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92 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II Unidade II 5 COMPARAÇÃO E SÍNTESE DOS DISTINTOS MODELOS MACROECONÔMICOS A revolução keynesiana foi marcada por colocar que o maior problema da Grande Depressão, nos anos 1930, era a falta de demanda agregada. A escola keynesiana triunfou desse período até aproximadamente meados dos anos 1970, quando o mundo passou novamente por outra grande crise e houve o questionamento do funcionamento das políticas intervencionistas keynesianas. 5.1 Modelo monetarista Dessa mudança, surgiu a escola monetarista, cujo principal expoente foi Milton Friedman, a partir da publicação, em 1970, de The Counter‑Revolution in Monetary Theory. Esse autor, junto aos demais monetaristas, resgatou as hipóteses clássicas; sua abordagem teórica baseava‑se na teoria quantitativa da moeda (TQM), que estabelece que o estoque de moedas determina o nível geral de preços. Dessa maneira, uma expansão monetária deve ser equivalente à taxa de crescimento do produto real, para evitar o fenômeno inflacionário. A despeito de concordarem com os clássicos sobre a condução da política monetária, os monetaristas aceitam a possiblidade de a moeda não ser neutra a curto prazo, pois a demanda por saldos reais não é perfeitamente estável a curto prazo. Com relação à curva de Phillips, essa escola incorpora a hipótese de que os trabalhadores usem a expectativa futura do nível de preços, dados os salários nominais. Essa abordagem ficou conhecida como curva de Phillips versão Friedman‑Phelps. Portanto, essa escola criticou a primeira versão da curva de Phillips, que embasava as decisões dos agentes nos salários nominais e não reais. A diferença dos monetaristas foi considerar as expectativas dos agentes quanto à inflação futura. Na nova abordagem da curva de Phillips, são associados o conceito de taxa natural de desemprego ou Nairu e a formação de expectativas a partir da informação do passado. Isso implicou uma curva de Phillips aceleracionista ou aumentada de expectativas. Observação A taxa natural de desemprego também é concebida como Nairu (Non‑accelerating inflation rate of unemployment). Pode ser caracterizada pela presença de desemprego friccional apenas, indicando pleno emprego dos fatores de produção da economia. No nível de desemprego natural, dado pela Nairu, a inflação é estável. Portanto, se o desemprego for maior que o natural, haverá uma queda no nível geral de preços; se o desemprego estiver abaixo do natural, haverá inflação. 93 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA Segundo Além (2010, p. 283), a formação de expectativas está embasada nas seguintes hipóteses: i) o salário nominal se ajusta de forma a equilibrar o mercado (igualar a oferta e demanda de trabalho); ii) os trabalhadores decidem quanto trabalho ofertar a cada salário nominal, formando uma expectativa de nível de preços (Pe) e calculando a partir dela o salário real, que é a variável relevante; e iii) os empregadores decidem quanto trabalho demandar a cada salário nominal utilizando seu conhecimento sobre o preço de seu próprio produto para converter o salário nominal em salário real, que será igualado ao produto marginal do trabalho, para a maximização do lucro. Nesse modelo, os agentes observam o passado – melhor conjunto de informações disponível – e aprendem com seus próprios erros. Assim, as expectativas de inflação são tomadas a partir das taxas de inflação efetivas observadas no passado. Desse modo, quando a taxa de inflação é plenamente antecipada, a economia retorna ao ponto de equilíbrio dado pela taxa natural de desemprego. Nesse ponto, os níveis maiores de preços e salários são maiores e estão equilibrados à mesma taxa de expansão monetária. Considerando que os agentes são capazes de aprender com os erros do passado, os trabalhadores, por exemplo, não sofrem de ilusão monetária, ou seja, podem ajustar suas posições lentamente a partir de seus próprios erros e das suas expectativas do passado. Em termos matemáticos, pode‑se expressar a formação das expectativas de preços por: ∆ ∆ ∆ ∆Pe Pe P Pet t t t= + −( )− − −1 1 1α Em que: ∆Pet = taxa de inflação esperada em t; ∆Pet –1 = taxa de inflação esperada no momento t‑1; ∆Pt –1 = inflação efetiva ocorrida em t‑1; ∆Pet –1 = inflação esperada em t‑1; α = constante que mensura quanto do erro de previsão é incorporado à estimativa da inflação futura. 94 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II Para entender o funcionamento da curva de Phillips aceleracionista, suponha uma situação de equilíbrio de pleno emprego, em que a taxa de desemprego esteja no nível natural. Imagine agora que o governo decida reduzir a taxa de desemprego para níveis menores que o nível natural. Para isso, aplica‑se uma política monetária expansionista e, como os agentes sabem que o resultado é um aumento dos preços, isso incentiva os ofertantes a produzirem mais e, então, aumenta a demanda por mão de obra. Diante disso, como os trabalhadores subestimaram a inflação esperada, esse novo excesso de mão de obra leva a um aumento do salário nominal. Caso a inflação efetiva supere a esperada, o salário real não aumenta, o que reduz o nível de desemprego abaixo do nível natural. O efeito final dessa política é um aumento da demanda agregada, dos preços, do produto e do emprego. Perceba que, segundo essa escola, apenas os trabalhadores erram suas expectativas de inflação esperada. Na figura a seguir é possível verificar esse mecanismo de ajuste: ∆P1 U1 U0 U CB A CPh cp1 CPh cp2 CPh Ip U < Un ∆P > ∆Pe U = Un ∆P = ∆Pe U > Un ∆P < ∆Pe Figura 26 – A segunda versão da curva de Phillips: aceleracionista Supondo que inicialmente a economia esteja em equilíbrio no ponto A, onde a curva de Phillips de longo prazo (vertical – CPhlp) se encontra com a curva de Phillips de curto prazo (CPhcp1), caso o governo queira reduzir a taxa de desemprego de Un para U1, ele pode aplicar uma política monetária expansionista. Isso faz com que haja um excesso de demanda de bens e de trabalho cujo efeito é um aumento de preços e salários nominais. Porém, o preço das mercadorias se ajusta mais rápido que os salários nominais. Como estava numa situação de equilíbrio, conforme os salários nominais aumentam, os trabalhadores interpretam equivocadamente que houve aumento de salário real, pois ainda não viram o aumento dos preços. A partir disso, ofertam mais mão de obra e sofrem de uma ilusão monetária temporariamente, porque os salários reais na realidade caem, devido ao aumento dos preços. 95 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA As empresas, por sua vez, procuram mais trabalhadores com essa queda salarial, acarretando uma taxa de desemprego abaixo do nível de pleno emprego (de Un para U1). O novo ponto de equilíbrio agora é o B, porém não é um equilíbrio de longo prazo. Como os trabalhadores aprendem com os erros do passado, eles perceberão que os salários reais, na verdade, caíram, e não aumentaram. Portanto, irão pressionar por salários nominais maiores, o que leva ao deslocamento da curva CPhcp para a direita e para cima. No ponto C, na nova curva CPhcp2, a inflação esperada e a efetiva são iguais novamente, o que corrige o erro de previsão dos trabalhadores. Com o aumento do salário real, as empresas demitem alguns trabalhadores, e a taxa de desemprego aumenta para Un. Nesse novo ponto de equilíbrio (C), houve um aumento do nível de preços. Há umasegunda versão aceleracionista que supõe que os agentes precisem ser novamente surpreendidos para que haja a manutenção de uma taxa de desemprego abaixo da taxa natural. Para tanto, a expansão maior precisa ser maior ainda, porque os agentes, ao observarem o passado, rapidamente reorganizam suas posições, de maneira que a política monetária expansionista perde efeito. Desse modo, somente a parte não antecipada da taxa de inflação consegue influir no lado real da economia permitindo um trade‑off entre inflação e desemprego a curto prazo; em outras palavras, somente um erro de expectativas torna inexistente a “dicotomia clássica”, segundo a qual as variáveis reais são independentes das variáveis monetárias [...] para que a taxa de desemprego se mantenha abaixo de sua taxa natural indefinidamente, é necessário que a inflação se acelere para que as expectativas inflacionárias dos agentes sejam constantemente frustradas (ALÉM, 2010, p. 286). Esse princípio de aceleração mostra que não há um trade‑off estável entre inflação e nível de emprego. Portanto, a longo prazo ou quando todas as expectativas estão ajustadas, a curva de Phillips é vertical ao nível da taxa natural de desemprego. Isso significa que uma política monetária expansionista gera apenas elevação de preços, sem que seja acompanhada por um aumento do produto da economia e do nível de emprego. 