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Leticia Frei 1. Definição É uma doença inflamatória crônica, caracterizada por infiltração de células como linfócitos, mastócitos, eosinófilos e hiper responsividade das vias aéreas inferiores, associada a limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento. Manifesta-se por episodio recorrentes de Sibilancia, dispneia, aperto no peito e tosse, particularmente a noite ou pela manhã, ao acordar. Resultam de interação complexa entre genética, exposição ambiental e outros fatores específicos que levam ao desenvolvimento e manutenção dos sintomas. 2. Faixas etárias de maior frequência Maior prevalência em crianças de 6 a 7 anos e de 13 a 14 anos. 3. Fisiopatologia A inflamação de vias aéreas é a principal característica da asma. As alterações anatomopatológicas incluem: infiltração das vias aéreas por células inflamatórias mononucleares (principalmente linfócitos T CD4), eosinófilos, macrófagos e neutrófilos. Além dos eosinófilos, linfócitos T CD4 do tipo Th2 contribuem para a resposta inflamatória, e provavelmente para o remodelamento brônquico, a produção de citocinas. Outras células podem produzir citocinas, como células epiteliais, células musculares lisas e fibroblastos. Além disso, complementa a resposta inflamatória com os componentes humorais, através da indução de produção de imunoglobulina E (IgE). A sinalização, através da produção de mediadores pró-inflamatórios pelos linfócitos T CD4 do tipo Th2 e interleucinas, é fundamental para haver a presença de eosinófilos nas vias aéreas (mobilização, ativação e recrutamento). Uma vez recrutados eosinófilos para o trato respiratório, ocorre secreção de inúmeros fatores: proteína catiônica eosinofílica (ECP), peroxidase eosinofílica, (TGF)a, (TGF)b, GM-CSF, IL-4, IL-5, IL-13, quemoquinas como RANTES (célula T normal e secretada com ativação regulada), eotaxina e fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF). Todos esses fatores podem levar à hiper-responsividade das vias aéreas; hipertrofia da musculatura lisa brônquica; transformação de fibroblastos em miofibroblastos, que, por sua vez, produzem colágeno; deposição de colágeno subepitelial dos tipos I, III e V, além de fibronectina e tenascina; hiperplasia e metaplasia das células caliciformes produtoras de muco (que leva a mais obstrução em vias aéreas); proliferação aumentada de vasos e nervos; maior permeabilidade desses vasos e consequente edema. Por fim, todas essas alterações levam ao remodelamento brônquico, que pode fazer com que a parede das vias aéreas varie, em espessura, de 10 a 300% do nível considerado normal. Mas o quadro preocupante com relação ao remodelamento brônquico, além de ricas e detalhadas descrições anatomopatológicas, é a evidência de que indivíduos asmáticos não fumantes apresentam progressiva deterioração da função pulmonar, quando comparados aos controles, não asmáticos e também não fumantes. Estudo epidemiológico longitudinal durante 15 anos de acompanhamento, incluindo 17.506 indivíduos, dentre os quais 1.095 com diagnóstico de asma, evidenciaram que, entre os asmáticos, o declínio de VEF1 (volume Leticia Frei expiratório forçado no primeiro segundo) era de 38 mL por ano, se comparado com 22 mL por ano nos indivíduos sem a doença (p < 0,001). Esse declínio apresentava-se ainda maior se o grupo de pacientes fosse de asmáticos fumantes (p < 0,01). Outro estudo refere que o declínio de VEF1 em asmáticos não fumantes pode variar entre 5 e 25 mL por ano. 4. Fatores ligados ao hospedeiros e fatores ligados ao ambiente. Exposição domiciliar: -Acaros -Antigenos de gato, cachorro e barata -Roedores -Fungos. Exposição ambiental: -Poluição atmosférica -Exposição ao tabagismo -Exposição relacionada ao trabalho Comorbidades: -Rinite alérgica e rinossinusite crônica com ou sem polipose nasal -Apneia obstrutiva do sono -Discinesia de cordas vocais -Disfunção respiratória -Doença do refluxo gastroesofagico -Obesidade -Ansiedade e depressão 5. Fenotipos mais comuns. Fenotipagem: O termo fenotipo refere-se as caracteristicas observaveis de um organismo, resultantes da interação de seu genotipo com o ambiente. Endotipo: Fenotipo molecular, para que um endotipo tenha utilidade clinica esse deve ser caracterizado pelas seguintes caracteristicas: mecanismo moledcular plausivel; estabilidade longitudinal; correlação com desfechos clinicos relevantes; associação a um biomarcador que caracterize essa via fisiopatologica e que possa ser mensurado na pratica; e resposta a terapeutica