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1 Unidade 1 – A neurose Iniciaremos a discussão da neurose a partir da análise do caso do pequeno Hans. Esse é um caso de uma criança, não atendida diretamente por Freud, que apresentou uma fobia de cavalos. A partir desse caso, Freud pôde confirmar e rever algumas de suas hipóteses sobre a sexualidade infantil e sua importância na produção da neurose. Para facilitar sua compreensão do texto, organizei o material a partir dessas três grandes divisões proposta por Freud e, além disso, propus subtítulos a fim de indicar o tema central discutido pelo autor. O número entre parênteses no final do parágrafo corresponde à página do texto (3ª edição/ capa vinho) que você encontrará essas referências. Utilizarei o termo angústia e não ansiedade, mais apropriado e de acordo com o que foi proposto pela edição alemã das obras freudianas. O termo ansiedade foi um “erro” de tradução do alemão para o inglês. Entretanto, você poderá encontrar nas provas de concurso os dois termos. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909) Caso Hans, volume X O editor da obra indica outros textos de Freud que complementam ou discutem o caso Hans: O esclarecimento sexual das crianças (1907); Sobre as teorias sexuais das crianças (1908); Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905); Inibição, sintoma e angústia (1926). O Caso Hans está dividido em três partes: 1. Introdução: Freud faz considerações preliminares sobre o caso 2. Caso clínico e análise: Freud descreve o desencadeamento e a evolução da doença 3. Discussão do caso: Freud procede ao exame do desenvolvimento e resolução de uma fobia a partir de três pontos de vista: 2 A) Considera até que ponto o exame da observação de Hans apóia as afirmações que fez nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). E conclui que o quadro da vida sexual do pequeno Hans está muito de acordo com o relato que forneceu (baseado nos tratamentos de adultos) nos Três ensaios; B) Considera em que medida ele (caso Hans) pode contribuir para a compreensão dessa frequente forma de distúrbio: a fobia; C) Considera a possibilidade de projetar alguma luz sobre a vida mental das crianças ou fornecer alguma crítica aos objetivos educacionais. I – Considerações preliminares Freud afirma que o caso não provém de sua própria observação. Trata-se não de um caso atendido pelo próprio Freud, mas acompanhado por ele, a partir dos relatórios escritos por seu discípulo, o pai de Hans. Segundo Freud, ele apenas assentou as linhas gerais do tratamento e que numa única ocasião encontrou com a criança. O tratamento fora efetuado pelo próprio pai da criança que era naquele tempo um grande interessado pelo tema da psicanálise. Os pais de Hans eram adeptos de Freud e da psicanálise e haviam concordado que na educação do filho não usariam de mais coerção do que a que fosse absolutamente necessária para manter um bom comportamento da criança. Informações posteriores nos indicam que a mãe de Hans fez análise com Freud. 1.1 A sexualidade infantil no adulto Uma contribuição importante do caso Hans, é poder confirmar as teses de Freud acerca da sexualidade infantil colhidas por ele nas análises de adultos. Isso, de acordo com Freud revela que as forças motivadoras de todos os sintomas neuróticos encontram-se na sexualidade infantil do paciente. Ele se interessou muito pelos registros do pai Hans sobre o comportamento e fala de seu filho por lhe dá a possibilidade de observar em crianças o frescor da 3 vida, os impulsos e desejos sexuais que tão laboriosamente desenterra-se nos adultos. Quando um paciente adulto vem a nós para tratamento psicanalítico achamos regularmente que sua neurose tem como ponto de partida uma ansiedade infantil e é de fato uma continuação dela (148). Freud revela aqui que o infantil é um elemento da estrutura. Infância e Infantil são conceitos diferentes, enquanto primeiro diz respeito a uma etapa da vida, definida a partir da idade cronológica, variável de acordo com a cultura e com o tempo histórico, o segundo diz respeito a uma posição subjetiva que não desaparece com o desenvolvimento. O infantil permanece irredutível no inconsciente e os conflitos que surgem daí representa a fonte das neuroses. 1.2 A criança: uma analisante/ sujeito com plenos direitos Freud não compartilha do ponto de vista de que as afirmações feitas pelas crianças são arbitrárias e indignas de confiança. Para ele, o arbitrário não tem existência na vida mental e as declarações feitas por adultos não oferecem maior certeza que as das crianças. De acordo com Freud, as discrepâncias entre o que Hans dizia e o que pensava são fruto da eclosão da doença e a análise fez surgir essas contradições. Isso aconteceu porque o material inconsciente surgiu. Essas dificuldades não resultariam maiores do que em muitas análises de adultos. Em qualquer análise, seja de adulto ou de crianças, o analista faz interpretações e construções que permitem ao paciente reconhecer e compreender o material inconsciente. A possibilidade de análise de crianças está sustentada por essas observações freudianas, que garante a elas a possibilidade de um tratamento analítico que siga os mesmos princípios éticos que de um adulto. Podemos perceber também que Freud demonstra que o sujeito que interessa à análise é o sujeito do inconsciente presente tanto na criança como no adulto. 4 II - Caso clínico: análise e discussão do caso Hans Nesse momento Freud descreve a evolução e os elementos que compõem a fobia de Hans. 1. O desencadeamento da fobia 1.1 O aparecimento do distúrbio nervoso e as explicações do pai de Hans Hans tinha quatro anos e nove meses, quando, de acordo com seu pai, apresenta um distúrbio nervoso: ele receia que um cavalo vá mordê-lo na rua. Estar receoso de sair à rua e de ficar com desânimo à noite. (33) O pai de Hans associa esse distúrbio a uma superexcitação sexual devido à ternura de sua mãe. Esse medo parece estar relacionado com o fato de ele vir se assustando com um grande pênis. Anteriormente, ele havia notado como são grandes os pênis dos cavalos, e nessa época deduziu que sua mãe, por ser tão grande, deveria ter um pipi como o do cavalo. (33) 1.2 O começo da angústia de Hans Aos 4 anos e 9 meses Hans tem um sonho de angústia, um sonho de separação de sua mãe: – Quando eu estava dormindo, pensei que você tinha ido embora e eu ficava sem a Mamãe para mimarmos juntos. (34) Foi passear na rua, começou a chorar e pediu que o levasse para casa. À noite chorava e não podia separar-se da mãe, desejando continuar mimando com ela. (35) No passeio seguinte realizado ao lado de sua mãe diz: Eu estava com medo de que um cavalo me mordesse (35) Freud propõe que mantenhamos separados a angústia e a fobia (35). Freud aponta nesse momento o que vai melhor desenvolver em seu texto Inibição, 5 sintoma e angústia (1926): a fobia, enquanto um sintoma, é uma resposta à angústia. Um modo de tratar e contornar a angústia produzida pelo próprio sujeito. Ele produz um sintoma fóbico para se proteger do mal-estar gerado pela angústia. A angústia é anterior ao desencadeamento da fobia. O sintoma fóbico é um modo encontrado pelo próprio sujeito de tratar, dá um contorno, ao mal-estar gerado pela angústia. CAIXA AMARELA De acordo com Freud, o distúrbio teve início com pensamentos ao mesmo tempo apreensivos e ternos, seguindo-se então de um sonho de