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36 junho/julho 2011 Onco& Introdução AFEBRE EM PACIENTE NEUTROPÊNICO É CONSI -DERADA UMA EMERGÊNCIA MÉDICA. DURANTE OPERÍODO DE NEUTROPENIA PÓS-QUIMIOTERAPIA, a febre pode ser o único indicativo de infecção, já que os sinais e sintomas de inflamação estarão atenuados. A incidência de febre relacionada à neu- tropenia é documentada entre 10% e 50% em pa- cientes com tumores sólidos e até 80% nas neo plasias hematológicas após pelo menos um ciclo de qui mioterapia. O advento dos antibióticos de largo espectro permitiu o uso de regimes qui - mioterápicos mais agressivos, visto que as infecções respondiam por cerca de 75% da mortalidade rela- cionada à quimioterapia. Definição A febre em pacientes neutropênicos é definida como temperatura isolada (única medida) de 38,3 graus Celsius ou sustentada de 38 graus (duas tomadas em intervalo de 1 hora). Deve-se ter atenção especial para idosos e usuários crônicos de glicocorticoides, nos quais é maior o risco de in- fecção, mesmo na ausência de febre. A neutropenia é usualmente definida como contagem absoluta de neutrófilos (CAN) < 500 células/mm3 ou <1000 células/mm3, com estimativa de queda a patamar <500 células/mm3 nos dois dias subsequentes. Alto risco x baixo risco As atuais recomendações para avaliação, tratamento e profilaxia são estruturadas na avaliação de risco. Decisões em torno da escolha do regime antibiótico empírico, necessidade de antibioticoterapia venosa e de internação hospitalar devem ser tomadas após a devida classificação de risco de complicações in- fecciosas graves. *Pacientes com doença neoplásica fora de con- trole, performance status (PS) ruim e idade avançada devem ser considerados de alto risco, mesmo quando não forem preenchidos os critérios acima. Avaliação clínica: 1. Exame físico: a realização de um exame clínico minucioso é de fundamental importância na ava - liação do neutropênico febril. É importante lembrar que nessa população espera-se que os sinais de in- flamação sejam sutis. Atenção especial deve ser dada a pele, mucosas, seios nasais, região perianal e sítio de inserção de cateter venoso central. 2. Exames laboratoriais: hemograma completo (com contagem diferencial de leucócitos), ureia, crea tinina, eletrólitos, transaminases, bilirrubinas e dois sets de hemocultura (sendo cada set composto emergências oncológicas Neutropenia febril e câncer – parte 1 Daniel Tabak * Hematologista-Oncologista; diretor médico do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON); membro titular da Academia Nacional de Medicina Contato: dantabak@terra.com.br Luiz Gustavo Torres * Médico oncologista do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON) Contato: torres.luizgustavo@gmail.com D iv ul ga çã o 1. Neutropenia severa: neutropenia (CAN) < 100 células/mm3 com duração estimada maior que sete dias 2. Presença de uma das condições abaixo: - Instabilidade hemodinâmica; - Mucosite oral ou gastrointestinal (odinofa- gia, diarreia); - Sintomas gastrointestinais (dor abdominal, náuseas e vômitos); - Alterações neurológicas (sonolência, con- fusão mental); - Infiltrado pulmonar, hipoxemia ou DPOC associada; - Sinal de insuficiência hepática (elevação de transaminases > 5 vezes o limite supe- rior); - Sinal de insuficiência renal (clearance de creatinina < 30 ml/minuto). Critérios para definição de paciente de alto risco: por amostra de ambas as vias do cateter e sangue periférico ou sangue periférico de sítios de punção diferentes em caso de ausência de acesso venoso central). O rastreamento microbiológico em outros materiais (urina, escarro, líquor, pele e fezes) deve ser realizado quando houver indicação clínica. Broncoscopia para coleta de lavado broncoalveolar deve ser considerada em caso de infiltrado pulmonar suspeito. Estudos recentes para avaliação da utilidade de marcadores infla- matórios (proteína C reativa, procalcitonina, interleucina 6 e 8) em pacientes neutropênicos com câncer foram inconsistentes. Não devem ser usados, portanto, para guiar terapia antimicrobiana. 