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Farmacologia Introdução à Farmacologia Do grego, estudo (logos) da droga (pharmakon). Pode ser definida como o estudo dos fármacos no funcionamento de sistemas vivos. Fármaco Pode ser definido como uma substância química de estrutura conhecida, que não seja um nutriente ou um ingrediente essencial da dieta, o qual, quando administrado a um organismo vivo, produz um efeito biológico. Podem ser sintéticos ou obtidos a partir de plantas/animais ou de produtos de engenharia genética. Um medicamento é uma preparação química que, em geral, contém um ou mais fármacos, administrado com a intenção de produzir determinado efeito terapêutico. Os medicamentos geralmente contêm outras substâncias (excipientes, conservantes, solventes etc.) ao lado do fármaco ativo, a fim de tornar seu uso mais conveniente. História da farmacologia 1805: Friedrich Serturner (boticário alemão) purifica a morfina a partir do ópio – o aperfeiçoamento inicial da química foi a purificação de compostos ativos de plantas. 1847: Rudolf Buchheim cria o primeiro instituto de farmacologia na Estônia. 1858: Virchow propõe a teoria celular. 1878: Pasteur propõe a bactéria como causa de doenças. Séculos XX e XXI O início da química sintética começa a revolucionar a indústria farmacêutica. Barbitúricos e anestésicos locais começam a aparecer. 1909: Paul Ehrlich inicia a era da quimioterapia antimicrobiana com compostos arsenicais para tratamento de sífilis. 1935: Gerhard Domagk descobre os primeiros fármacos antimicrobianos, as sulfonamidas, e Chain Florey desenvolve a penicilina a partir dos trabalhos de Fleming. Cada nova classe de fármacos que apareceu trouxe aos farmacologistas um novo desafio, e foi então que a farmacologia realmente estabeleceu sua identidade e seu status entre as ciências biomédicas. Princípios terapêuticos alternativos Outros procedimentos terapêuticos, como cirurgia, dietas, exercícios, tratamentos psicológicos etc., também são importantes, bem como o não intervencionismo intencional, mas nenhuma é tão largamente aplicada quanto a terapia baseada em fármacos. Biotecnologia Desde os anos 1980, a biotecnologia surgiu como importante fonte de novos agentes terapêuticos na forma de anticorpos, enzimas e várias proteínas reguladoras, incluindo hormônios, fatores de crescimento e citocinas. A farmacologia atual A especialidade agora é definida mais por seu objetivo – entender o que os fármacos fazem aos organismos vivos e, mais particularmente, como seus efeitos podem ser aplicados à terapêutica – do que por sua coerência científica. Definições • Dose: é a quantidade do medicamento que é capaz de promover o efeito terapêutico esperado; • Dose letal: é a quantidade do medicamento capaz de promover a morte do indivíduo; • Dosagem: inclui, além da dose, a frequência de administração e a duração do tratamento; • Posologia: é o estudo da dosagem de um medicamento; • Dose efetiva média (DE50): é a dose capaz de promover o efeito terapêutico em 50% dos indivíduos; • Dose letal média (DE50): é a dose capaz de promover a letalidade em 50% dos indivíduos; • Índice terapêutico (IT): é definido pela relação entre DL50/DE50; • Pró-fármaco: é aquele que precisa ser transformado no organismo para promover o efeito terapêutico; • Placebo: substância com efeito apenas psicológico; • Nome químico: é o nome que indica a estrutura química do fármaco; • Nome comercial: é o nome que identifica o medicamento comercialmente; • Medicamento de referência: foi o primeiro a ser desenvolvido. Foi patenteado; • Medicamento genérico: passa por teste. Identificado pelo princípio ativo. Intercambiável; • Medicamento similar: não passa por todos os testes. Tem nome comercial. Não intercambiável. A forma farmacêutica é a maneira como os medicamentos são preparados, apresentados e consequentemente comercializados e utilizados. Podem ser preparações: • Líquidas: soluções, suspensões, emulsões, xaropes, elixires, loções; • Pastosas: geleias, cremes, pomadas, unguentos, pastas; • Sólidas: comprimidos, drágeas, cásulas, pílulas, supositórios, óvulos