angústia cujo conteúdo era a perda de sua mãe e, com isso, não poder mais mimar junto comela. Por conseguinte, sua afeição pela mãe deve ter-se tornado fortemente intensa. (35) Hipótese freudiana para a angústia: o excesso de excitação gera angústia. Foi esse aumento de afeição por sua mãe que subitamente se transformou em ansiedade, a qual, diga-se de passagem, sucumbiu à repressão. Haveria uma intensidade das emoções da criança que ficara acima de sua capacidade de controle. A ansiedade de Hans, que assim correspondia a uma ânsia erótica recalcada, como toda ansiedade infantil, não tinha um objeto com que dar saída: ainda era ansiedade e não medo. A criança não pode dizer, no princípio, de que ela tinha medo porque ele mesmo ainda não sabia. Ele, porém, disse tudo que sabia, que na rua sentia falta de sua mãe com quem queria mimar e que não queria estar longe dela. (36) Por algum tempo em Gmuden, ele estivera sozinho com sua mãe, de vez que seu pai não pudera passar lá as férias inteiras. Em Viena, longe das outras crianças, ele dirigia toda sua libido à sua mãe. (36/37) Esse é um ponto também importante do caso que Lacan discutirá em seu Seminário IV – A relação de objeto. Hans ficava muito só com sua mãe. Lacan nos indica que o pai de Hans intervia pouco nas relações entre essa criança e sua mãe tendo dificuldade em fazer dessa, uma mulher para além de mãe. 6 1.3 O desencadeamento da fobia de Hans: a queda do cavalo e a relação com seu pai O pai de Hans havia notado que durante alguns dias o filho ficava muito assustado quando as carroças entravam ou saiam do pátio, pois eram obrigadas a fazer uma curva. Numa dessas ocasiões, perguntou ao filho porque estava com tanto medo, e ele respondeu: Tenho medo de que os cavalos caiam quando a carroça vira (56) De acordo com Freud, o início da análise teria permitido não só o paciente como também a sua fobia tomar coragem e se arriscar a manifestar-se. Segue abaixo um importante diálogo do Pai de Hans com Hans: Pai de Hans: O que você pensou quando o cavalo caiu? Hans: Agora vai ser sempre assim. Todos os cavalos dos ônibus vão cair. Pai de Hans: Naquela ocasião você já tinha a sua bobagem? Hans: Não, só aí é que tive. Quando o cavalo do ônibus caiu, levei um susto de verdade! Foi então que eu fiquei com a bobagem. Pai de Hans: Mas a bobagem foi que você pensava que um cavalo ia morde-lo. E agora você me diz que tinha medo de um cavalo cair. Hans: Cair ou morder. (59) Pai de Hans: Quando o cavalo caiu você pensou no seu papai? Hans: Pode ser. Sim, é possível. De acordo com Freud, essa localização do desencadeamento da fobia tem alguns efeitos: seu medo diminuiu (62) e o raio de seu círculo de atividades tornou-se cada vez maior (63). Para Freud, a causa precipitadora da doença ocorreu quando ele foi dar um passeio com sua mãe e viu um cavalo de ônibus cair e escoicear com suas patas. (131) Ele ficou aterrorizado e pensou que o cavalo estava morto; dessa época em diante, achava que todos os cavalos iriam cair. Fator desencadeante da fobia de Hans: a queda do cavalo associado ao desejo incestuoso de morte do pai. Caixa vermelha 7 Hans tinha medo que o cavalo o mordesse e medo do cavalo caindo. Esses dois elementos foram mostrados para representar seu pai, que ia puni-lo pelos maus desejos (desejos incestuosos) que ele estava nutrindo contra ele.(132) De acordo com Freud, em si, a impressão do acidente que por acaso ele presenciou não carregava nenhuma força traumática. Ele adquiriu sua grande eficácia somente a partir do fato de que os cavalos antes tinha sido de importância para ele como objetos de sua predileção e interesse (142); Lembre-se que o pai de Hans relatou no início que observara o grande interesse do filho pelos pênis dos cavalos, os grandes pênis dos cavalos. Freud associará esse interesse pelo pênis dos cavalos ao complexo de castração. 2. Os elementos que constituíram sua fobia e sua relação com o complexo de castração Hans sempre observava com interesse os pipis grandes dos cavalos e presumira que sua mãe deveria ter um pipi como o do cavalo. Foi em um passeio que ele expressou medo de que um cavalo o mordesse. (37) Ele apresentava medo de todos os animais de grande porte, ao passo que ficava muito entretido com os pequenos. (43) Observava atentamente os pipis dos animais. Isso então lhe gerava prazer, ele tinha grande curiosidade por essa parte do corpo. Observar os genitais dos animias, do cavalo, lhe dá satisfação. Freud faz então uma questão importante: Como ocorreu essa inversão do prazer em desprazer que havia tomado conta de todas as suas pesquisas sexuais? (45) Freud tem uma hipótese: Hans vinha fazendo comparações e ficara extremamente insatisfeito com o tamanho do seu pipi. Os animais grandes lembravam-no desse seu defeito e por isso lhe eram desagradáveis. Esse sentimento foi transformado em angústia. (45) Descobrir sua insuficiência, o 8 tamanho medíocre de seu pênis gerou mal-estar em Hans, principalmente, se comparado ao tamanho do pênis de seu pai. Quanto à curiosa observação de Hans ele está preso no mesmo lugar, de acordo com Freud, possibilita adivinhar muitos elementos em conexão com a sua falta consoladora. Freud percebe os efeitos para Hans da velha ameaça de sua mãe, de que ela lhe cortaria fora o pipi se ele continuasse brincando com ele. Na época em que foi feita, quando ele tinha três anos e meio, a ameaça não teve conseqüência alguma. Ele tranquilamente respondeu que então faria pipi com o seu traseiro. A ameaça de castração só produz efeito adiado, só a posteriori surge o medo de ter de perder essa preciosa parte do seu eu. (45) O complexo de castração só produz angústia a posteriori, em um segundo momento, quando essa ameaça produz o sentido de perder algo para o sujeito. A ameaça de castração ganha sentido quando se associa ao Édipo, aos desejos incestuosos do sujeito. Caixa amarela. A parcela de esclarecimento dado a Hans, pouco tempo antes, quanto ao fato de que as mulheres na verdade não possuem pipi, estava fadada a ter apenas um efeito destruidor sobre sua autoconfiança e a ter originado seu complexo de castração. Surge para Hans uma questão: seria possível haver seres vivos que não tivessem pipis? Se assim fosse, não mais se poderia duvidar de que eles pudessem fazer desaparecer seu próprio pipi e, se assim fosse, transforma-lo em mulher. (46) Aqui está o centro do complexo de castração e da angústia que advém daí. 2.1 A ameaça de castração e seu efeito a posteriori ou adiado De acordo com Freud, a presença da ameaça de castração é inferida na análise de neuróticos, ainda que todos eles relutem violentamente em admiti-la. 9 Freud ressalta a importância da significação desse elemento na vida de uma criança. Nas palavras do próprio Freud, Qualquer um que, analisando pessoas adultas, se convenceu da presença invariável do complexo de castração irá sem dúvida encontrar dificuldades em atribuir sua origem a uma ameaça causal, aliás de espécie nada comum; será levado a admitir que as crianças constroem para si mesmas esse perigo, utilizando os mais indiretos indícios, os quais jamais deixarão de existir (nota de rodopé da página 18) Entretanto, a ameaça de castração feita por sua mãe foi precipitadamente banida dos seus pensamentos e só teve efeitos em um período posterior. O motivo dessa ameaça foi sua atividade masturbatória, forma de atividade sexual auto-erótica muito comum e