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EDUCAÇÃO E TRABALHO AULA 4 Prof. Rui Valese 2 CONVERSA INICIAL Como você já deve ter percebido, primeiramente começamos com alguns fundamentos que consideramos importantíssimos no estudo desta disciplina. Em seguida, tratamos de alguns aspectos mais gerais, indo do macro para o micro. A partir dessa unidade, nosso foco é como a educação se desenvolveu no Brasil, desde a chegada dos portugueses, e como ela se vinculou com o sistema produtivo vigente em alguns períodos. Assim, iniciaremos pelo ensino jesuíta e a transmissão dos valores da metrópole aqui na colônia. Em seguida, veremos como as reformas pombalinas desmontaram o sistema educacional vigente até meados do século XVIII e as dificuldades encontradas a partir de então para a implantação de um novo modelo, apesar de a legislação ser mais avançada do que as políticas públicas implementadas. Veremos, também, como no Império deu-se a formação da classe dirigente, a educação ofertada na República Velha e as mudanças implementadas por Vargas na educação a partir da Revolução de 1930 e do Estado Novo. Começaremos abordando o contexto histórico e a forma como a produção estava organizada para, na sequência, tratarmos da educação e de como esta se relacionava com o mundo do trabalho. TEMA 1 – EDUCAÇÃO E TRABALHO NA COLÔNIA PORTUGUESA Para tratarmos do ensino jesuítico no Brasil do Período Colonial e suas vinculações com o mundo do trabalho, antes faremos uma contextualização econômica, política e social. Da mesma forma, diferenciaremos o modelo de colonização implementado pelos portugueses daquele adotado pelos anglo- saxões nas Treze Colônias, principalmente as do Norte. Tradicionalmente, a historiografia caracteriza as colônias portuguesas e espanholas como colônias de exploração, e as colônias anglo-saxãs de colônias de povoamento. Por colônias de exploração entende-se o processo cujo principal objetivo do colonizador é extrair as riquezas de determinada região e levar para a sua metrópole. Para alcançar esse objetivo, é estabelecida uma estrutura econômica baseada na grande propriedade, na mão de obra escrava e na monocultura exportadora. No caso da colonização portuguesa, inicialmente tentou-se a escravização dos povos originários. Porém, por razões econômicas de maior lucratividade, por conta do comércio de escravos trazidos da África, a 3 escravização dos povos originários não foi a principal mão de obra utilizada nas atividades econômicas do período colonial. Se, inicialmente, a exploração era muito mais extrativista – extração do pau-brasil –, a partir de meados do século XVI os portugueses iniciaram o cultivo da cana-de-açúcar em grandes propriedades, principalmente nas regiões Nordeste e Sudeste, indo do Rio Grande do Norte até São Paulo, e esta constituiu-se, até meados do século XVII, na principal atividade econômica desenvolvida pelos colonos portugueses. Já as colônias de povoamento têm por objetivo a fixação dos colonizadores em determinada área e fazê-la prosperar. Nesse tipo de colonização até há trabalho escravo, mas, não é predominante. As propriedades são menores, há uma variação de culturas e o objetivo da produção, primeiramente, é abastecer o mercado interno. São incentivados o comércio e os serviços. Nessas colônias, a educação é valorizada, pois o desenvolvimento intelectual, econômico e político é alcançado por meio da formação. A partir da segunda metade do século XVII, o cultivo da cana-de-açúcar aconteceu simultaneamente à extração do ouro, que se constituiu na principal atividade econômica realizada, principalmente, na região dos atuais estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Para administrar a exploração de ouro e de pedras preciosas, a Coroa precisou estabelecer toda uma estrutura administrativa para garantir a cobrança de impostas e taxas, além de quantidade significativa de ouro que deveria ser enviada para a Metrópole. Nesse modelo de organização econômica, política e social, as necessidades de mão de obra qualificada eram mínimas, sendo, portanto, dispensada a necessidade de escolas de formação profissional. No entanto, a educação oferecida pelos jesuítas atendia a certas demandas, não necessariamente da colonização, mas vinculadas ao que acontecera na Europa. Estamos falando da