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Aula 7 Aula 8 - Gauss Consulting Variabilidade

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Variabilidade: Um conceito Fundamental 
 
Sei que o termo “estatística” assusta muita gente. Muitos a enxergam como um 
bicho-papão, responsável por sufocantes e intermináveis períodos de estudos 
na época de faculdade. Outros acreditam tratar-se de uma área do 
conhecimento complexa o bastante para provocar um distanciamento saudável 
das inescrupulosas fórmulas, teoremas e cálculos utilizados. Algumas pessoas 
ainda a entendem como sinônimo de número, gráfico ou tabela, provavelmente 
influenciadas por analogias presentes nos cotidianos jornais e revistas 
brasileiros, que se limitam a apresentar o termo associado a alguma 
representação desta natureza (quem nunca leu um título parecido com este: 
“estatística de homicídios indicam queda na criminalidade”)? 
 
Quem se aprofunda na pesquisa desta área de conhecimento e compreende as 
infinitas aplicações práticas e as influências que os métodos estatísticos 
beneficiam nossa vida cotidiana, literalmente se apaixona pelas teorias 
envolvidas e se torna adepto de sua utilização. Poderia listar abaixo um sem-
número de aplicações da estatística que beneficiam diretamente a vida das 
pessoas (e, obviamente, das empresas). Porém isso daria outro artigo. Aqui o 
meu objetivo é diferente: explorar um pouco o que considero a causa principal 
desta aversão popular a tal ciência. O desconhecimento primário do conceito de 
“variabilidade”. 
 
Organizações, mais do que nunca, possuem necessidade (e, por conseqüência, 
carência) de competência analítica instalada. Termos como “Gestão baseada em 
Fatos”, “Excelência analítica”, “Gestão baseada em evidências”, “Information 
Intelligence” e “Aprendizado Sistêmico” são recorrentes no ambiente 
corporativo, e adotados como fundamentos para excelência em gestão por 
instituições conceituadas como FNQ e Malcolm Baldrige. Para colocá-los em 
prática, a competência em análise de dados e informações cria importância. O 
conhecimento em técnicas e ferramentas estatísticas torna-se essencial. A 
aplicação de modelagens e análises quantitativas avançadas torna-se 
obrigatória. 
 
Porém, devido à imagem atual da estatística mencionada no início deste texto, 
as pessoas dentro das empresas, responsáveis (ou não) pela tomada de 
decisões, muitas vezes não compreendem os resultados das análises realizadas, 
ou os interpretam de maneira equivocada. O que impacta na credibilidade do 
processo decisório. 
 
 
 
 
Para minimizar este impacto, não se faz necessário que todas as pessoas 
conheçam e apliquem técnicas estatísticas avançadas em seu cotidiano. Esta é a 
função do analista tecnicamente formado para tal. Os usuários destas 
informações, porém, precisam ser competentes para analisar corretamente os 
outputs gerados pelos estatísticos, transformando informações em decisões. É 
exatamente neste ponto que considero o desconhecimento dos conceitos 
básicos de “variabilidade” como a principal lacuna que interfere negativamente 
na qualidade das ações provenientes destas análises. 
 
Um conceito fundamental: o mundo é composto de variabilidades. 
 
Qualquer que seja o fenômeno que você possua interesse em analisar, tenha 
certeza: medições periódicas do mesmo resultarão em resultados diferenciados 
durante o tempo. Nada é perfeito, nada é absolutamente previsível, nada é 
100% preciso. Para toda medição, existe variabilidade. 
 
Para quem acredita que eu estou sendo muito genérico, vamos a alguns 
exemplos do que estou querendo dizer: 
 
• Pegue um objeto no supermercado (alguma embalagem como xampu, 
sabonete, enlatados, qualquer um). Compre uma amostra destes objetos 
(por exemplo, dez unidades). Com a ajuda de um instrumento de 
medição preciso (micrômetro, por exemplo), meça a largura de cada 
embalagem. Por mais que, a olho nu, elas pareçam idênticas, você 
verificará que existem pequenas variações de medidas. 
 