normal na infância. De acordo com Freud, a atividade masturbatória auto-erótica torna-se associado à escopofilia nas suas formas ativas (olhar) e passivas(ser olhado). O pequeno Hans gostava de dar uma olhada nos pipis dos outros e exibir o seu próprio. Buscou comparar seu pipi com os de outras pessoas. Observou que os animais grandes tinham pipis que eram maiores que o seu e suspeitou de que o mesmo procedia quanto a seus pais. Sua mãe teria um pipi do tamanho do de um cavalo. Ele então esperava que seu pipi iria crescer com ele. Estamos aqui diante de uma das teorias sexuais infantis que discutiremos posteriormente: todo ser humano, homem ou mulher, é dotado de pênis. É somente após a compreensão de que alguns seres (as mulheres) não são dotadas de pênis, que a ameaça de castração ganha algum sentido dando origem ao que Freud nomeou como complexo de castração. Se alguns seres não possuem pênis, então, eu também posso perder o meu. Esse seria o raciocínio da criança. Portanto, a ameaça de castração é uma interpretação a posteriori do sujeito. Caixa vermelha 3. O complexo de Édipo 10 De acordo com Freud, Hans era verdadeiramente um pequeno Édipo que queria ter seu pai fora do caminho, queria livrar-se dele, para que pudesse ficar sozinho com sua mãe. Esse desejo tinha-se originado durante suas férias de verão, quando a presença e a ausência alternativa de seu pai tinha atraído a atenção de Hans para a condição da qual dependia a intimidade com sua mãe. Havia, portanto, o desejo de que seu pai fosse embora – transformado durante a fobia em medo de ser mordido pelo cavalo – desejo de que seu pai ficasse permanentemente longe, que ele deveria ser morto. O medo se originou desse desejo de morte contra seu pai. O pai se constitui um obstáculo entre Hans e sua mãe. Quando ele estava lá, Hans não podia dormir com sua mãe, e quando sua mãe queria trazer Hans para a cama com ela, seu pai costumava reclamar (139). O pai não somente impedia que Hans ficasse na cama com sua mãe, mas também manteve afastado dele o conhecimento sobre o nascimento dos bebês contando-lhe a fábula da cegonha (140); Segue abaixo trechos do diálogo entre Hans e seu pai que revela o desejo do filho que o pai morra: Pai de Hans: Quando Fritzl caiu, o que foi que você pensou? Hans: Que você devia bater na pedra e cair. Pai de Hans: Então você gostaria de ir ficar com a mamãe? Hans: Sim (90) Quanto ao pai de Hans está ou não zangado com ele por causa disso: Hans: Porque você está zangado. Pai de Hans: Mas isso não é verdade. Hans: Sim, é verdade. Você está zanagado. Eu sei que você está. Isso tem que ser verdade. (91) Esse diálogo revela como Hans demanda que seu pai fique zangado e exerça sua função de se constituir como um obstáculo, um terceiro, na relação da criança com sua mãe. O pai na teoria psicanalítica que constitui um obstáculo entre o sujeito e a satisfação (gozo). Ele se interpõe entre o sujeito e o gozo, impedindo a satisfação e ao mesmo tempo protegendo o sujeito de um gozo devastador – Caixa Amarela 11 Ele suspeitava que tomar posse de sua mãe era um ato proibido e se defrontava com a barreira do incesto. Ele pensava que seu pai também fazia aquela coisa proibida e enigmática com a sua mãe. (51) 3.1 A intervenção de Freud: a construção do Édipo O encontro com Freud e sua intervenção: revelhei-lhe então que ele tinha medo de seu pai, exatamente porque gostava muito de sua mãe. Disse-lhe da possibilidade de ele achar que seu pai estava aborrecido com ele por esse motivo; contudo, isso não era verdade, seu pai gostava dele apesar de tudo, e ele podia falar abertamente com ele, sobre qualquer coisa, sem sentir medo. Continuei, dizendo que bem antes de ele nascer eu já sabia que ia chegar um pequeno Hans que iria gostar tanto de sua mãe que, por causa disso, não deixaria de sentir medo de seu pai; e também contei isso ao seu pai. (52) Freud, percebendo a dificuldade do pai de Hans em se colocar como o obstáculo entre ele e sua mãe, introduz o Édipo para a criança. Segue o efeito dessa intervenção: a partir dessa consulta, passei a receber quase que diariamente relatos das alterações verificadas na condição desse pequeno paciente. Não era de se esperar que ele ficasse livre de sua ansiedade, de um só golpe, com a informação que lhe dei; mas tornou-se aparente que acabara de se lhe oferecer a possibilidade de trazer à tona os produtos de seu inconsciente, e de identificar sua fobia. (51/52) Freud ao construir o Édipo para Hans permitiu que sua angústia, produtora da fobia, diminuísse. Esse efeito revela que a fobia de Hans tem relação com a insuficiência da intervenção de seu pai. Essa é a tese que Lacan defenderá no seu Seminário IV – A relação de objeto: a fobia de Hans faz suplência ao pai. Caixa verde 12 3.2 A ambivalência de Hans em relação ao seu pai De acordo com Freud, o amor de Hans por seu pai entrava em conflito com sua hostilidade para com ele, considerando-o como um rival junto de sua mãe. Censurava seu pai por não haver ainda chamado sua atenção para esse jogo de forças, fadado a culminar em ansiedade.(53) Freud faz uma importante diferenciação: havia medo de seu pai e medo por seu pai. O primeiro derivava de sua hostilidade para com seu pai, e o outro derivava do conflito entre sua afeição, exagerada a esse ponto por um mecanismo de compensação, e sua hostilidade. (54) Segue abaixo dois trechos da fala do pai de Hans que busca esclarecer esse ponto: Ele se prende a casa por amor de sua mãe, e fica com medo de eu ir embora, em virtude dos desejos hostis que ele nutre contra mim – pois assim ele seria o pai. (55) O desejo reprimido de que eu fosse à estação, pois assim ele estaria a sós com sua mãe (o desejo de que o cavalo fosse embora) se transforma em medo de que o cavalo parta.(55) De acordo com a análise de Freud, o desejo do menino de importunar o cavalo tinha dois constituintes: era composto de um desejo sádico obscuro por sua mãe e de um claro impulso de vingança contra seu pai. (91) A ambivalência de sentimentos em relação ao pai, amor e ódio dirigido ao genitor do mesmo sexo, é um importante componente do complexo edípico. CAIXA VERMELHA O medo sentido em relação ao pai é explicado por um mecanismo conhecido na psicanálise: a hostilidade dirigida ao pai retorna ao sujeito invertida em medo. CAIXA AMARELA 13 4. As questões provocadas pelo nascimento de Hanna De acordo com Freud, a chegada de sua irmã trouxe para a vida de Hans muitos elementos novos, que dessa época em diante não lhe deram sossego (138): 1. Submeteu-se a um certo grau de privação: uma separação temporária de sua mãe e uma diminuição permanente na soma de cuidado e atenção que ele tinha recebido dela (138); 2. Experimentou uma reanimação dos prazeres que tinha desfrutado quando era cuidado como um bebê, sendo com isso intensificado suas necessidades eróticas (138); 3. Compensou a perda que a chegada da sua irmã lhe legou, imaginando que ela (a mãe) tinha filhos seus (138); 4. Estimulou-o a um esforço de pensamento, que de um lado, era impossível conduzir a uma conclusão e que, de outro lado, envolveu-o em conflitos emocionais (139); 5. Se deparou com o grande enigma de onde é que os bebês vêm, que é talvez,o primeiro problema a ocupar os poderes mentais de uma criança (139); 6. Rejeitou a solução oferecida, a de que a cegonha tinha trazido Hanna e deduziu que ela tinha estado dentro do corpo de sua mãe, e que