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Pesquisa e Prática Em Educação IV conteudo aula 2

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Pesquisa e Prática Em Educação IV
AULA 2
Ciência da educação
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
Reconhecer a possibilidade de construção de uma ciência que tenha como objeto a educação como prática social.
Especificar a identidade da Pedagogia como ciência da educação e sua relação com as demais ciências humanas e sociais.
Caracterizar a Pedagogia como uma ciência prática da e para a práxis educativa.
Analisar o estatuto epistemológico da Pedagogia e das demais ciências humanas e sociais. 
Compreender a educação como um campo temático de natureza interdisciplinar.
Distinguir os limites das aplicações das Ciências Sociais e Humanas para a compreensão do fenômeno educativo.
Seja bem-vindo à disciplina de Pesquisa e Prática em Educação IV.  Nesta aula, teremos a preocupação de conhecermos o percurso da Pedagogia na Cultura Ocidental. Inicialmente, esta área de conhecimento era vista como uma Filosofia da Educação, mas, na sociedade moderna, com o nascimento e desenvolvimento do conhecimento científico a partir do século XVII, será definida como Ciência da Educação no século XIX.
2- Pedagogia – Etimologia
Deriva de duas palavras gregas: paidós (criança) e apogé (condução). Na cultura ocidental, a Pedagogia é vista como correlata a educação. Contudo, entendemos que a prática educativa é um fenômeno humano, portanto, histórico-social.
A prática educativa possibilitou o desenvolvimento de um saber sistematizado, a qual denominamos de Pedagogia.
Dessa forma, podemos compreender que a finalidade desta área de conhecimento é reflexiva, investigativa e, portanto, científica.
Sendo assim, convidamos você a conhecer a construção da Pedagogia como Filosofia da Educação e, na modernidade, como Ciência da Educação.
2.1 – Pedagogia – Filosofia da Educação
As mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que se teceram na Grécia Antiga, a partir do século VIII a.C., afetaram profundamente a relação do homem com a natureza, consigo mesmo e com os demais seres humanos na sua capacidade de produzir a sua própria existência (produção material e não material), pois, com o advento da Pólis (Cidade-Estado) e os conflitos decorrentes da mesma, possibilitou o nascimento de um novo tipo de pensamento e um novo modelo de educação.
“A identidade política e econômica da pólis levou ao desenvolvimento da noção de cidadania e democracia, sendo o cidadão responsável pela participação ativa nas decisões e organizações da sociedade. A noção de cidadania, entretanto, aprofundou também a diferenciação entre cidadãos, de um lado, e escravos, mulheres e estrangeiros de outro, estes sem poder decisório e sem direito à participação.
Imerso nesse complexo conjunto de relações e diferenciações entre atividades, entre grupos, entre indivíduos, e nas diversas formas e níveis de organização implicados na vida da pólis, o homem grego tornava-se capaz de transpor para o pensamento as várias instâncias presentes em sua vida: tornava-se capaz de reconhecer como distintos o próprio homem, a sociedade, a natureza, o divino; tornava-se capaz de refletir no conhecimento que produzia as abstrações que, cada vez mais, marcavam as várias instâncias de sua vida (como, por exemplo, a abstração envolvida no uso da moeda), tão distantes do mundo que se limitava aos laços a contatos práticos, sensíveis, que limitava aos laços tangíveis de parentesco produzido no mito e tornava-se capaz de associar o conhecimento com discussão, com debate, com a possibilidade do diferente, da divergência, impossíveis dentro do mundo que havia dado origem ao conhecimento mítico, marcado pelo dogmatismo, pela pretensão ao absoluto. 
Assim, por exemplo, a própria vida social das cidades-estado passou a ser objeto de reflexão; o debate público nela desenvolvido levava, segundo Vernant (1981), à discussão da ordem humana, procurando defini-la em si mesma e traduzi-la em fórmulas acessíveis à inteligência. As explicações sobre a natureza humana buscavam também a descoberta de uma ordem que lhe fosse própria; a partir de então, o universo deveria ser explicado sem mistérios, e o entendimento que dele se tinha devia ser suscetível de ser debatido publicamente, como todas as questões da vida corrente. Mais que isso, um entendimento que pudesse ser submetido a uma crítica no nível do próprio conhecimento: a apreensão do mundo, com toda a complexidade que então manifestava, deveria ser expressa em um discurso coerente internamente.