5.2 Modelo novo‑clássico de expectativas racionais Ao contrário dos economistas monetaristas, os da escola novo‑clássica estabeleceram suas análises numa crítica quanto à eficiência das políticas ativas de estabilização, ou seja, eram totalmente contrários aos pensadores keynesianos. É importante lembrar que a revolução keynesiana se notabilizou dos anos 1930 aos 1970, que foi quando a inflação elevada e o desemprego atingiram as economias desenvolvidas e houve um enorme questionamento quanto à capacidade das políticas keynesianas. Os teóricos da escola novo‑clássica, assim como os da escola monetarista, resgataram seus pressupostos teóricos junto aos clássicos, chegando, portanto, a uma conclusão bastante semelhante, isto é, concordavam com as políticas não intervencionistas (FROYEN, 2006). 96 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II De acordo com Além (2010), as hipóteses resgatadas dos clássicos foram: • Total flexibilidade de preços e salários, tanto a curto quanto a longo prazo, garantindo que a economia opere sempre em equilíbrio. Dessa maneira, não há necessidade de políticas intervencionistas para estabilizar a economia. • Todos os agentes são racionais e se empenham continuamente em maximizar os seus ganhos, dadas as restrições. • Os agentes observam e decidem a partir das informações reais, ou melhor, das variáveis reais, como os preços relativos, portanto não sofrem de ilusão monetária. Ainda de acordo com Além (2010), os economistas novo‑clássicos, no que se refere às hipóteses centrais, defendem que: • Preços e salários sejam flexíveis, permitindo que o mercado opere em equilíbrio (market clearing) conforme as pressões de oferta e demanda. • Os agentes econômicos tomam suas decisões de escolha em variáveis reais, especificamente, preços relativos. • Os agentes otimizam suas escolhas a partir das informações disponíveis, permitindo a esses agentes estarem sempre em equilíbrio. • Os agentes não cometem erros sistemáticos quando utilizam as informações disponíveis, pois suas expectativas são racionais. A hipótese fundamental é a de market clearing contínuo, isto é, partindo da suposição de concorrência perfeita, os mercados operam sempre em equilíbrio contínuo. Esse resultado é possível tanto a curto quanto a longo prazo, pois os agentes conseguem responder bem às oscilações de demanda e oferta, uma vez que conhecem os preços da economia. Como os agentes operam em concorrência perfeita, eles são tomadores de preços (price takers), e não fazedores de preços, então, não havendo outras externalidades, o equilíbrio competitivo é um ótimo de Pareto, o que leva à maximização da oferta total da economia. Para os pensadores da escola novo‑clássica, a economia se equilibra à taxa natural de desemprego, e qualquer ponto fora disso é visto como um fenômeno voluntário, ou seja, indivíduos que não estão dispostos a trabalhar pelo nível de salário vigente. A inflação é vista como um fenômeno estritamente monetário, o que significa que não interfere nas decisões reais da economia, por exemplo, investimento e consumo. Uma das inovações dessa escola foi a introdução das expectativas racionais. Diferentemente dos monetaristas, para os novo‑clássicos, a melhor base de informação para tomarem suas decisões é o 97 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA futuro, e não o passado; assim, eles observam o futuro ao construírem suas expectativas de variação de preços ou taxa de inflação. Os novo‑clássicos são muito enfáticos quanto ao processo de tomada de decisão, pois, segundo esses, os agentes incorreriam em erros sistemáticos se tomassem como base informações do passado, pois a demanda agregada se altera. Na versão forte, as expectativas são formadas com base em todas as informações relevantes disponíveis sobre a variável que está sendo antecipada. Ademais, é importante considerar que os indivíduos usam as informações disponíveis de maneira inteligente, isto é, compreendem como as variáveis que observam afetarão a variável que estão tentando prever. Portanto, os agentes econômicos conseguem prever de acordo com a realização das variáveis futuras. Em média, os valores reais das variáveis são iguais aos previstos. Os erros de previsão das expectativas racionais apresentam média zero e são aleatórios. Assim, esse método é o mais eficiente e preciso dentre as expectativas com relação ao futuro. Segundo Além (2010), a equação das expectativas racionais apresenta as seguintes características: ∆Pet+1 = ∆Pt+1 + ∈t+1 Em que: ∆Pet+1 = taxa de inflação esperada em (t+1); ∆Pt+1 = inflação realmente observada em (t+1); ∈t+1 = termo de erro aleatório, com média e correlação iguais. Significa que os agentes na média não errarão, caso usem de maneira inteligente as informações existentes. Considerando que os agentes se baseiam em informações completas e corretas, a previsão econômica se realiza, e todos os agentes acabam obtendo a mesma chance de lucrar, sem que haja benefício de algum agente em específico. Corroborando a hipótese de ausência de erros de expectativas, a terceira versão da curva de Phillips dos novo‑clássicos mostra que haveria alteração do nível de produto e emprego do ponto de equilíbrio caso houvesse mudança na preferência ou mesmo choques tecnológicos. Assim, dadas as hipóteses do modelo novo‑clássico, a curva de Phillips não apresenta um trade‑off entre inflação e desemprego nem a curto nem a longo prazo. Ademais, a moeda é neutra a curto e a longo prazo. Portanto, os desvios sistemáticos das previsões das variáveis em relação à variável real não se concretizam, mesmo com utilização das políticas econômicas. De acordo com os novo‑clássicos, os monetaristas se equivocaram ao estabelecer que as expectativas eram dadas pelas informações do passado, pois essa suposição determina que os agentes ajustam suas posições parcialmente de acordo com o erro cometido no passado. Isso significa que os agentes não levam em consideração outras informações disponíveis, apesar dos erros de previsão. Os pensadores 98 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II novo‑clássicos supõem que os agentes olham o futuro (forward‑looking) e contamcom informações disponíveis. Segundo a implicação fundamental forte, esses agentes econômicos não formam expectativas sistematicamente erradas ao longo do tempo. As expectativas dos agentes na média estão corretas, ou seja, as variáveis reais observadas ou efetivas coincidem com as previstas. Apesar de os novo‑clássicos dizerem que não há trade‑off entre inflação e desemprego, diversos estudos empíricos mostravam que havia esse trade‑off ao menos a curto prazo. Portanto, uma política monetária expansionista seria capaz de aumentar o nível de emprego e de renda. Robert Lucas, um dos principais expoentes da escola novo‑clássica, respondeu a essa análise empírica chamando a atenção para a racionalidade dos agentes, porém considerando que as informações existentes são imperfeitas ou incompletas. A hipótese da expectativa racional continua válida, mas nem toda informação necessária está disponível para os agentes no momento de sua decisão. Dessa maneira, apenas um choque monetário não antecipado pelos agentes poderia levar a um efeito sobre a economia real (emprego e renda), o que ficou conhecido como oferta agregada de Lucas com “surpresa” monetária. Caso haja uma política monetária surpresa e os agentes não antecipem essa política, considerando a Teoria Quantitativa da Moeda, o efeito é um aumento do nível geral de preços. No mercado de trabalho, os trabalhadores devem decidir a alocação do seu tempo entre trabalho e lazer. Supondo que eles saibam o salário real médio, uma expansão monetária surpresa leva a um aumento do salário nominal que é percebido pelos agentes como um aumento real dos salários. Isso fará que os trabalhadores aumentem suas disponibilidades para o trabalho no presente, em detrimento do lazer, dado que podem reduzir o trabalho no futuro. Já no mercado de produtos, a expansão monetária leva a um aumento dos preços dos produtores. Como a informação é incompleta, esses produtores entendem que o aumento de preços é, na realidade, um aumento dos preços relativos, o que leva a um aumento da produção. Portanto, dada a informação incompleta, uma expansão monetária não antecipada pelos agentes econômicos pode levar a uma expansão do emprego e do produto, deslocando a curva de demanda agregada do ponto A para o ponto B e a curva de demanda por mão de obra de X para Z. Nesse caso, dado o efeito da política monetária, a moeda não é neutra a curto prazo. A equação da curva de oferta de Lucas pode ser dada por: Y Yp P Pi i i i e = + ∝ −( ) Em que: Yi = produção efetiva da firma i; 99 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA Ypi = produção potencial de pleno emprego da firma i; Pi = preço do produto da firma i; Pi e = nível geral de preços da economia esperado pela firma i; ∝ = constante que mensura o efeito da diferença entre Pi e Pi e na produção efetiva da firma. Quando Pi > Pi e, a firma i aumenta sua produção efetiva em relação à produção potencial, pois ocorre a percepção de que há um aumento do preço relativo do seu produto. Quanto maior for ∝, mais elástica (e menos inclinada) será a curva de oferta agregada de Lucas de curto prazo e maior será o efeito sobre o aumento do nível geral de preços não antecipado sobre as variáveis reais da economia. Y P P1 P0 Y0 A B DA1 DA0 OA cp OA lp Y1 Figura 27 – A curva de oferta de Lucas a curto prazo N W W1 W0 N0 X Z Nd(P1) Nd(P0) Ns N1 Figura 28 – A curva de oferta de mão