Reforma Protestante iniciada por Matinho Lutero, no início do século XVI, e da Contrarreforma católica, iniciada em meados do mesmo século. Assim, a vinda dos jesuítas juntamente com os primeiros colonos portugueses (1549) estava conforme o projeto da Contrarreforma, de combater o avanço protestante, converter os povos originários e os povos africanos ao catolicismo. Assim, a missão jesuítica começou com as escolas de ler e escrever em Salvador (1549) e com as escolas elementares. Mais especificamente, a educação jesuítica na colônia portuguesa tinha os seguintes objetivos: catequizar os povos originários, educar os filhos dos 4 colonos, formar sacerdotes para dar continuidade ao projeto missionário, constituir uma elite intelectual para administrar tanto os negócios da família quanto o projeto de colonização português e controlar a fé e a moral dos colonos. Desta forma, cumpria os mesmos objetivos da educação praticada na Europa quanto ao distanciamento em relação ao mundo do trabalho, cumprindo um currículo extremamente tradicional e conservador do status quo. Observemos que, durante quase trezentos anos, as duas principais atividades econômicas desenvolvidas na colônia portuguesa – plantação de cana-de-açúcar e extração de minério – requeriam pouca qualificação profissional. Assim, o modelo econômico, social e político aqui implantado tornava praticamente desnecessária uma educação voltada para a qualificação profissional. Apesar de serem formados pelas regras da Ratio Studiorum, os jesuítas acabaram por realizar algumas adaptações, como aprender a falar o tupi, a fim de facilitar a aproximação e o trabalho missionário junto aos povos originários. Em determinado momento, o tupi chegou a ser proibido pelas autoridades portuguesas, pois estas não dominavam a língua e entendiam que isso dificultava o sistema de vigilância e controle na colônia. Por meio de teatro, música e poesia, os jesuítas atraíam as crianças, ante a resistência dos adultos. Mesmo que a mão de obra escrava fosse privilegiada, muitos colonos utilizavam povos originários como escravos também. Diferentemente da escravidão africana, sobre a qual os religiosos faziam vistas grossas e até viam como benéfica para os escravos, a escravização dos povos originários foi condenada e combatida pelos religiosos. Uma das formas de combate foi a criação das reduções ou missões – aldeamentos para fugir da perseguição dos bandeirantes, além de serem uma fonte de renda dos jesuítas, tanto portugueses, quanto espanhóis. As missões jesuíticas foram estabelecidas no norte do Brasil, ao longo das margens do Rio Amazonas, Rio Madeira, Rio Paraná e onde hoje está a fronteira entre Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. Nas reduções havia algumas oficinas de instrumentos musicais e esculturas. Havia uma divisão por gênero das atividades ali desenvolvidas. A educação estabelecida nas missões tinha por objetivo formar para as virtudes cristãs. Mas, em paralelo, havia o desenvolvimento de atividades práticas, como o cultivo de hortas por meio das quais acontecia a aprendizagem de técnicas agrícolas. 5 Por fim, nesse processo de educação jesuítica, cabe destacar o choque entre a cultura europeia e a dos povos nativos, provocado pela primeira. Desde cedo as crianças eram ensinadas a ler e escrever o Espanhol, o Latim e o próprio Guarani ou Tupi. Aprendiam canto e música europeia, além dos valores e da moral cristã. Aos poucos, a cultura originária ia sendo expulsa e, em seu lugar, introjetada a culturaeuropeia. TEMA 2 – AS REFORMAS POMBALINAS Até meados do século XVIII, toda a educação desenvolvida na colônia portuguesa era feita pelos religiosos jesuítas. Com as mudanças que começam a acontecer na Europa na mesma época, esse poder passa a ser questionado e, com a ascensão do Marquês de Pombal como secretário de Estado do rei D. José I (1750-1777), os jesuítas foram expulsos das colônias portuguesas. Consequentemente, todo o sistema educacional foi desmontado e, até que se colocasse algo em seu lugar, foram alguns anos. Antes de refletirmos sobre esse período, vejamos alguns acontecimentos que estavam agitando a Europa e que teriam reflexos em outros continentes. No século XVIII, a Europa vivia a consolidação do absolutismo e do mercantilismo. O primeiro se caracterizava pela afirmação