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3 Brincar: o brinquedo e a brincadeira na infância Cyrce Andrade Marina Célia Dias Maria Lúcia Medeiros Zoraide Faustinoni da Silva Módulo_1.indd 3 27/1/2010 15:54:20 Módulo_1.indd 4 27/1/2010 15:54:21 5 APRESENTAÇÃO 7 I. O PROJETO BRINCAR – Maria Lúcia Medeiros e Zoraide Faustinoni da Silva 9 1. O Projeto Brincar e seus desafios 9 2. A Infância e o Brincar: referenciais teóricos 13 2.1 Concepção de infância 13 2.1.1 A Infância nas leis brasileiras 15 2.1.2 Paradoxos sobre a infância 18 2.2 Brincar: contribuições de diferentes campos do conhecimento 20 2.2.1 As contribuições da Psicologia do desenvolvimento 21 2.2.2 As contribuições da Teoria Psicanalítica 31 2.2.3 Conclusões 34 3. O brincar na instituição de Educação Infantil 36 3.1 O espaço 36 3.2 O tempo 39 3.3 A rotina 40 3.4 Para além dos muros das instituições 42 II. BRINCAR: UM DADO DE MUITAS FACES E CORES – Cyrce Andrade 49 III. O BRINCAR COM AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – Marina Célia Moraes Dias 73 S U M Á R I O Módulo_1.indd 5 27/1/2010 15:54:21 MATERIAL DE APOIO DO PROJETO Brincar: o brinquedo e a brincadeira na infância Fundação Volkswagen Via Anchieta, km 23,5 CPI 1394 Bairro Demarchi 09823-901 São Bernardo do Campo / SP http://www.vw.com.br/fundacaovw e-mail: fundacao@volkswagen.com.br Presidente do Conselho de Curadores Holger Rust Diretor Superintendente Eduardo de A. Barros Diretora de Administração e Relações Institucionais Conceição Mirandola Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária R. Dante Carraro, 68 Pinheiros 05422-060 São Paulo - SP http://www.cenpec.org.br Presidente do Conselho de Administração Maria Alice Setúbal Superintendente Anna Helena Altenfelder Coordenadora Técnica Maria Amabile Mansutti Gerente de Projetos Locais Claudia Micheluci Petri Coordenadora do Projeto Maria Lúcia Medeiros Autoria do material Cyrce Andrade Marina Célia Dias Maria Lúcia Medeiros Zoraide Faustinoni da Silva Colaboradores Lucia Magalhães Luciana Coin Regina Andrade Clara Sandra Cordeiro Marino Ilustração Heloisa Holl Projeto gráfico Fábio Meirelles Revisão Ana Maria Herrera Fotografia Dudu Cavalcanti, Nelson Toledo, Iolanda Huzak, Fábio Meirelles, professores e formadores do Projeto Brincar Módulo_1.indd 6 27/1/2010 15:54:22 7 Este fascículo é um material de apoio do Projeto Brincar: o brin- quedo e a brincadeira na infância, desenvolvido pelo Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, por iniciativa da Fundação Volkswagen. É composto de três partes: a primeira apresenta o Projeto, discute concepção de infância e destaca contribuições de diferentes teóricos sobre o brincar e o desenvolvimento infantil. A se- gunda trata de aspectos importantes da brincadeira infantil, como espaço, tempo, repertório, companhia. E a terceira tem como foco a expressão da criança de forma lúdica e por meio de diferentes linguagens. Essas três partes se unem pelo princípio de que brincar é um direito da criança. É uma rica possibilidade que ela tem de desenvolver sua identidade e subjetividade e de se integrar à sua cultura. A criança é um sujeito de direitos e precisa ter assegurado seu desenvolvimento integral. O Projeto Brincar contribui para a educação integral, uma vez que forma profissionais e voluntários para que entendam a brincadeira na infância como um dos fatores principais para o desenvolvi- mento integral da criança, pois desenvolve o corpo, as relações sociais, os aspectos cognitivos e afetivos. Sobre isso falaremos ao longo do texto. A concretização de uma educação integral se dá em diferentes espaços e não apenas nas instituições formais de ensino. Esse projeto ofe- rece repertório para o desenvolvimento de ações dentro e fora de insti- tuições educacionais e incentiva a articulação entre unidades de educação formal e outros espaços e instituições de seu entorno. A P R E S E N T A Ç Ã O Módulo_1.indd 7 27/1/2010 15:54:22 Módulo_1.indd 8 27/1/2010 15:54:22 9 1. O Projeto Brincar e seus desafi os O Projeto Brincar visa a colaborar com secretarias de governo e organizações da sociedade civil na formação de gestores, professoras e professores, funcionários de apoio, recreacionistas, agentes sociais e voluntários, oferecendo oficinas de formação, material de apoio e acompanhamento das ações nas instituições educacionais3. São objetivos desse projeto sensibilizar o olhar e enriquecer o conhecimen- to teórico e a prática dos adultos que atuam com crianças em diferentes espaços, oferecendo repertório de brincadeiras, jogos e brinquedos da cultura brasileira e es- timulando a reflexão sobre as atividades recreativas, lúdicas e expressivas e seu papel no desenvolvimento infantil. Diversos conteúdos são abordados: organização espaço- -temporal, relação adulto-criança e criança-criança, valores implícitos nas brincadeiras, acervo de brinquedos, a brincadeira do bebê e da criança pequena, brincadeira de faz de conta, jogos com regras, brincadeiras de rua e quintal, construção de brinquedos, desenvolvimento infantil e o brincar com as diferentes linguagens. Essa formação caracteriza-se por um processo contínuo que tem como pon- to de partida a prática e as concepções dos educadores e educadoras e apresenta novas contribuições, ampliando repertórios e alimentando a reflexão sobre a ação na busca do aperfeiçoamento de todos os envolvidos. Para isso, a cada encontro há momentos de vivências relacionadas aos objetivos específicos do Projeto, de compar- tilhamento de experiências pessoais e profissionais, de reflexões sobre a prática diária e outros dedicados ao estudo teórico. O Projeto Brincar nasceu de uma preocupação com dois extremos que se observam dentro das instituições educacionais na forma como os adultos encaminham a brincadeira. De um lado, temos os adultos que, em nome da necessidade legítima de que as crianças tenham momentos livres, as deixam sem nenhum estímulo: não intera- gem com elas durante as brincadeiras, tampouco as ajudam na organização do espaço ou as observam em seu brincar. De outro lado, há aqueles que exercem um controle exces- sivo, seja moralizando conteúdos que emergem do jogo simbólico, seja tolhendo a livre movimentação das crianças em nome da segurança física e da manutenção da ordem. Além disso, a brincadeira é vista, muitas vezes, apenas como uma estratégia para ensinar conteúdos específicos, que vão desde amarrar os sapatos e lavar as mãos para I. O Projeto Brincar 1 Maria Lúcia Medeiros é coordenadora do Projeto Brincar, professora e pesquisadora de brincadeiras da cultura da infância, pedagoga pela USP. 2 Zoraide Faustinoni da Silva é assessora da Coordenação Técnica do Cenpec, mestre em Filosofi a da Educação pela PUC-SP. 3 Ao longo do texto optamos por usar o termo “educadores” para nos referirmos ao adulto - homem ou mulher, professor ou professora, gestor ou gestora - responsável pelo trabalho com as crianças. Sabemos que na educação infantil esse trabalho é desenvolvido principalmente por mulheres, porém julgamos que não cabe fazermos aqui uma discussão de gênero. Optamos pelo uso do termo “educadores” objetivando fl uência na leitura. Maria Lúcia Medeiros1 Zoraide Faustinoni da Silva2 Módulo_1.indd 9 27/1/2010 15:54:22 10 comer até conteúdos de matemática, português ou ciências. Isso sem falar de situa- ções em que a brincadeira praticamente desaparece, dando lugar a uma sequência de atividades escolarizadas pouco apropriadas para crianças pequenas. Todos os exemplos citados revelamfalta de reflexão sobre o papel do adul- to e mesmo falta de compreensão sobre o que é de fato a brincadeira infantil. O Projeto Brincar tem como ponto de partida reavivar a memória das brincadeiras e dos jogos dos próprios educadores e educadoras para a constru- ção de um repertório do grupo, pois a brincadeira é um bem cultural, faz parte da história de um povo e de um lugar e, portanto, deve ser preservada. Ao mesmo tempo, procura aproximá-los da cultura lúdica contemporânea, olhando de perto as brincadeiras das crianças de hoje. Para isso, os participantes são estimula- dos a observar as crianças e suas brincadeiras nos espaços públicos, dentro e fora da instituição educacional, prestando atenção à frequência com que brincam, ao tipo de brincadeiras, às interações, aos valores, entre outros aspectos. A participação dos familiares e moradores da comunidade é incentivada. Pro- põe-se o compartilhamento de brincadeiras que fazem parte do repertório pessoal e da comunidade. Busca-se a ampliação de espaços e tempos para as brincadeiras e jogos in- fantis dentro e fora das instituições educacionais. Incentiva-se a articulação entre as instituições da comunidade que trabalham com as crianças, localizando e reconhecen- do os espaços disponíveis para que possam ser mais bem aproveitados por elas. Para isso, mobilizam-se voluntários que se disponham a desenvolver brincadeiras, jogos ou construção de brinquedos em praças, clubes, associações comunitárias ou mesmo nas escolas, em período de recreio ou fins de semana. Desse modo, promovem-se a divulgação e a valorização dos locais que a co- munidade dispõe para brincadeiras e jogos das crianças, articulando-os e tornando-os verdadeiros espaços de convivência e aprendizagem. O desenvolvimento desse projeto traz grandes desafios, na medida em que evidencia contradições, resvala em valores e convicções pessoais que, ao mes- mo tempo, devem ser respeitados e precisam ser discutidos para que se tornem