de obra a curto prazo 100 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II Partindo do ponto de equilíbrio (A) na curva de oferta de Lucas, no ponto B, após a surpresa dos agentes com relação à política expansionista monetária, o produto está acima do seu potencial, e a taxa de desemprego, abaixo do nível natural. Veja que, na figura anterior, a demanda por mão de obra aumentou acima do equilíbrio de pleno emprego (de N0 para N1). Portanto, a curto prazo, há um trade‑off entre desemprego e inflação, dadas a informação incompleta e a surpresa dos agentes diante da política monetária. Nesse modelo de informação incompleta de Lucas da curva de oferta agregada, as firmas observam apenas os preços relativos ao seu próprio mercado. Assim, um preço elevado é entendido como uma maior demanda pelo seu produto. Supondo a economia como mercados distintos, “ilhas isoladas”, se o preço do produto da ilha estiver relativamente maior que o de outros mercados, os habitantes da ilha i desejarão produzir mais. Os agentes, tanto produtores como consumidores, têm as mesmas informações sobre seus preços, porém não sabem quanto da variação de seus preços reflete variações do nível geral de preços, nem quanto refletem variações dos preços relativos. Os agentes apresentam expectativas racionais, todavia todas as informações não são suficientes para saber exatamente o que está ocorrendo, dado que a informação é incompleta. Caso o agente acredite que o aumento de seu preço vai ocorrer devido ao aumento do nível geral de preços, ele simplesmente aumenta seus preços sem modificar a quantidade produzida. Lembrando que a OA é vertical (o mercado de trabalho está no equilíbrio de pleno emprego). Caso ele espere que haja uma mudança nos preços relativos, o agente aumenta tanto os preços quanto a quantidade produzida: OA é menos inclinada. Em economias que apresentam grande instabilidade de preços, a OA será mais inclinada, porque os agentes, na hora de fazer a extração de sinal, tendem a pensar que houve um aumento do nível geral de preços. Em economias mais estáveis, OA será menos inclinada porque os agentes, na extração de sinal, tendem a pensar que houve uma mudança no preço relativo. Saiba mais Sobre a teoria econômica e a abordagem realizada por Robert Lucas (1972), leia: SIMONSEN, M. H. Teoria econômica e expectativas racionais. Biblioteca Digital FGV, [s.d.]. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index. php/rbe/article/download/261/6789>. Acesso em: 7 dez. 2015. A longo prazo, como se realizariam os ajustes? No caso da oferta de Lucas, considerando a teoria quantitativa da moeda, o efeito será um aumento da inflação de mesma magnitude que a expansão monetária, com deslocamento da curva de oferta agregada de curto prazo. 101 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA Na figura a seguir, o ajuste se dá no ponto C. No mercado de mão de obra, a curva de oferta de mão de obra se desloca para a esquerda até o ponto Y. Nesse ponto, retorna‑se ao nível de equilíbrio de emprego e de produto, porém com inflação e salários maiores. Y P P1 P2 P0 Y0 A B DA1 DA0 OA cp0 OA cp1 OA lp Y1 Figura 29 – A curva de oferta de Lucas a longo prazo N W W1 W2 W0 N0 X Z Y Nd(P1) Nd(P0) Ns1 Ns2 N1 Figura 30 – A curva de oferta de mão de obra a longo prazo Observação Expectativas adaptativas: o conjunto de informações usado para formar expectativas está no passado. Caso haja desvio da variável prevista com a efetiva, esses erros são ajustados nas novas escolhas. Expectativas racionais: o conjunto de informação usado para formar expectativas está no futuro e no presente. Na média os agentes acertam as previsões. Não significa que os agentes não erram, isto é, não são capazes de prever de forma exata. Os agentes erram quando contam com informações disponíveis incompletas. 102 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade IISegundo os pensadores da escola novo‑clássica, não há política macroeconômica que consiga sistematicamente alterar o curso da economia, nem a curto nem a longo prazo. 5.3 Modelo de ciclos econômicos reais A partir dos anos 1980, diante dos ciclos econômicos, a escola novo‑clássica se renovou a partir dos modelos de ciclos reais de negócios. Segundo esses modelos, as flutuações econômicas vêm dos choques reais, principalmente, os de origem tecnológica pelo lado da oferta, e não da demanda. Lembrando que, nos anos 1960 e 1970, as flutuações econômicas eram explicadas por Friedman (1985) e por Lucas, por meio dos choques monetários, isto é, com a variação da base monetária com impacto sobre a demanda agregada nominal. Ao contrário disso, os ciclos reais de negócios não explicam as flutuações pela demanda agregada, mas pela oferta agregada. Por essa teoria, flutuações no produto são oriundas de choques reais na economia, com os mercados se ajustando rapidamente e permanecendo sempre em equilíbrio. Uma diferença desse modelo é que essas flutuações constituem posições de equilíbrio. Mudanças antecipadas de política monetária não teriam efeitos reais sobre a economia, somente mudanças não antecipadas teriam; no entanto, tais efeitos são rapidamente corrigidos. Portanto, choques na demanda não são muito importantes. Então, as questões que se colocam são: Quais são os choques que afetam a economia? Quais são e como operam os mecanismos multiplicadores? Por que os choques parecem ter efeitos persistentes? Considerando que os pensadores dos ciclos reais de negócios defendem as flutuações econômicas como processo de ajuste racional dos agentes econômicos, isto é, rejeitam a visão de falhas de mercado, Além (2010, p. 297) destaca que, para esses pensadores: [...] as flutuações econômicas representam o processo de ajuste racional dos agentes econômicos a novos pontos de equilíbrio de pleno emprego, determinados por choques de produtividade, resultantes em grande medida de avanços aleatórios da tecnologia. Os choques de oferta afetam a função de produção da economia, o que gera flutuações do produto agregado e do emprego à medida que os agentes econômicos racionais reagem à nova estrutura de preços relativos, alterando suas decisões de oferta de trabalho e consumo. Tendo em vista que a instabilidade é o resultado de agentes econômicos racionais respondendo de forma ótima a mudanças no ambiente econômico, as flutuações observadas devem ser consideradas como posições de equilíbrio ótimas de Pareto. A flutuação do produto nada mais é do que um contínuo equilíbrio de pleno emprego que se move como resultado de choques de oferta. 103 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA Dessa maneira, qualquer intervenção do governo a partir de políticas fiscais pode levar a um desequilíbrio com redução do bem‑estar. Como a moeda é neutra a curto e a longo prazo, a política monetária também não apresenta efeito real sobre a economia. Portanto, o produto potencial pode se alterar, a depender dos fatores de oferta. As flutuações são explicadas pela substituição intertemporal de lazer, por exemplo. Caso haja um choque tecnológico com aumento de produtividade, o salário real se torna maior, então os trabalhadores estarão mais dispostos a substituir lazer por trabalho ao longo do ciclo econômico, o que gera um aumento do produto potencial. Eles se preocupam com o esforço (quantidade de trabalho) total, mas não se incomodam com quando trabalhar. Observe, contudo, que a substituição intertemporal do lazer não implica que a oferta de trabalho seja sensível a mudanças permanentes no salário. A substituição intertemporal de lazer gera grandes movimentos na quantidade de trabalho realizado em resposta a pequenas mudanças nos salários reais, mostrando que a elasticidade é elevada. Outro exemplo que se pode examinar é em caso de um choque de produtividade negativo, como uma externalidade positiva no fato do estabelecimento de uma lei ambiental ou de um aumento do custo das matérias‑primas, uma nova tributação sobre a produção. Esses atos aumentam o custo para o produtor, o que leva a uma redução do produto potencial. O efeito multiplicador dos ciclos econômicos é estimulado por perturbações que alteram os níveis de equilíbrio do produto e do emprego em mercados específicos e na economia em geral. As principais perturbações consideradas são choques sobre produtividade ou choques da oferta, e choques sobre a despesa pública. Os críticos à escola novo‑clássica consideram inconcebível a noção de que os ciclos econômicos reais são fenômenos de equilíbrio. Para os críticos, as flutuações têm fundamentos da demanda agregada e da oferta agregada e, portanto, é importante a ação diante dos desvios custosos em relação ao produto potencial. Os custos do combate à inflação e a importância de bancos centrais independentes Uma importante preocupação da política econômica relaciona‑se aos custos – em termos de redução do produto e do emprego – de reduzir a inflação. Como já visto, da mesma forma que os economistas monetaristas, para os novo‑clássicos, a inflação também é um fenômeno essencialmente monetário, ou seja, o aumento do nível geral de preços é o resultado de um excessivo crescimento da oferta de moeda. Entretanto, há discordância entre as duas escolas