos influenciam fortemente o crescimento microbiano, criando um ambiente de baixo pH e de forte atividade antimicrobiana. Considerando o efeito estimulador da dieta rica em gordura sobre esses ácidos no intestino grosso em camundongos, pode-se dizer que eles provavelmente contribuem para o impacto da alta ingestão de gordura na disbiose relacionada à obesidade.
Os ácidos biliares são moléculas sinalizadoras de ligação a dois receptores:
Farnesoide X do hormônio nuclear (FXR): A ligação com o FXR não apenas regula a síntese de ácidos biliares, mas também influencia a homeostase de lipídios, glicose e energia. No fígado, o FXR inibe a indução da proteína de ligação ao elemento regulador de esterol SREBP1c, inibindo, assim, a lipogênese e diminuindo o risco de esteatose.
De ácido biliar acoplado à proteína G (TGR5): A sinalização de TGR5 induz a produção de peptídeo semelhante ao GLP-1 no intestino, o que melhora a sensibilidade à insulina. Ao aumentar a atividade mitocondrial no tecido adiposo marrom e a fosforilação oxidativa no músculo, a ativação do TGR5 também eleva o gasto de energia.
As bactérias intestinais regulam a sinalização do receptor do ácido biliar, convertendo os ácidos biliares primários em secundários com diferentes afinidades de ligação. As bactérias do filo Firmicutes se destacam pela atividade de 7α-desidroxilação para transformar o ácido cólico e quenodeoxicólico em ácidos desoxicólico e litocólico (ambos têm uma afinidade de ligação inferior para FXR e uma maior para TGR5).
Fibras: As fibras têm efeito direto sobre a microbiota, atingindo o cólon devido à sua indigestibilidade e alimentando a fermentação microbiana. Uma dieta rica em polissacarídeos vegetais promove o crescimento de Bacteroidetes sobre Firmicutes.
Curiosamente, uma microbiota intestinal com uma proporção aumentada de Firmicutes para Bacteroidetes tem uma maior capacidade de extrair energia da dieta. Ao fornecer mais enzimas para a quebra dos polissacarídeos dietéticos, ela aumenta a absorção de monossacarídeos e ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) pela mucosa intestinal. Esse processo maximiza a utilização de nutrientes, mas, no caso de um excesso de fornecimento de alimentos, também faz isso com o armazenamento de energia.
Monossacarídeos liberados por micro-organismos são transferidos para o fígado através da veia porta e ativam a proteína de ligação do elemento de resposta a carboidratos. Isso leva ao aumento da transcrição de vários genes envolvidos na lipogênese hepática de novo e, com isso, da transferência de lipídeos para os depósitos de gordura em tecidos periféricos.
O aumento da absorçãointestinal de butirato, acetato e propionato de SCFA fornece energia adicional para diversos tecidos. Usado principalmente pelos colonócitos, o butirato estimula sua proliferação e diferenciação. Já o acetato alimenta a lipogênese nos tecidos periféricos, especialmente nos músculos, enquanto o propionato entra na gliconeogênese pelo fígado.
Uma maior produção de SCFA pela microbiota associada à obesidade pode ser um fator que contribui para a maior deposição de triglicerídeos nos tecidos adiposos, bem como no fígado. Além de sua contribuição calórica, os SCFA ativam as vias metabólicas, agindo como ligantes para os seguintes receptores acoplados à proteína G (GPCRs): GPR41 e GPR43 (também conhecidos como receptores de ácidos graxos livres 3 e 2).
A ativação de GPR41 e GPR43 está associada à expansão do tecido adiposo e aos processos inflamatórios, embora o resultado dessa ativação como protetor ou causador permaneça obscuro. Essa ativação também eleva os níveis de leptina nos adipócitos, o que resulta no aumento da sensibilidade à insulina e em uma maior saciedade.
A sinalização GPR43 nas células L intestinais aumenta a produção de GLP-1, que melhora a tolerância à glicose. Acetato e propionato são os principais ligantes que ativam a GPR43 no tecido adiposo e nas células imunes, pois o butirato serve principalmente como fonte de energia para os colonócitos, enquanto quantidades relativamente pequenas atingem a periferia.
Na disbiose relacionada à obesidade, os perfis de AGCC mudam de forma consecutiva quanto à diminuição da proporção entre Bacteroidetes, produzindo grandes quantidades de acetato e propionato, e Firmicutes, que produz principalmente butirato. Portanto, a diminuição da produção de acetato e propionato pela microbiota provavelmente reduz a sinalização de GPR43.