e velas. Vias de administração A administração enteral (entero = intestino) é aquela que passa pelo intestino, podendo ser via oral ou retal. A parenteral não passa pelo intestino, podendo ser respiratória, tópica ou injetável. As vias injetáveis podem ser intramuscular, subcutânea ou intravenosa. Administração oral A maioria dos fármacos são administrados pela boca e deglutidos, sendo absorvidos apenas no intestino. Outros, no entanto, podem ser aplicados na mucosa bucal ou debaixo da língua e absorvidos diretamente na boca. O mecanismo de absorção é por transferência passiva a uma velocidade que é determinada pela ionização e lipossolubilidade das moléculas do fármaco. Existem alguns fatores que podem afetar a absorção gastrointestinal: • Conteúdo intestinal; • Motilidade gastrointestinal; • Fluxo sanguíneo esplâncnico; • Tamanho da partícula e formulação; • Fatores físico-químicos, incluindo algumas interações entre fármacos. A influência da alimentação altera tanto o conteúdo intestinal quanto o fluxo de sangue esplâncnico. A motilidade intestinal tem grande efeito, pois se houver estase gástrica, retarda a absorção dos fármacos. Em alguns casos ocorre aumento do esvaziamento gástrico, o que também pode comprometer a absorção. A ingestão de fármacos após as refeições, geralmente, reduz a sua absorção, uma vez que ele demora a chegar ao intestino. Além disso, a formulação pode exercer uma grande diferença na absorção do fármaco, bem como o tamanho das partículas. Os produtos terapêuticos são formulados farmaceuticamente de modo a produzir as características de absorção desejadas. As cápsulas podem ser projetadas para permanecer intactas por algumas horas após a ingestão para retardar a absorção; os comprimidos podem ter um revestimento resistente para produzir o mesmo efeito. Em alguns casos, faz-se uma mistura de partículas de liberação lenta e rápida na mesma cápsula, a fim de promover uma absorção rápida, mas sustentada. Sistemas farmacêuticos mais elaborados incluem diversas preparações de liberação modificada que tornam possível administração menos frequente. Tais preparações não somente aumentam o intervalo entre as doses, como também reduzem os efeitos adversos relacionados com os altos picos de concentração plasmática após a administração de uma formulação convencional. Fatores físico-químicos compreendem a interação com outras substâncias, o pH e ação de enzimas digestórias, que pode reduzir ou impedir a absorção do fármaco. Para chegar à circulação sistêmica, o fármaco precisar, além de atravessar barreiras locais como a mucosa intestinal, também vencer a sucessão de enzimas que podem inativa-lo na parede intestinal e no fígado, referido como efeito de primeira passagem. O termo biodisponibilidade é usado para indicar a fração (F) de uma dose oral que chega à circulação sistêmica na forma de fármaco intacto, levando em consideração tanto a absorção quanto a degradação metabólica total. A biodisponibilidade não é uma característica estrita ao fármaco, podendo ser influenciada por diversos fatores: variações na atividade enzimática da parede intestinal ou do fígado, no pH gástrico ou na motilidade intestinal. A F de voluntários sadios pode ser substancialmente diferente do valor estipulado em pacientes com doenças do sistema gastrointestinal ou circulatório. Administração retal A administração retal é usada para fármacos que devem produzir um efeito local ou efeitos sistêmicos. A absorção após a administração retal geralmente não é confiável, mas pode ser útil em pacientes em quadro emético (vômitos)ou incapazes de tomar medicamento por via oral. Pode ser utilizado também em pacientes com quadro epilético, nos quais o acesso venoso torna-se difícil. Vantagens Desvantagens Administração em pacientes inconscientes, nauseados ou com vômito Absorção incompleta Irritação da mucosa retal Administração cutânea A administração cutânea é usada quando é necessário um efeito local na pele. No entanto, pode haver absorção apreciável, causando efeitos sistêmicos. A maioria dos fármacos é muito pouco absorvida pela