alvo. O endotipo mais bem caracterizado é o perfil T2 alto, resultante das interações das imunidades adaptativa e inata. O endotipo T2 alto é caracterizado por elevada expressão de IL-4, IL-5 e IL-13, eosinofilia em vias areas e sangue, disfunção do epitelio das vias aereas e produção de IgE no fenotipo alergico. Já em T2 baixo, é caracterizado pela ausencia de resposta inflamatoria T2 alta. O endotipo T2 baixo inclui a asma neutrofilica e a paucigranulocitica. Asma grave eosinofilica alergica: Pacientes com asma eosinofilica alergica são atopicos com obstrução variavel ao fluxo aereo e resposta broncodilatora. Leticia Frei Na fora grave da asma, apresentam exacerbações frequentes e a resposta a CI em dose alta, com ou sem uso de corticoide oral, nem sempre é satisfatoria, podendo a reversibilidade ao fluxo aereo ser incompleta. Esse fenotipo deve ser confirmado por documentação objetiva de atopia (teste cutaneo por pontura e/ou IgE especifica no sangue periferico), do aumento do percentual de eosinofilos no escarro induzido (> 2-3%)e/ou sangue periferico (> 150 CELULAS/uL.). Asma grave eosinofilica não alergica: Pacientes, tem asma de inicio tardio associada a inflamação eosinofilica, mas não a atopia. Predomina no sexo feminino e em asmaticos com rinossinusites cronica com ou sem polipose nasal e/ou obesidade. Tendem a apresentar limitações mais grave ao fluxo aereo, exacerbações frequentes e menor resposta aos corticoides. O fenotipo da asma grave eosinofilica não alergica é confirmado pelo aumento percentual de eosinofilos no escarro induzido ( > 2-3%) ou de sangue periferico (>150 celulas/uL) na ausencia de parametros para atopia. Asma grave não eosinofilica: Em geral, a doença é de inicio tardio, bastante sintomatica, sem atopia, frequentemente associada a obesidade e responde mal aos corticoides. A prevalencia dos fenotipos da asma grave não eosinofilica varia entre 30% e 50%. Asma neutrofilica: Envolve as imunidade inata e adaptativa. O diagnostico de asma neutrofilica é comprovado pelo escarro induzido em mais de uma ocasião, confirmandoausencia de eosinofilia e presença de nuetrofilia (>40-70%). O escarro induzido comumente associado a infecções respiratorias frequentes, tabagismo, exposição a poluentes ambientais ou ocupacionais e, em alguns casos, ao tratamento cronico com corticoides. Asma paucigranulocitica: É infrequente. O diagnostico é feito pela ausencia de eosinofilia e neutrofilia no escarro induzido. Não exclui inflamação das vias aereas, já que esse fenotipo é acompanhado de hipertrofia das musculatura lisa, remodelamento, hiperplasia de celulas caliciformes e HRB. 6. Diagnostico clinico e funcional Leticia Frei Diagnostico clinico: A presença de dispneia, tosse crônica, Sibilancia, aperto no peito e/ou desconforto torácico, com ocorrência, particularmente a noite ou nas primeiras horas da manhã, de forma episódica e que melhora espontaneamente ou após uso de broncodilatadores. Critérios funcionais: O diasgnostico pela espirometria baseia-se na presença de obstrução das vias aéreas caracterizada pela redução do VEF1 (inferior a 80% do previsto) e da relação VEF1/CVF inferior a 75% em adultos e 86% em crianças, que desaparece ou melhora significativamenteapós uso de beta-2 de curta duração (aumento de 7% do VEF1, em relação ao valor previsto e 200ml em valor absoluto). O aumento do VEF1 de 20% em relação ao basal e mais que 250ml em valor absoluto, espontaneamente no decorrer do tempo ou após uso de corticosteroides (30 a 40mg/dia via oral, por 2 semanas), também é considerado um critério diagnostico. A variação diurna exagerada do pico do fluxo expiratório (PFE), caracterizada por diferença percentual média maior que 20% entre a maior de três medidas do PFE, efetuadas pela manhã e a noite, em um período de 2 a 3 semanas, assim como o aumento de 20% em adultos e 30% em crianças do PFE 15 minutos após o uso de beta- 2 de curta duração, também são indicativos de asma. Leticia Frei Em indivudos sintomáticos com espirometria normal e ausência de reversibilidade demonstrável ao uso de broncodilatador, o diagnostico pode ser confirmado pela demonstração de hiper-responsividade das vias aeres pelo teste de broncoprovocação com agentes broncoconstritores (metacolina, histamina, carbacol) ou com exercício. 1 – Quando os sintomas variam ao longo do tempo e há variação do fluxo aéreo devemos confirmar o diagnóstico de asma e reavaliar tratamento. 