dos monarcas como chefes de estado, com poderes ilimitados. Tal condição havia sido possível uma vez que três classes sociais que poderiam lhe fazer oposição, necessitavam de seu apoio para as suas demandas específicas. Os senhores feudais e a nobreza estavam com problemas financeiros por conta das constantes guerras e até mesmo das Cruzadas. Já a burguesia, apesar de sua riqueza, não tinha status social reconhecido e, ao mesmo tempo, dependia dos reis para que liberassem e/ou facilitassem a atividade comercial. Por fim, os servos necessitavam da proteção dos reis para se protegerem de alguns senhores feudais. Nesse contexto, principalmente o crescimento da burguesia colocaria em xeque a antiga organização e alguns dos valores sobre os quais esta estava assentada. Tanto na Europa quanto nas colônias o monopólio jesuítico e religioso impedia o avanço científico na educação. Essa ainda era muito tradicional e se inspirava na divisão medieval – Trivium e Quadrivium. Tal educação ainda estava direcionada a poucas pessoas das classes dirigentes. Já nas colônias, a sociedade ainda era predominantemente agrária exportadora e escravagista, excluindo negros, mulheres e “mestiços” da 6 educação. Nessa questão, é interessante nos determos sobre um fato que ficou conhecido como a “Questão dos moços pardos”, acontecido na Bahia em 1689. Durante o período colonial, segundo Leite (1945), aos moços pardos eram permitidos frequentar as escolas elementares, onde aprendiam a ler, escrever, contar, e também a doutrina cristã. Porém, não podiam frequentar as escolas superiores, muito menos a formação destinada à formação de religiosos. Ou seja, para eles, a educação quando era destinada, era apenas a elementar. Nada além de uma educação que possibilitasse alguma forma de ascensão social. Já os filhos dos grandes proprietários poderiam, inclusive, ir estudar na Europa – Portugal e França, principalmente. Segundo Santos, “Os motivos invocados para a proibição foram: a falta de perseverança; os maus costumes; as arruaças; a ‘limpeza de sangue’ e a intolerância por parte dos brancos”. (2015, p. 6). No entanto, até 1681, os “moços pardos” eram admitidos sem nenhuma forma de impedimento. Como reação, os “moços pardos” apelaram ao rei de Portugal e ao Procurador Geral, que estranharam tal proibição. Em 1689, os jesuítas e as demais ordens religiosas tiveram que voltar atrás e os “moços pardos” voltariam a ser admitidos nas escolas superiores por determinação da Coroa. Com a apresentação desse fato histórico, reforçamos o que afirmamos em relação a quem se destinava e qual educação predominava no período colonial. Para os brancos, filhos dos grandes proprietários, a formação para a constituição de uma classe dirigente. Para indígenas, negros e pardos, a evangelização, a doutrinação e a formação como mão de obra. Com o surgimento de uma pequena burguesia e a pressão dos “mestiços”, essa diferenciação ficou ainda mais evidente. Nesse período, a formação superior na colônia objetivava três profissões: a Eclesiástica, a Magistratura e as Letras. Já a formação em Direito e Medicina era realizada na Europa, mais especificamente em Coimbra e Montpellier, respectivamente. O surgimento do Iluminismo na Europa e a oposição ao absolutismo e às práticas mercantilistas, bem como o nascimento da Revolução Industrial, provocaram mudanças também na economia e na política nas colônias. Marquês de Pombal é o símbolo do despotismo esclarecido real português, ao combater toda forma de oposição. Com isso, instala-se na colônia a mentalidade de povoamento e, aos poucos, vai-se rompendo com a ideia de apenas a colônia ser de exploração, ainda que alguns de seus fundamentos não fossem 7 completamente rompidos, como o de que a colônia deveria ficar na dependência da metrópole, política e economicamente. No entanto, as ideias iluministas que aportaram na colônia provocaram diversos movimentos culturais e políticos, tais como o Barroco Mineiro, a Arcádia Mineira (poesia) e, no campo político e social, a Revolta de Filipe dos Santos (1720) e a Conjuração Mineira (1789), que são os mais representativos. Seja no período colonial, imperial ou republicano, na sociedade brasileira, a família, a igreja e a escola representaram as possibilidades de ascensão social. Ainda que não vivamos o sistema