pele intacta. Análogos de alguns hormônios peptídicos como, por exemplo, do ADH ou do GRH são aplicados através de spray nasal, assim como a calcitonina. Acredita-se que a absorção ocorra através da mucosa que recobre o tecido linfoide nasal. Muitos fármacos são aplicados na forma de colírio, dependendo da absorção através do epitélio do saco conjuntival para produzir seus efeitos. Efeitos locais desejáveis podem ser alcançados sem causar efeitos colaterais sistêmicos, embora possa ocorrer certa absorção sistêmica. Administração por inalação A via inalatória é usada para os anestésicos voláteis e gasosos, servindo o pulmão tanto como via de administração quanto de eliminação. A troca rápida resultante da grande área e do fluxo sanguíneo possibilita a obtenção de ajustes rápidos na concentração plasmática. Fármacos utilizados pelos seus efeitos nos pulmões também são administrados por inalação, geralmente na forma de aerossol, a fim de alcançar altas concentrações locais e minimizando os efeitos adversos sistêmicos. Administração por injeção As principais vias de administração parenteral são a intravenosa, a subcutânea e a intramuscular. A absorção a partir dos tecidos subcutâneos e intramusculares ocorre por difusão simples ao longo do gradiente existente entre o depósito de fármaco e o plasma. Os fatores limitantes da absorção são anulados pela injeção intravenosa dos fármacos em solução aquosa, porque a biodisponibilidade é completa e rápida. Além disso, a liberação do fármaco é controlada e assegurada com precisão e rapidez, o que não é possível por qualquer outra via. O paciente pode ter reações indesejáveis porque o fármaco pode atingir rapidamente concentrações altas no plasma e nos tecidos. Contudo, existem situações terapêuticas nas quais é aconselhável administrar um fármaco por injeção rápida e outras circunstâncias nas quais se recomenda a administração mais lenta, ambas exigem monitoração cuidadosa da resposta do paciente. Além disso, depois da injeção do fármaco, geralmente não há como retirá-lo. As injeções intravenosas repetidas dependem da possibilidade de manter uma veia desobstruída. Fármacos dissolvidos em veículos oleosos, compostos que se precipitam no sangue ou hemolisam eritrócitos, e combinações de fármacos que formam precipitados, não devem ser administrados por via intravenosa. A injeção por via subcutânea pode ser realizada apenas com os fármacos que não causam irritação dos tecidos; caso contrário, pode provocar dor intensa, necrose e descamação dos tecidos. Em geral, a taxa de absorção após a injeção subcutânea de um fármaco é suficientemente constante e lenta para produzir um efeito prolongado. Os fármacos em solução aquosa são absorvidos muito rapidamente após a injeção intramuscular, mas isto depende da taxa de fluxo sanguíneo no local da injeção. A absorção pode ser modulada até certo ponto pelo aquecimento local, pela massagem ou exercício. Farmacocinética A farmacocinética pode ser definida como a medida e a interpretação formal de alterações temporais nas concentrações de um fármaco em uma ou mais regiões do organismo em relação à dose administrada (“o que o organismo faz com o fármaco”). Isso a distingue da farmacodinâmica (“o que o fármaco faz com o organismo”; ou seja, eventos consequentes à interação do fármaco com o seu receptor e outros pontos primários de ação). A evolução temporal da concentração de um fármaco após a sua administração depende dos processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção. As características de um fármaco que preveem seu transporte e sua disponibilidade nos locais de ação são: peso molecular e a conformação estrutural, o grau de ionização, a lipossolubilidade relativa dos seus compostos ionizados e não ionizados, que se ligam às proteínas séricas e teciduais. Absorção e distribuição de fármacos Os processos físicos de difusão, passagem através de membranas, ligação a proteínas plasmáticas e partição entre o tecido adiposo e outros tecidos são a base da absorção e distribuição dos fármacos. A disponibilização de um fármaco é dividida em quatro