claros e a condução do trabalho seja transformadora. Sabemos que não há prática sem teoria, mesmo quando não se tem clareza de quais são as concepções. Temos cada vez mais estudos, pesquisas e documentos oficiais volta- dos à infância que reconhecem a necessidade de a criança brincar para se de- senvolver plenamente. Mas é preciso entender o que é próprio da brincadeira Formação de professores do município de São Paulo, 2005. D ud u C av al ca nt i Crianças no município de Sertãozinho, 2009. Ac er vo p es so al d e G ise le M ar ia M ira nd a Módulo_1.indd 10 27/1/2010 15:54:23 11 infantil também aos olhos da criança. Brincadeira que é corpo e emoção, que permite o gesto espontâneo e único de cada um, dá espaço para o imprevisível, possibilita a exploração sensorial, a relação afetiva, o desenvolvimento cognitivo, introduz regras de convivência, incentiva a imaginação, acolhe, cria e faz crescer. Este projeto faz parte do Programa Território Escola4 O Programa Território Escola tem como proposta articular a atuação da escola às práticas culturais do território em que está inserida. O nome Território Esco- la foi intencionalmente escolhido por sugerir uma reflexão sobre concepções que consideram a escola como um espaço em que pessoas trabalham, estudam e se relacionam, e que, portanto, é plena de vida, carregando em si um potencial de transformação. Simultaneamente, também considera a escola no contexto de um território, no qual estabelece vínculos de pertinência com outras instituições e servi- ços públicos de atendimento às crianças e adolescentes. A apropriação do território se dá pelo compartilhamento de um patrimônio cultural comum, pela relação entre passado, presente e futuro. A escola, seja de Ensino Fundamental, seja de Ensino Médio, seja de Educação Infan- til, tem centralidade na educação das novas gerações, pois possibilita a apropriação de ferramentas básicas para a inserção social. No entanto, a educação também se dá no cotidiano familiar, nos diferentes espaços da comunidade, no contato com os diferentes meios de comunicação. No sentido mais amplo, ultrapassa a sala de aula, incorporando aprendizagens desenvolvidas em outros espaços educativos. Ex- trapolar o espaço escolar significa reconhecer que as demais instituições têm uma função educadora, o que possibilita construir uma relação de cooperação política, somando esforços, integrando funções. A escola, atualmente, é um dos principais espaços onde as crianças se encon- tram. Portanto, deveria ser um lugar privilegiado para o encontro. E, para isso aconte- cer, nada melhor do que as brincadeiras, “meio essencial para aproximar a escola da vida” (ANDRADE, 1991, p. 28). Se a escola permite à criança brincar, escolhendo seus parceiros, que não necessariamente precisam ter a mesma idade, possibilitando a escolha de enredos, de criação de espaços e a resolução de conflitos, ela terá uma grande oportunidade para desenvolver-se não só cognitivamente, mas social e emocionalmente. No entanto, a espontaneidade, que está na essência do brincar, nem sempre é bem compreendida pelos adultos. Na escola, corre-se o risco de confundir o brin- 4 Em 2010 este Programa é constituído pelos projetos: Brincar: o brinquedo e a brincadeira na infância; Entre na roda: leitura na escola e na comunidade; Entre na roda: leitura na educação infantil e na comunidade; Estudar pra valer: ciclos 1 e 2. Módulo_1.indd 11 27/1/2010 15:54:23 12 car, atividade que nasce da iniciativa das crianças, com aquelas preparadas pelo professor para ensinar conteúdos específicos, valendo-se de recursos lúdicos. O uso de recursos lúdicos para ensinar é válido, já que a brincadeira é uma rica possibilidade que a criança tem de conhecer o mundo, mas o professor precisa ter clareza de que atividade didática, ainda que lúdica e prazerosa, é diferente do livre brincar da criança e não o substitui de forma alguma. É preciso formar, portanto, o educador e a educadora que brincam, que compreendem a importância da ludicidade, pois “nada será feito em favor do jogo se os professores não se interessarem diretamente por ele” (ANDRADE, 1991, p. 30). Logo, é preciso recuperar o lúdico dentro do educador adulto e buscar a compreensão da brincadeira da criança. Para compreender o brincar infantil é preciso olhar a criança brincando na escola e também fora dela, pois nesta última situação ainda estão preservadas as prin- cipais características do brincar: a espontaneidade, a escolha dos parceiros, dos temas, dos objetos. No entanto, como nos diz Madalena Freire (1996), é preciso olhar com atenção e presença. Um olhar que envolve a escuta e o desprender-se de nossos es- tereótipos, daquilo que gostaríamos de ver e ouvir. Bandet e Sarazanas (1973) defendem que todos os meios de educação de- veriam informar-se sobre a forma como as crianças brincam e sobre os ob- jetos que poderiam contribuir na atividade construtiva da brincadeira, pois acreditam que as múltiplas investigações sobre o jogo mostram que não se pode conhecer nem educar uma criança sem saber nem por que nem como ela brinca. Também não se pode esquecer que a brincadeira é pertence da criança (ANDRADE, 1991, p. 32). É preciso que haja na escola espaço, tempo e liberdade para a criança decidir o que, como e com quem brincar. O adulto pode ser um convidado dessa brincadeira ou apenas um espectador. Ele permite que a criança brinque, sem conduzi-la nem abandoná-la, proporcionando tempo, espaço e mostrando-se disponível para as ne- cessidades das crianças. Também deve haver o momento em que o educador participa ativamente convidando as crianças para um jogo, propondo desafios, incentivando a brincadeira. É imprescindível, no entanto, lembrar-se sempre de que as brincadeiras existemanteriormente à escola e assim devem preservar seu caráter repousante e di- vertido e tomar cuidado para que esses momentos não se tornem fazeres pedagógicos disfarçados de brincadeira. Outro desafio do Projeto Brincar tem sido o adequado equacionamento das condições para que as atividades propostas se desenvolvam. A concretização desse Formação de professores do município de São Paulo, 2005. D ud u C av al ca nt i Formação de professores do município de São Carlos, 2008. M ar ia L úc ia M ed ei ro s Módulo_1.indd 12 27/1/2010 15:54:24 13 Projeto requer mudanças na rotina das instituições: traz a necessidade de se pensar na organização de seus tempos, espaços e formas de convivência dentro da instituição e dela com outros espaços da comunidade. Entraves burocráticos (reais e imaginários) muitas vezes paralisam os educadores. Medo de tentar coisas novas e acomodação impedem, muitas vezes, que soluções possíveis sejam postas em prática. Durante os encontros de formação, busca-se problematizar essas questões e, por meio da troca de experiências e de subsídios teórico-práticos, fortalecer os edu- cadores para uma ação pedagógica mais criativa e consistente. 2. A infância e o brincar: referenciais teóricos 2.1 Concepção de infância Ao propor às educadoras e aos educadores projetos voltados para a infância, pretendemos com- partilhar ideias, propostas, reflexões ligadas ao trabalho cotidiano em escolas, creches e outras instituições des- tinadas às crianças. É importante começar explicitando a própria ideia de infância. Do que falamos quando nos referimos a ela? O que caracteriza essa fase da vida humana e essa categoria social? Falar sobre a infância é abordar uma diversidade de aspectos muitas vezes contraditó- rios. Fala-se em infância como faixa etária, com algumas especificidades com relação ao desenvolvimento físico, cognitivo, psíquico, emocional. Mas “a infância é mais do que simplesmente o tempo entre o nascimento e o início da vida adulta. Está relacionada ao estado e à condição de vida de uma criança: envolve a qualidade desses seus anos de vida” (UNICEF, 2005, p. 1). O modo de ver a infância é sempre parte de um contexto social e se diferencia conforme a época, o lugar e a cultura. No mundo contemporâneo, defende-se a criança como cidadã dotada de direitos5. Mas nem sempre foi assim. O historiador Philipe Ariès, centrando suas análises nas sociedades europeias, trouxe contribuições importantes sobre o “sentimento de infância” ao longo da história. Segundo esse autor, até o fim do século XVI, ainda não existia na Europa o conceito de Zelo Roseana Murray Cuidar da vida, desse infi nito novelo de tantas tramas e cores. Cuidar de cada vida com desvelo, para que a Terra possa continuar sua dança, para que possamos todos continuar nossa trança. 