de castas típico da sociedade indiana, em que a mobilidade social no máximo ocorra de forma horizontal, também na sociedade brasileira, ao longo dos séculos, a mobilidade social em sentido vertical sempre foi um problema. Desta forma, quando não se nascesse numa família com posses, o ingresso no sacerdócio era uma forma de ascensão social, pelo que o cargo tinha de status na sociedade. Da mesma forma, a escola e a possibilidade de formação profissional também adquiriram esse status. Nesses dois setores, os jesuítas dominavam e, ao mesmo tempo, influenciavam na primeira, pelo trabalho espiritual que realizava junto às famílias. Essa influência, no entanto, seria fortemente abalada quando os jesuítas foram expulsos e seu patrimônio confiscado e/ou destruído em 1759. Da mesma forma, nada foi colocado no lugar do sistema educacional desmontado, até que em 1772 foram criadas 17 aulas régias de ler e escrever. Desta vez, novas ordens religiosas, como os Carmelitas, os Beneditinos e os Franciscanos, assumiram algumas escolas. No entanto, permaneceu a educação distanciada da realidade e das necessidades mais concretas da sociedade colonial, e, somente com a chegada da Família Real, no início do século XIX, por força das circunstâncias, é que essa situação se alterou, como veremos no próximo tema. TEMA 3 – O IMPÉRIO E A FORMAÇÃO DA CLASSE DIRIGENTE O surgimento do Brasil Império deu-se num contexto bastante peculiar. Da mesma forma, algumas das mudanças que ocorreram na colônia portuguesa somente foram possíveis graças a esse surgimento. Estamos nos referindo a uma educação que começava a dialogar com o que estava acontecendo na Europa e que, pelo menos do ponto de vista legal, era concebida não somente de forma meramente ilustrativa, mas tinha vinculações com o contexto e as necessidades econômicas, políticas e sociais de seu tempo. 8 Desta forma, antes de falarmos da forma como a educação passou a se organizar a partir da chegada da Família Real Portuguesa e, depois, durante o Império, vejamos o contexto em que esses acontecimentos se dão. Por conta das Guerras Napoleônicas (XVIII-XIX), a família real portuguesa viu-se obrigada a fugir para o Brasil ao não apoiar completamente o embargo econômico à Inglaterra. Ao chegar à colônia, a Coroa adotou uma série de medidas que beneficiaria em muito a população, principalmente do Rio de Janeiro, para onde se dirigiu a Família Real. Uma das primeiras medidas foi a permissão para a instalação de manufaturas em terras tupiniquins. Como afirmamos anteriormente, a colonização aqui instalada era do tipo exploração. Assim, qualquer medida que incentivasse o desenvolvimento local era desestimulada. Ao abrira possiblidade de instalação de manufaturas, surgiu também a necessidade de formação de uma mão de obra especializada. É um dos primeiros sinais de uma influência mais efetiva das ideias iluministas na colônia; só que, agora, promovida pelos governantes. No entanto, apesar de algumas mudanças, não houve uma mudança na estrutura social e econômica da colônia. A produção de café substituiu a cana-de-açúcar e a mineração, tornando-se a principal atividade econômica e promovendo novos sujeitos econômica e politicamente. A mão de obra escrava prevaleceu até meados do século XIX, quando dar-se-ia o incentivo à vinda de imigrantes europeus, com base em uma política eugenista de branqueamento da população brasileira. No entanto, seja com a vinda da Família Real, seja com a atravessada Proclamação da Independência do Brasil – D. Pedro, filho do rei de Portugal dá o famoso “Grito do Ipiranga”, mas, quem assinou o decreto de independência foi sua esposa, cinco dias antes, a Imperatriz Maria Leopoldina – desde então passamos a ter legislação que tratava da educação em nosso território, ainda que, como dizem os versos de Rui Guerra e Chico Buarque, haja “distância entre intenção e gesto...”, ou, como afirma Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil: “A democracia no Brasil foi sempre um lastimável mal-entendido”. Ao longo desses quase 200 anos de nossa independência, essa é uma das verdades sobre a história do Brasil difícil de ser contestada. Vejamos, a partir de agora, como a educação foi tratada nesse período. Em 1824, tivemos a nossa primeira Constituição, e uma das coisas que chama a atenção é a