estágios: • Absorção a partir do local de administração; • Distribuição pelo organismo; • Metabolização; • Eliminação. Translocação das moléculas do fármaco As moléculas do fármaco movem-se pelo organismo de duas maneiras: fluxo de massa (pelos fluidos corporais) e difusão (molécula a molécula, cobrindo distâncias curtas). A natureza química de um fármaco não importa para sua transferência por fluxo de massa. O sistema cardiovascular proporciona um sistema rápido de distribuição a longa distância. Por outro lado, as características de difusão diferem muito entre os diversos fármacos. Em particular, a capacidade de atravessar barreiras hidrofóbicas é fortemente influenciada pela lipossolubilidade. É o movimento entre os compartimentos, geralmente envolvendo a passagem por barreiras não aquosas, que determina onde e por quanto tempo um fármaco estará presente no organismo depois de administrado. Movimento das moléculas dos fármacos através das barreiras celulares Uma barreira epitelial, como a mucosa gastrointestinal ou o túbulo renal, consiste em uma camada de células estreitamente conectadas, de modo que as moléculas devem atravessar pelo menos duas membranas celulares (a interna e a externa) para passar de um lado para o outro. A disposição anatômica e a permeabilidade do endotélio vascular (a camada celular que separa os compartimentos intra e extravascular) variam entre tecidos. As fendas entre as células endoteliais estão preenchidas com uma matriz proteica frouxa que atua como um filtro, retendo moléculas grandes e possibilitando a passagem de moléculas menores. Em alguns órgãos, especialmente no sistema nervoso central (SNC) e na placenta, existem junções oclusivas entre as células, e o endotélio está envolto por uma camada impermeável de células periendoteliais (pericitos). Essas características evitam que moléculas potencialmente perigosas penetrem no cérebro ou no feto, e têm consequências importantes para a distribuição e atividade dos fármacos. As moléculas pequenas atravessam as membranas celulares de quatro maneiras principais: • Por difusão direta através dos lipídeos; • Combinando-se com um transportador de soluto ou outro transportador de membrana; • Por difusão através de poros aquosos formados por proteínas especiais (aquaporinas) que atravessam os lipídeos – especialmente importante para a transferência de gases; • Por pinocitose – envolve a invaginação de parte da membrana celular e a captação de uma pequena vesícula com conteúdos extracelulares. Dessas vias, a difusão através de lipídeos e o transporte mediado por transportadores são particularmente importantes com relação aos mecanismos farmacocinéticos. Difusão lipídica As moléculas apolares (nas quais os elétrons estão distribuídos uniformemente) dissolvem-se livremente na camada lipídica da membrana, difundindo-se prontamente através das membranas celulares. As moléculas permeantes devem estar presentes em número suficiente na membrana e ser móveis dentro dela para que ocorra uma passagem rápida. Muitas característicasfarmacocinéticas de um fármaco – como a velocidade de absorção pelo intestino, a penetração em diferentes tecidos e a extensão da eliminação renal – podem ser previstas através do conhecimento da solubilidade lipídica do fármaco. Alguns exemplos são gases (oxigênio e carbônico), anestésicos, sedativos, tranquilizantes, narcóticos, antibióticos, alcaloides, organofosforados e hormônios. Transporte mediado por transportadores Muitas membranas celulares apresentam mecanismos especializados de transporte que regulam a entrada e a saída de moléculas fisiologicamente importantes, tais como açúcares, aminoácidos, neurotransmissores e íons metálicos. São divididos de modo amplo em transportadores carreadores solúveis e transportadores cassetes de ligação ao ATP. Os primeiros facilitam a movimentação passiva de solutos a favor de seu gradiente eletroquímico, enquanto os últimos são bombas ativas movidas por ATP. Transportadores de cátions e ânions orgânicos estão amplamente distribuídos e muitos efeitos farmacológicos resultam de interferências