O desenvolvimento da pólis constituía, fator fundamental para o nascimento do pensamento racional: criava as condições objetivas para que, partindo do mito e superando-o, o saber fosse racionalmente elaborado e para que alguns homens pudessem se dedicar à elaboração desse saber”. (ANDERY, Maria Amália; MICHELETTO, Nilza; SÉRIO, Tereza Maria P. O mundo tem uma racionalidade, o conhecimento depende dele. In: ANDERY, Maria Amália. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond, 2007: p. 35).
O ápice do projeto da pólis grega se realiza em Atenas, durante os séculos V e IV a.C., com o desenvolvimento da democracia ateniense. Os fundamentos do novo modelo de educação, agora expressam preocupação com a formação do cidadão da pólis, pois a este cabe decidir sobre os destinos da cidade nas discussões das assembleias. Dessa forma, necessita-se ter o domínio da palavra. Esta, por sua vez, é desnudada do caráter mítico-religioso, expressa-se como uma construção racional e se institui como instrumento de poder na busca do consenso entre os homens livres da cidade.
Como havíamos apontado em aula anterior, tal período é marcado pelo desenvolvimento de um pensamento que tem como finalidade compreender o homem enquanto um ser cognitivo, ou seja, que conhece a realidade e atinge a verdade, como também, de um ser ético-político. Nesse contexto, difunde-se uma filosofia essencialista que será a base para uma pedagogia da essência. Vejamos a análise de Dermeval Saviani a respeito desta questão no período antigo:
“Se nós voltarmos à antiguidade grega, vamos verificar que, em verdade, a filosofia da essência não implicava maiores problemas lá, e a pedagogia que decorria dessa filosofia, por sua vez, não implicava problemas políticos muito sérios, na medida em que o homem, o ser humano, consequentemente, a essência humana só era realizada nos homens livres. Então, o problema do escravismo, sobre o que se assentava a produção da sociedade grega, fica descartado e nem era um problema do ponto de vista filosófico-pedagógico” (Escola e Democracia. Campinas:
Autores Associados, 2008. p.31).
A perspectiva essencialista, da filosofia clássica de Platão e de Aristóteles, foi a base filosófica necessária para o desenvolvimento da filosofia cristã no período medieval. De um lado, teremos o idealismo platônico cristão, tendo como maior representante Santo Agostinho, no século V, e de outro teremos a teologia de São Tomas de Aquino que se baseou na metafísica e na lógica de Aristóteles.
Durante a Idade Média, essa concepção essencialista recebe uma inovação que diz respeito justamente à articulação da essência humana com a criação divina: portanto, ao serem criados os homens, segundo uma essência predeterminada, também já seus destinos eram definidos previamente.
Consequentemente, a diferenciação da sociedade entre senhores e servos já estava marcada pela própria concepção que se tinha da essência humana. Então, a essência humana justifica as diferenças”. (Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2008. p.31-32).
O desenvolvimento da escolástica medieval se deu em um contexto que sinalizava o início da decadência do sistema feudal, que mais tarde será superado pelo capitalismo. Alguns fatores foram fundamentais para tal crise. São eles:
O renascimento comercial e a formação de uma nova classe social, a burguesia capitalista.
O renascimento urbano e a formação das primeiras universidades a partir do século XI.
O desenvolvimento das grandes navegações a partir do século XV e, consequentemente, do mercantilismo(capitalismo comercial) que marca a ascensão econômica da burguesia.
O início da ruptura com a escolástica medieval com o desenvolvimento da filosofia humanista renascentista que buscava valorizar o ser humano retomando os ideais da cultura clássica.
A burguesia assume o papel de mecenas e financia o desenvolvimento de toda a concepção de mundo expressa na filosofia (humanismo renascentista e depois na Filosofia Moderna), na arte renascentista e no desenvolvimento da ciência moderna.
A adoção dos sistemas de colonização por parte dos europeus no novo mundo (Américas), ou seja, de um sistema de colonização de povoamento (colônias inglesas) e de uma colonização de exploração (colônias espanholas e portuguesas).
A partir desse contexto, a burguesia capitalista e a monarquia europeia adotaram as seguintes práticas para a acumulação da riqueza: a prática da pirataria, extermínio das populações nativas (indígenas) da América, o comércio de escravos trazidos da África, a exploração das riquezas naturais e etc.
O fortalecimento do Estado-Nação absolutista, ou seja, a formação de um Estado centrado no poder do rei e, tal poder, era justificado como decorrente de uma vontade de um ser superior.