em relação ao custo do combate à inflação, também conhecido como “taxa de sacrifício”. Em contraste com os keynesianos (síntese neoclássica) e monetaristas, para os novo‑clássicos, se a política monetária tiver credibilidade, mudanças na oferta de moeda que sejam anunciadas/antecipadas não terão nenhum efeito sobre o nível de renda e emprego 104 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II da economia, mesmo a curto prazo. Como os agentes econômicos seguem o modelo de expectativas racionais, uma contração monetária anunciada fará com que eles revisem imediatamente suas expectativas de inflação para baixo. Sendo assim, as autoridades monetárias são capazes de reduzir a taxa de inflação sem os custos de redução do nível de emprego e produto previstos por keynesianos e monetaristas. Ou seja, a “taxa de sacrifício” seria igual a zero. A ênfase na manutenção de regras claras de conduta para se manter a estabilidade de preços cria as bases para o estabelecimento de bancos centrais independentes, cuja discricionariedade é limitada por compromissos explícitos de combate à inflação. Tendo em vista que a falta de credibilidade pode ser resultado dos poderes discricionários das autoridades econômicas na condução da política monetária, o problema poderia ser solucionado pela transferência da política anti‑inflacionária para um banco central independente, que estaria livre de potenciais pressões políticas. O sistema de metas inflacionárias adotado por diversos países, inclusive o Brasil, reflete essa preocupação com a transparência da política monetária. Fonte: Além, 2010, p. 296. No início dos anos 1970, a economia dos Estados Unidos da América enfrentava um problema ao qual a princípio a curva de Phillips havia dado a resposta. Esse problema era a coexistência de inflação e desemprego elevados. De acordo com a curva de Phillips, havia um trade‑off entre essas duas variáveis. Em parte, esse fenômeno mostrava uma limitação da teoria novo‑clássica de explicar as flutuações econômicas e de garantir os mecanismos de ajuste da economia. Essa crise foi superada apenas no final dos anos 1970. 5.4 Modelo novo‑keynesiano A partir do início dos anos 1980, a escola novo‑keynesiana surgiu como contraponto às análises dos novo‑clássicos. Portanto, afasta‑se das hipóteses adotadas pelos novo‑clássicos,isto é, descarta a concorrência perfeita e o market clearing contínuo. Com isso, um dos objetivos era explicar o desemprego e o papel da demanda agregada na determinação do produto e do nível de emprego. De acordo com esses pensadores, as reduções da demanda agregada levam à redução da oferta, pois os preços são rígidos. As principais hipóteses dessa escola são: • Presença de concorrência imperfeita entre as firmas. • As firmas são formadoras de preços, portanto têm uma parte de poder sobre o mercado. 105 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA • As decisões de precificar são tomadas considerando a concorrência. • As alterações de preços apresentam um custo superior ao ganho de alterá‑la continuamente. • Diante dos custos de remarcação de preços, os preços são alterados periodicamente de forma não sincronizada, com implicações sobre o ciclo econômico. • Agentes econômicos racionais tomam suas decisões a partir das expectativas racionais. • Agentes racionais são maximizadores de bem‑estar. • Apropriação de fundamentos microeconômicos para explicar os fenômenos macroeconômicos. • Abordagem matemática. Os modelos novo‑keynesianos mantêm o pressuposto de racionalidade dos indivíduos dos modelos clássicos, porém não corroboram a hipótese de que os mercados não se equilibram rapidamente, e os preços nem sempre se ajustam às mudanças na oferta de moeda, ou seja, mantêm os resultados da OA‑DA. Apesar de acreditarem na hipótese das expectativas racionais, observam que a economia demora mais para retornar ao equilíbrio do que previsto por esses modelos. Dessa maneira, quando há uma expansão monetária, todas as firmas deveriam ajustar proporcionalmente seus preços, como previsto pelos modelos clássicos. Porém, há custos – custos de menu – para realinhar os preços, e esses custos, em geral, podem ser maiores do que a perda de receita ao permanecer com o preço anterior. De acordo com Além (2010, p. 299): As diferenças dos resultados do modelo novo‑keynesiano em relação ao modelo novo‑clássico só existem a curto prazo. Isso ocorre porque o modelo novo‑clássico trabalha com a hipótese de preços flexíveis, enquanto os novos keynesianos defendem a existência de preços rígidos a curto prazo. A longo prazo, os resultados esperados pelas duas escolas são os mesmos: equilíbrio com pleno emprego, inexistência de desemprego involuntário e inexistência de flutuações econômicas. A curto prazo, a rigidez pode existir no mercado de bens ou no mercado de trabalho, ou nos dois ao mesmo tempo. O raciocínio é o seguinte: a partir de uma redução da demanda agregada, o ajuste ocorre via redução das quantidades ofertadas, em vez de haver uma redução dos preços porque estes são rígidos. 106 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II Essa rigidez de preços a curto prazo pode ser explicada pelos seguintes fatores: • Existência de contratos nominais. • Falhas de coordenação. • Custos de menu. • Existência de insiders/outsiders. • Defasagem temporal dos reajustes salariais. • Salário‑eficiência. Esses custos podem existir também para coletar informação, bem como para manter os clientes e contratos com fornecedores ou salariais de médio prazo. Diante de uma alteração de preços na economia, as firmas só irão mudar seus próprios preços se os benefícios forem maiores que os custos. Esses fundamentos microeconômicos listados ajudam a explicar as flutuações macroeconômicas. Caso houvesse preços flexíveis, seria possível manter um market clearing contínuo. Portanto, as políticas monetária e fiscal expansionistas podem ser eficazes para expandir a demanda agregada e ajustar os hiatos do produto. A longo prazo, quando os preços são todos flexíveis, as políticas de estimulo da demanda agregada perdem eficácia. Ainda assim, defende‑se o uso das políticas econômicas para ajustar a economia a curto prazo, pois há um longo período entre o curto e o longo prazo. Observação A grande contribuição dos pensadores novo‑keynesianos ao debate da macroeconomia contemporânea é destacar os fenômenos da rigidez dos preços e dos salários. A escola novo‑keynesiana criticou a escola novo‑clássica sob o argumento de que a análise de longo prazo não dava conta de explicar os fenômenos macroeconômicos. Para tanto, era preciso focar a análise de curto prazo. 5.5 Comparativo dos modelos macroeconômicos A seguir, o quadro comparativo das escolas de pensamento da macroeconomia que resume as variantes entre elas. 107 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA Q ua dr o 2 – Pr in ci pa is ca ra ct er íst ic as d as e sc ol as d e pe ns am en to Es co la Fo nt es d e in st ab ili da de M od el o de fo rm aç ão d e ex pe ct at iv as Pr eç os e sa lá rio s Cu rt o pr az o Lo ng o pr az o Po lít ic a m on et ár ia Po lít ic a fis ca l Re gr as e di sc ric io na rie da de M on et ar ist a ad ap ta tiv as fle xí ve is po ss ib ili da de d e eq ui líb rio a ba ix o da ta xa na tu ra l d e de se m pr eg o eq ui líb rio d e pl en o em pr eg o (ta xa n at ur al de d es em pr eg o) efi ca z a cu rt o pr az o pa ra a fe ta r o n ív el d e em pr eg o e re nd a; a lo ng o pr az o, só im pa ct a as v ar iá ve is no m in ai s se m pr e in efi ca z re gr as N ov o‑ cl ás sic a (in fo rm aç ão pe rf ei ta ) nã o há ra ci on ai s fle xí ve is eq ui líb rio à ta xa n at ur al de d es em pr eg o eq ui líb rio d e pl en o em pr eg o (ta xa n at ur al de d es em pr eg o) in efi ca z a cu rt o e lo ng o pr az o pa ra a fe ta r o ní ve l d e em pr eg o e re nd a; a lo ng o pr az o, só im pa ct a as v ar iá ve is no m in ai s se m pr e in efi ca z re gr as N ov o‑ cl ás sic a (in fo rm aç ão im pe rf ei ta ) ch oq ue s m on et ár io s ra ci on ai s fle xí ve is po ss ib ili da de d e eq ui líb rio a ba ix o da ta xa na tu ra l d e de se m pr eg o eq ui líb rio d e pl en o em pr eg o (ta xa n at ur al de d es em pr eg o) efi ca z a cu rt o pr az o pa ra a fe ta r o n ív el d e em pr eg o e re nd a; a lo ng o pr az o, só im pa ct a as v ar iá ve is no m in ai s se m pr e in efi ca z re gr as Ci cl os re ai s d e ne gó ci os ch oq ue s r ea is/ de o fe rt a (p rin ci pa lm en te te cn ol óg ic os ) ra ci on ai s fle xí ve is eq ui líb rio d e plen o em pr eg o (ta xa n at ur al de d es em pr eg o) eq ui líb rio d e pl en o em pr eg o (ta xa n at ur al de d es em pr eg o) in efi ca z a cu rt o e lo ng o pr az o pa ra a fe ta r o ní ve l d e em pr eg o e re nd a se m pr e in efi ca z re gr as N ov o‑ ke yn es ia na in su fic iê nc ia d e de m an da ra ci on ai s ríg id os a cu rt o pr az o po ss ib ili da de d e eq ui líb rio a ba ix o do pl en o em pr eg o eq ui líb rio d e pl en o em pr eg o, m as a ve lo ci da de d e co nv er gê nc ia é b ai xa efi ca z a cu rt o pr az o pa ra a fe ta r o n ív el d e em pr eg o e re nd a; a lo ng o pr az o, só im pa ct a as v ar iá ve is no m in ai s efi ca z a cu rt o pr az o pa ra a fe ta r o n ív el de e m pr eg o e re nd a; a lo ng o pr az o, e fe ito de slo ca m en to e in fla çã o de d em an da di sc ric io na rie da de Fo nt e: A lé m , 2 01 0, p . 