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ANTROPOLOGIA FAMILIAR E ANTROPOLOGIA RELIGIOSA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA GERAL E JURÍDICA
PROFESSORA: ANA CARLA COELHO BESSA
QUARTA NOTA DE AULA
ANTROPOLOGIA FAMILIAR E ANTROPOLOGIA RELIGIOSA
ANTROPOLOGIA FAMILIAR
O antropólogo e jurista americano Lewis Morgan (1818-1881) teve como um de seus objetos de estudo o parentesco. 
Para Claude Lèvi-Strauss, Morgan fundou simultaneamente a antropologia social e os estudos de parentesco. Em seus estudos acerca do parentesco distinguiu três períodos ou estágios da organização familiar, os quais denominou:
Selvageria: caracteriza-se pelo matrimônio por grupos; nesse período, predomina a apropriação de produtos da natureza
Barbárie: caracteriza-se pela monogamia apenas para a mulher; nesse período aparece a agricultura e a pecuária, a cerâmica e a fundição do ferro
Civilização: caracteriza-se pelo matrimônio monogêmico; a indústria é acrescentada às atividades anteriores
De acordo com Assis e Kumpel (2011), Morgan exerceu grande influência nos autores marxistas, principalmente em Friedrich Engels, que se refere à obra “Sociedade Antiga”, de Morgan, como base de seu livro “ A origem da Família, da Propriedade e do Estado”. Para Engels a ordem social de uma época está determinada pelo grau de desenvolvimento do trabalho e pelo grau de influência da família: quanto menos desenvolvido é o trabalho, mais restrita é a quantidade de produtos, menor é a riqueza da sociedade e com maior força se manifesta a influência dominante dos laços de parentesco sobre o regime social.
“Contudo, no quadro dessa estrutura de sociedade baseada nos laços de parentesco, a produtividade do trabalho aumenta sem cessar e, com ela, desenvolve-se a propriedade privada e as trocas, as diferenças da riqueza, a possibilidade de empregar força de trabalho alheia. Surge assim a base dos antagonismos de classe”.� Com o choque de classes, desagrega-se a sociedade antiga e surge o Estado, no qual o regime familiar está completamente submetido às relações de propriedade e tem livre curso as contradições de classes.
Em sua obra “Direito e Costume na Sociedade Primitiva”, Bronislaw Malinowski (1884-1942), fundador da Teoria Antropológica Funcionalista não pergunta pela origem de uma cultura, mas pela sua função no interior de uma instituição e pela função de uma instituição na sociedade. Para Malinowski, a instituição desprovida de função tende a desaparecer, o que é passível de ocorrer em qualquer sistema social. Sua abordagem é, portanto, teleológica.
“Com base no estudo de Malinowski, pode-se dizer que as funções básicas ou fundamentais da família, encontradas em todos os agrupamentos humanos, são as seguintes: a) de reprodução: visa a perpetuação por meio da prole; a procriação é regulamentada com normas e sanções que legitimam a reprodução; mesmo em sociedades em que há liberdade sexual, a procriação raramente é aprovada fora da família; b) sexual: atende às necessidades sexuais permitidas por meio da institucionalização da união ou casamento, que estabelece pai legal para os filhos; c) econômica: assegura o sustento e a proteção da prole; essa obrigação pode ser estendida aos parentes; d) educacional: visa transmitir à prole a herança cultura e social (língua, usos, costumes, valores, crenças), principalmente durante os primeiros anos de vida.” �
Claude Lèvi-Strauss (1908-2009), o mais célebre representante do estruturalismo antropológico, define estrutura como um sistema em que o sentido e o valor de cada um de seus elementos depende da posição que ocupa em relação aos demais, e a modificação de qualquer elemento implica uma modificação de todos os outros. Nela, um fato isolado jamais possui significado.
 Lèvi-Strauss entende que a vida social constitui um fenômeno que implica um movimento de trocas econômicas, culturais e de parentesco circulam entre os indivíduos e os grupos, e que será a aliança que colocará ordem na diversidade dos sistemas destes últimos.
Em sua obra intitulada “As Estruturas Elementares do Parentesco”, destaca que a proibição do incesto tem caráter praticamente universal e exprime a passagem do fato natural da consangüinidade ao fato cultural da aliança. A cultura se inclina diante da fatalidade da herança biológica, mas recebe este fato e imediatamente define a modalidade. A natureza deixa a aliança ao acaso, a cultura dá as regras. Assim, a cultura faz uma intervenção, que é substituir o acaso pela organização. 
A base da aliança está no equilíbrio necessário entre dar e receber, que permanece na teoria de Lèvi-Strauss, como também permanece a idéia de que o casamento possui não só uma importância erótica, mas também econômica, na divisão de trabalho entre os sexos.
ANTROPOLOGIA RELIGIOSA
A antropologia religiosa não se propõe a uma teologia, mas a explicar as religiões como produtos da cultura humana. Neste sentido, envolve o estudo das instituições religiosas em relação a outras instituições sociais e nas suas diferenças culturais, históricas, econômicas, políticas e psicológicas.
De acordo com Mércio Pereira Gomes (2011) “Uma instituição cultural é algo que se apresenta nitidamente na sociedade com três atributos: 1. um discurso, isto é, uma justificativa que lhe dá sentido e finalidade; 2. participantes ou membros que se agregam; 3.comportamentos específicos, incluindo rituais.”
Gomes ressalta que, em muitos casos, é difícil analisar uma instituição cultural em si mesma, porque ela está imbricada com outras instituições, as quais são reconhecidas em suas especificidades e funções. 