2- Quando os sintomas variam ao longo do tempo , mas não há variação de fluxo aéreo devemos considerar repetir a espirometria sem uso de broncodilatador prévio (4 horas para SABA , 24 horas para CI + LABA 2 vezes por dia e 36 horas para CI + LABA quando uso 1x por dia) ou durante sintomas. Avaliar a variabilidade do VEF1 e da prova broncodilatadora entre uma visita e outra e caso mantenham-se inalterados avaliar outro diagnóstico. Caso seja verificada variabiliadade avaliar o VEF1. Caso VEF1 > 70% do predito considere realizar step down das medicações e reveja em 2-4 semanas podendo-se ainda repetir mais uma vez a espirometria ou realizar teste de broncoprovocação. Caso VEF1 < 70% do predito considere step up por 3 meses e reacesse os sintomas e função pulmonar novamente. Caso não apresente melhora retorne o tratamento inicial e siga investigação em relação a outros diagnósticos diferenciais. 3- Pacientes com poucos sintomas associado espirometria normal e sem limitação variável ao fluxo aéreo considere repetir a espirometria com prova broncodilatadora com a retirada da medicação conforme indicação acima ou realize durante os sintomas. Caso normal considere outro diagnóstico. Podemos ainda considerar realizar step down e reavaliar. Caso após step dowm os sintomas apareçam e a função pulmonar revele parâmetros em queda teremos asma confirmada e indica-se realizar step up até a menor dose possível para controle de sintomas. Caso não apresente melhora dos sintomas e nem piora dos parâmetros espirométricos após step down considere retirar tratamento e acompanhe o paciente por pelo menos 12 meses. 4- Caso o paciente mesmo em uso de tratamento contínuo ainda apresente sintomas e limitação de fluxo aéreo persistente considere step up inicialmente e reacesse em 3 meses. Caso não apresente resposta retorne a investigação de diagnósticos diferenciais principalmente asthma COPD overlap (ACO – síndrome de sobreposição asma – DPOC). 7. Diagnostico diferencial -Anel vascular -Fistula traqueoesofagica -Incoordenação da deglutição -Bronquiolites -Massas mediastinais -Discinesia da laringe -Obstrução alta das vias aéreas -Doença respiratória crônica da prematuridade -Sindrome de hiperventilação -Fibrose cística -Doença pulmonar obstrutiva crônica -Insuficiencia cardíaca congestiva -Obstrução mecânica das vias aéreas por processo maligno ou benigno -Embolia pulmonar -Vasculites: Churg-Strauss, poliarterite nodosa (PAN) e granulomatose de Wegener. -Disfunção de cordas vocais -Sindrome carcinoide -Apneia obstrutiva do sono Leticia Frei -Aspergilose broncopulmonar -Infecções virais e bacterianas -Bronquiectasias -Alveolite alérgica extrínseca ou pneumonite por hipersensibilidade. 8. Controle da asma: medidas para controle, níveis de controle. Os fatores que influenciam a resposta ao tratamento da asma incluem: diagnóstico incorreto; falta de adesão; uso de drogas que podem diminuir a resposta ao tratamento (anti-inflamatórios não esteroidais e β- bloqueadores); exposição domiciliar (por exemplo, poeira ou fumaça); exposição ocupacional; tabagismo; e outras comorbidades. Por isso, recomenda-se que, antes de qualquer modificação no tratamento da asma em pacientes com asma parcialmente ou não controlada, esses fatores que influenciam o controle da asma devam ser verificados. 9. Tratamento medicamentoso. Etapas (steps). Estratégias step-up, step-down. Pela nova diretriz da GINA 2022 - Todos os pacientes devem receber corticoide (anti-Inflamatório esteroidal) desde o tratamento inicial. Os corticosteroides inalatórios (CI) são os mais eficazes anti- inflamatórios para tratar asma crônica sintomática, em adultos e crianças. É recomendada a administração de CI em aerossol dosimétrico com espaçador. O ajuste da terapêutica visa o uso das menores doses necessárias para a obtenção do controle da doença, com isso reduzindo o potencial de efeitos adversos e os custos. Leticia Frei Estratégia step-up, step-down para o tratamento é feito passo a passo. Inicia pela etapa 1, reavalia, e conforme a asma vai progredindo nas exacerbações, a etapa evolui (sobe uma etapa) e maior será o uso de medicamento, ex: da etapa 2 vai para a 3. Quando os sintomas da asma tenham sido controlados e a função pulmonar esteja estabilizada por 3 meses ou mais, deve diminuir a etapa com menos medicação. Tratamento farmacológico: As recomendações atuais de tratamento da asma grave incluem como tratamento preferencial doses altas de Corticoide inalatório + LABA (Agonista dos receptores beta2-adrenérgicos de ação longa). No caso de pacientes não controlado pode-se associar LAMA (inibidores da acetilcolina) e/ou