3 01 ‑3 02 . 108 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II 6 KEYNESIANOS, MONETARISTAS, NOVO‑CLÁSSICOS E NOVO‑KEYNESIANOS: UMA LEITURA PÓS‑KEYNESIANA Após o percurso de diversos modelos macroeconômicos, iremos partir para o debate que se inaugura com a teoria pós‑keynesiana, já que os desdobramentos das análises de Keynes ainda ocupam o centro das discussões da macroeconomia contemporânea. Com os rumos do debate macroeconômico, os autores pós‑keynesianos buscam o resgate do legado de Keynes que leva ao entendimento da dinâmica de uma economia monetária da produção, já que a discussão em macroeconomia se localiza tanto na compreensão dos problemas econômicos da economia real quanto na proposição de soluções. Para isso, o caminho que trilharemos será pautar, de forma sucinta, as principais questões teóricas e implicações dos modelos neoclássico, monetarista, novo‑clássicos e novo‑keynesianos, com o objetivo de mostrar que esses modelos, apesar do grau de refinamento de suas estruturas teórico‑analíticas, são inconsistentes com as características das modernas economias empresariais, propostas por Keynes. Em outras palavras, entende‑se que os modelos destacados ajudam pouco para a compreensão do mundo real. Assim, por intermédio da teoria pós‑keynesiana, criticam‑se tais formas de apreensões da dinâmica econômica e a consistência dos pressupostos que sustentam tais abordagens ortodoxas, principalmente quanto às caracterizações e soluções das crises cíclicas de produção e emprego das economias monetárias. Primeiramente, um grande debate se abre em relação à teoria da síntese neoclássica, seja por sua leitura dos conceitos de Keynes, seja pelas propostas de políticas macroeconômicas. Destacam‑se duas estruturas teóricas relacionadas à revolução keynesiana, como aponta Ferrari Filho (1996, p. 79): [...] por um lado, existe uma análise interpretativa da Teoria Geral, conhecida como diagramas IS‑LM, que está centrada na proposição de que o desemprego involuntário keynesiano se constitui em um caso particular da teoria clássica devido tão‑somente à existência da armadilha da liquidez; por outro, existe um approach, denominado desequilibrista, que interpreta o princípio da demanda efetiva de Keynes em um contexto no qual a economia se move, ao longo do tempo, de uma situação de equilíbrio parcial para uma de equilíbrio geral. O mais divulgado e difundido no debate macroeconômico foi o diagrama da IS‑LM desenvolvido por Hicks em um artigo de 1937. Nessa análise, as contribuições da teoria keynesiana e clássica podem ser representadas por uma estrutura teórica similar, onde Hicks objetiva comparar as ideias desses dois modelos. Em seu esforço de comparação, Hicks apresenta sua síntese em três modelos: 109 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA Quadro 3 – Modelos de Hicks Modelo Clássico Modelo “Especial” de Keynes Modelo da Teoria Geral M = KI M = L(i) M = L(i,I) Ix = C(i) Ix = C(i) Ix = C(i) Ix = S( i,I ) Ix = S(I) Ix = S(i) Fonte: Ferrari Filho, 1996, p. 80. Em que M é a quantidade de moeda, k é a constante da equação quantitativa da moeda de Cambridge, I é o nível de renda, Ix é o investimento total, i é a taxa de juros e S é a poupança. Nos três modelos apresentados, a primeira equação de cada um deles representa a definição da curva LM, sendo as duas equações seguintes, em cada modelo, respectivamente, as suas definições da curva IS. Assim, como nos informa o modelo de Hicks, temos as condições de equilíbrio dos mercados monetário e real, dadas as possíveis combinações entre taxas de juros e níveis de renda em uma economia nos três modelos distintos. Quando Hicks compara os diferentes modelos, ele realiza duas ponderações: a primeira seria a comparação entre os modelos clássico e especial de Keynes, que para esse autor teriam diferenças quanto à função poupança e à demanda por moeda. A diferença essencial se encontra na análise da demanda por moeda, que em Keynes é explicada pela função preferência pela liquidez e, no caso clássico, é parte integrante da equação quantitativa da moeda de Cambridge (FERRARI FILHO, 1996, p. 80). Em segundo lugar, ao comparar os modelos de Keynes, o modelo especial e o da teoria geral, Hicks entende que em sua análise monetária no âmbito da Teoria Geral (TG) a apresentação da demanda por moeda como função dos motivos especulação e transação remete a um Keynes que volta a adotar uma teoria monetária quantitativista e, portanto, representaria uma derivação do modelo clássico. Desse modo, quando a economia keynesiana se encontra num caso de armadilha da liquidez, as suas equações monetárias demonstradas no modelo da Teoria Geral passam a ter a mesma relação funcional que a apresentada pelo modelo clássico, ou seja, a de que variações na demanda por moeda dependem unicamente do nível de renda. Com base nesse argumento, a teoria neoclássica entende que a ocorrência de desemprego involuntário corresponderia a uma incapacidade da política monetária em alterar o nível da taxa de juros e, consequentemente, o nível de renda. Tendo como referência a conclusão hicksiana de que a economia keynesiana é a economia da depressão, a síntese neoclássica interpreta a revolução keynesiana como sendo tão‑somente a solução fiscalista de Keynes para as crises temporárias de desemprego (FERRARI FILHO, 1996, p. 82). 110 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II Já na interpretação da TG, na abordagem desequilibrista, Partinkin formaliza um modelo keynesiano de desequilíbrio em que o desemprego involuntário tem explicação na rigidez de salários no mercado de trabalho. Portanto, os desequilíbrios dinâmicos do sistema de equilíbrio geral de Walras seriam a base dos desequilíbrios dados pela teoria keynesiana. Em uma segunda versão, dentro da vertente desequilibrista, o modelo adotado seria de desequilíbrio geral, detectando‑se as regras de racionamento nos mercados de bens e de trabalho com as implicações no equilíbrio macroeconômicoem razão das restrições quantitativas. Mas em síntese, nas duas versões, independentemente de utilizar‑se do equilíbrio parcial ou geral, as flutuações cíclicas nos níveis de produto e emprego estão relacionadas ao fato de que os preços, em unidades monetárias, se ajustam lentamente para retornar ao ponto de equilíbrio entre oferta e demanda, já que acreditam na vigência do equilíbrio walrasiano a longo prazo. O papel da relação entre a moeda e os níveis de preços e do produto também será trabalhado pela escola monetarista de Friedman (1985). Ao alicerçar o papel da moeda na determinação dos níveis de produto e emprego a curto prazo e do estoque de moeda no nível de preços a longo prazo, como vimos, o autor também realiza críticas ao modelo keynesiano. A crítica da análise de Keynes se circunscreve ao fato de sua teoria não apresentar uma explicação monetária satisfatória para as crises, dado o papel central da política monetária e de suas regras. Ao se remeter ao modelo de equilíbrio geral walrasiano, Friedman (1985) elabora a hipótese de taxa de desemprego natural e da insustentabilidade da relação da curva de Phillips a longo prazo ao incluir regras de formação das expectativas dos níveis de inflação. Generalizando a análise friedmaniana, variações iniciais na taxa de desemprego ocorrem devido ao fato de que os agentes econômicos não conseguem prever a inflação futura. Contudo, com o passar do tempo, a partir de um processo contínuo de revisão das expectativas, a inflação esperada pelos agentes econômicos tende a ajustar‑se à inflação corrente e, como resultado dessa antecipação inflacionária, por parte dos agentes econômicos, o nível de emprego retorna à sua taxa natural de desemprego (FERRARI FILHO, 1996, p. 85). Nesse sentido, a conclusão de Friedman (1985) em relação às limitações da política monetária é que esta, ao longo do tempo, provoca tão somente distúrbios nominais na economia. Logo, os monetaristas entendem que a economia é inerentemente estável – excetuando‑se os distúrbios monetários de curto prazo –, portanto, sem a necessidade de quaisquer políticas econômicas ativas, tanto fiscais como monetárias, para garantir a estabilidade econômica. Defende a máxima do livre‑mercado como garantidor da estabilidade. Tal solução ficará mais latente no interior da teoria novo‑clássica, nos anos de 1970, em que a economia clássica passa a incorporar a hipótese das expectativas racionais nos modelos de equilíbrio geral. Com essa formulação, o modelo novo‑clássico busca ser uma alternativa teórica à abordagem keynesiana, que tomaria por base a hipótese de longo prazo da curva de Phillips e que não teria poder explicativo para processos de estagflação, onde não se observaria o trade‑off entre inflação e desemprego. 