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Análises Bromatológicas e Toxicológicas Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Esp. Flávia Bonfim Lima Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Revisão Técnica: Prof. Everton Carlos Gomes Toxicologia Ocupacional, Social e Forense Toxicologia Ocupacional, Social e Forense • Apontar os principais agentes intoxicantes no âmbito social, destacando o impacto em Saú- de Pública e a relevância do conhecimento adquirido por meio da toxicologia para aplicação na área criminal e sua contribuição para a Sociedade; • Conhecer a importância de um profissional atuante na toxicologia. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Toxicologia Ocupacional; • Praguicidas; • Toxicologia Forense. UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense Toxicologia Ocupacional Uma área muito importante da toxicologia é a toxicologia ocupacional. Após vários casos de intoxicação e desastres em massa ao longo da História, associados à exposição no local de trabalho, atualmente, a toxicologia contribui fortemente no controle, no combate e na prevenção de acidentes no local de trabalho. Portanto, essa área é descrita com a área da toxicologia que trata da exposição a substâncias químicas no ambiente de trabalho, que podem provocar danos à saúde. Para entendermos a dimensão desse assunto, é necessário ter em mente que a toxicologia envolve a dose, a exposição e os efeitos. A partir daí, temos três pontos a serem abordados como pilares da toxicolo- gia ocupacional: Exposição ao xenobiótico Dose interna Efeitos Monitorização do ambiente Monitorização biológica Monitorização biológica e de efeitos Figura 1 Fonte: Adaptado de OGA, 2008 Monitoramento Ambiental Consiste na realização de medições e/ou observações específicas, dirigidas a alguns poucos indicadores e parâmetros, com a finalidade de verificar se determinados impac- tos ambientais estão ocorrendo, podendo ser dimensionada sua magnitude e avaliada a eficiência de eventuais medidas preventivas adotadas (BITAR; ORTEGA, 1998). No monitoramento ambiental, são determinadas as substâncias presentes para a avaliação de risco à saúde dos trabalhadores. Monitoramento Biológico Consiste na determinação de agentes e metabólitos presentes no ambiente e em diferentes matrizes biológicas, como pele, cabelo, secreções, fluídos corporais (sangue e urina). Esses parâmetros são definidos como indicadores biológicos. 8 9 Os métodos de monitoramento biológicos envolvem 3 fases: a determinação da substância química nos fluídos corporais, determinar o efeito associado com a dose e a determinação direta da dose com sítio de ação. A determinação da substância no sangue ou urina e nas secreções, basicamente, é feita por meio de Exames Laboratoriais, utilizando técnicas analíticas avançadas, como cromatografia gasosa acoplada ao espectrômetro de massas, e Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (HPLC) e espectrofotometria absorção atômica. Podem ser realizados testes de medição direta da substância ou indireta, que se dá por meio da detecção dos produtos de metabolismo da substância química. Esses dois tipos de medição são classificados como exames seletivos. Agora, vamos pensar no ambiente de trabalho: de que forma surgem as doenças ou intoxicações ocupacionais provocadas por agentes químicos? A princípio, elas podem acontecer desde o primeiro contato ou exposição do trabalhador ao agente químico. Claro que a questão é mais complexa, e envolve o processo de absorção, dose, frequência e o risco que a substância oferece. Figura 2 Fonte: Adaptado de eacoa.org | Gettty Images As condições oferecidas no local de trabalho, as vias de exposição e a forma de manuseio são fatores críticos, e as vias de absorção da substância vão influenciar nos efeitos que poderão ser locais ou sistêmicos, de curto, médio e longo prazo: Figura 3 Fonte: Adaptado de agricultura.rs.gov | Getty Images 9 UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense A norma brasileira que regulamenta os limites e as condições de exposição ocupa- cional é