3. Exames de imagem: radiografia de tórax deve ser solicitada mesmo na ausência de sintomas respiratórios. Tomografias devem ser rea - lizadas apenas quando clinicamente indicadas. Terapia antibiótica A antibioticoterapia empírica deve ser direcionada aos patógenos mais comuns e mais virulentos, que podem oferecer risco iminente de morte ao neutropênico. Há algumas décadas, estudos apontavam taxa de mor- talidade de até 70% em caso de retardo no início dos antibióticos. Relatos subsequentes a partir do final dos anos 70, após a implementação da antibioticoterapia de largo espectro, demonstraram clara associação entre o uso precoce dos antibióticos e a queda na taxa de mortalidade. O isolamento de bactérias gram-positivas acontece em maior fre- quência se comparado ao isolamento de gram-negativas. No en- tanto, as infecções por gram-negativas estão relacionadas a maior taxa de mortalidade. A cobertura inicial contra P. aeruginosa per- manece amplamente recomendada pela alta mortalidade associada a essa infecção. Alto risco Pacientes considerados de alto risco devem receber antibioticote - rapia venosa com cobertura abrangente para germes gram-negativos, incluindo P. aeruginosa. São consideradas terapias de primeira linha: cefepima, piperacilina-tazobactam e carbapenêmicos. Uma metanálise recente comparou o uso isolado de betalactâmicos a associação beta- lactâmicos e aminoglicosídeos, demonstrando equivalência das tera - pias com perfil de toxicidade favorável a monoterapia. Amplamente aceita e recomendada, a monoterapia com cefepima tem sido recentemente questionada. Uma metanálise publicada em 2007 por Yahav e colaboradores envolvendo 19 ensaios randomizados apontou um aumento na mortalidade associada ao uso do cefepima quando comparado a outros betalactâmicos (RR 1,41; 95% IC, 1,08- 1,84). Apesar desse resultado conflitante, a monoterapia com cefepima continua sendo recomendada. A cobertura adicional empírica para gram-positivos não deve ser realizada de rotina em pacientes com neutropenia febril. Além de não estar associada a benefício clínico, o uso da vancomicina pode pro- mover resistência em cepas como enterococos e S. aureus. Estafilococos coagulase-negativos, que são a principal causa de bacteriemia identi- ficável em pacientes neutropênicos, são patógenos fracos e raramente provocam rápida deterioração clínica. Sendo assim, não há urgência para a associação empírica da vancomicina. No entanto, existem algumas situações clínicas em que a utiliza- ção empírica da vancomicina deve ser fortemente considerada. A frequente associação de choque séptico a S. aureus e a difusão de cepas resistentes a meticilina (MRSA) levam à recomendação de uso em caso de instabilidade hemodinâmica. Infecções por estreptoco- cos viridans podem ser resistentes a betalactâmicos e fluoro- quinolonas e estão usualmente ligadas a condições encontradas em pacientes neutropênicos, como mucosite gastrointestinal ou uso pro- filático de quinolonas. Uma alternativa à vancomicina em pacientes intolerantes é a linezolida. Em ensaio multicêntrico e randomizado, Jaksic e cola - boradores compararam o uso da vancomicina (1 g a cada 12 horas) com o da linezolida (600 mg a cada 12 horas), tendo encontrado taxa de mortalidade equivalente e perfil de toxicidade discretamente favorável à linezolida. Indicações para associação empírica da vancomicina: - Suspeita de sepse relacionada a cateter venoso; - Instabilidade hemodinâmica; - Pneumonia documentada radiologicamente; - Hemocultura positiva (gram-positivo, mesmo antes da identificação final); - Infecção de pele ou partes moles; - Colonização por MRSA; - Mucosite severa, em caso de pacientes em profilaxia com fluoro- quinolona. *Em pacientes considerados dealto