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1 RESUMO INFORMATIVO Rosemberg Jônatas Gomes de Sousa1 TORRES, C. C.; ABRAHÃO, J. I. A atividade de teleatendimento: uma análise das fontes de prazer e sofrimento no trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 31, n. 114, p. 113-124, 2006. Introdução Nos ambientes das organizações de trabalho há a tentativa de negação da subjetividade, diminuindo os espaços para manifestação de afeto. Isso é visto muitas vezes como profissionalismo. Os sentimentos dos trabalhadores afetam seu desempenho. Desde o final do século XIX, segundo a Administração Científica, as organizações bem administradas seriam capazes de eliminar emoções e sentimentos dos trabalhadores, mesmo sabendo o quanto as atividades destes são influeciadas por aqueles. Apesar das tentativas ainda hoje de se evitar abordar essas questões nos contextos laborativos, torna-se ainda mais difícil ignorar essas manifestações de emoções e sentimentos no trabalho. No trabalho em equipe nas empresas modernas valorizam-se o conhecimento, a educação geral, as experiências de profissionais e pessoais do trabalhador. Essas empresas buscam trabalhadores que vejam no sucesso da organização o seu próprio sucesso, ou seja, que tenham comprometimento, fidelidade e flexibilidade. Apesar disso, verifica-se o adoecimento nos trabalhadores gerado, hipoteticamente, pelas contradições entre as exigências a estes impostas e as condições de trabalho. As condições e a organização do trabalho, o conteúdo da tarefa e os relacionamentos interpessoais influenciam as vivências de prazer e sofrimento no ambiente laborativo. As centrais de atendimento são um campo de estudo privilegiado sobre adoecimento no trabalho, visto as altas taxas de rotatividade e afastamento por motivos de saúde. Este estudo empírico foi realizado em uma central de atendimento de um fundo de pensão privado e utilizaram-se os conceitos teóricos da Psicodinâmica do Trabalho e da Ergonomia. 1 Discente do curso de Psicologia da UNESP/Bauru. E-mail: rosemberg.psicologia@fc.unesp.br 2 A Ergonomia e a Psicodinâmica do Trabalho – suas características e conexões A importação de modelos tayloristas aos setores de serviços trouxe novas questões à Ergonomia no que tange à produção e à saúde do trabalhador, assim como a importante influência do cliente no resultado do trabalho. Compreender o ser humano em sua integralidade é o papel dessa disciplina, abrindo mão de fragmentações frente ao seu trabalho – atividade que transforma o sujeito diante de diferentes situações. Apenas parte do trabalho é considerada nas prescrições das organizações, que determinam o que e como deve ser feito. As lacunas para o desenvolvimento ficam a cargo do trabalhador. As normas da organização do trabalho, inclusive o ritmo e as pausas de trabalho, bem como a atividade determinam os mecanismos acionados na realização de dada tarefa, que envolvem características e conhecimento dos trabalhadores, além de exigências físicas, cognitivas e psíquicas do funcionamento do sujeito. Na confrontação entre sujeito e realidade do trabalho ocorrem processos psíquicos de manifestação da subjetividade. A realização das pulsões ou desejos inconscientes e ressignificados em seus objetos e alvos produz prazer, que pode ocorrer por diversos caminhos, gerando satisfação direta ou indireta. Por meio do trabalho e seu papel na sublimação – investimento da libido num alvo aceito socialmente e não de cunho sexual – é possível frustrar ou gratificar as energias pulsionais. Por esse caráter de gratificação pulsional do indivíduo, ao relacionar-se com outros sujeitos, com a tarefa e com o ambiente da organização, e por atender necessidades de sobrevivência, o trabalho é estruturador psíquico dos sujeitos. Indivíduo e organização possuem histórias de vida singulares e o sofrimento advém do conflito entre esses dois, sendo que a última impõe normas e regras às quais o sujeito precisa se adequar. Quando possibilidades de rearranjo do ambiente de trabalho já se tornam impossíveis e a energia pulsinal que antes encontrava descarga no trabalho passa a ser acumulada no sujeito, o resultado é sentimentos de desprazer e tensão. O sujeito