NR-15. Essa norma regulamentadora adota limites internacionais da American Conference of Governmental Industrial Hygenists (ACGIH). Caso os níveis de exposição ultrapassem os valores de limite de tolerância estabelecidos nessa norma, fica caracterizado como insalubridade. A frequência do monitoramento do ambiente de trabalho varia de acordo com a toxicidade das subs- tâncias manipuladas. Na publicação E-Facts 75 – Substâncias Perigosas e Comunicação Efetiva no Local de Trabalho, a Agência Europeia para Segurança e Saúde no Trabalho estabe- lece a seguinte Lista de Verificação para Informações aos Trabalhadores: • Avaliação de riscos do local de trabalho; • Identificação dos perigos do local de trabalho; • Identificação dos danos resultantes da exposição aos perigos existentes no local de trabalho; • Descrição das medidas preventivas para controle dos perigos relativas à toda a equipe; • Atividades para verificação e detecção de falhas e comunicação das mesmas; • Interpretação dos resultados de monitoramento de exposição ou vigilância da saúde; • Descrição das medidas preventivas e corretivas a serem tomadas nos trabalhos de manutenção; • Habilidade na prestação de primeiros socorros e procedimentos de emergência Fonte:fundacentro.gov.br). Concentração do agente químico 3 2 1 t1 t2 t3 Tempo Efeito de curto prazo Efeito de médio prazo Efeito de longo prazo = Acidentes = Doenças Figura 4 Fonte: Adpatado de fundacentro.gov 10 11 • Explique os pilares da toxicologia ocupacional; • Quais métodos analíticos são empregados no monitoramento biológico? • O que a NR-15 regulamenta? • Cite 4 itens da Lista de Verificação para Informações aos Trabalhadores; • Qual relação podemos estabelecer entre concentração de uma agente químico e o tempo de exposição? • O que diferencia a doença do acidente? A seguir, estão apresentados os principais agentes que devem ser monitorados no ambiente de trabalho. Praguicidas Inseticidas Organofosforados e Carbamatos Amplamente utilizados como praguicida agrícola. São ésteres amido ou tiol-deri- vados do ácido fosfórico e outros. São absorvidos pela pele, pelo trato respiratório e gastrointestinal, os solventes presentes na mistura favorecem a sua absorção. A maior taxa de absorção é pela pele e isso chama fortemente a atenção para as pessoas manipuladoras e para os aplicadores desse inseticida, que estão alta- mente expostos. Uma vez absorvido, tem sua atuação no Sistema Nervoso Central e se ligam à Acetilcolinesterase (AChe), impossibilitando-a de exercer sua função de hidrolisar o neurotransmissor acetilcolina em colina e ácido acético. Já os inseticidas carbamatos agem de modo semelhante, mas formam um com- plexo menos estável com a colinesterase, permitindo a recuperação da enzima mais rapidamente, ou seja, os organofosforados agem de forma irreversível enquanto os carbamatos agem de forma reversível sobre a ação da acetilcolinesterase. Inseticidas Organoclorados São moléculas pequenas. São conhecidos como estimulantes do SNC, causando hiperexcitabilidade. Parecem atuar nos canais de cálcio, alterando o fluxo de sódio (sensibilização do miocárdio). A absorção pode ocorrer pela pele, pela via respiratória e pelo trato gastrointestinal. Devido à sua característica altamente lipossolúvel, depositam-se no tecido adiposo. A eliminação se faz pela urina, cabendo destacar, também, a eliminação pelo leite materno. 11 UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense Piretroides São inseticidas sintéticos amplamente utilizados na lavoura. Apresentam diversos isômeros. Também atuam nos canais de sódio da membrana das células nervosas, alterando a despolarização e a condução do impulso nervoso (estimulam o SNC e, em doses altas, podem produzir lesões duradouras ou permanentes no Sistema Nervoso Periférico). De acordo com o Manual de Segurança em Controle Químico de Vetores (SUCEN), vejamos, a seguir, asespecificações quanto ao impacto dos praguicidas na saúde humana. Organoclorados Apresentam, dentre outros, efeito cancerígeno, mutagênico e neurotóxico. Nos casos agudos, atuam no Sistema Nervoso Central (SNC), impedindo a transmissão nervosa normal, resultando em alterações do comportamento, do equilíbrio, da ati- vidade da musculatura involuntária, distúrbios sensoriais e depressão dos centros vitais, particularmente, da respiração (afetam o equilíbrio sódio/potássio). Tem ação estimulante sobre as enzimas metabolizantes de drogas. Ao penetrarem no organismo, têm efeito cumulativo e se concentram nos tecidos adiposos, especial- mente no abdômen, cérebro e fígado. Organofosforados Todos os organofosforados agem como inibidores da enzima colinesterase, impedindo a atuação dela sobre a acetilcolina, provocando sérias consequências nos organismos animais. Os efeitos tóxicos dos organofosforados são devido ao grande acúmulo da acetil- colina nas terminações nervosas. A acetilcolina é um importante transmissor de impulsos nervosos, ou neurotransmissor. Em condições normais, o organismo a destrói, pela ação da colinesterase, quase instantaneamente à medida que ela vai sendo liberada, dando origem à colina e ao ácido acético. Uma vez em excesso, é intensamente prejudicial, já que o funcionamento de glân- dulas, músculos e do Sistema Nervoso (inclusive o cérebro) é alterado. Carbamatos Trabalhos experimentais mostraram que os carbamatos apresentam a dose eficaz mediana, ou dose que produz sinais clínicos em 50% dos animais de experiência, bem mais afastada da dose letal 50% (DL 50) do que os organofosforados. Com isso, embora as intoxicações possam ser igualmente graves, quando surgem os primeiros sintomas de intoxicação, a dose absorvida está bastante longe da dose letal, o que torna os carbamatos menos perigosos. 12 13 A recuperação começa em pouco tempo, já que eles são rapidamente metabolizados pelos organismos humanos e eliminados pela urina, não se acumulando no organismo. Os praguicidas carbamatos possuem, além da inibição reversível da acetilcolines- terase, outros efeitos bioquímicos e farmacológicos, incluindo um decréscimo de atividade metabólica do fígado, alterações dos níveis de serotonina no sangue e um decréscimo da atividade da glândula tireoide. Piretroides Os piretroides sintéticos atuam no Sistema Nervoso Central e Periférico, intera- gindo com os canais de sódio, tanto nos mamíferos quanto nos insetos. Em doses muito altas, despolarizam completamente a membrana da célula ner- vosa e bloqueiam a excitabilidade, podendo produzir danos permanentes ou durante um longo tempo nos nervos periféricos. Nas provas de Laboratório, verifica-se que os piretroides sintéticos são bastante tóxicos para peixes e artrópodes aquáticos, assim como para as abelhas, porém, na prática, os efeitos adversos são pequenos. Para pássaros, a toxicidade desses praguicidas é baixa. Os piretroides sintéticos são, geralmente, metabolizados no organismo dos mamíferos e excretados, não se acumulando nos tecidos. Agentes Metemoglobinizantes São substâncias capazes de atuar sobre as hemoglobinas, promovendo a oxidação do átomo de Fe2+ passando para Fe3+ Essa alteração leva à formação da Metemoglobina (MHb) que, por sua vez, não consegue se ligar ao oxigênio devido ao seu estado de oxidação. Mas é capaz de se ligar a ânions como fluoreto, cloreto e cianeto. Mecanismo Redutase NADH-dependente: A enzima NADH citocromo b5 redutase age como agente redutor. NADH + 2 cit.b5.Fe +++ * NAD+ + 2cit.b5.Fe ++ 2cit.b5.Fe ++ + HBFe+++ cit.b5.Fe +++ + HbFe++ *cit.b5 redutase Mecanismo Redutase NADH-dependente: NADH + Flavina NADP + Diidroflavina Diidroflavina + 2HBFe+++ Flavina + 2HB Fe++ Redutase NADPH-dependente Fonte: saúde.pr.gov A metemoglobinemia caracteriza-se quando mais que 1,5% da concentração de hemoglobina encontra-se na forma oxidada. Pode ser congênita ou adquirida e, na 13 UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense maioria das veze está associada à exposição a substâncias nitro e amino-aromáticas (OGA, 2008). Também é um indicador biológico ocupacional, apontando a exposição a diferen- tes agentes químicos metemoglobinizantes. Podem ser determinados os níveis de MHb e, na urina, os metabólitos do agente específico, por exemplo, a