proposta da criação de um sistema nacional de instrução 9 inspirado na Revolução Francesa, propondo a liberdade de ensino, sua gratuidade e caráter universal. Da mesma forma, uma lei de 1827 propunha a criação de escolas em todas as cidades e vilas, inclusive para as meninas. Já por meio do Ato Adicional de 1834, ocorre a descentralização das responsabilidades quanto à manutenção e gestão do ensino no Brasil. À Coroa caberia a responsabilidade sobre o Ensino Superior, e, às Províncias, o ensino elementar e secundário. Curiosamente, essa divisão, com algumas pequenas diferenças, permanece até hoje. No entanto, a descentralização, no caso brasileiro, não representou democracia, mas uma forma de as coisas não acontecerem. A divisão de responsabilidades foi para um sistema culpar o outro pelo que ambos não faziam. Vejamos como se deu essa divisão e o que de fato resultou. De responsabilidade da Coroa desde a chegada da Família Real, o Ensino Superior tinha por objetivo justamente atender às necessidades da realeza em relação à colônia, como a formação de oficiais das armas, engenheiros militares e médicos. Da mesma forma, pretendia-se formar profissionais para as áreas de economia, química, agricultura e assuntos jurídicos. Essa formação sempre aconteceu em faculdades isoladas. Aliás, esse é outro capítulo da história da educação brasileira que merece atenção. Enquanto nas colônias espanholas a primeira universidade – Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM), de Lima – foi criada em 12 de maio de 1551, na colônia portuguesa, depois Brasil, a criação da primeira universidade deu-se somente no início do século XX – a Universidade Federal do Paraná, em 1912. O objetivo do ensino superior era formar a elite dirigente local, o que já era feito desde o período o em que os jesuítas dominavam a educação brasileira. Nessa época, a pequena burguesia que começava a se constituir no Brasil procurava os cursos de Direito principalmente para seguirem carreira nas atividades jurídicas, no jornalismo e na carreira pública, seja como funcionários da burocracia, seja como mandatários de cargos eletivos. Já no ensino secundário e elementar, o que se percebe é a ausência completa de um projeto nacional específico para a referida etapa. O ensino superior é quem determinava os currículos da educação básica. Da mesma forma, percebe-se a falta de recursos destinados ao setor, o que determinava a quantidade e a qualidade do que era ofertado. A título de ilustração, os Liceus das provinciais eram, na realidade, reuniões de aulas avulsas. O único colégio 10 que gozava de uma situação até certo ponto privilegiada, era o Pedro II (1837), que passou a ser referência para as províncias. Na segunda metade do século XIX ocorreu a volta de escolas particulares (religiosas e leigas). Entre elas se destacam o Colégio Caraça – dirigido pelos padres lazaristas; o Seminário de Olinda – do Bispo Azeredo Coutinho; o Colégio Mackenzie – de inspiração protestante; o Colégio Americano – também de inspiração protestante; e a Sociedade Culto à Ciência – partidário do positivismo. Já as escolas elementares – que tinham por objetivo ensinar a ler, escrever e contar – não eram obrigatórias, como também não eram pré-requisito para o acesso ao ensino secundário. Por fim, cabe a nós refletir sobre a formação de professores para atuarem nesses sistemas de ensino. Essa formação era realizada em 2 anos e em nível secundário. Estava destinada somente aos rapazes, e no final do século XX foi aberta às mulheres, ainda assim com uma série de restrições de ordem moral para aquelas que se aventurassem na profissão do magistério. O ensino profissionalizante era negligenciado, pois a mentalidade escravocrata desprezava o trabalho manual. Desta forma, a educação ofertada pelos sistemas de ensino estava longe das necessidades da sociedade e do desenvolvimento econômico, mas, pela sua elitização, continuava a formar a classe dirigente, e o restante do povo para o papel de obediência e subserviência. As reformas propostas por Leôncio Carvalho (1879) e pelo conselheiro Dantas (1882) não passaram das intenções, assim como muitas das medidas sugeridas desde a nossa primeira constituição. TEMA 4 – A EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA VELHA Proclamada a república em 1889, a