depois tinha vindo para fora como um lumf (139); 7. Foi capaz de imaginar o ato de dar à luz como um ato de prazer, relacionando- o com seus próprios primeiros sentimentos de prazer ao evacuar (139);8. Interrogou sobre a relação de seu pai com o nascimento de Hanna, pois ele tinha declarado que Hanna e o próprio Hans eram filhos deles (139); 9. O pipi tem alguma relação com o nascimento de Hanna e tem que ser um pipi grande, maior que o seu (140); 10. O ato sexual foi associado a um ato de violência executado em sua mãe, de quebrar alguma coisa, de fazer uma abertura em alguma coisa, de forçar um caminho num espaço fechado (140); 14 11. A idéia de que todo ser vivo possui um pênis, inclusive sua mãe, dificultou a possibilidade de entender o ato sexual e de procriação. O nascimento de um irmão provoca muitas coisas em uma criança. A primeira e mais importante delas é o deslocamento do sujeito do lugar de falo que ocupa para esse Outro materno. O nascimento de um irmão pode operar uma separação da criança desse lugar, uma vez que ela percebe não ser o que basta a esse Outro. Isso provoca angústia e aguça seu desejo de saber, buscando compreender o processo de procriação, o papel do pai nesse processo. Questões fundamentais sobre a existência são introduzidas: o enigma da origem e da filiação. CAIXA VERDE 4.1 O nascimento da irmãzinha: a rivalidade De acordo com Freud, o nascimento de um irmão gera hostilidade porque promove uma separação da criança e a mãe. Segue abaixo alguns trechos da fala de Hans e comentários de seu pai e de Freud que demonstram sua hostilidade com Hanna: Eu pensei para mim mesmo que Hanna estava na varanda e tinha caído de lá (76) Hans sentiu uma forte aversão pelo bebê recém-nascido, que lhe roubou uma parte do amor de seus pais. (77) Ele já tinha expressado muitas vezes um desejo de que a cegonha não trouxesse mais bebês e que devíamos pagar-lhe algum dinheiro para não trazer mais nenhum de dentro da caixa onde estão os bebês. Hanna grita tanto, diz ele, e isso é uma amolação para ele. (77) De acordo com Freud, na neurose, sua hostilidade, já suprimida, foi representada por um medo especial de banho. Na análise ele deu uma expressão sem disfarces do seu desejo de morte contra sua irmã. Ele nutria um desejo de morte por seu pai e por sua irmã porque no inconsciente ele tratava ambas as 15 pessoas da mesma maneira, porque ambas afastavam sua mãe dele e interferiam em seu estar só com ela. Sua primeira atitude foi de hostilidade e o medo de que pudesse chegar outro bebê encontrou lugar entre os seus pensamentos conscientes. (120) 4.2 O nascimento de Hanna: de onde vêem os bebês? Abaixo seguem trechos da fala de Hans e de diálogos com seu pai que demonstram como o nascimento de sua irmã fez surgir para o menino o enigma da origem. Para Hans, as carroças de caixas de cegonha equivaliam à mulheres grávidas (89) Pai de Hans: Como é que você acha que as galinhas nascem? Hans: A cegonha as faz crescer; a cegonha faz as galinhas crescerem – não, Deus é que faz. (93) De acordo com Freud, Hans apresenta aqui sua desconfiança em relação ao saber de seu pai quanto ao nascimento dos bebês. (94) Para ele, seria possível reportar a fobia de Hans aos pensamentos e desejos ocasionados pelo nascimento da sua irmãzinha. Freud salienta que, de acordo com a teoria sexual das crianças, um bebê é um lumf. (83) Essa é uma segunda teoria sexual infantil: a equivalência do bebê a fezes. Para a criança, antes de poder compreender melhor o ato sexual e o nascimento, um bebê fica no corpo da mãe e sai desse corpo do mesmo modo que as fezes. CAIXA AMARELA. 4.3 O nascimento da irmãzinha e a curiosidade sexual O nascimento de um bebê aguça a curiosidade da criança. Segue abaixo comentários de Freud sobre isso: 16 Ele tinha 3 anos e meio. Esse evento acentuou suas relações com seus pais e lhe deu alguns problemas insolúveis em que pensar. Ao observar os cuidados dispensados ao bebê seus traços de memória de suas experiências de prazer foram reavivados. (120) Explosão de prazer e de curiosidade sexual ligada ao nascimento de uma criança. (120) 4.4 A chegada da irmãzinha: a diferença sexual e a castração feminina Outra importante conseqüência do nascimento de Hanna é a descoberta de que alguns seres, as mulheres, nascem desprovidas de pênis. De acordo com Freud, esse é um momento crucial para Hans que se depara então com a castração feminina. Essa descoberta gera angústia e faz com que a ameaça de castração ganhe sentido. A ausência de pênis na menina é interpretada então como castração e pode também ocorrer com ele. CAIXA VERMELHA De acordo com Freud, Hans passa a classificar os seres entre os que têm pipi e os que não tem pipi. Entretanto, a descoberta da diferença sexual não depende da observação dessa diferença anatômica. Freud explica como o inconsciente é capaz de falsear a realidade e durante algum tempo a criança é capaz de não perceber, escamotear ou negar a castração feminina. Ele se pergunta então: Por que esses pequenos indagadores não relataram o que realmente viam, ou seja, que ali não existia pipi nenhum? Seria um falha de percepção? (veja a nota de rodapé da página 21) Um exemplo da tentativa de negação dessa castração é demonstrada na seguinte fala de Hans: Mas o pipi de Hanna vai crescer, não vai? (71) Freud ressalta que Hans vinha se interessando pelas calças de sua mãe e muda seu comportamento diante disso: tratava-se de algo que já lhe havia proporcionado um prazer enorme, mas que agora, instalada a repressão, muito o 17 envergonhava, provocando nele expressões de nojo. Resolveu, assim, mentir para disfarçar as circunstâncias nas quais vira sua mãe trocar de calças. (66) Segue abaixo uma observação do pai de Hans e um diálogo entre eles que demonstra como o menino estava às voltas com a questão da castração feminina: aceita-la ou não. Na hora do almoço foi informado de que Hans tinha brincado a manhã inteira com uma boneca de borracha, que ele chamava de Grete. Ele tinha metido um pequeno canivete através da abertura à qual estava originalmente pregado um pequeno guincho, e depois separou bem as pernas da boneca, de modo a deixar a faca sair. Ele tinha dito a empregada, apontando para entre as pernas da boneca: Olha, lá está o pipi dela. (92) Pai de Hans: Porque você separou as pernas das boneca? Para que pudesse ver o pipi dela? Hans: O pipi dela não estava lá antes; eu poderia tê-lo visto antes, de qualquer modo (92). 