111 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA Assim, por conter falhas teóricas e econométricas, os modelos keynesianos não representariam o melhor guia para operacionalizar as políticas econômicas, fato defendido pelos autores novo‑clássicos. Isso ficaria mais claro com a adoção das expectativas racionais, que também seria um fator de crítica a Friedman (1985). Nesse caso, as expectativas dos agentes sobre o valor esperado de uma variável não seriam uma função estável de seus valores passados, mas corresponderiam a um modelo de expectativas com informações completas e com a utilização das informações disponíveis no presente, e não baseadas nas ocorrências do passado, como nas expectativas adaptativas. Ao não adotar as expectativas racionais, o modelo keynesiano incorreria em erros sistemáticos de avaliação, pois, acreditando num trade‑off temporário ou permanente entre inflação e desemprego, utilizaria erroneamente políticas de administração da demanda agregada, que, na realidade, segundo os novo‑clássicos, não teriam impactos na determinação do nível de equilíbrio da economia correspondente a uma taxa natural de desemprego. As mudanças no nível de equilíbrio, nesse caso, seriam explicadas por choques exógenos de oferta, seja por variações tecnológicas ou mudanças na produtividade, implicando mudanças nos preços relativos da economia. Em resumo, suas críticas ao arcabouço keynesiano estão em rejeitar o papel da demanda agregada e centrar as atenções na oferta agregada, reforçando a ocorrência da lei dos mercados com autocorreção e neutralidade da moeda. Dentre todas as críticas, é a mais contundente, por acreditar na total inconsistência teórica da análise de Keynes. Esse último fato não foi compartilhado pela teoria novo‑keynesiana, que buscou revitalizar a economia keynesiana com fundamentos microeconômicos, dando maior ênfase ao fato da ocorrência de rigidez de preços e salários, que representaria a principal questão da teoria de Keynes. Nesse exercício de atualização da teoria keynesiana, os novo‑keynesianos analisam os desequilíbrios da economia a partir de modelos de rigidez de salários nominais, como salário‑eficiência, contrato implícito e insider‑outsider e pelo comportamento dos preços cuja rigidez seria dada por modelos de custos de ajustamento de preços, ambos relacionados às estruturas de mercados imperfeitos. No caso da rigidez de salários, ao compreender o trabalho como um bem não homogêneo, mudanças na remuneração do trabalhador podem ocasionar diminuições na produtividade do trabalho. No caso do modelo de salário‑eficiência, as empresas evitam reduzir salários, porque temem que as referidas quedas de produtividade e de lucro, ao serem realizadas, reduzam a participação delas no mercado. Já no modelo de contrato implícito, as firmas oferecem contratos que impossibilitam a diminuição dos salários reais dos trabalhadores e garantem a permanência e a produtividade deles, com reflexos positivos para os ganhos empresariais. Fato muito próximo da explicação dos modelos insider‑outsider, em que temos uma remuneração maior aos trabalhadores qualificados e sindicalizados, os insiders, em relação aos desprovidos de qualificação e organização, denominados outsiders. A partir dessa estrutura organizacional no mercado de trabalho, existe um acordo entre as firmas e os trabalhadores que impede a redução dos salários. Todos esses fatos explicariam a rigidez dos salários nominais e os desequilíbrios no mercado de trabalho. 112 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II No caso dos preços, há os modelos de custos de ajustamento, denominados modelos de custo de menu, já que mesmo quando ocorrem variações de demanda, as decisões de mudanças de preços por parte da firma são postergadas, porque estas implicam reestruturação de custos e estão relacionadas ao poder de monopólio das empresas. Nesse ponto, a teoria novo‑keynesiana apresenta uma tentativa de dar consistência teórica aos problemas de falhas de mercado que leva os agentes econômicos a buscarem otimizar suas decisões em meio às imperfeições. Logo, sua referência a Keynes limita‑se a explicação do desemprego involuntário devido à rigidez de preços e salários, pois adota a hipótese de expectativas racionais. A resposta às críticas perante as concepções teóricas de Keynes será desenvolvida pela leitura pós‑keynesiana, que entenderá que as teorias macroeconômicas, destacadas anteriormente, distanciam‑se da análise revolucionária de Keynes por convergirem a uma representação da economia de longo prazo em que ocorreriam a autorregulação do mercado e a manutenção do nível de pleno emprego da economia. O resgate pós‑keynesiano consiste em reafirmar a posição de Keynes quanto à negação de um sistema econômico autorregulador, ou seja, que possui mecanismos econômicos que evitem as flutuações e as depressões econômicas. Conforme FerrariFilho (1996, p. 92), Keynes desenvolve um projeto a partir de três proposições teóricas: • Uma teoria da determinação da renda (propensão a consumir e multiplicador da renda). • Uma teoria do investimento (eficiência marginal do capital). • Uma teoria da taxa de juros (preferência pela liquidez). Tais proposições, conforme a concepção pós‑keynesiana, seriam desenvolvidas num contexto econômico em que a moeda não seria neutra – apresentando propriedades que a diferem de outros ativos econômicos –, com o futuro incerto e imprevisível e o desemprego como resultado normal da atividade econômica. Se olharmos por esse prisma, a interpretação de Hicks, em seu modelo neoclássico, apresenta alguns equívocos em relação à teoria de Keynes, pois substitui a concepção de equilíbrio parcial adotada na TG pela análise de equilíbrio geral, bem como separa os mercados real e monetário, invertendo a relação causal entre investimento e poupança e desconsiderando o papel das expectativas na dinâmica da demanda efetiva. Logo, mutilando as principais ideias sobre o processo de ajustamento econômico enfatizado por Keynes. Observação No equilíbrio parcial, desenvolvido por Alfred Marshall, o comportamento de um mercado específico é obtido independentemente dos preços e quantidades obtidos e fornecidos por outros mercados. 113 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA No modelo IS‑LM, ao separar em diferentes departamentos os mercados de bens e monetário, descaracteriza a teoria de Keynes, já que essas duas esferas fazem parte de uma teoria de escolha de ativos, portanto representam mercados interdependentes, sendo tal divisão uma construção equivocada. Hicks contraria a lógica keynesiana da demanda efetiva ao analisar a relação causal entre investimento e poupança, pois acredita que um crescimento do investimento não possa ocorrer sem um crescimento da poupança ou da quantidade de moeda em uma economia. Assim, volta ao argumento clássico de poupança prévia como elemento central na dinâmica dos investimentos. Além disso, o modelo neoclássico não abarca o papel das expectativas, num ambiente de incerteza, nos diagramas da IS‑LM, e novamente se distancia das proposições de Keynes na TG. Em resposta, os pós‑keynesianos mostram que a teoria keynesiana vai muito além de uma teoria da economia em depressão, como denominada por Hicks, já que esta teoria também se aplica a situações em que as restrições quantitativas não são somente de demanda. As indagações levantadas pelos desequilibristas e, por extensão, pelos novo‑keynesianos restringem‑se ao entendimento dos fatores centrais do desequilíbrio econômico, na teoria de Keynes, representados pela existência de rigidez de preços e salários. Ao longo da TG, Keynes admite a suposição de inflexibilidade de preços e salários, mas tal fato não configura nem condição necessária, nem suficiente para a ocorrência do desemprego involuntário. Como bem defendem os autores pós‑keynesianos, com base em diversas passagens da TG, o desemprego involuntário ocorre mesmo quando preços e salários são flexíveis, pois a suposição de inflexibilidade ao longo da demonstração de Keynes será abandonada ao longo de sua exposição, sendo, portanto, um fator analítico de contraponto com a abordagem clássica. Desse modo, na visão de Keynes a flexibilidade de preços e salários não garante o pleno emprego de forma contínua em uma economia. Dito isso, fica difícil aceitar a hipótese de que falhas de mercado, caracterizadas pela rigidez de preços e salários, sejam a causa do desemprego involuntário keynesiano, constituindo somente um dos fatores que podem ocorrer ao longo da dinâmica de uma economia monetária. Será a caracterização dessa economia monetária que servirá de resposta às críticas lançadas pelos modelos monetaristas e novo‑clássicos em relação à teoria keynesiana. Na percepção de Ferrari Filho (1996, p. 96) esse debate se centraria em dois pontos: [...] em primeiro lugar, a teoria monetária desses modelos é, essencialmente, diferente da teoria monetária de Keynes; segundo, algumas hipóteses dos referidos modelos têm suas consistências lógicas fragilizadas quando confrontadas com a dinâmica comportamental das economias empresariais modernas. Isso fica latente, pois as análises monetárias dos modelos monetaristas e novo‑clássicos não aprofundam as questões inerentes às propriedades essenciais da moeda. Em seu resgate, a teoria pós‑keynesiana ressalta que na TG a moeda possui duas propriedades essenciais: a de possuir elasticidade 114 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II