Resta a seguinte questão: uma microbiota equilibrada pode ser restaurada por meio da suplementação de prebióticos e probióticos?
PREBIÓTICOS: Os prebióticos a modulam diretamente, o que acarreta a redução da permeabilidade intestinal e a endotoxemia, reduzindo, assim, a inflamação. Essas mudanças estão associadas a níveis mais elevados de GLP-2, o que reduz a permeabilidade intestinal. Uma ingestão da oligofrutose (prebiótico) desloca a composição da flora intestinal para um padrão não obeso, aumentando Bacteroides e reduzindo Firmicutes tanto em ratos ob/ob quanto naqueles geneticamente propensos ao desenvolvimento de obesidade e resistência à insulina.
PROBIÓTICOS: Os probióticos que induzem a secreção ou diminuem a supressão do fator IV semelhante à angiopoietina (ANGPTL4, também conhecido como fator adiposo induzido pelo jejum) têm um efeito benéfico no metabolismo lipídico dos adipócitos. A ANGPTL4 inibe a lipase de lipoproteína (LPL), que é responsável por hidrolisar triglicerídeos de LPLs para a absorção de ácidos graxos na célula.
Carboidratos: O processamento de polissacarídeos vegetais complexos, como pectinas, xilanos e frutanos, requer uma bateria de endo e exoglicosidases com atividades capazes de liberar monossacarídeos como a Ramnose, ácido galacturônico, arabinose, xilose, frutose e glicose.
Em contraste, a utilização de glicanos da mucina intestinal requer diferentes atividades. Elas consistem em:
· Galactosidases
· N-acetilglucosaminidases
· N-acetilgalactosaminidases
· Fucosidases
· Sialidases
As diferenças estruturais entre os carboidratos dietéticos e os glicanos intestinais, além da correspondente necessidade de diferentes mecanismos de processamento, levaram as bactérias a se especializarem na utilização de subconjuntos limitados de carboidratos.
O processamento de carboidratos complexos frequentemente depende de ações cooperativas entre táxons bacterianos distintos. Além de permitirem interações mutualísticas, a clivagem desses carboidratos e a liberação de monossacarídeos no lúmen intestinal também geram oportunidades para as bactérias, já que elas carecem de enzimas de processamento de carboidratos.
A obesidade, a alta ingestão de gordura e açúcar na dieta e um aumento do pool de ácidos biliares diminuem a proporção de Bacteroidetes para Firmicutes. Mudanças nessa proporção afetam a inflamação crônica e as mudanças metabólicas relacionadas:
· Ao suprimento de energia aos colonócitos
· À lipogênese
· À gliconeogênese
· À sensibilidade à insulina
· À tolerância à glicose
São mediadores-chave de tais adaptações metabólicas:
· LPS bacteriano (a)
· Ácido graxo de cadeia curta (SCFA) (b)
· Aumento da captação de monossacarídeo (c)
· Metabolismo biliar secundário (d)
Como já destacamos, o que comemos também fornece nutrientes para o metabolismo microbiano intestinal. Desse modo, uma visão mais global do metabolismo vem evoluindo. Ela combina os seguintes aspectos:
· Microbiota intestinal.
· Transformações metabólicas do hospedeiro que contribuem para o nosso metabolismo geral.
· Variações interindividuais nos perfis metabólicos.
A microbiota intestinal serve como um filtro de nossa maior exposição ambiental, ou seja, o que comemos.
Em virtude do fato de que numerosos metabólitos gerados pela microbiota intestinal são biologicamente ativos e afetam os fenótipos do hospedeiro, o microbioma intestinal também funciona como um órgão endócrino importante que responde à ingestão alimentar.
Esse microbioma se comunica com órgãos distais no hospedeiro por intermédio de vias complexas, como a via dos metabólitos gerados pela microbiota intestinal. Ele tem mostrado um impacto em fenótipos relevantes para doenças cardiovasculares (DCV), variando de inflamação.
Mecanismos da relação microbiota intestinal e doenças metabólicas
Fator adiposo induzido por jejum (FIAF): O fasting induced adipose factor (FIAF) é um inibidor da LPL produzido pelo intestino, fígado e tecido adiposo. Quando suprimido pela ação da microbiota intestinal, ocorre um aumento da atividade da LPL que determina então a maior absorção de ácidos graxos e o acúmulo de triglicerídeos nos adipócitos.