expectativa era de que a estrutura de poder que predominava no Brasil desde o período colonial fosse, de alguma forma, rompida. Porém, como observaremos nos períodos subsequentes, na história do Brasil vale a máxima proferida no Romance O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”, e sempre recorrente. Desta forma, assim como o povo não havia participado da Proclamação da Independência do Brasil, nem lhe fora favorável, também a Proclamação da República foi feita sem a sua participação. Cabe ressaltar que a Proclamação da República se deveu muito mais a fatores que interessavam e preocupavam aos grupos políticos e econômicos dirigentes, como o fim da 11 escravidão; a crise dos militares de alta patente após a Guerra do Paraguai; o conflito com os religiosos; a crescente influência das ideias positivistas, principalmente nos meios militares; o descontentamento da elite cafeeira paulista, que não via seu poder econômico ser representado à altura no cenário político nacional; entre outros. Para efeitos desse nosso estudo, dividimos a história da nossa república em seis períodos, a partir dos quais, após uma rápida contextualização econômica, política e social, trataremos da educação e o mundo do trabalho. Comecemos pelo que ficou conhecida como Velha República ou República do Café com Leite, também chamada de República Oligárquica ou dos Coronéis. Inicialmente, a economia permanecia organizada pelo mesmo modelo agrário-exportador instituído desde a época do período colonial, o que justifica o predomínio de governo com origem nas oligarquias agrárias. Esse fato não se alterou nem mesmo com o golpe de estado liderado por Vargas, em 1930, mesmo sendo ele um filho e grande proprietário de terras no Rio Grande do Sul, que, por parte de pai, descendia de grandes proprietários paulistas de terra. Na segunda metade da década de 1910 deu-seinício a industrialização, de forma mais consistente. Nesse período, o movimento sindical começou a ter uma organização mais sólida, por influência dos anarquistas que haviam chegado no final do século anterior. Em 1920, as revoltas tenentistas, a Coluna Prestes e a Semana de Arte Moderna provocaram agitações no cenário político e cultural brasileiro. Esta última, por exemplo, reivindicava uma estética nacional, dando continuidade ao que os positivistas haviam começado no final do século XIX, com a busca de uma identidade e raízes nacionais. No final da República Velha, a Crise de 1929 também provocou alguns problemas na economia brasileira, principalmente no setor do café, nosso principal produto de exportação. Na política, dominada pelas oligarquias agrárias, principalmente paulista e mineira, as fraudes, o voto de cabresto, os atentados e mortes foram uma constante. Na educação, as alterações legislativas foram bastante comuns, porém sem efetividade em seus propósitos. Uma dessas medidas foi, por exemplo, quem seria responsável pela gestão e implantação de uma política educacional para o país. Inicialmente, ela ficou a cargo do Ministério da Instrução, Correios e Telégrafos. Posteriormente, passou ao Ministério do Interior e da Justiça, e, somente em 1930 é que tivemos a criação de um 12 Ministério da Educação, o que demonstra que, apesar da quantidade considerável de leis relacionadas à educação, esta não era uma prioridade nos mais diferentes períodos da história brasileira. Outra característica da educação no início da República foi a influência positivista enviesada. Uma dessas contradições é a inclusão de ciências físicas e naturais ainda no primeiro grau. O Positivismo defendia que apenas após os 14 anos os conteúdos de ciências físicas e naturais deveriam fazer parte da formação dos jovens. Há, no entanto, o rompimento com o ensino literário e clássico, e a Constituição de 1891 mantém a descentralização. A educação, no entanto, manteve seu caráter elitista, e a formação técnica e profissionalizante era desvalorizada. Entretanto, os trabalhadores passaram a reivindicar uma política pública que lhes garantisse escolarização. Afinal de contas, nesse período, 80% da população brasileira era analfabeta. Essa condição, por si só, já era um grande problema para qualquer projeto de desenvolvimento econômico, político e social. Para propor mudanças no campo educacional, surgiu o Movimento da Escola