exposição ao nitrobenzeno. Podem ser detectados pela presença de p-nitrofenol na urina e MHb no sangue. A seguir, temos alguns dos principais agentes metemoglobinizantes: Tabela 1 Agente Fonte de exposição Anilina Corantes, praguicidas, fármacos Anisidina Azocorantes, guaiacol Cicloexalamina Borracha, praguicida e anticorrosivo em caldeiras Cloratos Fósforo, explosivos e pirotecnia Naftaleno Repelente de traças e baratas Nitrito de butila e isobutila Propelente para desodorantes de ambientes Nitroanilinas Corantes, antioxidantes Nitrobenzeno Derivados da celulose Produtos de combustão Gases de escapes de veículos Fonte: Adaptado de OGA, 2008 Gases Irritantes e Asfixiantes Os gases apresentam uma característica física particular que influencia diretamen- te na sua via de absorção metabolização e seus efeitos. Os gases, de forma geral, têm como principal via de absorção o trato respiratório, mas podem ser absorvidos pela pele e pela mucosa ocular. Figura 5 Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons 14 15 Os gases tóxicos são poluentes encontrados na atmosfera (naturalmente ou aci- dentalmente), que são capazes de causar algum tipo de efeito ou danos à saúde humana. São classificados em 3 tipos: irritantes, asfixiantes e anestésicos. Os gases irritantes são capazes de causar inflamação e irritação da mucosa do trato respiratório. Seus efeitos podem ser notados tanto no trato superior quanto no inferior, dependendo da natureza da substância, da dose e da frequência de exposição. Os gases irritantes primários também são classificados em primários ou secundários. Tabela 2 Tipo de gás irritante Descrição Exemplos Primário Têm sua ação localmente, em especial na via aérea superior Gás clorídrico, ácido sulfúrico, amônia, soda cáustica, formaldeído, anidrido sulfuroso, cloro ozônio, gases nitrosos, hidrazina, fosgênio Secundário Apresentam ação local nas vias aéreas superiores e inferiores e sistêmica. Gás sulfídrico Os gases asfixiantes são aqueles que provocam a deficiência ou a privação do organismo ao oxigênio, mesmo que a respiração não seja interrompida. Os principais sintomas da queda de tensão de oxigênio no organismo descritos são: dor de cabeça, náuseas, sonolência, convulsões, coma e até morte. No ambiente de trabalho, o risco da presença desse tipo de substância dependerá de fatores como concentração, índice respiratório, sensibilidade individual, toxi- cidade e tempo de exposição. Esses gases também são classificados em simples, que são os gases que causam asfixia por reduzir a concentração de oxigênio no ar que está sendo respirado, não apresentam nenhum tipo de ação fisiológica, apenas sobre a redução do oxigênio do ambiente. São eles: Hidrogênio, Nitrogênio, Hélio, Metano, Butano, Etano e Acetileno. Outra classificação é de gases químicos. Esses gases, sim, atuam sobre a fisiolo- gia humana, alterando o processo de transporte de oxigênio, e apresentam efeitos mesmo que em baixas quantidades no ambiente. São eles: monóxido de carbono, ácido cianídrico (cianeto) e anilina. Práticas diárias também podem colocar em risco a vida humana. Veja a notícia a seguir: Sem cheiro, gás que matou brasileiros no Chile leva à morte por asfixia. Disponível em: https://bit.ly/3hw1EoX 15 UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense • Com relação ao mecanismo de ação, qual a diferença entre os organofosforados e os organoclorados? • Qual o ponto em comum entre os cabamatos e os organofosforados e a diferença entre eles? • Qual o mecanismo de ação dos agentes metemoglobineizantes?