Monofosfato-adenosina proteína quinase ativada (AMP-Q): O segundo mecanismo proposto envolve a inibição da via da 5’-monofosfato-adenosina proteína quinase, uma enzima ativada pela adenosina monofosfato (AMP), a qual, por sua vez, regula o metabolismo energético celular. Quando inibida, essa enzima ativa processos anabólicos e bloqueia catabólicos.
Há evidências de que a AMP-Q desempenha um importante papel na regulação do metabolismo de ácidos graxos e da glicose, assim como na regulação do apetite.
Esses pontos sugerem que a presença da microbiota pode suprimir a oxidação de ácidos graxos muscular graças a mecanismos que envolvem a inibição da AMP-Q, favorecendo, portanto, a adiposidade corporal e reação de resistência insulínica.
Eixo cérebro-intestinal: Esse mecanismo diz respeito à sensibilidade do epitélio intestinal a produtos bacterianos. A literatura atual refere-se ao impacto que a microbiota intestinal pode exercer no comportamento alimentar e no sistema nervoso central (SNC), influenciando a regulação central da saciedade.
O intestino humano é capaz de digerir fibras dietéticas devido, em grande parte, à síntese de enzimas ocorrida pela microbiota, o que permite a metabolização de polissacarídeos não digeríveis em monossacarídeos e AGCC – principalmente acetato, propionato e butirato.
Esses AGCC representam uma importante fonte de energia, favorecendo, assim, a adiposidade corporal. Eles ainda se difundem pelas células de forma passiva ou por transportadores da via do ácido monocarboxílico, podendo atuar como sinalizadores celulares.
Também existem outros efeitos indiretos que podem influenciar a motilidade intestinal e a produção de hormônios intestinais, apresentando um papel na regulação da saciedade. Os AGCC possuem a capacidade de se ligar a estes dois GPCRs:
· GPR41
· GPR43
Lipopolissacarídeos: As concentrações plasmáticas de LPS sofrem uma significativa influência da microbiota intestinal – especialmente as bactérias Gram-negativas. Afinal, elas apresentam em sua superfície celular os LPS; funcionando como antígenos, eles estimulam a respostaimune do hospedeiro.
A microbiota intestinal representa, assim, um grande depósito dessa endotoxina – principalmente em indivíduos cuja dieta tem um alto teor de gorduras. Esse padrão dietético pode afetar a permeabilidade intestinal por meio da secreção de mediadores, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-a), IL-1β, IL-4 e IL-13, bem como por intermédio de PAR-2 (receptor ativado por protease-2), que favorece a translocação de LPS para circulação.
Metabólitos microbianos: moduladores fisiológicos: Um papel fundamental para a microbiota intestinal é apoiar as funções fisiológicas diárias na digestão dos alimentos por meio de vários processos de fermentação em resposta à ingestão alimentar de substratos.
Alguns metabólitos podem até ser absorvidos diretamente na circulação do hospedeiro e servir como “hormônios” para órgãos distantes como locais de ação. Outros podem ser posteriormente metabolizados por enzimas hospedeiras semelhantes aos “pró-hormônios”, servindo como mediadores a jusante ou moléculas de sinalização.
Ácidos graxos de cadeia curta: efeitos fisiológicos: A fermentação anaeróbica de nutrientes não digeridos, como o amido resistente, a fibra dietética e vários polissacarídeos complexos, produz ácidos graxos que variam de uma a seis cadeias de carbono comumente referidas como AGCC.
Acetato, propionato e butirato são absorvidos ativa e passivamente no epitélio colônico para a veia porta
Enquanto fornecem de 5 a 10% da fonte de energia para o hospedeiro humano, os AGCCs servem como moléculas de sinalização, incluindo a modulação dos sistemas autônomos e da pressão arterial sistêmica, bem como as respostas inflamatórias e outras funções celulares.