imunobiológico. LAMA= brometo de tiotropio. Imunobiologicos: Leticia Frei - Por segurança, a GINA não recomenda mais o tratamento da asma em adultos e adolescentes apenas com SABA (β2-agonista de curta duração). Todos os adultos e adolescentes com asma devem receber tratamento de controle contendo CI para reduzir o risco de exacerbações graves e controlar os sintomas. O controlador contendo ICS pode ser fornecido com tratamento diário regular ou, na asma leve, com ICS-formoterol conforme necessário tomado sempre que necessário para alívio dos sintomas. - A linha 1, na qual o alívio é ICS-formoterol em dose baixa, é a abordagem preferencial recomendada pela GINA. Quando um paciente em qualquer etapa apresenta sintomas de asma, eles usam ICS-formoterol em baixa dose, conforme necessário, para alívio dos sintomas. Nas etapas 3–5, eles também tomam ICS-formoterol como tratamento diário regular. Essa abordagem é preferida porque reduz o risco de exacerbações graves em comparação com o uso de um analgésico SABA, com controle de sintomas semelhante. - A Faixa 2, na qual o alívio é um SABA, é uma alternativa se a Faixa 1 não for possível, ou se o paciente estiver estável, com boa adesão e sem exacerbações no último ano em sua terapia atual. Na Etapa 1, o paciente toma um SABA e um ICS de baixa dose juntos para alívio dos sintomas (em combinação ou com o ICS tomado logo após o SABA). Nas etapas 2 a 5, o alívio é um SABA. Antes de considerar um analgésico SABA, considere se é provável que o paciente seja aderente à terapia controladora contendo CI, caso contrário, eles estariam em maior risco de exacerbações. -Para adultos e adolescentes, o tratamento preferencial da Etapa 3 é a dose baixa de ICS-formoterol como terapia de manutenção e alívio (MART). Isso reduz o risco de exacerbações graves em comparação com o controlador ICS-LABA de manutenção mais o SABA conforme necessário, com controle de sintomassemelhante Leticia Frei ou melhor. Se necessário, a dose de manutenção de ICS-formoterol pode ser aumentada para média (ou seja, Etapa 4). O MART também é uma opção de tratamento preferencial para crianças de 6 a 11 anos. - Outras opções da etapa 3 para adultos, adolescentes e crianças incluem ICS-LABA de manutenção mais SABA conforme necessário ou, para crianças de 6 a 11 anos, dose media de CI mais SABA conforme necessário. Tratamento não farmacológico: -Termoplastia brônquica: através de uma broncoscopia, uma cateter é inserido nas vias aéreas, gerando energia por radiofrequencia e aquecendo as paredes brônquicas de maneira controlada. Redução da musculatura lisa. -Atividade física. OBS: -Pacientes com diagnostico ou suspeita de asma grave devem ser encaminhados para um especialista. -Adesão ao tratamento e técnica inalatória adequadas devem ser verificadas em todas as consultas. -Comorbidades e exposições ambientais/ocupações que possam piorar o controle da asma devem ser investigadas e, se presentes, devem ser eliminadas ou minimizadas. -Deve ser considerado como asmático grave o paciente que necessita tratamento com corticoide inalatório em dose alta (budesonida >1.600 ug ou seu equivalente) associado a LAVA e/ou LAMA e/ou antileucotrienos e/ou corticoide oral para manter o controle ou que ainda assim permaneça não controlado, devido sua gravidade intrínseca. -A adição de brometo de tiotropio ao tratamento de asma grave esta indicada preferencialmente antes do uso de imunobiológicos. -Pacientes com diagnostico confirmado de asma grave com indicação de tratamento com imunobiológicos devem ser fenotipados. -Quando disponível, a analise de escarro induzido deve ser realizada para fenotipar a asma grave. -A dosagem de sangue periférico deve ser utilizada para a fenotipagem da asma grave na indisponibilidade da analise de eosinofilos de escarro induzidos. -A dosagem de IgE especifica e/ou teste por puntura devem ser utilizados para a fenotipagem em todos os pacientes com asma grave. Leticia Frei -O valor da IgE serica total deve ser utilizado para o calculo da dose de omalizumabe mas não para a fenotipagem ou o acompanhamento do tratamento. -Não se recomenda o uso de rotina de FeNO para fenotipagem ou como estratégia de manejo da asma grave. -A escolha do imunobiológico deve ser baseada no fenótipo e no acesso ao medicamento. -A avaliação da resposta ao tratamento deve ser objetiva, utilizando como parâmetros o controle da asma, a redução de exarcerbações e a redução da dose de corticoides. -Para pacientes respondedores o tratamento deve ser mantido por tempo indeterminado.