4.5 O esclarecimento sexual de Hans quanto a origem dos bebês De acordo com o pai de Hans, no dia 24 de abril ele e sua mulher esclareceram Hans até um certo ponto: nós lhe dissemos que as crianças crescem dentro de suas mamães, e que depois são trazidas ao mundo ao serem empurradas para fora delas, como um lumf, e que isso envolve muita dor (95) Para Freud o efeito desse esclarecimento foi o seguinte: De tarde saímos para a frente da casa. Havia uma melhora visível no seu estado. (95) O pai de Hans segue com seu esclarecimento sobre a origem dos bebês: Pai de Hans: Você se lembra de como a vaca teve o bezerro? Hans: Oh, sim. Ele veio numa carroça. E uma outra vaca o empurrou para fora do seu traseiro Para Freud, esse comentário de Hans já era fruto do seu esclarecimento, que ele estava tentando harmonizar com a teoria da carroça (97) 18 Freud, nesse momento, é favorável até certo ponto ao esclarecimento sexual das crianças. Ele acreditava que desse modo evitaria a produção de neuroses. CAIXA VERDE 5. A fantasia do bombeiro e o camimho para a dissolução do Édipo Para Freud, a dissolução do Édipo e a conseqüente diminuição do conflito psíquicoda criança se daria através da identificação com o pai. A dissolução do Édipo e não sua eliminação ocorre com a identificação ao pai e a renúncia da criança ao seu desejo incestuoso. CAIXA VERMELHA A identificação com o pai é revelada por meio da fantasia do bombeiro. Segue abaixo o relato de Hans sobre essa fantasia e o interrogatório promovido por seu pai. Hans: Papai, eu pensei uma coisa: eu estava no banho e então veio o bombeiro e desaparafusou a banheira. Depois ele pegou uma grande broca e bateu no meu estômago. Pai de Hans: Você gostaria de ser o papai. Hans: Oh, gostaria (96) Pai de Hans: Você pensou então que era só o papai morrer e você seria o papai. Hans: Sim (98) Hans: Você disse que os papais não têm bebês; então como é que funciona a minha vontade de ser papai? (100) De acordo com Freud, com essas questões, Hans apresenta sua incerteza quanto ao papel desempenhado pelos pais quanto à concepção . (100) O diálogo seguinte, quando Hans brincava com seus filhos imaginários, revela, de acordo com a interpretação freudiana, a saída de Hans pela via da identificação. Pai de Hans: Alô, seus filhos ainda estão vivos? Você sabe muito bem que um menino não pode ter filhos. Hans: Eu sei. Antes eu era a mamãe deles, agora eu sou o papai deles. Pai de Hans: E quem é a mamãe das crianças? Hans: Ora, a mamãe, e você é o vovô delas. Pais de Hans: Então você gostaria de 19 ser do meu tamanho, e de ser casado com a mamãe, e então você gostaria que ela tivesse filhos. Hans: Sim, é disso que eu gostaria, e então a minha vovó de Lainz (avô paterna de Hans) será a vovó deles. (104) De acordo com Freud, as coisas estavam caminhando para uma conclusão satisfatória. O pequeno Édipo encontrou uma solução mais feliz do que a prescrita pelo destino. Em vez de colocar seu pai fora do caminho, concedeu-lhe a mesma felicidade que ele mesmo desejava: fez dele um avô e casou-o com a sua própria mãe também. (104) Surge uma segunda fantasia do bombeiro. Hans: O bombeiro veio; e primeiro ele retirou o meu traseiro com um par de pinças, e depois me deu outro, e depois fez o mesmo com o meu pipi (105) Pai de Hans: Ele te deu um pipi maior e um traseiro maior. Hans: É. Pai de Hans: Como os do papai; porque você gostaria de ser o papai. Hans: sim, e eu gostaria de ter um bigode como o seu e cabelos como os seus (105) Para Freud, com essas duas fantasias a sua recuperação foi fechada (137). O bombeiro deu-lhe um novo e maior pipi. Trata-se de uma fantasia triunfante e apaixonada e foi com ela que ele superou seu medo de castração. Segue abaixo o comentário de Freud sobre essa segunda fantasia: Sua outra fantasia que confessava o desejo de ser casado com sua mãe e de ter muitos filhos com ela esgotou o conteúdo dos complexos inconscientes que tinham sido agitados pela visão do cavalo caindo e que tinham gerado sua ansiedade e corrigiu a porção daquelas idéias que era inteiramente inaceitável. Ao invés de matar seu pai, tornou-o inofensivo, incentivando-o a um casamento com a avó de Hans. Com essa fantasia, tanto a doença quanto a análise chegaram a um final apropriado (137/138) Freud passa então a desenvolver sua teoria sobre a fobia, a partir da análise do caso Hans. 20 6. A fobia 6.1 A fobia como histeria de angústia Freud propõe o termo histeria de angústia para nomear a fobia. O termo encontra sua justificação na semelhança entre a estrutura psicológica dessas fobias e a da histeria. (122) De acordo com ele, na histeria de angústia, a libido, que tinha sido libertada do material patogênico pela repressão, não é convertida (isto é, desviada da esfera mental para uma inervação somática), mas é posta em liberdade na forma de ansiedade. (123) Na histeria de angústia a libido é posta em liberdade na forma de angústia, podendo se ligar posteriormente a qualquer idéia, diferentemente do que ocorre com o mecanismo da conversão, quando a angústia encontra vazão no corpo, através do processo de somatização. CAIXA VERMELHA As histerias de angústia são os distúrbios psiconeuróticos mais comuns. Mas, antes de tudo, são as que aparecem mais cedo na vida; são as neuroses da infância, par excellence. (123) As histerias de angústia são as neuroses da infância por excelência. O principal modo, nos tempos de Freud, da angústia encontrar uma solução. CAIXA VERMELHA. De acordo com Freud, uma histeria de angústia tende a desenvolver-se mais e mais para uma fobia. O paciente pode se livrar de toda a sua angústia, sujeitando-se a todos os tipos de inibições e restrições. (123) Em Inibição, sintoma e angústia (1926), Freud demonstra como os sintomas fóbicos são acompanhados de inibições que se constituem basicamente como restrições das funções do eu. O sujeito fóbico é aquele que para evitar o encontro 21 com o objeto fóbico se impõe várias restrições. Hans para não encontrar com o cavalo evitava, algumas vezes, sair de casa. Nesse texto ele também diferencia o mecanismo da inibição do mecanismo do sintoma. 6.2 A fobia como defesa Freud explica como a fobia, ou seja, o sintoma fóbico, é um modo encontrado pelo sujeito de se defender da angústia, desse excesso libidinal que ficou liberado. CAIXA AMARELA. De acordo com Freud, na histeria de angústia, a mente está constantemente trabalhando no sentido de ligar psiquicamente, mais uma vez, a ansiedade que tinha se liberado. Mas esse trabalho não pode nem efetuar uma retransformação da ansiedade em libido, nem estabelecer qualquer contato com os complexos que foram a fonte da libido. Resta-lhe, então, cortar o acesso a todo possível motivo que possa levar ao desenvolvimento de ansiedade, erigindo barreiras mentais da natureza de precauções, inibições ou proibições; e são essas estruturas protetoras que aparecem para nós sob a forma de fobia e que constituem aos nossos olhos a essência da doença. (124) A fobia se constitui como uma barreira mental, um modo de precaução, estruturas protetoras do sujeito. CAIXA VERMELHA 6.3 A evolução da fobia: a defesa contra um excesso de excitação sexual De acordo com Freud, a eclosão da doença não foi de modo tão repentino como parecia à primeira vista. Iniciou-se com um sonho de ansiedade, cujo conteúdo era que sua mãe tinha ido embora e que agora ele não tinha como fazer carinho nela. (125) Análise de Freud quanto a esse sonho: um sonho que falhou em sua função, já que a criança acordou do seu sono num estado de ansiedade. Freud reconstrói o sonho da seguinte forma: a criança sonhou trocando carinhos com 22 sua mãe e dormindo com ela, mas todo o prazer foi transformado em ansiedade, e todo o conteúdo ideativo, no seu oposto. A repressão derrotou a finalidade do mecanismo de sonhar. (125) Hipótese de Freud para o mecanismo constituinte da fobia: Hans tenha ficado num estado de excitação sexual intensificada, cujo objeto era sua mãe. (125). Sua excitação sexual, com atividades masturbatórias, subitamente mudou para ansiedade. (126) Nesse momento, para Freud, o mecanismo da fobia relaciona-se com o excesso de excitação pulsional que provoca a angústia. Podemos sintetizar esse percurso da seguinte forma: desejos incestuosos de Hans – excesso de excitação pulsional – angústia – fobia como solução para esse excesso. CAIXA AMARELA 6.4. O