Nova, defendendo escola para todos e uma sociedade igualitária e sem privilégios. São partidários desse movimento importantes intelectuais, entre os quais destacamos Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Almeida Júnior. Durante a República Velha, além da presença anarquista na política e no movimento sindical, vale destacar as ideias e propostas de organização de escolas direcionadas aos trabalhadores. O anarquismo chega ao Brasil juntamente com os imigrantes italianos e espanhóis. Inicialmente, organizaram o movimento operário e tiveram uma atuação política, sindical e cultural por meio de jornais, panfletos, bibliotecas, centros de estudos, poesias, teatro, saraus, bailes etc. Na educação não foi diferente. Por meio das ideias pedagógicas de Francisco Ferrer y Guardia, propôs-se uma educação organizada sob os princípios do racionalismo, da cooperação e do respeito mútuo. Uma das inovações que se apresentaram foi a presença de meninos e meninas nas mesmas salas, recebendo a mesma educação. Um dos nomes com inspiração anarquista que merece ser destacado é o de Maria Lacerda de Moura, professora, escritora e feminista que afirmava que “Enquanto não souber pensar [a mulher] será instrumento passivo em favor das 13 instituições do passado. E ela própria, inconsequente, trabalhará pela sua escravidão” (Moura citada por D’Angelo, 2017). Como nos anteriores, também nesse período o ensino superior continuou sendo negligenciado. Com um atraso de quase 400 anos em relação às colônias espanholas e de 300 em relação às Treze Colônias, surgiu, no Paraná, a primeira universidade (UFPR, 1912), muito embora alguns historiadores considerem a Universidade do Rio de Janeiro como a mais antiga (1920). Nesse período, a educação secundária era preparatória para o ingresso nas faculdades. Ou seja, não tinha caráter de terminalidade, muito menos objetiva a formação profissional. Com o objetivo de alguma formação profissionalizante, podemos destacar a criação de 19 Escolas de Aprendizes Artífices (1909), ligadas ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Outra característica da educação desse período era a vinculação com políticas eugenistas, tais como o “melhoramento da raça” por meio da educação física e higiene corporal, bem como da educação sexual, de caráter fortemente moralista. TEMA 5 – A EDUCAÇÃO: DA REVOLUÇÃO DE 1930 AO ESTADO NOVO 5.1 Golpe de estado ou Revolução de 1930? Muitos fatos e personagens históricos já foram renomeados em função de novas informações, ressignificações e revisões históricas. Alguns ainda alimentam a polêmica. Um deles é o evento ocorrido no Brasil em 1930 e que pôs fim a uma hegemonia de políticos dos estados de São Paulo e Minas Gerais na política nacional. Se considerarmos que, para chamarmos um fato histórico de “revolução”, é preciso que este provoque mudanças profundas e estruturais em determinada sociedade, a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930 se caracteriza por um golpe de Estado. Isso porque o poder que ele obteve foi oriundo do impedimento de o candidato vencedor nas eleições presidenciais daquela época assumir o cargo para o qual fora eleito. Da mesma forma, a origem econômica, social e política de Vargas não era diferente das oligarquias derrotadas e vencedoras nas eleições de 1930. A ascensão de Vargas ao poder se deu em meio a uma crise econômica, política e social que marcou a passagem da década de 1920 para a de 1930 e, de certa forma, preparou o terreno para a ascensão de regimes nazifascistas na 14 Europa, com repercussões em várias partes do mundo, em particular, no Brasil, inclusive no próprio governo Vargas. A Crise de 1929, como ficou conhecido o crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque, pôs em xeque o modelo agrário exportador brasileiro e, buscando atrair o apoio das elites urbanas industriais, principalmente as paulistas, Vargas deu início a uma pequena industrialização no Brasil, na área da indústria pesada. Se a Europa vivia a ascensão de regimes nazifascistas, na América Latina tivemos o surgimento de governos populistas, como Vargas no Brasil e Lázaro Cárdenas no México. No caso brasileiro, além do populismo, tivemos o flerte de Vargas com o nazismo, tendo autorizado a deportação de alemães a pedido do governo de Hitler. Sem contar a