Em sua obra “Magia, Ciência e Religião”�, Bronislaw Malinowsky considera que não existem povos sem religião ou magia, pois todas as sociedades primitivas, até ao seu tempo estudadas, possuíam vestígios das mesmas. As sociedades primitivas praticavam regularmente “atos e práticas tradicionais” possuidores de um conjunto especifico de regras, e que estavam associados a crenças em forças sobrenaturais provenientes de espíritos e fantasmas dos antepassados. 
James Frazer (1854-1941), em sua obra “O Ramo de Ouro”(1915), infere que o homem primitivo tenta, através de rituais e da arte da magia, controlar o mundo natural que o envolve, e, ao perceber as limitações de tais poderes, abraça a adoração de deuses. O totemismo é um sistema religioso que vai assentar na identidade/parentesco entre um determinado grupo e uma espécie animal, vegetal ou um aspecto da natureza. O totem é o que vai permitir unir um grupo de pessoas. A escolha do totem vai implicar um conjunto de regras e tabus que vão ter que ser respeitados pelo grupo, como por exemplo, a execução de cerimonias e rituais. 
A antropologia religiosa trabalha principalmente com os conceitos de mito, ritual e magia, sendo relevante encontrar sua manifestação nas diversas condições culturais e históricas de cada agrupamento humano.
O ritual têm um sentido de organizador do espaço social e o valor de construir relações necessárias para a ordem social, estabelecendo critérios como a reciprocidade e a obrigação para com o outro, o que os torna também definidores de valores morais de uma sociedade. Daí a importância de observá-los dentro de seu contexto sociocultural, pois sua significação simbólica só pode ser compreendida dentro desta condição específica. O ritual, então, é um discurso que representa simbolicamente esta sociedade e, por isso, estará sempre vinculado a cultura na qual ele nasce. É por isso que ele apresenta em sua constituição os conflitos e os modelos de organização da sociedade de que faz parte.
A magia é construída através de tradições, o seu conhecimento é transmitido de pai para filho ou então a pessoas a quem o feiticeiro reconheça capacidades para a detenção de tal poder. A reputação de um feiticeiro e a sua eficácia na magia, tem parte que ver com os feitos e as histórias de conquistas por ele atingidas.
José Manuel de Sacadura Rocha (2010), ao tratar sobre o tema antropológico da magia, a define, em primeiro lugar, como“o elo místico do homem primevo com a natureza, uma natureza possuidora de forças – reações – incognoscíveis, diante das quais o homem está em relação de inferioridade. As comunidades primárias, diante da potencialidade superior da natureza, reproduzem em seu formalismo da experiência cotidiana o sacrifício sagrado da subserviência a essas potencialidades.”�
Para o homem primário, os rituais mágicos se revestem de um caráter coercitivo no sentido indicado pelo praticante dos atos mágicos, no caso, o mago. Neste sentido, a magia está na origem do direito primitivo com a determinação de regras de conduta e sanções impostas diante da desobediência a estas regras
Na abordagem de Marcel Mauss, a magia não se prende aos elementos rituais, aos objetos ou mesmo ao autor (mago), mas sim ao fenômeno em si. A magia não é vista como sendo apenas de parte do grupo – a platéia ou o mago – mas aborda todo o corpo social. O mago, então, não é detentor de um poder sobrenatural, mas apenas assume um papel necessário para o grupo.
 
O mito, segundo Malinowsky, é a consequência natural da fé humana e tem por função conferir veracidade e não a função de explicar. Mas mais à frente dedicaremos mais a este tema. A magia para os nativos é indispensável para a sua prosperidade e continuidade, mas não garante todo o sucesso, os nativos têm consciência de que o trabalho também é um elemento chave. Esta questão de um nativo ter consciência de que os objectivos não se atingem somente através da magia é extrapolada para várias outras situações, e como Malinowsky diz nenhuma delas é tão importante como «as duas mais fatídicas forças do destino humano: saúde e morte». 
Há uma diversidade de teorias antropológicas da religião, que se baseiam em ideias de estruturas humanas sociais, emoções ou cognição, das quais destaca-se a teoria da solidariedade social tem sido a abordagem principal da antropologia religiosa que propõe fidelidade a uma sociedade por meios simbólicos, usando roupas especiais, arquitetura, canto, dança e fórmulas verbais para aumentar sentimentos comunais. Emile Durkheim, para quem a religião é algo eminentemente social, procurou saber como as sociedades primitivas mantinham a coesão por meio da religião e, baseando-se em etnógrafos da religião aborígene australiana, concluiu que o objeto principal de culto dos membros dos clãs australianos, o "totem," representa na verdade o próprio clã, e ajuda a fazer os membros comportar-se eticamente relativamente aos seus semelhantes e arregimenta-os em defesa da sociedade.�
Sobre a relação entre Direito e Religião, o ponto de vista de Sacadura (2010) é que “A etapa intermediária entre o direito mágico das comunidades primárias e o direito de nossas sociedades com o Estado foi, em muitos casos, o direito religioso e divino. Por todas as sociedades do Ocidente e por todas as civilizações antigas do Oriente houve ordenamentos jurídicos com base no divino”, os quais se tornaram instrumento de poder social, econômico e político.
� ASSIS, Olney Queiroz; KUMPEL, Vitor Frederico. Manual de Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011, p.83.
� ASSIS, Olney Queiroz; KUMPEL, Vitor Frederico. Manual de Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 121.
� Malinowsky, B. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1984.
� SACADURA ROCHA, José Manuel de. Antropologia Jurídica – Para uma filosofia antropológica do Direito. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier, 2010.
�DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural, 1978, (Col. Os Pensadores).

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