significado da fobia: do complexo dos cavalos ao parto Freud busca explicar como a gravidez da mãe e o nascimento de Hanna se relacionam com a construção da fobia. Freud associa a queda do cavalo ao parto e o desejo de incestuosode Hans em relação à mãe. Segue abaixo trechos da fala de Freud que fazem essa associação. Esse acontecimento, o acidente, foi capaz de agitar o segundo dos complexos que se escondiam no inconsciente de Hans: o complexo do parto de sua mãe grávida. Foi a partir daí que o caminho ficou livre para o retorno do reprimido e este voltou de tal maneira que o material patogênico foi remodelado e transposto para o complexo do cavalo, enquanto os afetos acompanhantes forma uniformemente transformados em ansiedade. (142) O conteúdo da fobia de Hans teve que ser submetido a um processo posterior de distorção e de substituição para que sua consciência tomasse conhecimento dele (142); Freud explica aqui o processo de produção dos sintomas de um modo geral: distorção e substituição. Lacan formulará isso como um processo 23 metafórico. O sintoma se produz por meio da substituição de um significante por outro significante. Em todos os pontos o complexo hostil de Hans contra seu pai encobria seu complexo luxurioso em relação a sua mãe (143); No complexo do lumf, reconheceu-se que havia uma analogia entre uma carroça pesadamente carregada e um corpo cheio de fezes, entre a maneira pela qual uma carroça sai por um portão e a maneira como as fezes deixam o corpo. (133) Estamos aqui diante de uma das teorias sexuais das crianças: bebê = fezes. Todas as carroças de mudanças, carrinhos e ônibus eram apenas carroças de caixas de cegonhas, e só tinha interesse para Hans como sendo representações simbólicas da gravidez e que quando um cavalo pesado ou pesadamente carregado caiu, ele pode ter visto nisto apenas uma coisa – um parto. Portanto, o cavalo que caiu não era só seu pai moribundo, mas também sua mãe no parto. (135) 7.O tratamento analítico Segue abaixo algumas considerações sobre o caso Hans que nos orientam sobre o tratamento analítico de modo geral. 7.1 Críticas de Freud quanto à condução do tratamento feito pelo pai de Hans O próprio Freud critica o modo como o pai de Hans conduz o que chamou de interrogatório do filho. Ele acabou forçando as associações da criança e proliferando o conteúdo. Isso é o que Lacan chamará, no Seminário IV, de proliferação do imaginário no caso Hans. Seguem alguns trechos da fala do próprio Freud: 24 O pai de Hans estava fazendo perguntas demais, e estava pressionando o inquérito através de suas próprias linhas, em vez de permitir ao garotinho que expressasse seus pensamentos. Por essa razão a análise começou a ficar obscura e incerta. (73) A análise conseguiu forçar o material, de forma um tanto artificial. (73) Só posso aconselhar àqueles dos meus leitores que até agora ainda não tenham conduzido uma análise, que não tentem compreender tudo de uma vez, mas que dêem um tipo de atenção não tendenciosa para todo ponto que surgir e aguardem desenvolvimentos posteriores. (74) Freud faz aqui uma das recomendações para a condução do tratamento analítico: manter a atenção flutuante de modo que o analista não selecione o material de acordo com sua própria subjetividade. Ele nos lembra em Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (data), que essa é uma contrapartida, do lado do analista, à exigência feita ao analisante da associação livre. O analisante fala livremente, de acordo com a lógica do inconsciente, enquanto o analista deverá não pré—julgar o material. 7.2 O lugar de suposto saber de Freud De acordo com Lacan, Freud ocupou para Hans o lugar de suposição de saber a quem a criança endereçava suas produções. Lacan atribui a isso um dos motivos do sucesso desse tratamento. Segue abaixo alguns trechos da fala Hans que demonstram o endereçamento de Hans a Freud. Não sei. Mas o professor deve saber. Você não acha que ele vai saber? (57) Quanto ao pensar em ficar sozinho com sua mãe Hans responde a censura do pai: Se ele pensa isso, é bom de todo jeito, porque você pode escreve-lo para o Professor. Sabe de uma coisa? Vamos escrever alguma coisa para o Professor. (104) 25 7.3 As construções e o além do terapêutico. Nesse texto, Freud dá indicações importantes quanto à condução do tratamento e do processo que ele nomeia como construções. Para Freud, a tentativa de eliminar a fobia só pode conduzir ao pior. A fobia constitui-se como um modo de defesa do sujeito, caso se a elimine, retira-se dele o recurso encontrado para se defender de um excesso pulsional que pode ser perigoso para o aparelho psíquico. A experiência demonstrou que é impossível efetuar-se a cura de uma fobia (e até mesmo, em certas circunstâncias, perigoso tentar faze-lo) por meios violentos, isto é, primeiro privando-se o paciente de suas defesas, e depois colocando-o numa situação da qual ele não possa escapar da liberação de sua ansiedade. (124) Freud lembra que o objetivo central de um tratamento analítico não é a eliminação do sintoma e sim a produção de um saber sobre o inconsciente e o desejo. Assim, no texto já citado acima, Recomendações ao médicos que exercem a psicanálise, lembra que o analista deve suspender seu furor curandis, caso contrário só impedirá o tratamento. Além disso, indica que uma construção deverá ser feita sobre o material inconsciente. Essa construção, feita pelo analista, de acordo com Freud, deve ser comunicada ao paciente o que permitirá o acesso ao conteúdo inconsciente que não pôde ser rememorado. A construção ocupa o lugar do que não pode ser lembrado pelo paciente e Freud compreende que o tratamento progride quando as construções do analisante se aproximam das construções do analista. Para melhor compreensão, leia o texto Construções em análise. O sucesso terapêutico não é nosso objetivo primordial, nós nos empenhamos mais em capacitar o paciente a obter uma compreensão consciente dos seus desejos inconscientes. Apresenta-se o complexo inconsciente para a sua 26 consciência nas nossas próprias palavras. Haverá um certo grau de semelhança entre o que ele ouve de nós e aquilo que ele está procurando, e o que, a despeito de todas as resistências, está tentando forçar caminho até a consciência. Essa semelhança que vai capacita-lo a descobrir o material inconsciente. O médico está a um passo à frente dele no conhecimento e o paciente segue pelo seu próprio caminho, até que os dois se encontrem na meta marcada. (127) O paciente usa da informação para descobrir o complexo inconsciente onde ele está ancorado no seu inconsciente. A informação não serve para nada além disso. (128) Em uma análise uma coisa que não foi compreendida, inevitavelmente reaparece, como um fantasma inquieto não pode descansar até que o mistério tenha sido resolvido. (129) III - A vida sexual das crianças Nessa parte do texto, Freud sintetiza suas considerações sobre a vida sexual das crianças, afirmando que o material oferecido por Hans confirma as principais teses apresentadas em seu texto dos Três ensaios. Nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), Freud revela a tendência perversa polimorfa da sexualidade infantil demonstrando: a existência de um pluralismo dos componentes da sexualidade e sua origem infantil; a existência de zonas erógenas diversas, além das dos órgãos genitais e a conseqüente satisfação parcial e isolada das pulsões parciais; o auto-erotismo, ou seja, a capacidade do próprio corpo constituir-se em objeto da satisfação sexual, fazendo do corpo o primeiro parceiro sexual do sujeito. 