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Variabilidade: Um conceito Fundamental Sei que o termo “estatística” assusta muita gente. Muitos a enxergam como um bicho-papão, responsável por sufocantes e intermináveis períodos de estudos na época de faculdade. Outros acreditam tratar-se de uma área do conhecimento complexa o bastante para provocar um distanciamento saudável das inescrupulosas fórmulas, teoremas e cálculos utilizados. Algumas pessoas ainda a entendem como sinônimo de número, gráfico ou tabela, provavelmente influenciadas por analogias presentes nos cotidianos jornais e revistas brasileiros, que se limitam a apresentar o termo associado a alguma representação desta natureza (quem nunca leu um título parecido com este: “estatística de homicídios indicam queda na criminalidade”)? Quem se aprofunda na pesquisa desta área de conhecimento e compreende as infinitas aplicações práticas e as influências que os métodos estatísticos beneficiam nossa vida cotidiana, literalmente se apaixona pelas teorias envolvidas e se torna adepto de sua utilização. Poderia listar abaixo um sem- número de aplicações da estatística que beneficiam diretamente a vida das pessoas (e, obviamente, das empresas). Porém isso daria outro artigo. Aqui o meu objetivo é diferente: explorar um pouco o que considero a causa principal desta aversão popular a tal ciência. O desconhecimento primário do conceito de “variabilidade”. Organizações, mais do que nunca, possuem necessidade (e, por conseqüência, carência) de competência analítica instalada. Termos como “Gestão baseada em Fatos”, “Excelência analítica”, “Gestão baseada em evidências”, “Information Intelligence” e “Aprendizado Sistêmico” são recorrentes no ambiente corporativo, e adotados como fundamentos para excelência em gestão por instituições conceituadas como FNQ e Malcolm Baldrige. Para colocá-los em prática, a competência em análise de dados e informações cria importância. O conhecimento em técnicas e ferramentas estatísticas torna-se essencial. A aplicação de modelagens e análises quantitativas avançadas torna-se obrigatória. Porém, devido à imagem atual da estatística mencionada no início deste texto, as pessoas dentro das empresas, responsáveis (ou não) pela tomada de decisões, muitas vezes não compreendem os resultados das análises realizadas, ou os interpretam de maneira equivocada. O que impacta na credibilidade do processo decisório. Para minimizar este impacto, não se faz necessário que todas as pessoas conheçam e apliquem técnicas estatísticas avançadas em seu cotidiano. Esta é a função do analista tecnicamente formado para tal. Os usuários destas informações, porém, precisam ser competentes para analisar corretamente os outputs gerados pelos estatísticos, transformando informações em decisões. É exatamente neste ponto que considero o desconhecimento dos conceitos básicos de “variabilidade” como a principal lacuna que interfere negativamente na qualidade das ações provenientes destas análises. Um conceito fundamental: o mundo é composto de variabilidades. Qualquer que seja o fenômeno que você possua interesse em analisar, tenha certeza: medições periódicas do mesmo resultarão em resultados diferenciados durante o tempo. Nada é perfeito, nada é absolutamente previsível, nada é 100% preciso. Para toda medição, existe variabilidade. Para quem acredita que eu estou sendo muito genérico, vamos a alguns exemplos do que estou querendo dizer: • Pegue um objeto no supermercado (alguma embalagem como xampu, sabonete, enlatados, qualquer um). Compre uma amostra destes objetos (por exemplo, dez unidades). Com a ajuda de um instrumento de medição preciso (micrômetro, por exemplo), meça a largura de cada embalagem. Por mais que, a olho nu, elas pareçam idênticas, você verificará que existem pequenas variações de medidas. • Faça medições similares, utilizando uma balança, nos pesos de sacos de café de um supermercado. Repare como existem variações nos pesos de cada embalagem. • Cronometre diariamente o tempo que você gasta de sua casa até o escritório. Você verificará que os tempos variam dentro de uma margem considerada normal – eles nunca são exatamente idênticos. • Pergunte ao SAC de sua empresa quantas ligações diárias são recebidas. A resposta será “em média, x ligações”. Ou seja: nunca se repete um número exato de ligações, existe variabilidade. • Contabilize mensalmente quanto é o seu gasto total com combustível. Por mais semelhantes que os meses sejam, seu consumo sempre variará. Exemplos como estes se repetem para qualquer fenômeno, seja ele na natureza, seja no ambiente corporativo. A variabilidade é algo natural, faz parte da nossa realidade, e deve sempre ser considerada para qualquer tipo de análise. É comum nos depararmos, em nossa experiência em consultoria, com situações em que decisões são tomadas sem que a variabilidade seja considerada. Gerentes premiam determinado profissional por conseguir, em determinado mês, certo índice de produtividade superior aos colegas de mesmo cargo, sem considerar que esta superioridade pode ser contingencial, motivada por uma coincidência provocada pela variabilidade natural de ambos os indicadores. No mês posterior, a situação pode se inverter, sem que os profissionais alterem sua maneira de trabalhar. Gestores analisam indicadores e tomam decisões baseados neles sem considerar a variabilidade dos dados como sendo natural. Buscam causas para qualquer tipo de resultado que não o agradem, quer ele esteja dentro de uma característica normal de variação, ou não. Diretores definem planos de ações e mobilizam recursos para resolver problemas de faturamento abaixo da média em determinado período, sem compreender que a receita da empresa varia naturalmente mês a mês, e manterá este padrão normal de variação sem que ações corretivas sejam tomadas (pois não há causa especial a ser corrigida). Esta compreensão básica é fundamental e precisa ser incorporada de maneira automática na rotina de decisões tomadas pelos profissionais pagos para o fazerem. Aqui no artigo parece óbvio, mas garanto: não o é. Este tipo de erro de interpretação é muito mais comum do que imaginam. Vamos medir se tenho razão? Então farei três perguntas básicas, tente respondê-las: 1. O que é desvio-padrão? 