contribui com a construção das relações sociais implicadas no trabalho ao pensar sua relação com este, se organizando de forma mental, física e afetiva conforme 3 suas interpretações. Metodologia O estudo dos sujeitos e dos processos envolvidos constituem a análise da atividade. Na Ergonomia utilizam-se procedimentos como referenciais que guiam ações e é preciso a participação voluntária dos envolvidos no processo. Conhecer como os sujeitos constroem seus afazeres e alcançam os objetivos da organização diante dos percalços diários, assim como o ambiente de trabalho, as relações e demais elementos da organização, a fim de identificar as principais dificuldades e vislumbrar estratégias de melhoria. Evidenciar pontos fortes e fracos do trabalho e da organização e possibilidades de melhoria da saúde do trabalhador, das relações, da produtividade e da empresa no geral. Na Psicodinâmica do Trabalho busca-se compreender as vivências subjetivas dos trabalhadores em relação às suas atividades, por meio do compartilhamento e ressignificações de aspectos apresentados, a relação prazer/sofrimento, bem como estratégias defensivas desenvolvidas. Em relação de complementaridade, a Ergonomia e a Psicodinâmica do Trabalho podem atuar na melhoria da situação analisada. O trabalho pode afetar o equilíbrio psíquico e a saúde do trabalhador. A Análise Ergonômica do Trabalho (AET) e a Ação em Psicodinâmica do Trabalho foram os métodos de análise empregados. Observaram-se a tarefa, a atividade de trabalho e realizaram-se entrevistas semi-estruturadas e discussões em grupo sobre esses aspectos e propostas de transformação do trabalho. Sujeitos Trabalhadores de teleatendimento. Idades: 22 a 36. Ensino médio e superior. Instrumentos Entrevistas semi-estruturadas para levantar peculiaridades do trabalho e representações a partir do ponto de vista dos trabalhadores. Entrevistas coletivas abertas: um “espaço público” para relato de vivências subjetivas no trabalho, de modo a construir propostas acordadas para mudanças no trabalho. 4 Análise documental: descrição da instituição e seus diferentes setores com os quais os operadores se relacionavam. Observações globais do ambiente e situações de trabalho para conhecer a realidade estudada. Procedimentos Reunião com gerentes administrativo, financeiro, de comunicação e de atendimento para explicitar objetivo do estudo e solicitar aprovações. As entrevistas semi-estruturadas abordavam dados sociodemográficos e profissionais, a tarefa, o ambiente, a relação superior x subordinado e as principais queixas dos trabalhadores. Ocorreram 8 observações das atividades e duraram cerca de 1h30 cada, nas quais atentava-se para o tempo e o tipo do atendimento, solicitações de informações aos pares, serviços e saídas externas etc. A próxima etapa foi a das entrevistas coletivas, nas quais os trabalhadores apresentavam opiniões sobre suas vivências subjetivas e dificuldades no trabalho, objetivando a construção de novas formas de minimizar as adversidades e traçar uma descrição principal da situação. Resultados e discussão O fundo de pensão Impulsionar o bem-estar social por meio de seus benefícios, suplantando assim aqueles cedidos pelo INSS aos empregados e familiares.A central de atendimento (CA) O usuário também pode ser atendido por telefone ou e-mail, além da CA. Os trabalhadores da CA também lidam com documentos físicos dos beneficiários. Indicadores de prazer e sofrimento no trabalho Os indicadores de prazer e sofrimento no trabalho foram alocados em 4 categorias: condições físico-ambientais, organização do trabalho, conteúdo da tarefa e da atividade, e relacionamentos interpessoais no trabalho. A inferência dos sentimentos de prazer e sofrimento no trabalho são idiossincráticos coexistindo também nas situações de trabalho. As interrupções e 5 fragmentações do trabalho também são fontes de sofrimento, assim como a constante falta de equipamentos e materiais de trabalho, fazendo com que os trabalhadores criem alternativas para suprir as lacunas. Quando a organização do trabalho – que regula a atividade dos trabalhadores – é rígida e não oferece participação destes no processo, limitando-o a instâncias superiores, podem