5 Sobre isso falaremos no subitem “A infância nas leis brasileiras”. Módulo_1.indd 13 27/1/2010 15:54:24 14 infância. A criança participava desde cedo do mundo adulto, tanto no lazer quanto no trabalho, participação que era limitada apenas por suas possibilidades físicas. Os adultos participavam das brincadeiras consideradas hoje infantis, como cobra-cega, esconde- -esconde, e as crianças, de outro lado, frequentavam bordéis e brigas de galo, por exemplo. Com o crescimento das novas classes burguesas6, ganha corpo a tendência de separar as crianças dos adultos, diferenciá-las, percebê-las como sujeitos com carac- terísticas próprias. A família torna-se nuclear e passa a assumir a proteção e a formação da criança. Mais tarde, ao longo dos séculos XIX e XX (período da Revolução Indus- trial), esse papel formativo será compartilhado com as escolas. Condicionantes históricos, econômicos e culturais, entre outros, concorrem para o modo de se ver e viver a infância. No caso da sociedade brasileira, há que se considerar aspectos próprios de sua constituição. Por exemplo, além da influência eu- ropeia, há a indígena e a africana. As marcas deixadas pelo processo de colonização, escravidão e imigração estão presentes ainda hoje na sociedade como um todo: o grande contraste econômico, as precárias condições de moradia de grande parte da população, a falta de um sistema de saúde adequado, as dificuldades de inserção no mercado de trabalho, o acesso desigual à escola, entre outros. O ensino público, por exemplo, surgiu tardiamente no Brasil. As crianças de famílias ricas eram educadas por preceptores até o início do século XX e as famílias pobres trabalhavam em vez de estudar. É muito recente, entre nós o acesso da maioria de crianças de 7 a 14 anos ao Ensino Fundamental. E no que se refere à Educação Infantil, esse acesso ainda é bastante restrito. Se o modo de ver e viver a infância se diferencia conforme a época, a socie- dade e a cultura, é importante também destacar que, dentro de uma mesma socieda- de e numa mesma época, podem conviver diferentes infâncias. No Brasil, como em diversas sociedades contemporâneas, quando falamos de infância e criança há que se pensar de quem estamos falando: • Da criança filha de lavradores rurais? • Da criança indígena? • Da criança que vive na periferia urbana? • Da criança que vive nas favelas? • Da criança que vive no grande centro urbano? E ainda, em um foco mais particular: • Da criança vítima de violência doméstica ou da que tem um lar acolhedor? 6 O termo “classes burguesas” refere-se às classes ou classe de proprietários do capital, como os industriais, banqueiros, comerciantes, empresários agrícolas e do setor de serviços. Originalmente, o termo “burguesia” era aplicado aos habitantes dos aglomerados urbanos medievais da Europa, que se dedicavam ao comércio, à usura e ao artesanato. O crescimento econômico dessas classes chocou-se com o poder dos soberanos, do clero e da nobreza, provocando os acontecimentos que precipitaram a Revolução Francesa. Tendo em suas mãos os negócios do Estado, essas classes criaram condições propícias ao desenvolvimento do modo de produção capitalista (SANDRONI, 2005, p. 102). Ac er vo p es so al d e Z or ai de Fa us tin on i d a Si lv a, 1 95 0. Módulo_1.indd 14 27/1/2010 15:54:24 15 • Da criança privada do convívio com outras crianças ou daquela cercada de irmãos, primos e amigos? • Da criança que sofre doença crônica ou daquela que goza de boa saúde? • Da menina ou do menino? Cada criança é única, conforme o contexto cultural, social, eco- nômico e familiar em que vive e conforme suas características, pessoais. É um “ser que é” e ao mesmo tempo carrega um grande potencial de “vir a ser”. Uns valorizam aquilo que a criança já é e que a faz ser, de fato, uma criança; outros, ao contrário, enfatizam o que lhe falta e o que ela poderá ou deverá vir a ser. Uns insistem na importância da iniciação ao mundo adulto; outros defendem a necessidade de proteção em face desse mundo. Uns encaram a criança como um agente dotado de compe- tências e capacidades; outros realçam aquilo que ela carece (PINTO, apud CORSINO, 2009). No entanto, apesar das diferenças, há traços comuns a todas elas: a criança tem um modo particular de conhecer, sentir, expressar, agir sobre o mundo... Tem um modo espontâneo de ser, vê a realidade sob uma ótica pessoal e única, tem uma forma particular de vivenciar o tempo e a repetição das ações, brincadeiras e histórias não tem o mesmo significado para ela e para o adulto. Para conhecê-la, é fundamental aprendermos a olhar para ela, para os seus gestos, a maneira como se movimenta, como se relaciona (FRIEDMAN, 2005). 2.1.1 A infância nas leis brasileiras Em tempos recentes, no Brasil, a maior atenção à infância está expressaem leis que reconhecem a criança como sujeito de direitos. São direitos básicos que, no entanto, ainda não estão completamente garantidos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) determina o direito das crian- ças e adolescentes à educação, e que se assegure a igualdade de condições para acesso e permanência na escola gratuita e próxima de sua residência. Às crianças de zero a seis anos de idade afirma o direito ao atendimento em creche e pré-escola. A Educação Infantil, por sua vez, ganhou um grande impulso já a partir da dé- cada de 1980, tanto no plano das pesquisas e do debate teórico quanto no plano legal, Crianças do município de Guará, 2009. G le id a Re is Ri ta Módulo_1.indd 15 27/1/2010 15:54:25 16 propositivo e de intervenção na realidade. Entre 1994 e 1996 o Ministério da Educação (MEC) realizou vários debates que deram origem a uma série de publicações7, criando referências e diretrizes para a Educação Infantil. Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996), esse segmento passou a constituir a primeira etapa da Educação Básica. Em 2009 foi lançado pelo MEC o documento Indi- cadores da Qualidade na Educação Infantil. Com esse documento, busca-se a melhoria nas instituições de atendimento à criança levando-se em consideração aspectos como: proposta pedagógica, planejamento e avaliação, trabalho com as linguagens, construção da autonomia, ambiente natural e físico, materiais, riqueza de experiências, respeito às diferenças, respeito à criança, interações, aspectos de saúde e segurança, a formação e condições de trabalho dos profissionais, envolvimento da comunidade. Embora a Declaração Universal dos Direitos da Criança tenha sido publicada em 1959 pela ONU, somente com a Constituição Federal de 1988, fruto do processo de demo- cratização da sociedade brasileira, afirma-se em nosso país a concepção da criança como sujeito de direitos. Esses direitos estão expressos: No capítulo II Dos Direitos Sociais Art. 60. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a se- gurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso). E, no capítulo III Da Educação, da Cultura e do Desporto Art. 208, ao tratar do dever do Estado com a educação, ressalta no item IV “o aten- dimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”. A afirmação desse direito torna-se mais concreta com a publicação em 1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No artigo 30 diz: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, metal, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” E no artigo 60 “Na interpretação desta Lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a con- dição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.” 7 Política Nacional de Educação Infantil (1994); Educação Infantil no Brasil, situação atual (1994); Por uma política de formação do profissional de Educação Infantil (1994); Critérios para o atendimento em creches (1995); Educação Infantil: bibliografia anotada (1995); Propostas pedagógicas e currículo em Educação Infantil (1996); Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de EI (1998); Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998); Diretrizes Curriculares de Educação Infantil (1999). Município de Caçapava, 2006. N el so n To le do Módulo_1.indd 16 27/1/2010 15:54:26 17 Em 1996 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que reconhece a Educação Infantil como a primeira etapa da educação básica. De acordo com a Constituição Federal e a LDB, a educação infantil é direito da criança e da família; dever do Estado, Poder Público e família; não obrigatória; e gratuita nos estabelecimentos oficiais. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, de 1999, desdo- bramento político-pedagógico da LDB, configuram-se como instrumento para a construção de uma Educação Infantil de qualidade, que respeite a dignidade e os direitos básicos das crianças nas instituições e supere a dicotomia entre assisten- cialismo e educação. Essas diretrizes constituem-se na doutrina sobre Princípios, Fundamentos e Pro- cedimentos da Educação Básica, definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as Instituições de Educação Infantil dos Sistemas Brasileiros de Ensino, na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. Entre os artigos e itens que constam dessas diretrizes, destacamos os itens I, III e IV do art. 30 por ressaltarem princípios e diretrizes pedagógicas que também orientam nosso trabalho de formação contínua de educadores. I. As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar os seguin- tes Fundamentos Norteadores: a) Princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; b) Princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; c) Princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais. III. As Instituições de Educação Infantil devem promover, em suas Propostas Pedagógicas, práticas de educação e cuidados que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível. IV. As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, ao reconhecer as crian- ças como seres íntegros, que aprendem a ser e a conviver consigo próprios, com os demais e o próprio ambiente de maneira articulada e gradual, devem buscar a partir de atividades intencionais, em momentos de ações, ora estruturadas, ora espontâneas e livres, a intera- ção entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, contribuindo assim com o provimento de conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores. A faixa etária atendida pela Educação Infantil sofreu alteração com a aprovação da Lei no 11.274/2006, que estabelece a duração