de produção igual a zero, já que a moeda não é produzida pela quantidade de trabalho que o setor privado incorpora no processo produtivo; e a de possuir uma elasticidade‑substituição nula, porque não há nenhum outro ativo, não líquido, que possa exercer as três funções da moeda. Observação As três funções da moeda seriam a de funcionar como unidade de conta, meio de troca e reserva de valor ao longo do tempo. Dessas três propriedades, Keynes ressalta o papel de reserva de valor porque a retenção de ativos líquidos constitui‑se em uma segurança contra a incerteza dos retornos futuros, logo a retenção de ativos líquidos é recorrentemente utilizada pelos agentes econômicos. Por isso, a insuficiência de demanda efetiva ocorre em situações em que a incerteza acerca do futuro aumenta, pois os indivíduos passam a reter moeda, postergando, assim, suas decisões de dispêndio que, em último caso, geram impactos no nível de produto e aumentos da taxa de desemprego. Assim, desmente‑se a afirmação de Friedman (1985) de que a moeda não tem importância na economia de Keynes, já que a moeda tem um papel central no entendimento da dinâmica econômica, ou seja, a teoria de Keynes seria uma teoria monetária da produção. Por conta disso, a moeda não pode ser neutra, ao passo que a neutralidade monetária é comumente incorporada nos modelos monetaristas, pelo menos a longo prazo, e novo‑clássicos, tanto a curto quanto a longo prazo. Isso terá impactos, portanto, no entendimento da economia real e em seus processos de ajustamento. Para os pós‑keynesianos, as hipóteses dos modelos novo‑clássicos, dentre elas o ajuste de todos os preços via mercado e os agentes sempre com comportamentos otimizadores e expectativas racionais, não corresponderiam à dinâmica do sistema econômico. Esse seria um mundo hipotético, em que haveria o equilíbrio geral de Walras e da mão invisível para conduzir a economia para a alocação eficiente dos recursos. Em situações de flutuações cíclicas dos níveis de produto, emprego e preços observados no sistema econômico, as expectativas por parte dos agentes econômicos parecem ser formadas não com base em um processo estocástico e estatisticamente controlado, mas num processo que Keynes denominou de conhecimento incerto, logo, ressaltando, novamente, a incerteza inerente aos processos econômicos. Nessas ponderações da teoria keynesiana reside a explicação da ocorrência de desemprego involuntário. Já que seriam as insuficiências de demanda efetiva devido ao entesouramento de moeda e o papel das expectativas que justificariam esses acontecimentos recorrentes, em detrimento das análises que defendem a ocorrência de rigidez ou a escolha intertemporal entre renda e lazer como fatores explicativos para as mudanças no equilíbrio no mercado de trabalho. Portanto, em seu percurso, a teoria pós‑keynesiana esclarece, enfatiza e acrescenta elementos em relação à teoria de Keynes, pois se entende que esse autor elaborou uma teoria monetária do emprego, ou seja, considerou que as variáveis monetárias causariam efeitos reais e, porisso, não 115 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA poderia ser aceita a dicotomia rígida entre variáveis monetárias e reais da teoria neoclássica. Os autores pós‑keynesianos criticam fortemente a teoria neoclássica, considerando‑a uma base teórica irreal e irrelevante. Para Keynes, a lei de Say teria validade somente em uma economia de trocas (de escambo), não monetária, também chamada de economia cooperativa ou de salários reais, ou então em uma economia neutra, em que a moeda assumiria papel meramente facilitador de trocas. Ou seja, uma economia imaginária, que faria parte da utopia liberal. Nesses casos, garantir‑se‑ia que o gasto agregado seria sempre igual à renda agregada, de modo que a economia permanecesse no pleno emprego. Em uma economia empresarial, ou de salários nominais, ao contrário, existem flutuações de demanda efetiva e de emprego e, em vista disso, não se garante o pleno emprego. Nessa economia empresarial, as decisões são tomadas com base em expectativas sobre o futuro, dada a existência de incerteza, o que coloca a possibilidade de erros em decisões econômicas. A teoria keynesiana possui o conceito de tempo histórico – e não num tempo lógico neoclássico –, em que existe um passado irrevogável e um futuro desconhecido, envoltos numa fragilidade das informações por parte dos agentes. Este tempo move‑se em uma só direção, havendo possibilidade de ajustamentos, mas não de reversão das decisões. No caso dos investimentos, leva‑se em conta que os bens de capital são duráveis e não maleáveis e, portanto, que as correções de rota têm custos não desprezíveis (DATHEIN, 2000, p. 2). O comportamento do empresário keynesiano é completamente diferente do empresário neoclássico. Para Keynes, o empresário faz prognósticos sobre a demanda futura, age de acordo com expectativas em contexto de incerteza. Na economia capitalista real, existe uma diferença de objetivos e de poder de decisão entre empresários e trabalhadores (assim como os consumidores). Enquanto os empresários buscam a acumulação de dinheiro, os trabalhadores têm como objetivo a obtenção de bens de consumo. Os empresários comandam os recursos e tomam decisões que regem a operação da economia, decidindo sobre produção, emprego e investimentos com base em suas expectativas sobre a rentabilidade futura de seus negócios, tomando decisões segundo premissas observadas que são insuficientes, o que lhes impõe a incerteza. Segundo Keynes, os empresários não fazem somente cálculos sobre lucros para tomarem suas decisões, possuindo, além disso, um instinto espontâneo de agir. Isso não leva ao irracionalismo, uma vez que as expectativas de longo prazo são, muitas vezes, estáveis, com os empresários baseando‑se em determinados estados de confiança. Nisso reside a explicação de por que os investimentos são o elemento mais instável da demanda efetiva. 116 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II De acordo com a teoria neoclássica, um aumento de poupança sempre leva a um aumento de investimento. Por isso, coloca‑se, por exemplo, a desejabilidade de uma concentração de renda nas mãos das famílias e empresas mais ricas, caso se deseje maior taxa de crescimento econômico, pois estas possuem maior propensão a poupar e, portanto, a acumulação será acrescida. Para a teoria keynesiana, ao se considerar a possibilidade de aplicações de renda não ativadoras de produção e emprego, uma concentração de renda pode levar a uma redução de consumo e investimento. 6.1 Hipótese da instabilidade financeira Dentro do arcabouço teórico pós‑keynesiano, Hyman Minsky apresenta uma interpretação ou complementação teórica denominada de hipótese da instabilidade financeira, em que Minsky vai além do que está explicitado na TG de Keynes, por integrar em sua análise as implicações da estrutura dos passivos das empresas sobre a atividade econômica. De acordo com este autor, a teoria neoclássica não conseguiria provar a existência de um equilíbrio geral de pleno emprego alcançado pela autorregulação do processo de mercado em uma economia com ativos de capital e com instituições e práticas financeiras capitalistas. Assim, os modelos neoclássicos não explicariam a instabilidade financeira, presente nas economias, ao tomar como causadores de ciclos e crises fatores exógenos, por exemplo, variações na quantidade de moeda ou utilização de gastos fiscais pelos governos por motivos políticos. Na visão de Minsky (1982), a instabilidade financeira é geradora de ciclos econômicos, sendo o resultado do funcionamento normal da economia capitalista, ou seja, resulta endogenamente do comportamento dos agentes econômicos. Sendo assim, caberia aos governos intervir para controlar e guiar a economia, principalmente as instituições e a evolução financeira, para garantir o pleno emprego sem inflação ao assegurar uma estrutura financeira robusta e estável. Deste modo, a economia capitalista não é simplesmente uma economia de mercado, mas fundamentalmente uma economia de finanças. Essa economia é caracterizada pela existência de dois sistemas de preços relativos com determinantes diferentes. Como nos aponta Dathein (2000, p. 8‑9): Os preços dos bens correntes dependem da visão sobre as condições de demanda de curto prazo e do conhecimento corrente das taxas de salários nominais, sendo determinados por expectativas de curto prazo. Já os preços dos ativos de capital e dos ativos financeiros (que são preços presentes de rendas futuras) dependem da visão corrente sobre os fluxos de lucros futuros e do valor subjetivo corrente em relação à incerteza incorporada no valor futuro do dinheiro. Estes preços, portanto, são determinados por expectativas de longo prazo e possuem uma volatilidade muito maior que os primeiros. Com determinantes diferentes, não podemos acreditar que o mercado teria capacidades de induzir que os dois preços tenham variações a uma mesma taxa, logo, exigindo diferentes formas de avaliação num processo econômico. 