em sua atuação. Os principais locais em que esses transportadores são expressos, e o transporte de fármacos mediado por transportadores é importante, são: • A barreira hematoencefálica; • O TGI; • O túbulo renal; • O trato biliar; • A placenta. Difusão através de poros aquosos Água, íons, moléculas polares e moléculas apolares de baixo peso molecular podem difundir pela membrana através de poros. É influenciada por uma combinação de fatores: • Pressão hidrostática; • Força eletrostática; • Osmose; • Gradiente de concentração. Distribuição dos fármacos Depois da absorção ou administração sistêmica na corrente sanguínea, o fármaco distribui-se para os líquidos intersticiais e intracelulares. Esse processo depende de alguns fatores fisiológicos e das propriedades físico- químicas específicas de cada fármaco. Débito cardíaco, fluxo sanguíneo regional, permeabilidade capilar e volume tecidual determinam a taxa de liberação e a quantidade potencial do fármaco distribuído aos tecidos. Inicialmente, o fígado, os rins, o cérebro e outros órgãos bem irrigados recebem a maior parte do fármaco; a liberação aos músculos, à maioria das vísceras, à pele e aos tecidos adiposos é mais lenta e esta segunda fase de distribuição pode demorar de alguns minutos a várias horas, antes que a concentração do fármaco nos tecidos esteja em equilíbrio com o nível sanguíneo. Com exceção do cérebro e alguns outros órgãos, a difusão do fármaco para o líquido intersticial ocorre de modo rápido, tendo em vista a natureza altamente permeável da membrana endotelial dos capilares. A lipossolubilidade e os gradientes de pH transmembrana são determinantes importantes dessa captação para os fármacos que são ácidos ou bases fracas. O determinante mais importante do fracionamento entre o sangue e os tecidos é a ligação relativa do fármaco às proteínas plasmáticas e macromoléculas teciduais, que limita a concentração do fármaco livre. Proteínas plasmáticas Alguns fármacos circulam na corrente sanguínea ligados às proteínas plasmáticas. A albumina é o principal carreador dos fármacos ácidos, enquanto a glicoproteína ácida a1 liga-se aos fármacos básicos. Além da ligação dos fármacos às proteínas carreadoras como a albumina, alguns compostos podem ligar-se às proteínas que funcionam como carreadoras de hormônios específicos, por exemplo, a ligação do estrogênio ou da testosterona à globulina de ligação dos hormônios sexuais, ou a ligação do hormônio da tireoide à globulina de ligação da tiroxina. Ligação aos tecidos Alguns fármacos acumulam-se nos tecidos em concentrações mais altas do que as detectadas nos líquidos extracelulares e no sangue. Essa acumulação pode ser atribuída ao transporte ativo ou, mais comumente, à ligação tecidual. Uma fração expressiva do fármaco no corpo pode estar ligada dessa forma e funciona como reservatório, que prolonga a ação do fármaco nesse mesmo tecido ou em locais distantes, depois do transporte pela circulação sanguínea. Essa ligação e acumulação teciduais também podem causar efeitos tóxicos locais. Muitos fármacos lipossolúveis são armazenados por solubilização física na gordura neutra. O tecido adiposo é um reservatório muito estável, porque sua irrigação sanguínea é relativamente escassa. Outros fármacos (alguns antibióticos), por sua vez, podem acumular-se nos ossos por adsorção à superfície dos cristais ósseos e por incorporação final à sua estrutura cristalina. Os ossos podem tornar-se reservatórios para a liberação lenta de agentes tóxicos como chumbo ou rádio para o sangue; por esta razão, os efeitos desses tóxicos podem persistir por muito tempo depois de cessada a exposição. Por outro lado, a adsorção do fármaco à superfície do cristal ósseo e sua incorporação à estrutura cristalina são vantagens terapêuticas nos pacientes com osteoporose. Os fosfonatos como o etidronato de sódio ligam-se fi rmemente aos cristais de hidroxiapatita da matriz óssea mineralizada. Contudo, ao contrário dos fosfonatos naturais, o etidronato é resistente à degradação pelas pirofosfatases e, desta forma, estabiliza a matriz óssea. Redistribuição