• É possível monitorar biologicamente a exposição a um agente metemoglobineizante? Como? • Qual a diferença entre gases asfixiantes e irritantes? • Quais fatores influenciam no risco à exposição a gases asfixiantes no ambiente de trabalho? Metais Pesados O chumbo é um metal pesado amplamente encontrado na natureza. Está pre- sente na crosta terrestre, no ar, na água em plantas (por captação e incorporação) e no solo, quando contaminado geologicamente ou por ação do homem (LARINI; SALGADO; LEPERA, 1997). A forma de intoxicação mais comum pelo chumbo ocorre na forma crônica e, embora a intoxicação aguda seja muito perigosa, podendo levar a morte em 1 ou 2 dias, ela ocorre com menos frequência. (KLAASSEN, 1991). A exposição crônica ao chumbo leva a efeitos severos ao organismo, como danos ao Sistema Nervoso Central, ao Trato Gastrointestinal e ao Sistema Hematopoiético. A principal forma de contaminação com chumbo é por meio de atividades que envolvam direta ou indiretamente o uso desse metal e seus compostos derivados. Vejamos quais as possíveis fontes de exposição em ambiente ocupacional: Quadro 1 – Atividades envolvendo chumbo Medicina e Ciência Proteção contra raios X. Automóveis Material de revestimento e baterias. Elétrica Cabos revestidos e acumuladores elétricos. Construção Canos, soldas e lâminas. Plásticos Fabricação de PVC. Pigmentação Tintas, corantes, esmaltes e maquiagem. Fotografia Fotopolimerização e sensibilizador. Armamentos Munição e explosivos. Mineração Extração comercial de chumbo e lapidação de pedras preciosas. Pesca Chumbada de pesca. Fonte: saude.gov.br 16 17 A exposição de trabalhadores ao chumbo pode ser monitorada por meio de dois biomarcadores a atividade da Enzima Ácido δ-aminolevulínico Desidratase (ALA-D) no sangue e na concentração da protoporfinina, além da dosagem do chumbo no sangue. A Legislação brasileira (NR-15) adota como limite máximo de exposição ao chumbo em local de trabalho: a concentração de 100µg/m3 de ar. E a NR-7, Portaria nº 24, de 29/12/94, determina que seja feito monitoramento biológico dos trabalhadores expostos ao chumbo anualmente, e estabelece o limite máximo permitido de chumbo no sangue de trabalhadores: 60µg/dL. Na urina, a norma estabelece o chumbo urinário como bioindicador da exposição a chumbo tetraetila o valor máximo é de 50µg/g de creatinina. Para o ALA urinário, o valor é de 4,5 mg/g de creatinina. (CORDEIRO; LIMA FILHO; SALGADO, 1996). Uma vez que a atividade ocupacional é a fonte mais conhecida de exposição ao chumbo, estabelecer bioindicadores e limites é fundamental para garantir a segurança do trabalhador. A intoxicação por chumbo é conhecida também como saturnismo ou pumblinismo, pois, na Antiguidade, os romanos acreditavam que o deus Saturno havia concedido esse metal aos homens, e com ele os romanos construíram dutos, utensílios domés- ticos e adoçavam o vinho (acetato de chumbo). A intoxicação por chumbo se dá basicamente de duas formas, de acordo com o estado químico do metal. Na forma inorgânica, é absorvido, principalmente, por via respiratória e gastrointestinal. Inicialmente, encontra-se nos tecidos moles, mas depois é redistribuído para os- sos, dentes e cabelo. Na forma orgânica (tetraetila e tetrametila) é absorvido pela pele, pelo trato gas- trointestinal e pelos pulmões, em virtude de serem compostos lipossolúveis. Após serem absorvidos, são convertidos em chumbo inorgânico, o que aumenta ainda mais a sua toxicidade. A Linha de Burton e a cólica intestinal (púmblica) são sinais da intoxicação crônica por chumbo . Linha de Burton. Disponível em: https://bit.ly/3bXfmjh O mercúrio é um metal pesado que pode se apresentar em três formas quími- cas distintas. Sua absorção, bem como seus efeitos adversos no organismo, varia de acordo com a sua forma química: 17 UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense • Mercúrio metálico: encontra-se no estado líquido e volátil, capaz de produzir vapores inodoros e incolores à temperatura ambiente; • Mercúrio inorgânico: presente na forma de sais obtidos por meio de sua com- binação com outros elementos, como cloro, oxigênio e enxofre. Os sais mais comuns são o sulfeto de mercúrio (II), o cloreto de mercúrio (I e II) e o acetato de mercúrio (II); • Mercúrio orgânico: presente em compostos resultantes da combinação entre mercúrio e cadeias de carbono. Aqui, destaca-se o metilmercúrio, obtido por meio da biotransformação de mercúrio inorgânico por micro-organismos. A contaminação com mercúrio ocorre, principalmente, com a atividade laboral humana. A seguir, a lista de atividades que envolvem a manipulação do mercúrio e seus