Os AGCCs exibem uma ampla gama de funções fisiológicas. Apontaremos algumas delas a seguir:
· Inibição de histonas desacetilases (HDACS)
· Quimiotaxia e modulação de fagocitose
· Indução de espécies reativas de oxigênio
· Proliferação celular
· Alteração da integridade da barreira intestinal
E6. Ácidos biliares e modulação microbiana: efeitos fisiológicos: Os ácidos biliares facilitam a absorção da gordura da dieta e das moléculas solúveis em gordura. Vários desses ácidos podem regular o metabolismo de energia graças à ativação de receptores nucleares, como o receptor 1 de ácido biliar acoplado à proteína G (TGR5) e o receptor farnesóide X (FXR).
O FXR intestinal parece regular o colesterol hepático 7α-hidroxilase (CYP7A1), uma enzima que limita a velocidade da síntese de ácido biliar, por meio de um mecanismo dependente do fator de crescimento de fibroblastos 15 (FGF-15/19). Desse modo, os humanos produzem um grande pool de ácido biliar hidrofílico conjugado, sendo ele mantido graças ao antagonismo de feedback positivo de FXR no intestino e no fígado.
Enquanto isso, por intermédio da hidrólise de sais biliares e da 7α-desidroxilação do ácido biliar, a microbiota intestinal é capaz de produzir hormônios de ácidos biliares secundários que afetam a fisiologia do hospedeiro por agonismo de FXR no intestino e no fígado, resultando, assim, em um pool de ácido biliar hidrofóbico não conjugado menor.
Curiosamente, os ácidos biliares, como o ácido desoxicólico, podem servir como um agente antimicrobiano direto devido à sua hidrofobicidade e às propriedades detergentes nas membranas bacterianas. Portanto, existe um equilíbrio dinâmico entre o tamanho e a composição do pool dieta-microbioma intestinal-ácido biliar.
A hidrofilicidade do pool de ácidos biliares pode estar associada aos estados de doença, enquanto os níveis reduzidos desses ácidos no intestino podem estar ao crescimento excessivo de bactérias e inflamação.
E7. Modulação dietética de AGCC: As muitas ligações entre a comunidade microbiana intestinal alterada, os metabólitos e a suscetibilidade para DCV e doenças metabólicas colocaram um holofote no microbioma intestinal como um novo alvo potencial para a terapêutica. Atualmente, a modulação da dieta é a principal ferramenta terapêutica utilizada na prática clínica para impactar as doenças metabólicas crônicas.
Embora as interações com o estilo de vida possam impactar claramente a estrutura e a função da comunidade microbiana intestinal, poucos estudos exploram o impacto das intervenções dietéticas no microbioma intestinal em humanos. Os existentes sobre a dieta da microbiota intestinal em humanos geralmente observam efeitos modestos em curto prazo.
Verificando o Aprendizado
1.Considerando os conceitos de microbiota intestinal, analise as assertivas a seguir.
I. A microbiota intestinal pode ser vista como um órgão do corpo real que contribui para o bem-estar do organismo hospedeiro. Os trilhões de micróbios que colonizam o trato gastrointestinal influenciam processos locais e sistêmicos, como transformação de nutrientes, fornecimento de vitaminas, maturação da imunidade mucosa, comunicação intestino-cerebral e até progressão de tumor.
II. Como outros órgãos, o funcionamento adequado da microbiota intestinal depende de uma composição celular estável, que, no caso da microbiota humana, consiste principalmente de bactérias dos filos Bacteroidetes e Actinobacteria e, em menor extensão, Proteobacteria e Firmicutes.
Podemos afirmar que:
R: As afirmativas I e II estão corretas
· A microbiota intestinal saudável é fundamental para um adequado funcionamento do organismo. Dessa forma, ela é importante para a absorção de nutrientes, o fornecimento de vitaminas e a maturação da mucosa intestinal. É fundamental uma adequada colonização da mucosa com a maior proporção de Bacteroides e actinobactéria.
2. Considere os conceitos de microbiota intestinal e analise as assertivas a seguir.
I. A obesidade é caracterizada pela diminuição da diversidade microbiana e por uma sobrerrepresentação de Firmicutes. Uma proporção mais baixa de Bacteroidetes em relação a Firmicutes resulta em uma maior liberação de LPS na circulação.
II. Níveis mais altos de LPS contribuem para um estado de inflamação crônica de baixo grau que ocorre na obesidade.
Podemos afirmar que:
R: I e II estão corretas e a II é a causa da I.
· A obesidade é caracterizada pela colonização de Firmicutes que ocasionam uma maior liberação de LPS na circulação, o que gera, por sua vez, um maior estado inflamatório.

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