mínima de 9 (nove) anos para o Ensino Fundamen- tal, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Essa medida deverá ser implantada até 2010 pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. CEMEI Maria Fernanda Lopes Piffer, Bebedouro, 2007. Módulo_1.indd 17 27/1/2010 15:54:26 18 Apesar dos avanços na educação e das leis de proteção à infância, no Brasil, atualmente, temos ainda uma enorme desigualdade na forma como as nossas crianças, meninos e meninas, vivem a infância. Por exemplo, sabemos que, embora o trabalho infantil venha sendo combatido e sua ocorrência tenha diminuído, muitas crianças bra- sileiras ainda atuam no mercado informal de trabalho8. Essas crianças, meninas e meninos do Brasil, não têm uma rotina diferenciada daquela vivida pelos adultos, pois exercem a função de traba- lhadores precocemente, embora as leis determinem a proibição do trabalho infantil e a obrigatoriedade de frequência da criança ao Ensino Fundamental. Outras ainda sofrem violência doméstica e exploração sexual. E muitas não contam com um atendimento de saúde adequado. Assim, vivemos uma dicotomia entre leis avançadas de proteção à infância e umarealidade de vida adversa. Há um descompasso entre a cria- ção de uma lei e sua execução e fiscalização. No que diz respeito às crianças que são atendidas em instituições de Educação Infantil, há outros direitos expressos em lei que ainda precisam ser con- cretizados. Dois deles merecem destaque: o que determina o respeito aos valores culturais próprios do contexto social da criança e o que estabelece fundamentos nor- teadores para as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil. Entre os objetivos centrais do Projeto Brincar está o de trabalhar com esses dois planos. 2.1.2 Paradoxos sobre a infância Não é apenas o descompasso legal que separa as propostas da realidade, há paradoxos na relação adulto-criança que precisam ser explicitados para que possam melhorar a qualidade das nossas intervenções. Vários autores9 chamam a atenção sobre a ambivalência dos adultos com relação à criança. Corsino (2009) e Qvortrup (2008) apontam alguns paradoxos dessa relação nas sociedades modernas. Entre eles estão o fato de que os adultos: • acreditam que é benéfica a convivência entre pais e filhos, mas vivem cada vez mais vidas separadas; • gostam da espontaneidade das crianças, mas procuram tornar suas vidas cada vez mais organizadas; • afirmam que as crianças devem estar em primeiro lugar, mas cada vez mais são tomadas decisões econômicas e políticas que não as levam em conta; 8 Em 1995 foi criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). No final de 2005, esse Programa foi integrado ao Bolsa Família. De 2006 para 2008, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o trabalho infantil diminuiu. No entanto, em 2008, 993 mil crianças e adolescentes entre 5 e 13 anos trabalhavam no país. Fonte: http://www.ibge.gov.br. 9 Ver entre outros: CORSINO (2009); MOSS (2007); QVORTRUP (2008); SARMENTO (1997). Io la nd a H uz ak Módulo_1.indd 18 27/1/2010 15:54:27 19 • atribuem à escola um papel importante na sociedade, mas não se reconhe- ce como válida a contribuição das crianças na produção de conhecimentos; • valorizam e esperam das crianças comportamentos “infantis”, mas cobram cada vez mais responsabilidade delas; • preocupam-se com uma produção cultural mais especializada para infância e ao mesmo tempo conteúdos e informações de todas as espécies estão expostos através da mídia (principalmente TV e Internet) sem controle; • discutem os direitos das crianças, mas não criam condições para suas garantias. É necessário, então, começarmos o nosso trabalho nos perguntando que concepção de criança nós temos e que infância queremos proporcionar às crianças. Para isso, é fundamental ouvir e olhar as crianças, meninos e meninas, que estão à nos- sa volta e não perder de vista a criança que fomos e ainda existe dentro de nós. Com base nisso, buscar informações, através de estudos e pesquisas que possam ampliar nosso conhecimento, visando ações mais coerentes e contribuindo na formação do profissional da educação infantil. Um profissional que reflete sobre sua prática, um pesquisador, um cocons- trutor do conhecimento, tanto do conhecimento das crianças como dele pró- prio, sustentando as relações e a cultura da criança, criando ambientes e situações desafiadoras, ques- tionando constantemente suas próprias imagens de criança e seu entendimento de aprendizagem in- fantil e outras atividades, apoiando a aprendizagem de cada criança, mas também aprendendo com ela (MOSS, 2007, p. 246-247). No Projeto Brincar, o trabalho de formação inicia- se recuperando as memórias de infância dos participantes e, ao longo dos encontros, é dada forte ênfase à vivência de brincadeiras e à troca de experiências dos envolvidos, além de embasamento teórico sobre o tema. Roger Bastide (1947) nos inquieta quando fala que “para poder estudar a criança é preciso tornar-se criança (...) é preciso viver o brinquedo”. Também nes- sa linha Blackstone (2001) afirma que “é muito importante tomarmos consciência do remanescente da mentalidade infantil no nosso corpo. Se conhecermos a história da nossa dor, da nossa infância e a maneira como tendemos a projetá-la sobre as situações atuais, podemos tornar nosso comportamento mais flexível”. Formação de professores no Cenpec, 2007. Fe rn an da R ib ei ro Módulo_1.indd 19 27/1/2010 15:54:28 20 A vivência de brincadeiras em momentos de formação recupera o sentido que elas possuem, as dificuldades e desafios enfrentados, os medos, as alegrias e pra- zeres, a socialização, a cooperação, a resolução de conflitos e outros aspectos a elas relacionados. Acreditamos que uma vez “in-corporadas” (trazidas para o corpo) essas brincadeiras e o que elas nos proporcionam damos um primeiro passo para uma mu- dança efetiva da prática. 2.2 Brincar: contribuições de diferentes campos do conhecimento Acreditamos que os problemas educacionais devem ser equacionados no âmbito das questões políticas, sociais e cultu- rais, e não apenas sob o enfoque da Ciência. Temos clareza, porém, de que não se pode abrir mão do conhecimento científico para enfrentar esses problemas. Mas, embora as teorias nos deem princípios norteadores e parâmetros para orientar a ação, não podem ser transpostas diretamente para a prática pedagógica. Além disso, as teorias não são neutras, por isso, quando fazemos uma opção teórica, estamos nos comprometendo com uma determinada visão de sociedade, de ser humano, de cidadão, de educação. Diferentes áreas e diferentes tendências prevalecem em determinadas épocas e lugares, disputando espaço nos meios educacionais, muitas vezes apresentando-se como a solução mágica para as questões pedagógicas. Assim, faz-se necessária uma apropriação crítica das diferentes teorias que chegam a nós, educadores, que temos o compromisso de oferecer às novas gerações a melhor formação possível. Ao longo do século XX e início do XXI cresceu o esforço pelo conhecimento da criança em vários campos do conhecimento, tais como Psicologia, Psicanálise, Neu- rologia, História, Sociologia, Antropologia. ... o significado ideológico da criança e o valor social atribuído à infância têm sido objeto de estudo da sociologia (...) Também a antropologia, pesquisando a diversidade, tem permitido conhecer as populações infantis, suas brincadei- ras, atividades, músicas, histórias e outras práticas culturais. Além disso, o sé- culo XX assistiu à busca de uma psicologia baseada na história e na sociologia: as ideias de Vygotsky e Wallon e o debate com Piaget mostram esse avanço... (KRAMER, 2003, p. 86)10. A Criança Nova que habita onde vivo Dá-me uma mão a mim E a outra a tudo o que existe... Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) 10 Sobre estudos a respeito de criança, infância e a brincadeira ver também: BENJAMIN (2002); HUIZINGA (1990). Formação de professores no Cenpec, 2007. Fe rn an da R ib ei ro Módulo_1.indd 20 27/1/2010 15:54:29 21 A tendência mais recente da Sociologia e da Antropologia contrapõe-se à ideia de criança como ser pré-social, concebendo-a como um ser social pleno, dotado de capacidade de ação e culturalmente criativo. Entre as contribuições da Sociologia e da Antropologia, destaca-se o conceito de culturas da infância. Por esse conceito entende-se a capacidade das crianças em construírem de forma sistematizada modos de significação do mundo e de ação intencional, que são distintos dos modos adultos de significação e ação (...) As culturas da infância, sendo socialmente produzidas, constituem-se historicamente e são alteradas pelo processo histórico de recomposição das condições sociais em que vivem as crianças, entre si e com outros membros da sociedade (SARMENTO,2009, p. 3-4). Constituem as culturas infantis não apenas as brincadeiras, mas também os rituais, gestos, palavras, elementos simbólicos, o conjunto de significados que a criança atribui ao mundo físico e cultural e as relações de comunicação com seus pares. No que se refere à brincadeira, estudos da Antropologia mostram que ela é universal. Acontece em todas as culturas, espelhando sua diversidade, mas também mostrando semelhanças. Podemos usar como exemplo as brincadeiras de mãos, cujos gestos são muito parecidos, ou até mesmo iguais, porém a música que a acompanha traz uma letra relacionada a assuntos específicos de um determinado tempo ou lugar. A neurociência também vem nos revelando uma série de conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro e seu desenvolvimento, reafirmando, entre outras coisas, a importância dos estímulos propiciados pelas brincadeiras para um desenvol- vimento sadio. Durante o desenvolvimento de uma brincadeira, determinadas áreas cerebrais são estimuladas propiciando o seu amadurecimento. Entre as diversas contribuições teóricas, vamos nos deter mais em dois cam- pos de conhecimento: o da Psicologia do desenvolvimento e o da Teoria Psicanalítica. 