compostos que devem ser monitoradas de acordo com o Ministério da Saúde: Quadro 2 – Principais Aplicações e Fontes do Mercúrio Eletroeletrônica Lâmpadas fluorescentes e de vapor de mercúrio, pilhas, baterias e componentes elétricos. Metrologia Barômetros, higrômetros, termômetros e manômetros. Medicina Esfigmomanômetros, termômetros, amálgamas dentárias e con-servantes de vacinas (timerosal). Agricultura Agrotóxicos. Indústrias Petroquímica, Cloro-soda, Bélica, Papeleira e Farmacêutica. Atividades Extração de primária de mercúrio, Mineração de ouro e Geração de Energia (queima de combustíveis fósseis). Fonte: saude.gov.br Os níveis de exposição do mercúrio devem ser monitorados biologicamente a cada ano. A análise da urina e do sangue de acordo com a Norma Regulamentadora nº 7 – NR7, anteriormente a 30/12/94, estabelecia o valor de 50 µg/l de urina como ín- dice biológico máximo permitido de mercúrio inorgânico urinário e 10µg/l de urina como valor referência da normalidade (MT, 1978) e atualmente estabelece respecti- vamente os valores de 35 µg/l de creatinina e 5 µg/l de creatinina como valores de referência (MT, 1994)( GLINA et al., 1997). O Arsênio é outro metal que pode se apresentar de diferentes formas químicas (inorgânicas e orgânicas). No ambiente ocupacional, encontra-se empregado, principalmente, em raticidas, inseticidas e herbicidas, ou seja, produtos com finalidade agrícola. 18 19 Dependendo da sua forma química, pode ser absorvido via respiratória, via trato gastrointestinal, e extensão da absorção e dos efeitos variam muito de acordo com as características de cada composto. É capaz de causar intoxicações e deve ser monitorado. Uma longa exposição a compostos inorgânicos de arsênio, por meio da água de beber, pode conduzir a várias doenças, tais como: conjuntivite, hiperqueratose, hiperpigmentação, doenças cardio- vasculares, distúrbios no Sistema Nervoso Central e Vascular Periférico, câncer de pele e gangrena nos membros. O efeito tóxico das espécies de arsênio depende, prin- cipalmente, de sua forma química (BARRA et al., 2000). A presença e os níveis de arsênio são monitorados na urina por meio de espec- trofotometria de absorção atômica, sendo o valor máximo permitido do metal de 10µg/g de creatinina (OGA, 2008). Toxicologia Forense É a área da toxicologia que aborda a análise de agentes químicos intoxicantes empregados com finalidade criminal. A toxicologia forense tem sido uma ferramenta importante da elucidação de cri- mes investigados pela polícia em todo mundo. É responsabilidade do laboratório de análises toxicológicas forense: • O procedimento de perícia toxicológica em matrizes biológicas; • A execução da atividade de cadeia de custódia; • A execução de ações em etapas pré-analíticas, analíticas e pós-analíticas; • O procedimento da análise toxicológica em matrizes biológicas com objetivo forense; • O procedimento da interpretação do achado toxicológico; • A redação de laudos periciais; • A promoção de pareceres, procedimentos operacionais e relatórios afetos à toxicologia forense; • A execução de outras tarefas correlatas à ciência toxicológica de interesse forense. As análises toxicológicas forenses utilizam as mais modernas tecnologias para identificar e quantificar substâncias químicasem matrizes biológicas. São empregadas técnicas como cromatografia gasosa para detecção e quantifica- ção de etanol e outros voláteis, espectrofotometria de absorção atômica para metais pesados, Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (HPLC) para detecção e quanti- ficação de uso de drogas de abuso e medicamentos, e PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) para identificação de material genético. 