2. O desvio-padrão é informado em 100% dos indicadores de sua empresa, de forma padronizada? 3. Seu filho chega em casa e lhe diz: “– Joguei futebol quatro dias desta semana, na escola. Em média, fiz 4 gols por jogo”. O seu cérebro processa esta informação naturalmente, ou você sente falta de algo assim: “...Em média, fiz 4 gols por jogo, com desvio-padrão de 1,5 gols”. Se você teve dificuldades para responder a pergunta 01, respondeu “não” à pergunta 02 ou compreende a informação do seu filho com naturalidade, então sua compreensão acerca da importância do conceito de variabilidade ainda não foi sedimentada o suficiente. E você ainda corre o risco de decidir se considerar o conceito básico de variabilidade. Desvio-padrão é a maneira mais usual de medir-se variabilidade. Tecnicamente, trata-se da raiz quadrada da soma do quadrado das diferenças entre cada evento e sua média aritmética, dividida pela quantidade de eventos. Embora seu processo de cálculo não seja tão trivial quanto à média, é possível utilizar calculadores e o próprio Excell para calculá-lo diretamente, e seu resultado é de suma importância. O desvio-padrão nos dá a visão objetiva da maneira pela qual os valores de determinado evento estão distribuídos ao redor da média. Imaginem duas empresas: A e B. • Empresa A – faturamento médio de R$10.000,00, com desvio-padrão de R$1.000,00. • Empresa B – faturamento médio de R$10.000,00, com desvio-padrão de R$5.000,00.Embora ambas as empresas pareçam iguais em termos de volume de negócios (ambas faturam o mesmo valor médio), o desvio-padrão nos permite ter uma idéia do padrão de variação dos meses que compuseram esta média. A empresa A tem um padrão de variação muito menor, os faturamentos quase se repetem. Já a empresa B pode ser classificada como de maior risco financeiro, pois atua com uma variação de caixa muito maior, podendo chegar a meses com faturamentos quase nulos (pois possui alto índice de variabilidade). Percebam como é importante que todo e qualquer indicador da sua empresa deve vir acompanhado da informação dos desvios-padrões. Só assim o gestor pode interpretar o dado em sua totalidade, permeando uma noção clara da distribuição do resultado ao longo do tempo. Aqui cabe um parênteses para que eu aborde uma regra básica para interpretar desvio-padrão. É uma “regrinha de bolso”, sem a precisão exata, mas muito eficaz. Sempre multiplique o desvio-padrão por 2 e some/subtraia à média. Dará uma ideia aproximada de qual é o valor máximo e mínimo alcançado pela distribuição. Por exemplo: a empresa A possui um faturamento máximo de R$12.000,00 e um mínimo de R$8.000,00. Já saímos daquele número estático de “média”, conhecendo uma faixa de atuação natural do indicador. Quando o gestor se acostuma com esta abordagem, e a utiliza rotineiramente, a informação de desvio-padrão se torna tão necessária para interpretar o fenômeno que, automaticamente, ele sente falta desta informação em toda e qualquer ocasião. Daí a situação inusitada dos gols do filho. O pai carece de saber se o filho foi constante nos seus jogos, marcando cerca de 4 gols em todas as partidas, ou se ele apenas fez 16 gols em um único jogo (resultando na mesma média após o final de 4 partidas). Ele passa a ter o conceito incorporado no seu dia a dia. No ambiente corporativo, acredito que as definições de meta são aquelas que mais sofrem desta carência de consciência enraizada quanto ao conceito de variabilidade. Metas arbitrárias, sem considerar o padrão de variação natural dos dados são constantemente utilizadas e efetivamente cobradas dos colaboradores. Os executantes do trabalho nada podem fazer para mudar o padrão de variação natural dos dados; estes padrões fazem parte da característica natural do processo de trabalho como foi concebido, e não da boa vontade dos profissionais envolvidos. Este conhecimento básico sobre variabilidade é pouco difundido na cultura brasileira. Temos informação de que, no Japão, o conceito de variabilidade é ensinado aos alunos na mesma etapa das operações básicas (adição, subtração, divisão e multiplicação). Os japoneses compreendem a importância que este conceito terá no desenvolvimento profissional e intelectual do ser humano. Cabe a nós chegarmos lá. Para um estatístico, o raciocínio baseado em variabilidade é natural. Para os demais, é necessário que também o seja. Trata- se de uma mudança de paradigma extremamente útil, que significa melhores decisões, maior eficiência e, em última análise, melhoria na eficiência das empresas de nosso país. *Rafael Scucuglia é Diretor de Operações da Gauss Consulting. empresa de consultoria instrumental e assessoria especializada. rafael@gaussconsulting.com.br
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