A cessação do efeito farmacológico depois da interrupção do uso de um fármaco em geral ocorre por metabolismo e excreção, mas também pode ser causada pela redistribuição do fármaco do seu local de ação para outros tecidos ou locais. SNC e líquido cerebrospinal A distribuição dos fármacos do sangue para o SNC tem características peculiares. Uma das razões para isso é que as células endoteliais dos capilares cerebrais têm junções de oclusão contínuas; por esta razão, a penetração do fármaco no cérebro depende do transporte transcelular, em vez da transferência paracelular. As características peculiares das células endoteliais dos capilares cerebrais e das células gliais pericapilares constituem a barreira hematencefálica. No plexo coroide, existe uma barreira semelhante entre o sangue e o líquido cerebrospinal, com exceção de que as células epiteliais é que estão ligadas por junções de oclusão, em vez das células endoteliais. Por essa razão, a lipossolubilidade das formas não ionizada e livre de um fármaco é um determinante importante da sua captação pelo cérebro; quanto mais lipofílica for a substância, maior a probabilidade de que a barreira seja atravessada. Por exemplo, os chamados anti-histamínicos de segunda geração como a loratadina atingem concentrações cerebrais muito menores do que fármacos como a difenidramina e, por esta razão, não causam efeitos sedativos. Transferência placentária dos fármacos A transferência dos fármacos pela placenta tem importância fundamental, porque alguns compostos podem causar anomalias no desenvolvimento do feto. A lipossolubilidade, a extensão da ligação plasmática e o grau de ionização dos ácidos e das bases fracas são determinantes gerais importantes da transferência dos fármacos pela placenta. Metabolismo e eliminação de fármacos A eliminação de um fármaco representa sua exclusão irreversível do corpo. Ela ocorre por meio de dois processos: metabolismo e eliminação. O metabolismo consiste em anabolismo e catabolismo; isto é, de construção e degradação de substâncias, respectivamente, pela conversão enzimática de uma entidade química em outra dentro do organismo, enquanto a eliminação consiste na saída do fármaco ou seus metabólitos do organismo. As principais vias de excreção são: • Rins; • Sistema hepatobiliar; • Pulmões (importante para anestésicos voláteis/gasosos). A maior parte dos fármacos deixa o organismo pela urina, inalterados ou na forma de metabólitos polares. Alguns fármacos são secretados na bile através do fígado, masa maioria deles é reabsorvida no intestino. No entanto, há ocasiões em que a perda pelas fezes é responsável pela eliminação de uma fração substancial do fármaco inalterado em indivíduos sadios, e a eliminação fecal de fármacos como a digoxina, normalmente pela urina, torna-se progressivamente mais importante em pacientes com insuficiência renal em evolução. A eliminação pelos pulmões ocorre apenas com agentes altamente voláteis ou gasosos. Alguns fármacos também são eliminados em pequenas quantidades em secreções como o leite ou o suor. A eliminação por essas vias é quantitativamente desprezível, se comparada com a eliminação renal, mas a eliminação pelo leite pode ser importante pelos efeitos no lactente. Metabolismo dos fármacos O metabolismo dos fármacos envolve dois tipos de reação, conhecidos como de fase 1 e fase 2, que ocorrem de modo sequencial com frequência. Ambas as fases diminuem a lipossolubilidade, aumentando, assim, a eliminação renal. Reações de fase 1 São catabólicas – oxidação, redução ou hidrólise – e seus produtos geralmente são quimicamente mais reativos – ainda mais tóxicos ou carcinogênicos que o fármaco original. As reações de fase 1 normalmente introduzem na molécula um grupo reativo, como o grupo hidroxila – funcionalização. O fígado é especialmente importante nas reações da fase 1. Muitas enzimas hepáticas que metabolizam fármacos, incluindo as enzimas CYP, estão inseridas no REL. Sistema mono-oxigenase P450 As enzimas do citocromo P450 são hemeproteínas abrangendo uma grande família de enzimas relacionadas, mas distintas (cada