• Faça medições similares, utilizando uma balança, nos pesos de sacos de 
café de um supermercado. Repare como existem variações nos pesos de 
cada embalagem. 
 
• Cronometre diariamente o tempo que você gasta de sua casa até o 
escritório. Você verificará que os tempos variam dentro de uma margem 
considerada normal – eles nunca são exatamente idênticos. 
 
• Pergunte ao SAC de sua empresa quantas ligações diárias são recebidas. 
A resposta será “em média, x ligações”. Ou seja: nunca se repete um 
número exato de ligações, existe variabilidade. 
 
• Contabilize mensalmente quanto é o seu gasto total com combustível. 
Por mais semelhantes que os meses sejam, seu consumo sempre variará. 
 
 
 
Exemplos como estes se repetem para qualquer fenômeno, seja ele na 
natureza, seja no ambiente corporativo. A variabilidade é algo natural, faz parte 
da nossa realidade, e deve sempre ser considerada para qualquer tipo de 
análise. 
 
É comum nos depararmos, em nossa experiência em consultoria, com situações 
em que decisões são tomadas sem que a variabilidade seja considerada. 
Gerentes premiam determinado profissional por conseguir, em determinado 
mês, certo índice de produtividade superior aos colegas de mesmo cargo, sem 
considerar que esta superioridade pode ser contingencial, motivada por uma 
coincidência provocada pela variabilidade natural de ambos os indicadores. No 
mês posterior, a situação pode se inverter, sem que os profissionais alterem sua 
maneira de trabalhar. 
 
Gestores analisam indicadores e tomam decisões baseados neles sem 
considerar a variabilidade dos dados como sendo natural. Buscam causas para 
qualquer tipo de resultado que não o agradem, quer ele esteja dentro de uma 
característica normal de variação, ou não. Diretores definem planos de ações e 
mobilizam recursos para resolver problemas de faturamento abaixo da média 
em determinado período, sem compreender que a receita da empresa varia 
naturalmente mês a mês, e manterá este padrão normal de variação sem que 
ações corretivas sejam tomadas (pois não há causa especial a ser corrigida). 
 
Esta compreensão básica é fundamental e precisa ser incorporada de maneira 
automática na rotina de decisões tomadas pelos profissionais pagos para o 
fazerem. Aqui no artigo parece óbvio, mas garanto: não o é. Este tipo de erro de 
interpretação é muito mais comum do que imaginam. 
 
Vamos medir se tenho razão? Então farei três perguntas básicas, tente 
respondê-las: 
 
1. O que é desvio-padrão? 
 
2. O desvio-padrão é informado em 100% dos indicadores de sua empresa, 
de forma padronizada? 
 
3. Seu filho chega em casa e lhe diz: “– Joguei futebol quatro dias desta 
semana, na escola. Em média, fiz 4 gols por jogo”. O seu cérebro 
processa esta informação naturalmente, ou você sente falta de algo 
assim: “...Em média, fiz 4 gols por jogo, com desvio-padrão de 1,5 gols”. 
 
 
 
 
Se você teve dificuldades para responder a pergunta 01, respondeu “não” à 
pergunta 02 ou compreende a informação do seu filho com naturalidade, então 
sua compreensão acerca da importância do conceito de variabilidade ainda não 
foi sedimentada o suficiente. E você ainda corre o risco de decidir se considerar 
o conceito básico de variabilidade. 
Desvio-padrão é a maneira mais usual de medir-se variabilidade. Tecnicamente, 
trata-se da raiz quadrada da soma do quadrado das diferenças entre cada 
evento e sua média aritmética, dividida pela quantidade de eventos. Embora 
seu processo de cálculo não seja tão trivial quanto à média, é possível utilizar 
calculadores e o próprio Excell para calculá-lo diretamente, e seu resultado é de 
suma importância. 
 