2.2.1 As contribuições da Psicologia do desenvolvimento A Psicologia do desenvolvimento pretende estudar como nascem e como se desenvolvem as funções psicológicas que distinguem o homem de ou- tras espécies. Ela estuda a evolução da capacidade perceptual e motora, das funções intelectuais, da sociabilidade e da afetividade do ser humano. Des- creve como as capacidades se modificam e busca explicar tais modificações (DAVIS, 1993, p. 19-20). Município de Caçapava, 2006. N el so n To le do Módulo_1.indd 21 27/1/2010 15:54:30 22 Brincadeira, jogo ou brinquedo?11 No Brasil, as palavras jogo, brinquedo e brincadeira se misturam em seus significados, algumas vezes sendo consideras sinônimas, outras vezes não. Em algumas línguas europeias (francês, inglês, alemão, espanhol) o mesmo não acontece. Brincar origina-se do latim vinculum, que quer dizer “criar laços, unir, juntar, cativar” (Houaiss). Muitas vezes a palavra brincar significa não falar sério ou não levar as coisas a sério, fazer zombarias, agir com imprudência, distrair-se com jogos infantis. A palavra jogo também atrai diferentes significados. Referimo-nos a jogo, por exem- plo, como uma brincadeira que tem regras preestabelecidas que devem ser seguidas por todos os jogadores. Mas também usamos expressões como “jogo amoroso”, “jogo político”... Entre nós, a palavra brinquedo comumente é usada para designar o objeto de que a criança muitas vezes se utiliza para realizar a sua brincadeira. Mas também a encon- tramos designando a brincadeira em si. Lydia Hortélio, por exemplo, fala “Brinque- do de criança” quando se refere à brincadeira de roda. Diferentes autores usam uma ou outra dessas palavras com o mesmo sentido, Neste texto procuramos respeitar a palavra utilizada por cada um. No entanto, considera- mos mais adequado o uso da palavra brincar ou brincadeira para designar a ação da criança que é voluntária, espontânea, dotada de um fim em si mesma. A brincadeira pode ser ensinada, compartilhada, proposta por alguém e conter regras. Mas o seu caráter flexível, imprevisível e de que seja desejada pela criança se mantém. Dentro da Psicologia do desenvolvimento elegemos, para o Projeto Brincar, o aporte teórico interacionista, aqui representado por Wallon, Vygotsky e Piaget. Essa concepção fundamenta-se na ideia de interação entre organismo e meio e entende o conhecimento como um processo construído pelo sujeito durante toda a vida. Wallon, Vygotsky e seus seguidores enfatizaram o caráter sócio-histórico e cultural do ser humano, atribuindo à presença do fator humano no ambiente uma importância decisiva para o desenvolvimento. Por essa razão são considerados socio- interacionistas. De acordo com esses dois autores, a introdução da criança no mun- do da cultura é sempre mediada por pessoas mais experientes, seja na família, seja em outro grupo social. Mesmo quando age sozinha, a criança move-se num tempo e num espaço organizado pela cultura, com objetos da cultura. E, por necessitar de cuidados e proteção, a criança é sempre acompanhada muito de perto por pessoas mais velhas do que ela. 11 Sobre esse tema ver: HUIZINGA (1990); PORTO (2007); ANDRADE e MARQUES (2003). CEMEI Profa Cacilda de Carvalho Caputo, Bebedouro, 2007. Módulo_1.indd 22 27/1/2010 15:54:30 23 Ao desenvolver suas teorias, os três autores destacaram o ato de brincar como fundamental ao desenvolvimento humano. Aqui nos interessa principalmente as contribuições de cada autor para esse tema. Wallon Wallon (1879-1962) dedicou-se ao estudo da psicogênese da pessoa buscan- do entender de que forma o ser humano se mobiliza e é mobilizado para se constituir como sujeito social. Para Wallon o homem é geneticamente social: é na relação com o outro que as ações das crianças vão ganhando significado. É nos movimentos de outrem que toma- rão forma os primeiros movimentos do bebê. Suas necessidades têm de ser atendidas, compensadas, interpretadas. Suas manifestações de mal-estar ou bem-estar tendem a suscitar nas pessoas que o cercam intervenções úteis ou desejáveis. Nesse processo, gra- dativamente essas manifestações vão se tornando intencionais. O ser humano é, desde o início, um ser social preocupado em construir-se a si mesmo: observa-se, explora seu corpo, verifica os próprios limites físicos antes de entregar-se à tarefa de explorar o mun- do externo. Wallon considera o período inicial do psiquismo infantil como um estado de indivisão entre seu próprio corpo e o mundo exterior. Aos poucos, pelas interações com outras pessoas, a criança vai se diferenciando daqueles que a cercam, construindo seu próprio eu, sem excluir, no entanto, a presença do outro. O grande eixo da teoria do desenvolvimento de Wallon é a questão da motricidade. Na atividade muscular identifica duas funções: cinética (o músculo em movimento) e postural (o músculo parado). À medida que o ser humano adquire e domina os signos culturais, a motri- cidade, em sua dimensão cinética tende a diminuir, a se tornar ato mental. Assim, o ato mental, que se desenvolve a partir do ato motor, passa a inibi-lo, sem deixar de ser uma atividade do corpo. O indivíduo huma- no atua sobre o outro pela expressividade e isso lhe permite sobreviver (DANTAS, 1992, p. 37-38). A cultura e a linguagem são os instrumen- tos para a evolução humana, mas o primeiro instrumento utilizado pela criança é o adulto. A emoção, primeira manifestação da afetividade, pre- cede o aparecimento das condutas de tipo cognitivo e há um conflito e oposição permanente entre elas. Wallon trabalha com três conceitos chaves: preponderância, alternância e integração funcional. O desenvolvimento infantil é pon- tuado por conflitos que impulsionam o desenvolvimento. Esse processo Ro se li Pe re ira L im a Emei Carmem da Silva, São Paulo, 2009. Módulo_1.indd 23 27/1/2010 15:54:31 24 é caracterizado por predominância e alternância cognitiva e afetiva. Cada período de desenvolvimento é marcado por uma função preponderante. As atividades predomi- nantes correspondem aos recursos que a criança tem numa determinada fase para interagir com o ambiente. Wallon nasceu em Paris em 15 de junho de 1879. Cursou a Escola Normal Superior, tornando-se professor de Filosofia. Formou-se depois em Medicina e até 1931 atuou como médico de instituições psiquiátricas. Paralelamente, consolida-se seu interesse pela Psicologia da criança. Wallon tem por objetivo a elaboração de uma teoria do desenvolvimento da pessoa, ou seja, o estudo integrado do desenvolvimento, que abarque vários campos funcionais (afetivo, cognitivo,motor). Fundamentado no Ma- terialismo Histórico Dialético, propõe-se a estudar o psiquismo em sua formação e em suas transformações. Seu propósito era o de apreender o funcionamento do pensamento em seus primórdios. De 1920 a 1937, profere diversas conferências sobre a Psicologia da criança na Sor- bonne e em outras instituições de ensino superior. Em 1925, funda o Laboratório de Psicobiologia da Criança, publica sua tese de doutorado A criança turbulenta e inicia um período de intensa produção de livros voltados para a Psicologia da criança. Em seus estudos valeu-se da contribuição de outras áreas do conhecimento, tais como a neurologia e a antropologia. Em As origens do caráter (1934), o foco principal é a criança de 0 a 2 anos e os prin- cipais temas abordados são o desenvolvimento do caráter e o papel da emoção. A obra Do ato ao pensamento (1942) tem como objeto central a criança dos 2 aos 6 anos. Nela, trata das relações do gesto, do ato e da imitação com o pensamento simbólico. No livro As origens do pensamento na criança (1945), dedica-se à faixa de 5 a 12 anos. Nele, busca explicar como se desenvolve a inteligência discursiva. Para isso, recorreu a uma pesquisa na escola de Boulogne-Billancourt, onde se encontra- vam representados todos os elementos componentes da população da cidade. Wallon foi deputado por Paris na Assembleia Constituinte e tornou-se presidente da comissão para a reforma do ensino em 1946, apresentando o Projeto Langevin- Wallon em 1947. Manteve suas atividades científicas até 1953 e faleceu em 1962. (Fontes: ZAZZO, 1978; MAHONEY, 2009.) Sobre o brincar, Wallon afirma que o jogo12 tem uma finalidade em si mesmo e pressupõe a livre escolha. Uma vez imposto, perde o caráter de jogo. 12 Cada autor usa uma denominação diferente: jogo, brincadeira e brinquedo. Sobre isso ver boxe na p. 22. Módulo_1.indd 24 27/1/2010 15:54:31 25 Isso não significa que o brincar não exija esforço, mas sim que requer liberda- de. Esse autor distingue algumas formas de jogos que predominam em diferentes fases do desenvolvimento infantil: • jogos funcionais – quando a repetição do movimento ou do gesto acon- tecem pelo simples prazer e sem intencionalidade (atividades à procura de efeitos). Por exemplo, balançar as mãos ou as pernas. • jogos de ficção – brincar de boneca, de cavalo de pau etc. • jogos de aquisição – quando a criança para para olhar, observar e compre- ender o seu redor: coisas e seres, cenas, imagens, contos, canções etc. • jogos de fabricação – exploração de objetos para entender, transformar e criar novos jogos. Nestes, muitas vezes estão presentes os jogos de ficção e de aqui- sição. Para Wallon, mais do que procurar seguir ou criar regras para a brincadeira, a criança está em busca de novos desafios ou dificuldades a serem por ela superados. Para Wallon a atividade infantil é lúdica e gratuita. A motricidade infantil, bem como a linguagem, é lúdica, mar- cada por uma expressividade que supera de longe a instru- mentalidade. E é desse gratuito e livre que surge o novo e a criança passa a buscá-lo, com esforço, sem, no entanto, perder o seu caráter lúdico. Por isso, para se educar uma criança é preciso criar um espaço explorável, alimentar o jogo simbólico, possibilitar a música, o desenho, enfim, a expressão da criança (DANTAS, 1998, p. 118). Vygotsky Na visão de Vygotsky (1896-1934), o ser humano constrói o mundo e a si mesmo, faz-se na história, ao mesmo tempo que faz a história. Vygotsky, com seus estudos, buscava entender a formação e a evolução dos processos psicológicos humanos. Nessa busca, vale-se do conceito de media- ção, processo por meio do qual as funções psicológicas superiores de pensamento, tais como atenção voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, comporta- mento intencional, ações conscientemente controladas, se desenvolvem. Segundo ele, dois elementos são responsáveis pela mediação: o instrumento (material), que regula as ações sobre os objetos e auxilia nas ações concretas, e o signo, ou instru- CEI Turma da Mônica, Vinhedo , 2012 Módulo_1.indd 25 27/1/2010 15:54:32 26 mento psicológico, que regula as ações sobre o psiquismo das pessoas servindo de auxílio da memória e da atenção. No seu entendimento, a linguagem tem um pa- pel semelhante ao dos instrumentos de trabalho. Ambos são construções da mente humana e estabelecem uma relação de mediação entre o homem e o meio. Ela é sistema simbólico fundamental, elaborado no curso da história social e desempenha papel essencial no desenvolvimento das características psicológicas humanas. A lin- guagem origina mudanças nos processos psíquicos humanos: permite lidar com obje- tos do mundo exterior mesmo quando eles não estão presentes, possibilita a análise, abstração e generalização, a comunicação entre as pessoas e o estabelecimento de significados à cultura. Segundo Vygotsky, desde os primeiros momentos de vida é o outro – aquele(s) que cuida(m) e convive(m) com a criança – que, atribuindo significado aos seus gestos desordenados, aos seus balbucios e choros, faz com que esses atos ganhem significado para ela. Por meio das interações sociais e pela mediação da linguagem, o ser humano vai atribuindo sentido ao mundo que o cerca e, agindo nesse meio, vai se transformando e transformando suas estruturas cognitivas. Para esse autor, a interação social não é apenas facilitadora do desenvolvimento, mas constitutiva das funções superiores de pensamento. O desenvolvimento das funções psicológicas superiores, portanto, é mediado socialmente pelos signos e pelo outro. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança cons- trói modos de ação e processos mentais. A partir daí, passa a se apoiar menos em signos exteriores e mais em recursos próprios, já internalizados. Para Vygotsky, o desenvolvimento depende da aprendi- zagem. Ele identifica dois níveis de desenvolvimento: o real, que se refere ao desenvolvimento já realizado; e o potencial, que se relaciona às capacidades em vias de construção. Segundo ele, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvi- mento, cria uma zona de desenvolvimento proximal, ou seja, atua no espaço existente entre a zona real e a potencial de desenvol- vimento. No entendimento de Vygotsky, o mesmo papel cumpre a “brincadeira de faz de conta”. Nela, a criança age como se fosse maior do que é na realidade e desenvolve papéis que exigem comportamentos não habituais para sua idade. CEMEI Bruno Panhoca, São Carlos, 2008. Fo to s: M ar ia L úc ia M ed ei ro s Módulo_1.indd 26 27/1/2010 15:54:34 27 Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu em 5 de novembro de 1896 na Bielo-Rússia. Em 1917, graduou-se em Literatura. Terminados os estudos universitários, Vygotsky se dedica a atividades intelectuais bastante variadas. Ensina psicologia e prossegue seus estudos de teoria literária e psicologia da arte. Em 1924, muda-se para Mos- cou, passa a ser colaborador do Instituto de Psicologia e cria o Instituto de Estudo das deficiências. De 1924 a 1934, junto com um grupo de colaboradores, elabora sua teoria histórico-cultural dos fenômenos psicológicos e simultaneamente estu- da Medicina. Vygotsky procurava uma abordagem abrangente que possibilitasse a descrição e a explicação das funções psicológicas superiores, em bases aceitáveis para as ciências naturais. Essa explicação deveria incluir a identificação dos meca- nismos cerebrais subjacentes a uma determinada função, a explicação detalhada da sua história ao longo do desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer as relações entre formas simples e complexas daquilo que aparentava ser o mesmo comportamento; e deveria incluir a especificação do contexto social em que se deu o desenvolvimento do comportamento. Vygotskyfundamenta-se nos métodos e princípios do materialismo dialético, modelo teórico que tem como um de seus pontos centrais a proposta de que os fenômenos sejam estudados como processos em movimento e mudança. Assim, a tarefa do cientista seria a de reconstruir o curso do desenvolvimento do comportamento e da consciência. Vygotsky escreveu aproximadamente duzentos textos, dos quais uma parte se perdeu. A fonte principal continua sendo a obra publicada em russo entre 1982 e 1984, mas, ainda que esta antologia se intitule Obra completa, não abrange na realidade todos os textos que puderam ser conservados, pois ainda não foram reeditados vários livros e artigos publicados anteriormente. (Fontes: VYGOTSKY, 1988; ZACHARIAS, 2009.) Para Vygotsky a brincadeira (ou brinquedo, tal como aparece nas traduções de seus textos para o português) origina-se de desejos que não podem ser imediata- mente realizados. Ao brincar, a criança cria uma situação imaginária e essa característica é o que define a brincadeira. A ação que ocorre nessa situação imaginária, portanto, é o brinquedo. Para esse autor o “faz de conta” não é uma subdivisão da brincadeira, mas é a brincadeira por excelência. Para ele a imaginação é definidora da brincadeira e assim temos a sua clássica frase: “O brinquedo é a imaginação em ação”. Quando a criança é muito pequena, os objetos “ditam” as ações para ela (a criança vê um chaveiro e quer balançá-lo; ou o interruptor provoca a ação de ascender e apagar a luz). Com o surgimento da linguagem, a criança começa a imaginar, e os objetos vão perdendo sua força determinadora, a criança começa a brincar. Nesse momento, por exemplo, um Módulo_1.indd 27 27/1/2010 15:54:34 28 pedaço de madeira pode virar um telefone, ou um cabo de vassoura transformar-se em um cavalo, as ações surgem assim das ideias, e não mais dos objetos, dando início à construção do pensamento abstrato. Vygotsky não associa o brincar às atividades que dão prazer, pois, segundo ele, nem sempre as situações vivenciadas nas brinca- deiras são agradáveis, como nos momentos de negociação de papéis ou quando o resultado de um jogo não é o melhor. Considera que as regras e a fantasia estão presentes em todas as brincadeiras, embora no início haja um predomínio da imagi- nação sobre as regras e depois isso se inverta. Ao brincar de mamãe- -filhinha, por exemplo, as regras de comportamento, embora não sejam preestabelecidas, estão presentes na maneira de agir da crian- ça, assim como a situação imaginária está presente num complexo jogo de regras como é o xadrez. Além de satisfazer necessidades e desejos, o brinquedo pos- sibilita o desenvolvimento do pensamento abstrato, desencadeia o desenvolvimento da vontade e da capacidade de fazer escolhas. Ele afirma que as maiores aquisições de uma criança são conseguidas na situação de brincadeira (VYGOTSKY, 1988, p. 114). Piaget Piaget (1896-1980) preocupou-se, em seus estudos, com os aspectos rela- cionados ao desenvolvimento da inteligência e deu ênfase ao papel ativo do sujeito. A concepção de homem de Piaget é a de um sujeito em atividade, que constrói seu co- nhecimento através das interações com o meio. A interação organismo-meio acontece através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação. Vejamos o que isso significa. Ao nascer, o indivíduo recebe como herança uma série de estruturas biológicas – sensoriais e neurológicas – que permanecem constantes ao longo da sua vida (fatores invariantes). São essas estruturas biológicas que vão predispor o surgimento de certas estruturas mentais, os esquemas. O esquema é uma estrutura cognitiva, com padrões organizados de comportamento. São exemplos de esquemas: sugar, pegar, puxar, seriar, classificar. No início o bebê olha um objeto; mais tarde pode pegá-lo; depois o utiliza como instrumento; num outro estágio a ação concreta dá lugar à ação interiorizada. Piaget distingue quatro fatores principais para o desenvolvimento humano: maturação, experiência física e lógico-matemática, transmissão social e o processo de CEMEI Mara Marques, Bebedouro, 2007. Município de Caçapava, 2006. N el so n To le do Módulo_1.indd 28 27/1/2010 