própria constituição aprovada por Vargas em 1937, que ficou também conhecida por Constituição “Polaca”, pelo fato de ser inspirada na ideologia fascista então em ascensão na Europa. O Estado Novo foi oficialmente instalado em 1937. Porém, entendemos que este foi ensaiado e testado de 1930 a 1937. Tradicionalmente, os historiadores dividem os 15 anos de Vargas em sua primeira passagem pelo poder em três fases: Governo Provisório (1930-1934), Governo Constitucional (1934-1937) e Estado Novo (1937-1945). Assim, já na primeira fase ele adota medidas centralizadoras, como o fechamento do Congresso Nacional, das assembleias legislativas estaduais e das câmaras municipais; sem contar a nomeação de interventores nos estados da federação. Da mesma forma, a proximidade com integralistas até a instalação do Estado Novo, em 1937, quando adotou tais ideias, apesar do rompimento com tais lideranças. Os quinze anos de governo de Vargas foram caracterizados pelo seguinte: declínio da hegemonia agrária, ascensão da industrialização e do comércio, êxodo rural de populaçõesdo norte e nordeste para São Paulo e Rio de Janeiro, o Estado incentivava e financiava a industrialização, o nacionalismo econômico, a criação de leis trabalhistas reivindicadas pelo movimento sindical desde o final do século XIX, relação paternalista e fascista com trabalhadores e sindicatos. Por conta dessas medidas, até hoje Vargas é conhecido como o “pai dos pobres”. No campo educacional, o governo Vargas foi também inovador. Criou o Ministério da Educação (e Saúde). A mudança de paradigma econômico – de agrário exportador para industrialização – exigia mão de obra qualificada e, nesse sentido, a Reforma Francisco Campos buscava lançar os fundamentos e 15 as condições para tais mudanças. Entre elas destacamos a criação da Universidade do Rio de Janeiro, a criação do Conselho Nacional da Educação e a criação do Ensino Secundário e Comercial. O ensino secundário foi organizado em dois ciclos: um primeiro, de cinco anos, que tinha como objetivo a formação geral; e o segundo, de dois anos, que era um preparatório para o ingresso no ensino superior, havendo a possibilidade de preparação para os cursos jurídico, de medicina, farmácia, odontologia, engenharia e arquitetura. Em linhas gerais, no entanto, a educação padecia ainda de alguns vícios anteriores, tais como a permanência da distinção entre trabalho manual e intelectual, o ensino profissionalizante comercial recebia mais atenção do que o industrial, a desarticulação entre ensino secundário e comercial e a propagação das ideias conservadoras e religiosas, por meio do ensino religioso nas escolas públicas. NA PRÁTICA Ao longo da história, observamos três segmentos preocupados com a educação: o Estado, a religião e as ideologias filosóficas e políticas. A “escola moderna” foi uma experiência educacional organizada por anarquistas, com base na proposta pedagógica de Francisco Ferrer y Guardia. Considerando essas informações, realize uma pesquisa sobre a proposta pedagógica dessas escolas, identificando diferenças e possíveis semelhanças com o ensino oficial. FINALIZANDO Nesta unidade vimos os seguintes assuntos: o ensino jesuíta e a transmissão dos valores da metrópole aos povos originários e aos africanos escravizados trazidos para a colônia, as reformas pombalinas como reflexo do absolutismo esclarecido adotado pelo governante português, os esforços realizados – seja pela Coroa Portuguesa em sua passagem pelo Brasil fugindo das guerras napoleônicas ou durante o Império para a formação de uma classe dirigente –, a educação na República Velha, que praticamente manteve os mesmos princípios das políticas educacionais dos séculos anteriores, e a educação durante a Revolução de 1930 ou golpe de 1930 até a implantação do Estado Novo. 16 REFERÊNCIAS D'ANGELO, H. Quem foi Maria Lacerda de Moura, pioneira anarcofeminista. Disponível em https://revistacult.uol.com.br/home/maria-lacerda-de-moura- feminista-e-anarquista-critica-dos-movimentos-em-que-militou/. Acesso em: 5 jan. 2022. SANTOS, S. P. dos. Os “intrusos” e os “outros” oxigenando a universidade: por uma relação articulada entre raça e classe nas ações afirmativas. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/simbiotica/article/download/10329/7269/26163. Acesso em: 4 jan. 2022.