ocorrer insatisfações, conflitos e sentimentos de indignidade, podendo agravar problemas de saúde nos trabalhadores e prejuízo nas ativiades profissionais. A finalização do trabalho e a possibilidade de atribuição de sentido a este são afetadas pelas interrupções nas tarefas. A pressão temporal e a dependência extrema de outros setores afeta as relações interpessoais e a própria tarefa. Como não ocorrem mudanças para melhoria da organização do trabalho, os trabalhadores desenvolvem estratégias para conviver com a situação. Essa organização do trabalho contribui para as vivências de prazer ou sofrimento, na medida que as prescrições não contribuem para alterações procedimentais o que resulta em transgressões às normas como fontes de prazer e forma de transformação do sofrimento patogênico em sofrimento criativo. Uma fonte para o equilíbrio psíquico pode ser a flexibilidade na organização das tarefas obtida com negociações e compromissos entre os envolvidos no processo. O nível de investimento afetivo ou material que o trabalho aplica na tarefa influencia a produção e a sua saúde. A ressonância simbólica é a responsável pela atribuição de sentido à tarefa, por reconciliar o inconsciente do sujeito ao objetivo da produção. Lidar com os problemas pessoais dos usuários e a relação com estes é motivo de queixa dos atendentes. Fortes cartas de trabalho aliadas ao atendimento ao público podem causar altas intensidades de sofrimentos físico e mental. As estratégias operatórias, que são são definidas pela categorização, resolução de problemas e tomadas de decisão por ações sequenciais do sujeito em interação com o produto do seu trabalho revelam-se como formas de enfrentamento do sofrimento e busca pelo prazer no trabalho, favorecendo e regulando o equilíbrio psíquico, além de favorecer o desempenho do trabalho. Os relacionamentos interpessoais e o coletivo também favorecem ao equilíbrio psíquico no trabalho. Em organizações nas quais a importância do coletivo é reconhecida, atendentes frequentemente recorrem ao suporte dos colegas próximos e de outros 6 setores e realizam troca de informação e cooperação mútua, que servem como mediadores da saúde. Coletivamente os trabalhadores desenvolvem estratégias de minimização de percepção do sofrimento por meio de modificações mentais dessas assmiliações, visto que a realidade mantém-se. A relação com o usuários e as frequentes reclamações destes relativas ao atendimento, as posturas de paciência, fineza e cortesia no trato com o público e a impossibilidade dos atendentes, muitas vezes, não alcançarem o objetivo de seu trabalho por motivo de poucos recursos para tal, gerando situações de impasse, além da falta de reconhecimento pelo esforço realizado podem contribuir para o desgaste dos trabalhadores. Conclusão O trabalho é um local onde os sentimentos de prazer e sofrimento que são individuais e definidos pela história de vida do sujeito se afloram. O sofrimento no trabalho pode ser decorrente de conflitos entre os desejos do trabalhador e as imposições da organização. Contudo, esse sofrimento pode ser transformado em prazer por meio do processo sublimatório, fazendo do trabalho fonte de gratificação psíquica. Citações “Para compreender a atividade, é necessário conhecer todo o ambiente sócio- técnico, as condições de trabalho, as relações sociais e hierárquicas, enfim, todos os elementos organizacionais que, de certa forma, são o cenário no qual se desempenha a atividade” (TORRES; ABRAHÃO, p. 116). Segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994 apud TORRES; ABRAHÃO, 2006, p. 118-119), as condições físico-ambientais incluem as pressões físicas, mecânicas, químicas, e biológicas do posto e do ambiente de trabalho e têm um papel na determinação do sofrimento ou do prazer quando interferem na atividade. De acordo com Assunção (2003 apud TORRES; ABRAHÃO, 2006, p. 119), nas centrais de atendimento, os custos físico e cognitivo são elevados, considerando a integração entre demandas variadas e as condições de trabalho inadequadas (ruído, mobiliário, espaço físico). Palavras-chave: Ergonomia. Psicodinâmica do trabalho. Bem-estar e sofrimento.
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