117 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA As relações desses dois sistemas de preços, com dois horizontes de tempo diferentes e dependentes de distintas variáveis, em suas relações com as condições financeiras da economia, determinariam os investimentos, no entendimento de Minsky. Esses investimentos, em conjunto com outras variáveis, determinam a demanda efetiva e, portanto, o emprego. A hipótese da instabilidade financeira integra na análise, portanto, as instituições financeiras e as práticas financeiras, as quais impõem condições e exigências em relação ao comportamento futuro da economia, dando sustentação para uma teoria financeira dos investimentos, que corresponderia a uma teoria sobre o comportamento cíclico da economia. Na visão da hipótese da instabilidade financeira, a oferta de moeda é considerada endógena. Moeda será criada toda vez que os bancos financiarem negócios ou adquirem ativos, ocorrendo uma destruição de moeda no momento em que os empréstimos forem pagos ou pela venda de ativos por parte dos bancos. Assim, num ambiente financeiro e bancário moderno, a oferta monetária precisaria ser vista como endógena. Neste ponto, Minsky tem uma interpretação diversa daquela de Keynes, já que este último autor toma a oferta de moeda como exógena, e por isso os governos poderiam intervir aumentando a oferta monetária visando estimular a demanda efetiva. Com uma visão de moeda endógena, essa análise de Keynes precisa ser modificada. Mas ressalva que o fato de existir criação e destruição privada de moeda não indica queo governo perca completamente o controle sobre a oferta de moeda. Por isso, a ação do governo será a de disciplinar o processo de variação monetária dada pela destruição e criação de moeda ao manter um ambiente financeiro robusto. Para Minsky (1982), a principal transação que ocorre na economia é a troca de dinheiro no presente por dinheiro no futuro, por exemplo, quando ocorrem investimentos ou a aquisição de ativos de capital. Por isso, a teoria econômica não pode abstrair‑se do tempo fazendo uma análise meramente estática. Admitindo‑se a existência de flutuações do produto e de poder de mercado, a função de produção neoclássica não pode ser a base para a análise teórica da produção, nem a teoria da produtividade marginal, a base para a análise das remunerações relativas dos fatores, dentre eles os lucros. A atividade econômica gera fluxos de caixa, que contêm os lucros, usados como garantias para financiar posições em ativos de capital ou para validar dívidas e os preços que foram pagos pelos ativos de capital no passado, permitindo honrar as obrigações de pagamentos originadas em decisões passadas de financiamento. Dessa forma, a economia capitalista somente funciona de forma equilibrada com a existência de investimentos geradores de lucros, e as flutuações nos investimentos determinam se as dívidas poderão ou não ser pagas. O problema fundamental que se coloca faz referência aos motivos que levariam os investimentos a flutuarem, ou seja, qual o mecanismo que transforma um aperto financeiro em uma crise financeira. Para solucionar tais indagações, Minsky chama a atenção para as diferentes posturas financeiras que podem ser adotadas pelos agentes econômicos. 118 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 Unidade II Existem, segundo Minsky, três tipos básicos de posturas financeiras das empresas, famílias e governos nas relações entre seus compromissos de pagamentos de contratos (suas dívidas) e seus fluxos de receitas, chamadas de posturas hedge, especulativa e Ponzi. A estabilidade da estrutura financeira e, portanto, da economia como um todo, depende do mix das posturas financeiras, sendo a postura hedge correspondente a uma economia mais estável, enquanto a postura especulativa e a Ponzi tornam a economia mais suscetível à instabilidade financeira (DATHEIN, 2000, p. 10). De forma resumida, a postura financeira hedge corresponderia à situação em que os agentes possuem um fluxo de caixa esperado que gere um excedente ou pelo menos iguale, em todos os períodos, os compromissos contratuais de pagamentos de passivos. Contrasta com a posição dos agentes econômicos com finanças especulativas, situação na qual o fluxo de caixa esperado para todo o período previsto excede o total de pagamentos de dívidas, mas, a curto prazo, o fluxo de caixa é inferior aos compromissos totais neste mesmo prazo, necessitando que parte do serviço da dívida seja refinanciada. Ou, por exemplo, os retornos poderiam cobrir apenas os pagamentos de juros, enquanto o principal teria de ser renegociado. Por último, a postura financeira Ponzi corresponderia aos agentes econômicos cujos fluxos de renda são inferiores aos compromissos financeiros em todo o período, necessitando de refinanciamento de parcela superior ao serviço da dívida, que contribui para o crescimento da dívida total, o que significa uma postura de alto risco. Para Minsky, os investimentos de longo prazo e de retorno incerto têm aspectos que se assemelham a essa postura financeira. Tanto empresas com finanças especulativas quanto aquelas em situação Ponzi necessitam constantemente se endividar ou vender ativos para cumprirem seus compromissos totais, além de que a viabilidade da situação Ponzi depende de uma expectativa de crescimento dos preços dos ativos da empresa no futuro. A quantidade e a variabilidade da ocorrência de finanças hedge, especulativa e Ponzi variam de tempos em tempos e de acordo com a estrutura de cada economia, sendo a base para o entendimento dos ciclos e das crises financeiras e econômicas. Segundo a hipótese da instabilidade financeira, o capitalismo possui falhas inerentes e inescapáveis. Nessa hipótese, o capitalismo não conseguiria manter‑se próximo ao pleno emprego por um longo período, pelo fato de o sistema financeiro afetar os preços e as demandas por produtos e ativos de capital e financeiros. Ao afetar os preços e as demandas por produtos, o sistema financeiro corrobora a elevação dos componentes das dívidas e dos seus serviços em relação às rendas auferidas por parte das empresas, gerando endogenamente crises financeiras, que paralisam os investimentos e, portanto, ocasionam maior desemprego. Vamos ver com mais detalhes esse mecanismo endógeno gerador de crises e ciclos financeiros. Para Minsky (1982), se a economia estiver em um período de tranquilidade, próxima ao pleno emprego, 119 Re vi sã o: M ar ci lia - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 12 /1 2/ 20 16 MACROECONOMIA APLICADA haverá a diminuição das exigências dos emprestadores de dinheiro. Existe a tendência a uma alteração das aplicações dos agentes econômicos, em que poderá haver um aumento das posições financeiras especulativas e Ponzi por parte das empresas e dos demais agentes, respaldados pelos mercados financeiro e bancário. O próprio sistema financeiro gera endogenamente os recursos necessários para o aumento dos investimentos ou exigidos pelo aumento dos preços dos bens de capital. Quando a participação das finanças especulativas e Ponzi ganha preponderância na estrutura financeira total, a economia torna‑se mais sensível a mudanças nos patamares das taxas de juros praticadas no mercado. No caso de um aumento da taxa de juros, as posições hedge podem tornar‑se especulativas, e as especulativas podem tornar‑se estruturas de financiamento Ponzi. Ao mesmo tempo, uma maior taxa de juros gera uma queda no valor presente dos lucros esperados pelos bens de capital, que em termos de eficiência marginal do capital (EmgK) provoca uma diminuição dos investimentos. Com uma situação de queda dos lucros, dos investimentos realizados no passado, chegamos à situação de deterioração da capacidade de pagamento dos empresários. Nesse contexto, mesmo sem uma crise financeira aberta, as expectativas de longo prazo são afetadas, aumentando os prêmios de risco de projetos de investimentos, levando os empresários e banqueiros a buscarem posições financeiras menos especulativas, diminuindo a liquidez da economia. Depois de certo período de instabilidade pode surgir, também endogenamente, uma fase de estabilidade financeira, mas agora com baixo nível de atividade econômica, em razão da queda dos investimentos, até ser retomada, novamente, a fase ascendente do ciclo. Temos, com isso, a mais contemporânea das formulações no âmbito da teoria pós‑keynesiana. Para tal modelo, as crises financeiras são resultado do funcionamento normal da economia. Os ciclos de instabilidade são endógenos ao sistema econômico, em razão da busca de interesses próprios dos agentes em uma economia descentralizada, apta a apresentar expansões incoerentes ou bolhas especulativas, na concepção de Minsky. No entanto, essas crises podem ser evitadas ou atenuadas, dependendo das ações dos bancos centrais como financiadores de última instância, de aumento dos gastos fiscais – mesmo que gerem déficits – por parte dos governos para sustentar os lucros e eventuais mudanças no balanço de pagamentos. Isso é necessário, pois a forma privada de criação de recursos é inerentemente míope e precisa ser suplementada pela visão de longo prazo que os governos têm capacidade de ter. Por fim, a alternativa à crise é basicamente uma combinação de ações do Banco Central e do governo que
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