27 A característica principal da sexualidade infantil é sua tendênciaperverso polimorfa, tese que Freud desenvolveu principal nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e confirmada pela análise do caso Hans, CAIXA VERMELHA 3.1 A vida sexual infantil: do auto-erotismo à escolha de objeto Freud acreditava, nesse momento, que na vida sexual da criança haveria uma evolução da satisfação auto-erótica à escolha objetal, ou seja, na evolução normal essa satisfação primeira cederia espaço para a escolha objetal. Posteriormente, ele abandona essa idéia, percebendo que o auto-erotismo permanece como resíduo na vida psíquica. Não existiam apenas aspectos auto-eróticos na vida sexual de Hans. Ele mantinha interesses amorosos por outras crianças, caracterizando a existência de uma escolha de objeto com notável grau de inconstância e disposição à poligamia. Hans se comportava como um adulto apaixonado. Algumas mulheres trata com hostilidade e com outras se comporta como um admirador platônico e lânguido. O menino tinha descoberto o caminho para o amor objetal da maneira usual, pelo cuidado que tinha recebido quando era bebê. 3.2 As zonas erógenas De acordo com Freud, Hans demonstrou a existência das zonas erógenas e como elas são capazes de oferecer intenso prazer às crianças. No caso dele, além da zona genital, havia o prazer excretório, o prazer ligado aos orifícios através dos quais a micção e a evacuação dos intestinos são efetuadas. Esse prazer é constituído a partir dos cuidados da maternagem, ou seja, ele tinha obtido esse prazer das suas zonas erógenas com a ajuda da pessoa que cuidava dele – 28 a mãe. Além disso, a criança pode obter esse prazer auto-eroticamente, retendo as fezes, tirando daí uma sensação voluptuosa da sua evacuação. 3.3 A homossexualidade ou bissexualidade infantil Freud faz algumas considerações quanto à homossexualidade a partir da análise de Hans. Afirma que é uma alta estima pelo órgão masculino que define o seu destino. Hans, na sua infância, escolhe mulheres como seu objeto sexual, enquanto presume que elas também possuem o que, a seus olhos, é uma parte indispensável do corpo (mulher com um pênis/ mãe fálica). Quando ele se convence de que as mulheres não tem o pênis, elas deixam de ser aceitáveis para ele como objeto sexual. Ele não pode abrir mão de um pênis em qualquer pessoa que deva atraí-lo para o ato sexual. De acordo com Freud, ele fixará sua libido sobre a mulher com um pênis. Os homossexuais, então, são pessoas que, devido à importância erógena dos seus próprios genitais, não podem passar sem uma forma semelhante no seu objeto sexual. No curso do desenvolvimento do auto-erotismo para o amor objetal, eles permaneceram fixados num ponto entre os dois – um ponto que está mais perto do auto-erotismo. O que constitui um homossexual é uma peculiaridade não na sua vida instintual, mas na sua escolha de um objeto. (116/117) Essa teoria sobre a homossexualidade ele retomará na discussão do Caso Schreber. Entretanto, Freud lembra-nos que trata-se de uma homossexualidade estrutural, presente em todos os seres humanos, que mais tarde cairá sobre a barreira do recalque. Ele não afirma com isso que Hans iria se transformar em um homossexual, mas que esse desejo ou impulso homossexual, ou o que ele nomeia também como bissexual, está presente em toda subjetividade. Hans era um homossexual (como todas as crianças podem muito bem ser), devido ao fato, que precisa ser sempre mantido em mente, de que ele só 29 estava informado quanto a um tipo de órgão genital – um órgão genital como o seu. Período marcado pela primazia do falo. (117) 3.4 A curiosidade sexual e as teorias sexuais infantis Freud desenvolve aqui uma de suas teses importantes sobre a curiosidade intelectual das crianças. Para ele, ela advém da curiosidade sexual. CAIXA AMARELA A curiosidade sexual de Hans despertou nele o espírito de indagação e favoreceu que ele chegasse a um autêntico conhecimento abstrato. A ânsia por conhecimento parece ser inseparável da curiosidade sexual Hans aplicava suas teorias sexuais infantis ao material à sua frente sem ter recebido qualquer encorajamento para agir assim: bebê = fezes Quanto à diferença sexual anatômica e o interesse de Hans por seu pipi. Esse interesse despertou nele o espírito do inquérito. A presença ou ausência de um pipi torna possível diferenciar objetos animados (os que têm um pipi) de inanimados (aqueles que não têm um pipi). A princípio Hans não foi dissuadido pela evidência dos seus próprios olhos que as mulheres não teriam um pipi. 3.5 Os traços perversos: sadismo e exibicionismos Uma outra característica importante da sexualidade infantil são os traços perversos do sadismo, masoquismo e exibicionismos. Num estágio da análise, uma parte de sadismo suprimido apareceu. Bater e ser batido Exibicionismos: Hans gostava de se exibir, exibir seu pipi para as meninas. 30 IV A vida mental das crianças e os objetivos educacionais Freud propõe fazer uma breve discussão de como a análise da fobia de Hans oferece contribuições para a educação das crianças: 1. A precocidade sexual é um correlato da precocidade intelectual (147); 2. Quando a criança é criada sem ser muito intimidada e com pouca coerção sua ansiedade ousa mostrar-se mais atrevidamente (148); 3. Freud faz uma crítica aos objetivos educacionais: Ao educar as crianças só visamos a ser deixados em paz e não ter dificuldades, em suma, a formar uma criança modelo, e prestamos muito pouca atenção a se tal curso de desenvolvimento é também para o bem da criança (148); Além disso, a educação só estabeleceu para si a tarefa de controlar e suprimir os instintos com resultados de modo algum gratificantes. Ninguém inquiriu por que meios a que custo a supressão dos instintos inconvenientes foi conseguida (151); 4. A fobia de Hans produziu um benefício: dirigiu a atenção dos seus pais para as dificuldades inevitáveis com as quais uma criança é confrontada (148); 5. A análise substitui o processo de repressão, que é um processo automático e excessivo, por um controle moderado e resoluto da parte das mais altas instâncias da mente. A análise substitui a repressão pela condensação (150); 6. Não pode ser traçada qualquer linha nítida entre pessoas neuróticas e normais (151); 7. A educação de uma criança pode exercer influência poderosa sobre a disposição para a doença. 31 ALGUNS FRAGMENTOS DA OBRA FREUDIANA QUE SE RELACIONAM COM O CASO HANS Trechos do texto “O Esclarecimento Sexual das Crianças (1907)”, Volume IX da ESB, 1969. Freud escreve uma carta, a pedido do médico de Hamburgo, o Dr. M. Fürst, para ser publicada num periódico dedicado à higiene e à medicina social. “Que propósito se visa atingir negando às crianças, ou aos jovens, esclarecimento desse tipo sobre a vida sexual dos seres humanos? Será por medo de despertar prematuramente seu interesse por tais assuntos, antes que o mesmo irrompa de forma espontânea? Será na esperança de que o ocultamento possa retardar o aparecimento do instinto sexual por completo, até que este possa encontrar seu caminho pelos únicos canais que lhe são abertos em nossa sociedade de classe média? Será que acreditamos que as crianças não se interessarão pelos fatos e mistérios da vida sexual, e não os compreenderão, se não forem impelidos a tal por influências externas?