risco e alérgicos a betalac- tâmicos, a associação de ciprofloxacina a vancomicina ou clindami - cina é uma boa opção. A adição inicial dos aminoglicosídeos deve ser considerada apenas no caso de instabilidade hemodinâmica. O risco de infecção por bac- térias gram-negativas resistentes também precisa ser avaliado pela história clínica do paciente ou pelo padrão de sensibilidade do hospi- tal. Nesse caso, o uso dos aminoglicosídeos pode estar indicado. Em pacientes com disfunção renal, o ciprofloxacino aparece como opção aos aminoglicosídeos. Onco& junho/julho 2011 37 38 junho/julho 2011 Onco& *Cancer principles and practice of oncology, 8th edition, DeVita, Hellman and Rosenberg’s Baixo risco Pacientes com baixo risco de complicação durante o curso da neu- tropenia podem ser considerados candidatos a antibioticoterapia por via oral. Devem estar ausentes todos os critérios considerados de alto risco. Dois grandes estudos randomizados de comparação entre terapia oral com ciprofloxacina e amoxicilina-clavulanato versus terapia venosa mostraram equivalência. Deve-se levar em conta, no entanto, que os pacientes foram acompanhados em unidade hospitalar e não em regime ambulatorial. O uso isolado da ciprofloxacina deve ser desencorajado mesmo nos pacientes de baixo risco, pela cobertura imprópria para germes gram-positivos. Se comparada à ciprofloxacina, a levofloxacina tem maior cobertura para gram-positivos e pode oferecer boa cobertura para P. aeruginosa quando usada na dose de 750 mg/dia. No entanto, até a presente data faltam dados mais robustos na literatura para jus- tificar também a monoterapia com levofloxacina mesmo na população de baixo risco. A terapia antimicrobiana oral apresenta óbvias vantagens, como menor custo, menos toxicidade e melhor aceitação dos pacientes. Poucos estudos publicados, no entanto, investigam a segurança da manutenção dos pacientes em regime ambulatorial quando comparado à terapia padrão intra-hospitalar. Estudos recentes têm sugerido que após breve período de internação (24 horas) seria seguro manter os pacientes em regime ambulatorial. Esse breve período de observação serviria para confirmar a estabilidade clínica, descartar sepse fulmi- nante, avaliar o suporte familiar e realizar o rastreamento microbio - lógico com a coleta de amostras para culturas. Tendo-se optado pelo seguimento ambulatorial do tratamento, é fundamental que o paciente tenha acesso à equipe médica 24 horas por dia, 7 dias por semana e pronto acesso ao hospital. Quando a antibioticoterapia deve ser modificada? Um acompanhamento clínico rigoroso, com exame físico diário, atenção a novos sintomas e monitoramento das culturas (com novas coletas de qualquer sítio suspeito novo), é de fundamental importância para um desfecho favorável. Febre persistente isolada em pacientes clinicamente estáveis raramente indica necessidade de alteração do regime antibiótico empregado. De forma geral, acréscimos ou mu- dança da terapia empírica inicial devem ser guiados por modificação da condição clínica ou resultados das culturas. Exceção deve ser feita aos pacientes considerados de baixo risco e, portanto, em uso de an- tibioticoterapia oral. Nesse grupo, se não houver controle da febre após 48 horas de antibióticos, deve-se considerar internação hospitalar para terapia antimicrobiana venosa e vigilância clínica. Apesar do uso frequente da vancomicina em pacientes neutropêni- cos, não há benefício demonstrado na sua adição em casos de febre persistente ou recrudescente. Em estudo prospectivo, randomizado, que avaliou a adição da vancomicina ao uso da piperacilina-tazobac- tan, Wade e colaboradores não encontraram diferença significativa, tendo como desfecho o desaparecimento da febre após 72 horas. Quando a vancomicina compõe o regime inicial, recomenda-se fazer a descontinuação da droga caso não seja observado crescimento de germes gram-positivos nas culturas