A Reforma Protestante do século XVI e com ela dois fatores importantes: na Alemanha, a defesa de Lutero de que o indivíduo pode estabelecer uma relação direta com Deus, tanto que traduziu a Bíblia Sagrada para a língua nacional e, na Holanda, a ética calvinista que se constituirá a ética da sociedade capitalista.
Segundo Calvino, a riqueza é um dom ou uma graça divina e o indivíduo deve fazer todo e qualquer esforço para reproduzir a mesma, como forma de agradecimento. Esta é a justificativa ética para a exploração da força de trabalho e a acumulação da riqueza na sociedade capitalista.
Em outras palavras, se a ética católica se constitui na ética do sistema feudal, a ética protestante será a ética da sociedade moderna e burguesa. Em consequência, a resposta da Igreja Católica com a contrarreforma e, no século XVII, a Guerra dos 30 anos entre católicos e protestantes.
A revolução científica com a defesa de Copérnico do sistema heliocêntrico, no século VI, e a comprovação do mesmo por parte de Galileu, no século XVII.
A partir deste momento, dá-se o desenvolvimento da ciência moderna e a mesma irá provocar outra revolução: a junção entre ciência e técnica que promoverá o desenvolvimento da manufatura, do sistema fabril e, mais tarde, culminará na Revolução Industrial no século XIX. A partir deste momento, dá-se o desenvolvimento da ciência moderna e a mesma irá provocar outra revolução: a junção entre ciência e técnica que promoverá o desenvolvimento da manufatura, do sistema fabril e, mais tarde, culminará na Revolução Industrial no século XIX.
No século XVIII, acontece o desenvolvimento do iluminismo, do liberalismo, do enciclopedismo, do liberalismo político e do liberalismo econômico. Nesse período, defende-se um Estado baseado no princípio do contrato social e fez severas críticas ao Estado absolutista.
As revoluções burguesas no plano político-social com a Revolução Gloriosa, em 1688, na Inglaterra, com a independência das 13 colônias inglesas e a formação dos Estados Unidos em 1776 e, na Europa, a Revolução Francesa, em 1789, tendo como lema: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
No século XIX, a consolidação da burguesia como classe dominante (do ponto de vista econômico) com a Revolução Industrial e dirigente (do ponto de vista político) com a formação do Estado moderno.
Depois de identificarmos as mudanças e transformações que ocorreram neste longo período histórico em nossa cultura, podemos retomar a questão da Pedagogia da Essência na Modernidade. Segundo Saviani:
“Ora, coisa diversa vem ocorrer na época moderna, com a ruptura da produção feudal e a gestação do modo de produção capitalista. Nesse momento, a burguesia, classe em ascensão, vai se manifestar como uma classe revolucionária, e, enquanto classe revolucionária, vai advogar a filosofia da essência como um suporte para a defesa da igualdade dos homens como um todo e é justamente a partir daí que ela aciona as críticas à nobreza e ao clero. Em outros termos: a dominação da nobreza e do clero era uma dominação não-natural, não essencial, mas social e acidental, portanto, histórica. Vejam que toda postura revolucionária é uma postura essencialmente histórica, é uma postura que se coloca na direção do desenvolvimento da história. Naquele momento, a burguesia colocava-se na direção do desenvolvimento da história e seus interesses coincidiam com os interesses do novo, com os interesses da transformação. É nesse sentido que a filosofia da essência, que vai ter depois como consequência a pedagogia da essência, vai fazer uma defesa intransigente da igualdade essencial dos homens. Sobre essa base da igualdade dos homens, de todos os homens, é que se funda a liberdade e é sobre, justamente, a liberdade que se vai postular a reforma da sociedade. Lembrem-se, de passagem, de Rousseau. O que defendia Rousseau? Que tudo é bom enquanto sai do autor das coisas. Tudo degenera quando passa às mãos dos homens.
Em outros termos, a natureza é justa, é boa e, no âmbito natural, a igualdade está preservada. As desigualdades (vejam o Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens) são geradas pela sociedade. Esse raciocínio significa outra coisa senão colocar diante da nobreza e do clero a ideia de que as diferenças, os privilégios de que eles usufruíam, não eram naturais e muito menos divinos, mas eram sociais. Enquanto diferenças sociais, configuravam injustiça; enquanto injustiça, não poderiam continuar existindo. Logo, aquela sociedade fundada em senhores e servos não poderia persistir. Ela teria que ser substituída por uma sociedade igualitária. Nesse sentido, então que a burguesia vai reformar a sociedade, substituindo uma sociedade com base num suposto direito natural por uma sociedade contratual” (SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2008. p.32).
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