(...)”(FREUD, 1969:137) “ (...) Certamente são apenas a pudicícia sexual dos adultos e sua má consciência em relação a assuntos sexuais que osinduzem a criar todo esse mistério diante das crianças, mas é possível que também uma certa ignorância teórica desempenhe seu papel nessa atitude, ignorância que pode ser remediada dando aos adultos algum esclarecimento”(FREUD, 1969:138) “O interesse sexual da criança pelos enigmas do sexo, o seu desejo de conhecimento sexual, revela-se numa idade surpreendentemente tenra. (...) Conheço um encantador menino de quatro anos, filho de pais compreensivos que se abstiveram de reprimir uma parte de seu desenvolvimento. O pequeno Hans certamente não foi exposto a nada da natureza de uma sedução pela babá, mas, apesar disso, já há algum tempo demonstrava um vivo interesse por aquela parte 32 de seu corpo que ele chama de ‘pipi’. Aos três anos perguntou à mãe: ‘Mamãe, você também tem um pipi? ‘Ela respondeu naturalmente. O que é que você acha? Também ao pai perguntou várias vezes a mesma coisa. Nessa época, ao entrar pela primeira vez num estábulo, viu uma vaca ser ordenhada. ‘Olhe só!’ Exclamou surpreso, ‘sai leite do pipi dela’. Aos três anos e nove meses parecia a caminho de por si mesmo fazer a descoberta de categorias corretas, através de suas observações. Ao ver sair água de uma locomotiva, exclamou:’ Veja, máquina está fazendo pipi. Onde está o pipi dela?’ E acrescentou, depois de refletir: ‘O cachorro e o cavalo têm pipis; a mesa e a cadeira não têm. ’Recentemente, olhava a irmãzinha de sete dias tomar banho, quando comentou: ‘O pipi dela é muito pequeno, mas vai ficar grande quando ela crescer’. (Sei da mesma atitude em relação ao problema da diferença dos sexos em outros meninos da mesma idade).” (FREUD, 1969: 140) “O segundo grande problema a ocupar a mente de uma criança – um pouco mais tarde, sem dúvida – é o da origem dos bebês. Isso geralmente é despertado pelo indesejado nascimento de um irmão ou de uma irmã.”(FREUD, 1969:141). Trechos do Texto “Sobre as Teorias Sexuais das Crianças (1908)”, Volume IX da ESB, 1969. “O conhecimento das teorias sexuais infantis, tais como as concebe a mente da criança, pode ter interesse em mais de um sentido – até mesmo, surpreendentemente, para a elucidação dos mitos e contos de fadas. Além disso, são indispensáveis para uma compreensão das próprias neuroses, já que nestas ainda atuam as teorias infantis, exercendo uma decisiva influência sobre a forma assumida pelos sintomas.”(FREUD, 1969: 215) Sobre o nascimento dos bebês: 33 “O desejo da criança por esse tipo de conhecimento não surge espontaneamente, em conseqüência talvez de alguma necessidade inata de causas estabelecidas; surge sob o aguilhão das pulsões egoístas que a dominam, quando é surpreendida – talvez ao fim do seu segundo ano – pela chegada de um novo bebê. Também a criança cuja família não aumentou pode colocar-se na mesma situação observando os outros lares. A perda, realmente experimentada ou justamente temida, dos carinhos dos pais e o pressentimento de que, agora, em diante, terá sempre de compartilhar seus bens com o recém-chegado despertam suas emoções e aguçam sua capacidade de pensamento.”(FREUD, 1969:216) “Sob a instigação desses sentimentos e preocupações, a criança começa a refletir sobre o primeiro grande problema da vida e pergunta a si mesma: ‘De onde vêm os bebês?’ – indagação cuja forma original certamente era: ‘De onde veio esse bebê intrometido?”(FREUD, 1969:216) “De um grande número de informações que reuni, deduzi que as crianças se recusam a crer na teoria da cegonha e que, a partir dessa primeira decepção, começam a desconfiar dos adultos e a suspeitar que estes lhe escondem algo proibido, passando como resultado a manter em segredo suas investigações posteriores. Com isso, entretanto, a criança experimenta o seu primeiro conflito psíquico, pois certas concepções pelas quais sente uma preferência pulsional não são consideradas corretas pelos adultos e contrapõem-se a outras definidas pela autoridade dos mais velhos, as quais, entretanto, não lhe parecem aceitáveis.”(FREUD, 1969:217) Teorias sexuais típicas – teorias construídas pela criança impostas por sua própria sexualidade “A primeira dessas teorias deriva do desconhecimento das diferenças entre os sexos (...)Consiste em atribuir a todos, inclusive às mulheres, a posse de um pênis, tal como o menino sabe a partir de seu próprio corpo. (...) O alto valor que o menino lhe concede (o pênis) reflete-se naturalmente em sua incapacidade de 34 imaginar uma pessoa semelhante a ele que seja desprovida desse constituinte essencial.”(FREUD, 1969:220) “Que o bebê se forma dentro do corpo da mãe não é obviamente uma explicação suficiente. Como ele chega lá dentro? O que provoca seu desenvolvimento? Parece lógico que o pai tenha alguma coisa a ver com isso, pois diz que o bebê também é dele. O pênis também desempenha certamente algum papel nesses misteriosos acontecimentos, como comprova a excitação desse órgão que acompanha tais atividades mentais da criança. (...) Mas quando parecesse assim bem encaminhada para descobrir a existência da vagina e inferir que a penetração do pênis paterno na mãe foi o ato que gerou o bebê no corpo desta – nesse momento crítico, a criança perplexa e impotente é obrigada a interromper sua investigação. O obstáculo que impede que ela descubra a existência de uma cavidade que acolhe o pênis é a sua própria teoria de que a mãe possui um pênis.”(FREUD, 1969:221) “Se o bebê se desenvolve no corpo da mãe, sendo então retirado, isto só pode acontecer através de um único caminho: a passagem anal. O bebê precisa ser expelido como excremento, numa evacuação. (...) A idéia de vir ao mundo como uma massa de fezes não era degradante, não tendo sido ainda condenada por sentimentos de repugnância.”(FREUD, 1969:222) “A terceira das teorias sexuais típicas surge nas crianças quando, por qualquer circunstância doméstica, elas testemunham acidentalmente uma relação sexual entre os pais. (...) concepção sádica do coito. Ela o encara como um ato imposto violentamente pelo participante mais forte ao mais fraco.”(FREUD, 1969:223) 35 Referências Bibliográficas: FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Obras Psicológicas Completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Volume VII FREUD, S. O esclarecimento sexual das crianças (1907). In: Obras Psicológicas Completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Volume IX FREUD, S. Sobre as teorias sexuais das crianças (1908). In: Obras Psicológicas Completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Volume IX FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909). In: Obras Psicológicas Completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Volume X FREUD, S. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). In: Obras Psicológicas Completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Volume XII FREUD, S. Inibições, sintomas e angústia (1926). In: Obras Psicológicas Completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Volume XX FREUD, S. Construções em análise (1937). In: Obras Psicológicas Completas. Ed. Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1980. Volume XXIII Lacan, J. O Seminário. Livro IV: A relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. 36