coletadas na admissão após período de 48 horas de incubação. Caso de febre persistente Em caso de febre persistente após 48-72 horas de antibiótico em pacientes clinicamente estáveis, deve-se realizar novo rastreamento para identificar o sítio infeccioso. Coleta de novo set de hemoculturas, pesquisa de toxina de Clostridium difficile nas fezes (na presença de diar reia e/ou dor abdominal) e tomografias conforme indicação clínica (ex.: a dos seios da face e a do tórax são recomendadas em pacientes com alto risco de infecção fúngica invasiva) devem ser considerados. Causas não infecciosas como febre relacionada a droga, tromboflebite, neoplasia de base e hematomas volumosos devem ser lembradas como possíveis agentes causais. Em pacientes clinicamente instáveis está indicada a substituição do regime antibiótico (cefalosporinas ou piperacilina/tazobactam) Ceftazidima Cefepima Piperacilina/Tazobactam Imipenem Meropenem Vancomicina Linezolida Metronidazol Anfotericina B lipossomal Itraconazol Voriconazol Caspofungina Doses dos antibióticos usualmente usados em neutropenia (em adultos com função renal normal) 2 g a cada 8 horas 2 g a cada 8-12 horas 4,5 g a cada 6 horas 500 mg a cada 6 horas 1-2 g a cada 8 horas 1 g a cada 12 horas 600 mg a cada 12 horas 500 mg a cada 6-8 horas 3 mg/kg/dia 200 mg (IV) a cada 12 horas (4 doses) seguidos de 200 mg/dia 6 mg/kg a cada 12 horas (2 doses) seguidos de 3 mg/kg a cada 12 horas 70 mg/dia (1 dose) seguidos de 50 mg/dia pelos carbapenêmicos em associação com aminoglicosídeos e cober- tura fúngica anticândida com fluconazol ou novos antifúngicos (em caso de pacientes em uso profilático de fluconazol). Nos casos de febre persistente após o quarto dia de antibioticote - rapia em pacientes estáveis mas ainda sem recuperação medular imi- nente, cabe considerar fortemente o rastreamento de infecção fúngica invasiva (TC de tórax e seios da face) e iniciar terapia antifúngica em- pírica (com cobertura para fungos filamentosos, como asper gilose). São aceitas as seguintes opções: anfoteri cina B (prefe rencialmente li- possomal), caspo fungina, itraconazol e voriconazol. Usado como profilaxia em pacientes de alto risco de infecção fún - gica, o fluconazol não exerce papel profilático no desenvolvimento de infecção por fungos filamentosos (aspergilose, zigomicose e fusariose), que ocorrem quase que exclusivamente em pacientes com neutropenia grave (< 100 cels/mm3) e prolongada (> 10 dias). Por quanto tempo manter os antibióticos? Nos casos em que é documentada infecção, clínica ou microbio- logicamente, a duração da terapia deve ser ditada pelo germe e pelo sítio envolvidos. Quando não se identifica agente ou foco de infecção evidente, recomenda-se a descontinuação da terapia apenas após atingido o patamar acima de 500 neutrófilos/mm3. Referências bibliográficas 1. Freifeld AG, Bow EJ, Sepkowitz KA, et AL. Clinical practice guideline for the use of antimicrobial agents in neutropenic patients with câncer. 2010 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis 2011; 52:56-93 2. DeVita, Hellman, and Rosenbergs. Cancer Principles & Practice of Oncol- ogy 8th edition. Chapter 62. 3. Paul M, Soares-Weiser K, Grozinsky S, ET AL. Baet-lactam versus beta-lac- tam-aminoglycoside combination therapy in câncer patients with neutropenia. Cochrane Database Syst Ver 2003: CD003038. 4. Yahav D, Paul M, Fraser A, ET AL. Efficacy and safety of cefepime: A sys- tematic review and meta-analysis. Lancet infect Dis 2007; 7:338-48. 5. Jaksic B, Martinelli G, Perez-Oteyza J, et al. Efficacy and safety of linezolid compared with vancomycin in a randomized, double-bind study of febrile neutropenic patients with cancer. Clin Infect Dis 2006; 42:597. 6. Wade JC, Glasmacher A. Vancomycin does not benefit persistently febrile neutropenic people with cancer.Cancer Treat Ver 2004; 30:119-26.
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