uma chamada de CYP, seguida por um conjunto de números e uma letra). Elas se diferenciam entre si pela sequência de aminoácidos, sensibilidade a inibidores e agentes indutores e na especificidade das reações que catalisam. As principais famílias de enzimas envolvidas no metabolismo de fármacos pelo fígado humano são: CYP1, CYP2 e CYP3. O mecanismo envolve um ciclo complexo, mas o resultado da reação é bem simples; ou seja, a adição de um átomo de oxigênio (do oxigênio molecular) ao fármaco para formar um produto hidroxilado (FOH), enquanto o outro átomo de oxigênio é convertido em água. Reações de fase 2 São sintéticas (anabólicas) – conjugação –, geralmente resultando em produtos inativos. As reações de fase 1 preparam o xenobióticos para a reação de fase 2, adicionando a ele um grupo hidroxil, tiol ou amino, o que o deixa susceptível a sofrer conjugação. O grupo químico inserido pode ser glicuronil, sulfato, metilo ou acetilo. A glutationa conjuga fármacos ou os seus metabólitos da fase 1 através do seu grupo sulfídrico. A glicuronidação envolve a formação de um composto de fosfato de alta energia, o ácido uridinadifosfato glicurônico (UDPGA), a partir do qual o ácido glicurônico é transferido para um átomo rico em elétrons – N, O ou S – no substrato, formando uma ligação amina, éster ou tiol. A UDP, que catalisa essas reações, tem especificidade para um amplo espectro de fármacos. Nas reações de acetilação e metilação, a acetil-CoA e a S-adenosil metionina, respectivamente, atuam como compostos doadores. Indução x inibição do P450 Os inibidores do P450 diferem em sua seletividade para as diversas isoformas da enzima, sendo classificados pelo seu mecanismo de ação: competição pelo ponto ativo, mas não é substrato para ele; inibição não competitiva reversível; e inibição por ligação covalente, causando destruição da enzima. Outros fármacos, por sua vez, aumentam a atividade dos sistemas microssômicos de oxidação e conjugação quando administrados repetidamente. Esse efeito é denominado indução, e é resultante da síntese aumentada e/ou redução da destruição das enzimas microssômicas. A indução enzimática pode aumentar a toxicidade e a capacidade carcinogênica de um fármaco, pois diversos metabólitos da fase 1 são tóxicos ou carcinogênicos. Ela pode, no entanto, ser explorada terapeuticamente, como na administração de fenobarbital em bebês prematuros de modo a induzir a glucoronil transferase para, desse modo, aumentar a conjugação da bilirrubina e reduzir o risco de lesão neurológica dos gânglios basais pela bilirrubina. Inibidores Indutores Inseticidas organofosforados Barbitúricos Tetracloreto de carbono Fenitoína Ozônio Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (benzopireno) Monóxido de carbono Hidrocarbonetos halogenados (DDT) Cimetidina Nicotina Omeprazol Etanol (ingestão crônica) Primeira passagem (metabolismo pré- sistêmico) Alguns fármacos são eliminados com tanta eficácia pelo fígado ou parede intestinal, que a quantidade que chega à circulação sistêmica é consideravelmente menor que a absorvida. A isso se chama metabolismo pré-sistêmico (ou de primeira passagem), que reduz a biodisponibilidade do fármaco, mesmo quando ele é bem absorvido no intestino. Isso torna necessária a administração de uma dose muito maior oralmente do que seria necessário por via parenteral. Além disso, ocorrem acentuadas variações individuais na extensão do metabolismo de primeira passagem, tanto na atividade das enzimas metabolizadoras de fármacos como na variação do fluxo sanguíneo hepático. Metabólitos farmacologicamente ativos Em alguns casos, um fármaco somente se torna farmacologicamente ativo depois de metabolizado – pró-fármacos. Eliminação dos fármacos Os fármacos são eliminados pelo processo de excreção sem qualquer alteração, ou são convertidos em metabólitos. Com exceção dos pulmões, os órgãos excretores eliminam mais eficazmente os compostos polares do que as substâncias altamente lipossolúveis. Por essa razão, os fármacos lipossolúveis não são facilmente eliminados até que sejam metabolizados em compostos mais