O desvio-padrão nos dá a visão objetiva da maneira pela qual os valores de 
determinado evento estão distribuídos ao redor da média. Imaginem duas 
empresas: A e B. 
 
• Empresa A – faturamento médio de R$10.000,00, com desvio-padrão de 
R$1.000,00. 
 
• Empresa B – faturamento médio de R$10.000,00, com desvio-padrão de 
R$5.000,00.Embora ambas as empresas pareçam iguais em termos de volume de negócios 
(ambas faturam o mesmo valor médio), o desvio-padrão nos permite ter uma 
idéia do padrão de variação dos meses que compuseram esta média. A empresa 
A tem um padrão de variação muito menor, os faturamentos quase se repetem. 
Já a empresa B pode ser classificada como de maior risco financeiro, pois atua 
com uma variação de caixa muito maior, podendo chegar a meses com 
faturamentos quase nulos (pois possui alto índice de variabilidade). 
 
Percebam como é importante que todo e qualquer indicador da sua empresa 
deve vir acompanhado da informação dos desvios-padrões. Só assim o gestor 
pode interpretar o dado em sua totalidade, permeando uma noção clara da 
distribuição do resultado ao longo do tempo. 
 
Aqui cabe um parênteses para que eu aborde uma regra básica para interpretar 
desvio-padrão. É uma “regrinha de bolso”, sem a precisão exata, mas muito 
eficaz. Sempre multiplique o desvio-padrão por 2 e some/subtraia à média. Dará 
uma ideia aproximada de qual é o valor máximo e mínimo alcançado pela 
distribuição. Por exemplo: a empresa A possui um faturamento máximo de 
R$12.000,00 e um mínimo de R$8.000,00. Já saímos daquele número estático 
de “média”, conhecendo uma faixa de atuação natural do indicador. 
 
 
 
Quando o gestor se acostuma com esta abordagem, e a utiliza rotineiramente, a 
informação de desvio-padrão se torna tão necessária para interpretar o 
fenômeno que, automaticamente, ele sente falta desta informação em toda e 
qualquer ocasião. Daí a situação inusitada dos gols do filho. O pai carece de 
saber se o filho foi constante nos seus jogos, marcando cerca de 4 gols em todas 
as partidas, ou se ele apenas fez 16 gols em um único jogo (resultando na 
mesma média após o final de 4 partidas). Ele passa a ter o conceito incorporado 
no seu dia a dia. 
 
No ambiente corporativo, acredito que as definições de meta são aquelas que 
mais sofrem desta carência de consciência enraizada quanto ao conceito de 
variabilidade. Metas arbitrárias, sem considerar o padrão de variação natural 
dos dados são constantemente utilizadas e efetivamente cobradas dos 
colaboradores. Os executantes do trabalho nada podem fazer para mudar o 
padrão de variação natural dos dados; estes padrões fazem parte da 
característica natural do processo de trabalho como foi concebido, e não da boa 
vontade dos profissionais envolvidos. 
 
Este conhecimento básico sobre variabilidade é pouco difundido na cultura 
brasileira. Temos informação de que, no Japão, o conceito de variabilidade é 
ensinado aos alunos na mesma etapa das operações básicas (adição, subtração, 
divisão e multiplicação). Os japoneses compreendem a importância que este 
conceito terá no desenvolvimento profissional e intelectual do ser humano. 
Cabe a nós chegarmos lá. Para um estatístico, o raciocínio baseado em 
variabilidade é natural. Para os demais, é necessário que também o seja. Trata-
se de uma mudança de paradigma extremamente útil, que significa melhores 
decisões, maior eficiência e, em última análise, melhoria na eficiência das 
empresas de nosso país. 
 
*Rafael Scucuglia é Diretor de Operações da Gauss Consulting. empresa de consultoria 
instrumental e assessoria especializada. 
 
rafael@gaussconsulting.com.br

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