15:54:35 29 equilibração, sendo este último o mais importante. Esse processo resulta do equilíbrio entre assimilação e acomodação, operações realizadas pelo organismo para adaptar-se ao meio e organizar-se internamente. A assimilação consiste na tentativa do indivíduo de solucionar uma determinada situação a partir dos esquemas que possui. A acomo- dação, por sua vez, consiste na capacidade de modificação da estrutura mental para dominar um novo objeto de conhecimento... “A adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação” (PIAGET, 1970, p. 17). Os esquemas de assimilação vão se modificando, configurando os estágios de desenvolvimento. Cada estágio se caracteriza pelo surgimento de estruturas origi- nais que o distingue dos estágios anteriores. Porém, no decorrer dos estágios, o essen- cial dessas construções sucessivas permanece como subestruturas, sobre as quais as novas características se constroem. As atividades intelectual e biológica são partes do processo global pelo qual o organismo se adapta ao meio e organiza as experiências. A ação humana consiste em um processo contínuo que se orienta para o equilíbrio. Nesse processo, ele destaca a importância crucial do jogo. Para ele o jogo tem uma finalidade em si mesmo, é espontâneo, dá prazer, apresenta uma relativa falta de organização e envolve motivação intensa (FRIEDMANN, 1996). Segundo Piaget, as brincadeiras começam na fase sensório-motora, através dos jogos de exercícios. Estes têm por finalidade o prazer do funcionamento, o movi- mento pelo movimento... Eles não são exclusivos da criança pequena, reaparecendo ao longo da vida. Por volta dos 2 anos, a criança passa a ter a possibilidade de simbo- lizar, tomar uma situação por outra, um objeto por outro. Nesse momento, realidade e fantasia se misturam. Com isso, dá-se o surgimento do jogo simbólico, nos quais a criança representa algo, geralmente temas relacionados à vida afetiva. Piaget dá desta- que a esse tipo de jogo. Na obra A psicologia da criança afirma: O jogo simbólico assinala, sem dúvida o apogeu do jogo infantil... Obrigada a adaptar-se, sem cessar, a um mundo social de mais velhos cujos interesses e cujas regras lhe permanecem exteriores, e a um mundo físico que ela mal compreende, a criança não consegue, como nós, satisfazer as necessidades afetivas e até intelectuais do seu eu nessas adaptações... É, portanto, indispensável à criança que possa dispor de um meio de expressão própria, isto é, de um sistema de significantes construídos por ela e dóceis às suas vontades: tal é o sistema dos símbolos próprios do jogo simbólico... (PIAGET; INHELDER, 1980, p. 52). CEMEI Maria Fernanda Lopes Piffer, Bebedouro, 2007. Módulo_1.indd 29 27/1/2010 15:54:35 30 Numa etapa posterior, o pensamento começa a ficar mais objetivo, a criança consegue maior separação entre o real e a fantasia, dando lugar aos jogos com regras. A regra substitui o símbolo, supõe relações sociais e é uma regularidade imposta pelo grupo. Esses jogos podem ser sensoriais, como as corridas, ou intelectuais, como as cartas e o xadrez, havendo competição ou colaboração entre as equipes ou indivíduos, também podem ser simbólicos, como nas adivinhações. Jean Piaget nasceu em Neuchâtel em 1896. Estudou Biologia e Filosofia, formou-se em Ciências Naturais e doutorou-se em Zoologia. Após formar-se, foi para Zurich, onde trabalhou como psicólogo experimental. Em 1919, Piaget mudou-se para a França onde foi convidado a trabalhar no laboratório de Alfred Binet. Iniciou seus estudos experimentais sobre a mente humana e começou a pesquisar tambémso- bre o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Em 1921, Piaget voltou à Suíça e tornou-se diretor de estudos do Instituto J. J. Rousseau da Universidade de Gene- bra. Desenvolveu uma série de investigações em torno do pensamento espontâneo da criança. Com 27 anos, escreveu o seu primeiro livro de Psicologia: A linguagem e o pensamento na criança. Foi professor de Psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954. Na década de 1950 fundou o Centro Internacional e Epistemologia Genética da Faculdade de Ciências da Universidade de Genebra, onde foram produzidas im- portantes obras de Psicologia Cognitiva. Lecionou a disciplina de Psicologia da Criança, a partir de 1952, na Sorbonne, Paris. Durante esse período, cerca de onze anos, desenvolveu trabalhos sobre a inteligência com o grupo de investiga- dores da Escola de Binet e Simon. Piaget preocupou-se em desenvolver uma psicogenética da inteligência. A crian- ça é concebida como um ser dinâmico, que a todo o momento interage com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Essa interação com o ambiente faz com que construa estruturas mentais e adquira maneiras de fazê- -las funcionar. Piaget escreveu várias obras, algumas das quais em colaboração de Barbel Inhelder. Entre elas, destacam-se: Seis estudos de Psicologia; A construção do real na criança; Epistemologia genética; O desenvolvimento do símbolo na criança; Da lógica da criança à lógica do adolescente; A equilibração das estruturas cognitivas. Piaget morreu em Genebra, na Suíça, com 83 anos. (Fonte: ZACHARIAS, 2009.) Módulo_1.indd 30 27/1/2010 15:54:35 31 2.2.2 As contribuições da Teoria Psicanalítica Fundada por Freud (1856-1939), a Psicanálise foi por ele definida como um procedimento para a investigação de processos mentais, um método, baseado nessa investigação, para o tratamento de distúrbios neuróticos e uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio e que se somam umas às outras para formarem progressivamente uma nova disciplina científica (LOWENKRON, 2009). Segundo Me- zan (2007), Freud, em sua obra Sobre uma Weltanschauung (visão de mundo), de 1932, caracteriza a Psicanálise como um ramo da Psicologia, que investiga a vida psíquica, o inconsciente, suas leis e seus efeitos sobre o comportamento humano. A Psicanálise nasceu como um método investigativo aplicado a adultos, esten- dendo-se posteriormente ao tratamento de crianças. Para Freud, ao brincar, a criança tem prazer na aparente onipotência que adquire ao manipular os objetos cotidianos associando-os a símbolos imaginários. Melanie Klein (1882-1960), discípula de Freud, trouxe a brincadeira para o trabalho psicanalítico com crianças. Klein via uma similitude entre a atividade lúdica in- fantil e o sonho do adulto13. Discípulo de Klein, Winnicott (1896-1971) redimensiona a brincadeira, diferenciando o brincar utilizado no processo de análise e o brincar em si, uma atividade infantil, e que também faz parte do mundo adulto. Conside- rava a possibilidade de que “na teoria total da personalidade, o psicanalista tenha estado mais preocupado com a utilização do conteúdo da brincadeira do que em olhar a criança que brinca e escrever sobre o brincar como uma coisa em si” (WINNICOTT, 1975, p. 61). Para ele os analistas infantis por se ocuparem tanto dos possíveis significados do brincar não possuíam um claro enunciado descritivo sobre essa atividade. E é isso que ele se propõe a fazer, trazendo importante contribuição sobre o papel da brincadeira na constituição da subjetividade. Winnicott Para Winnicott, cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer e se integrar. Porém, o desenvolvimento desse potencial dependerá de um ambiente facilitador que forneça os cuidados de que a criança precisa, sendo que, no início, esse ambiente é representado pela “mãe suficientemente boa”. Segundo esse autor, a mãe suficientemente boa é aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a capacidade deste em lidar com a frustração (WINNICOTT, 1975, p. 25). A adaptação da mãe às necessidades do bebê dá a ele a ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua pró- pria capacidade de criar (idem, ibidem, p. 27). 13 A esse respeito ver Klein, M. 1997. Ac er vo p es so al d e A m ér ic a M ar in ho Módulo_1.indd 31 27/1/2010 15:54:36 32 Winnicott nasceu em Plymouth, Devon, Inglaterra em 7 de abril de 1896 e morreu em 1971. Começou a estudar Medicina em Cambridge, mas interrompeu seus estu- dos para servir como cirurgião aprendiz – residente em um navio britânico, durante a Primeira Guerra Mundial. Formou-se em Medicina em 1923 e, em 1927, foi aceito na Sociedade Britânica de Psicanálise e qualificado como analista de crianças em 1935. Foi também pediatra durante quarenta anos. Durante a guerra, Winnicott trabalhou com crianças evacuadas e separadas preco- cemente dos pais, o que o colocou frente a frente com angústias infantis graves. Um acontecimento relevante da vida desse autor foi a chegada em Londres, no ano 1926, de Melanie Klein (1882-1960), uma das mais importantes analistas de criança da sua época, com a qual ele trabalhou. Winnicott compartilhava com Klein a convicção da importância suprema do primeiro ano da vida da criança para saúde psíquica. Havia nesse ponto uma discordância com Freud (1895-1982) o que ocasio- nou uma divisão na Sociedade Britânica de Psicanálise. Em 1945, um acordo entre esses psicanalistas acabou por constituir três grupos: os Freudianos, o Kleinianos e um grupo conciliador ao qual Winnicott pertenceu. Diretor do Departamento Infantil do Instituto Psicanalítico da Sociedade Britânica por 25 anos, foi ainda, por dois mandatos consecutivos, Presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise. Trabalhou no hospital Paddington Green Children’s até os anos 60. Membro da Unesco e coordenador de vários grupos de estudos, autor de vários textos, conferencista, sem deixar a prática clínica. Atuando como pediatra, psicanalista e cidadão em vários setores da sociedade, mostrou, na prática, a importância que dava ao entrelaçamento do indivíduo com o meio. Emitiu valiosas opiniões referentes a projetos governamentais que interferiam direta ou indiretamente na área da saúde ou educação, por meio de cartas enviadas a colegas e autoridades; assim, encontramos cartas dirigidas ao Primeiro Ministro da Inglaterra, a reitores de universidades, professores, sacerdotes, médicos das mais variadas especialidades (psiquiatras, neurologistas, pediatras, psicanalistas), a fabri- cantes de brinquedos, a amigos e inimigos, a leitores de suas publicações, a qualquer cidadão comum que lhe pedisse ajuda. A obra de Winnicott está embasada em sua prática clínica pediátrica e psicanalítica. Em seus livros faz sempre referências aos registros sobre os pacientes que tratava. Vários de seus livros foram publicados em português. Entre outros citamos: Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogans, 1982. A família e o desenvolvimento individual. Módulo_1.indd 32 27/1/2010 15:54:36 33 São Paulo: Martins Fontes, 1993. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1988. O gesto espontâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1990. Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990. Con- versando sobre crianças [com os pais]. São Paulo: Martins Fontes, 1993. Pensando sobre crianças. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. (Fontes: BOGOMOLETZ, 2009; LOWENKRON, 2009.) Não se trata, porém, de uma mãe perfeita ou de uma supermãe, mas sim de um adulto que exerce a função materna, aceitae acolhe o bebê atendendo às suas necessidades. Segundo Oliveira (2009), Winnicott entende que, quando o pai cuida do filho, na fase em que o bebê não se distingue do meio ambiente, sua função é igualmente materna. Ou ainda que, no início da vida do bebê, a função do pai é apoiar a mãe, juntamente com a família e a sociedade, para que ela possa desempenhar essa tarefa tão complexa e delicada que é participar da emergência de um sujeito. Segundo esse autor, é fundamental, para a constituição do “self” (eu), o modo como a mãe coloca o bebê no colo, carrega-o, toca, manipula, aconchega, fala com ele. A capacidade das mães em dedicar a seus filhos a atenção de que precisam, atendendo suas necessidades de alimentação, higiene, acalento ou simples contacto, cria condições para a manifestação do sentimento de unidade entre duas pessoas. A confiança na mãe cria uma união entre ela e o bebê. Segundo Winnicott (1975, p. 71), a brincadeira começa aqui. O brincar não está dentro, nem fora do indivíduo. Há um espaço potencial entre o bebê e a mãe, que varia bastante conforme as experi- ências de vida do bebê em relação à figura materna (idem, ibidem, p. 63). O bebê e o objeto estão fundidos um no outro. A visão que o bebê tem do objeto é subjetiva e a mãe se orienta no sentido de tornar concreto aquilo que o bebê está pronto a encontrar. É interessante observar que seus estudos da relação mãe-bebê têm trazido contribuições importantes na educação de crianças pequenas, pois o adulto cuidador é muitas vezes a pessoa de referência da criança. Para explicar o surgimento do brincar, Winnicott deu destaque ao que denominou como fenômeno transicional, ou seja, a área interme- diária de experiência entre o corpo e o objeto. Inicialmente a criança leva a mão, o dedo e o punho à boca; depois passa a usar objetos para isso. Uma bola de lã, a ponta de um cobertor, uma melodia, algo que se torna Ac er vo p es so al d e A m ér ic a M ar in ho Módulo_1.indd 33 27/1/2010 15:54:38 34 importante para o bebê na hora de dormir, uma defesa contra a ansiedade. A esses objetos Winnicott denomina objetos transicionais. São objetos que não fazem parte do corpo do bebê, mas não são plenamente reconhecidos como pertencentes à realida- de externa. É a primeira possessão do “não eu”. Há, em geral, por parte dos pais, um reconhecimento ainda que intuitivo da importância desse objeto para a criança, a ponto de levarem-no consigo quando saem de casa. À medida que a criança cresce, o objeto transicional perde o significado. Em primeiro lugar é a mãe que brinca com o bebê e ela se ajusta às suas ne- cessidades lúdicas. Mais cedo ou mais tarde, ela estimula na criança seu próprio brincar e descobre como é diversa a capacidade dos bebês em aceitar ou não a introdução de ideias que não lhes são próprias. Dessa maneira, prepara o caminho para o brincar conjunto num relacionamento. Quando se inicia a brincadeira compartilhada, surge a possibilidade de ampliação das experiências lúdicas. Winnicott sugere que deva haver uma atitude social positiva com respeito ao brincar. Adultos devem estar disponíveis quando crianças brincam, o que não significa que precisam ingressar nas brincadeiras das crianças. “A criança que brinca habita uma área que não pode ser facilmente abando- nada, nem tampouco admite facilmente intrusões” (idem, ibidem p. 76). Há em primeiro lugar a necessidade de proteção, de modo que possa ser criado o espaço de confiança para que a criança brinque criativamente. Em segundo lugar, os que cuidam da criança devem ser capazes de colocá-la em contato com a he- rança cultural, de modo apropriado, de acordo com a capacidade da criança, sua idade emocional e fase de desenvolvimento. A experiência criativa começa com o viver criativo, manifestado primeiro na brin- cadeira. Para o bebê todo e qualquer objeto é um objeto a ser descoberto. Dada a oportu- nidade, o bebê começa a viver criativamente, a utilizar objetos reais para ser criativo. A característica essencial, segundo Winnicott, é de que brincar é uma expe- riência criativa, uma experiência na continuidade espaço-tempo, uma forma básica de viver situada entre o subjetivo e o que é objetivamente percebido. A criança traz para dentro da brincadeira objetos e fenômenos da área externa, usando-os a serviço de algo que é interno. 2.2.3 Conclusões Embora com diferentes enfoques, tanto a Psicologia do desenvolvimento quanto a Psicanálise enfatizam a importância da brincadeira para o ser humano. Módulo_1.indd 34 27/1/2010 15:54:38 35 Com base nos vários autores destacados, entendemos que o brincar se ma- nifesta de diferentes maneiras: desde as brincadeiras que a criança, ainda bebê, faz com o seu próprio corpo, com os sons vocais, com os objetos que o adulto lhe oferece até aquelas que requerem destreza corporal, capacidade de imaginar e simbolizar e o respeito a regras predefinidas. O brincar é um processo histórica e socialmente construído. Isto é, as crian- ças aprendem a brincar com os outros membros de sua cultura e suas brincadeiras são impregnadas pelos hábitos, valores e conhecimentos de seu grupo social. As mães ou pessoas responsáveis pelos cuidados com os bebês, através dos vínculos afetivos esta- belecidos, interagem com eles, criando diferentes situações que poderíamos identificar como o início desse processo. A brincadeira se constitui inicialmente em uma forma de interação entre o bebê e a mãe (ou o adulto que desempenha esse papel). Do aconchego materno, dos acalantos e sorrisos surgem os jogos de reciprocidade: dar e pegar, esconder e achar, colocar dentro e fora, bater palminhas, fazer “serra, serra, serrador” e outras. A partir dos quatro meses, a criança começa a demonstrar atenção aos objetos e ao que pode fazer com eles (bater, golpear, balançar). Até os 8-12 meses, os objetos não são percebidos como permanentes e estáveis. Os jogos do tipo esconder e achar, colocar dentro e fora fazem parte desse período. Constituem-se também em brincadeiras fa- zer cócegas e caretas, fingir um tombo e outras formas de pantomimas que provocam risos na criança pequena. A familiaridade com essas brincadeiras, e o seu final previsível pela constante repetição, possibilita que a criança possa usufruí-las com tranquilidade. Quando mais velhas, as crianças associam ou- tros elementos à sua brincadeira e ampliam seus parcei- ros incluindo cada vez mais outras crianças. Por volta dos dois anos começam as brincadeiras de faz de conta, as escolhas de papéis e enredos. As brincadeiras corporais envolvem novos desafios como correr para escapar de pegador, pular amarelinha sem pisar na linha, pular corda, subir em árvores. Surgem os jogos em que as regras são previamente combinadas e devem ser seguidas por todos os participantes. Finalmente, é importante retomar o caráter gra- tuito da brincadeira, uma atividade livre e que tem fim em si mesma. Quando a livre escolha das crianças, a espontanei- dade, a possibilidade de criação são preservados, garante- se a essência do brincar. CEMEI Arnaldo de Rossis Garrido, Bebedouro, 2007. Módulo_1.indd 35 27/1/2010 15:54:38 36 3. O brincar na instituição de Educação Infantil Uma instituição de Educação Infantil deve pensar, dentro do seu contexto cultural e histórico, sobre o que é preciso oferecer como experiência à criança para promover seu desenvolvimento integral. Com base nessa reflexão, é possível tomar decisões que garantam um cuidado adequado, favoreçam a interação tanto entre adul- to e criança quanto entre pares, promovam o acesso aos bens culturais. Tais decisões se refletirão na configuração do tempo, do espaço e nas atividades que serão prioriza- das. Tempos e espaços caminham juntos. Não é possível pensar em um espaço sem pensar em como ele
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