polares. O rim é o órgão mais importante para a excreção dos fármacos e seus metabólitos. As substâncias excretadas nas fezes são predominantemente fármacos ingeridos por via oral que não foram absorvidos, ou metabólitos dos fármacos excretados na bile ou secretados diretamente no trato intestinal e que não foram reabsorvidos. A excreção dos fármacos no leite materno é importante, não por causa das quantidades eliminadas, mas porque as substâncias excretadas podem causar efeitos farmacológicos indesejáveis na amamentação do lactente. A excreção pulmonar é importante principalmente para a eliminação dos gases anestésicos. A excreção dos fármacos pelo suor, pela saliva e lágrimas é quantitativamente desprezível. A eliminação por essas vias depende principalmente da difusão da forma lipossolúvel não ionizada dos fármacos pelas células epiteliais das glândulas e depende do pH. Eliminação biliar e circulação entero- hepática As células hepáticas transferem diversas substâncias, inclusive fármacos, do plasma para a bile por meio de sistemas de transporte semelhantes aos do túbulo renal, incluindo transportadores de cátions e de ânions orgânicos e glicoproteínas P. Alguns compostos de fármacos hidrofílicos – glicuronídeos – ficam concentrados na bile e são enviados para o intestino, em que o glicuronídeo pode ser hidrolisado, regenerando o fármaco ativo; o fármaco pode então ser reabsorvido e o ciclo repete-se, em um processo denominado circulação entero-hepática. O resultado é um “reservatório” de fármaco recirculante que pode representar até cerca de 20% do total de fármaco presente no organismo, prolongando sua ação. Eliminação renal de fármacos e seus metabólitos Três processos fundamentais são responsáveis pela eliminação renal dos fármacos: • Filtração glomerular; • Secreção tubular ativa; • Reabsorção tubular passiva (difusão pelo fluido tubular concentrado e reabsorção pelo epitélio tubular). Filtração glomerular Os capilares glomerularespossibilitam que moléculas de fármacos com peso molecular baixo se difundam para o filtrado glomerular. Esses capilares são quase completamente impermeáveis à albumina plasmática, mas a maioria dos fármacos – com exceção de macromoléculas como a heparina ou produtos biológicos – cruza a barreira livremente. Se um fármaco se liga à albumina plasmática, apenas o fármaco livre é filtrado. Secreção tubular A fração do fármaco que chega ao rim passa para os capilares peritubulares do túbulo proximal, onde as moléculas dos fármacos são transferidas para o lúmen tubular por dois sistemas de transportadores independentes e relativamente não seletivos: o transportador de ânions orgânicos – fármacos ácidos em sua forma aniônica negativa – e o transportador de cátions orgânicos – bases orgânicas na forma protonada catiônica. Os transportadores OAT podem mover moléculas de fármacos contra gradiente eletroquímico e, consequentemente, reduzir a concentração plasmática praticamente a zero; enquanto os OCTs facilitam o transporte a favor do gradiente eletroquímico. Como pelo menos 80% do fármaco que chega aos rins é apresentado ao transportador, a secreção tubular é potencialmente o mecanismo mais efetivo de eliminação renal de fármacos. Muitos fármacos competem pelo mesmo sistema de transporte, levando a interações medicamentosas. Como exemplo, a probenecida foi desenvolvida originariamente para prolongar a ação da penicilina, por retardo de sua secreção tubular. Difusão através do túbulo renal A água é reabsorvida conforme o líquido atravessa o túbulo e, por isso, o volume de urina produzida é de aproximadamente 1% do volume do filtrado glomerular. Se o túbulo for livremente permeável às moléculas do fármaco, aproximadamente 99% do fármaco será reabsorvido passivamente a favor do gradiente de concentração resultante. Consequentemente, a eliminação dos fármacos lipossolúveis é mínima, enquanto fármacos polares, cuja permeabilidade tubular é baixa, permanecem na luz do túbulo, tornando-se progressivamente mais concentrados à medida que a água é reabsorvida.
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