19 UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense Esses métodos podem ser combinados entre si para atingirem um resultado mais específico, dependendo da complexidade da matriz biológica que, no caso de um homicídio, por exemplo, podem ser fios de cabelo, pelos, saliva, sangue (identifica- ção de DNA) conteúdo estomacal, urina, fezes e secreções. No caso de um estupro, pode ser analisada a presença de sêmen e o DNA desse material apontará a identidade do verdadeiro culpado. Desde a coleta da amostra na cena do crime ou no recebimento do material no Laboratório, existe uma cadeia de custódia que é respeitada, além de um fluxo pericial e analítico, que garantem a veracidade e a confiabilidade dos resultados obtidos nas análises apresentados no laudo pericial que, por sua vez, irá compor processos como prova ou evidência que serão partes fundamentais na resolução de casos criminais ou civis. Figura 6 Fonte: Gerry Images • Qual a forma de exposição ao chumbo mais comum e a mais perigosa? Por quê? • Por quais vias o chumbo pode ser absorvido? • Qual o biomarcador para monitoramento de exposição de trabalhadores ao chumbo? • Quais são as responsabilidades da toxicologia forense, e qual a importância para a sociedade? • O mercúrio pode ser monitorado biologicamente? Se sim, de que forma? 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Fundamentos de toxicologia OGA, S.; CAMARGO, M. M. de A.; BATISTUZZO, J. A. de O. Fundamentos de toxicologia. São Paulo: Atheneu, 2008. Cap. 3 . Toxicologia social OGA, S.; CAMARGO, M. M. de A.; BATISTUZZO, J. A. de O. Toxicologia social. São Paulo: Atheneu, 2008. Cap. 4 . Leitura Aspectos Toxicológicos do Chumbo SHIFFER, S. T.; JUNIOR, B. S.; MONTANO, E. A. M. Aspectos Toxicológicos do Chumbo, Infarma, Brasília, v.17, n. 5/6, p. 67-72, 2005. https://bit.ly/32xRDU0 Portaria 71, de 29 de maio de 1996 AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Portaria 71, de 29 de maio de 1996. Estabelece os parâmetros máximos de chumbo em tinturas de cabelo e corantes orgânicos. https://bit.ly/2E8xdYk 21 UNIDADE Toxicologia Ocupacional, Social e Forense Referências AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Portaria 71 de 29 de maio de 1996. Estabelece os parâmetros máximos de chumbo em tinturas de cabelo e corantes orgânicos. 1996. BARRA, C. M. et al. Especiação de Arsênio – Uma revisão. Quím. Nova, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 58-70, fev. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422000000100012&lng=en&nrm=iso>. BITAR, O. Y. Avaliação da recuperação de áreas degradadas por mineração na RMSP. 1997. 193 p. Tese (Doutorado em. Engenharia) – Universidade de São Paulo/ Departamento de Engenharia de Minas, Escola Politécnica. São Paulo, 1997. BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção à saúde dos trabalhadores expostos ao chumbo metálico. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. ________. Ministério da Saúde. Câncer relacionado ao trabalho: leucemia mie- lóide aguda – síndrome mielodisplásica decorrente da exposição ao benzeno. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. ________. Ministério da Saúde. Norma de vigilância da saúde dos trabalhadores expostos ao benzeno. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. ________. Ministério da Saúde. Vigilância do câncer ocupacional e ambiental. Rio de Janeiro: INCA, 2010. ________. Ministério do Meio Ambiente. Mercúrio. 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Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1997000 200015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22/03/2020. KLAASSEN, C. D. Metais Pesados e seus Antagonistas. In: GILMAN, A. Goodman et al. As bases farmacológicas da terapêutica. 8.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. p.1061-65. 22 23 LARINI, L.; SALGADO, P. E. de T.; LEPERA, J. S. Metais. In: LARINI, L. Toxico- logia. 3. ed. São Paulo: Manole, 1997. p. 131-135. OGA, S.; CAMARGO, M. M. de A.; BATISTUZZO, J. A. de O. Fundamentos de toxicologia. São Paulo: Atheneu, 2008. SHIFFER, S. T.; JUNIOR, B. S.; MONTANO, E. A. M. Aspectos Toxicológicos do Chumbo, Infarma, Brasília, v. 17, n. 5/6, p. 67-72, 2005. SILVA R. R.; BRANCO, C. J.; THOMAZ, T. M. S, Cesar A. Convenção de Mina- mata: análise dos impactos socioambientais de uma solução em longo prazo. Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 41, n. especial, p. 50-62, jun. 2017. 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