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Conflitos nas empresas familiares

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LODI, João Bosco, A Empresa Familiar. São Paulo: Livraria Pioneira Editora: 1986.
Capítulo 7 – O Conflito na Cúpula
	O conflito pessoal entre membros da diretoria é quase inevitável. Quando isso acontece, o centro de poder parece dividido. O conflito vai ter aspectos diferentes de acordo com as relações e posições hierárquicas dos envolvidos. O conflito pode ocorrer entre o executivo principal e outro executivo de importância para a organização ou entre dois herdeiros da mesma organização com diferentes ideologias empresariais, por exemplo. 
	Quando o conflito ocorre na cúpula, isso afeta diretamente a organização informal. O conceito de organização informal se refere às interações espontâneas entre os membros da empresa. Por exemplo, quando membros da empresa marcam de se encontrar fora do horário de trabalho para jogar futebol, ou criam um grupo para sempre jogar cartas, ou sempre almoçam juntos em um mesmo lugar. A organização informal interfere notadamente no ambiente de trabalho, já que influi nas relações entre as pessoas. Atua, assim, na motivação e na produtividade dos trabalhadores. 	Muitas vezes, o conflito em empresas familiares é mais frequente acerca de questões sutis, pequenos aspectos de procedimentos. Contudo, essas divergências de opiniões acerca de temas menores dão origem a grandes batalhas como veremos no exemplo a seguir. Outro aspecto que pode levar a conflitos nas empresas familiares é a ética. Muitas vezes funcionários de empresas familiares agem dentro da empresa como se estivessem agindo dentro de casa. Estas ações, no contexto familiar, não são vistas como erradas eticamente. Contudo, quando se trata de uma empresa, são desvios éticos que levam a prejuízos para a empresa e seus funcionários. Por exemplo, Carlos ensina português em uma escola de educação infantil, que tem dois sócios, sendo um deles sua mãe, Roberta. Um dia, passeando na Araújo, Carlos vê um kit de massinhas com moldes de letras e pensa que seria muito interessante usar esse kit em suas aulas. O kit custa R$50,00 reais e Carlos o compra. Quando chega ao trabalho, conversa com um de seus chefes (que é sua mãe) e relata sua ideia, recebendo autorização para a compra. A escola está passando por uma fase de pouco retorno financeiro, sendo que o outro sócio, Mário, posiciona-se contra todo e qualquer gasto financeiro supérfluo. Quando Roberta conversa com Mário sobre a compra da massinha, Mário se irrita, afinal, a empresa não está tendo lucro, sendo esta uma compra desnecessária. Temos, nesse exemplo, um caso de conflito em uma empresa familiar ocasionado pela má conduta ética de Carlos e de Roberta. A conduta de Carlos não é correta por vários fatores. Primeiro, enquanto funcionário, ele deve consultar seus superiores antes de decidir adotar uma nova estratégia pedagógica na empresa. Além disso, ele comprou o produto sem fazer uma pesquisa de mercado em outras duas lojas. Ele agiu como se fosse, ele próprio, o único dono, o que levou a um conflito entre os dois sócios. Roberta, por sua vez, agiu errado ao autorizar a compra sem consultar o outro sócio.
	Um exemplo similar, mas que descreve uma ação proporcionalemente mais prejudicial à empres é relatato no seriado O sócio. O sócio é um reality show no qual o investidor Marcus Lemonis se propõe a ser sócio de empresas com potencial, mas que se encontram estagnadas ou em declínio. No episódio 6 da primeira temporada, Marcus se torna sócio de uma fábrica de sorvetes sabor chá verde com a proposta de aumentar a quantidade de sabores e o tamanho da estrutura da fábrica. Após finalizada a ampliação da fábrica, o filho do dono inicial manda produzir uma grande quantidade de sorvete com novos sabores sem ter antes consultado seus superiores para realizar essa ação. Um dos sabores escolhidos não foi bem aceito no mercado, tendo ficado estagnado na empresa. Marcus explicou-lhe que ele não é autorizado tomar a decisões dessa magnitude, considerada sua posição hierárquica na empresa. Este é outro exemplo de um funcionário que age como se estivesse no contexto de sua própria casa. Sua atitude é antiética porque tomou uma decisão importante e com graves consequências para a empresa sem ter solicitado a autorização de seus superiores. 
	No caso de empresas familiares com gerentes autoritários, o conflito praticamente não é notado já que, diante de um chefe autoritário, não há espaço para discussão e opiniões. Temos também, nesse contexto, um sentimento de que trabalhar com lealdade significa não contestar os superiores. Um exemplo possível de acontecer é um filho funcionário sentir-se pressionado a assumir mais funções do que deveria, ficando sobrecarregado. Como sente-se com a “obrigação” de colaborar com a empresa que é de seu pai, o funcionário pode se calar sobre seu excesso de trabalho. Isso pode levar a uma consequência inicial positiva a curto prazo (um funcionário muito produtivo), mas também negativa a longo prazo, com o seu adoecimento psíquico diante da pressão que ele se coloca.
Outro exemplo de conflitos em uma empresa familiar é o caso da empresa Flor de Lótus. A empresa Flor de Lótus é uma empresa fundada em dezembro de 2018. Inicialmente se propunha a ser um centro de reabilitação cognitiva focado no tratamento de idosos, notadamente os com alzheimer. As fundadoras da empresa são duas psicólogas amigas desde os tempos da faculdade. Sara atua há anos na área e a Karen é apenas sócia financeira, nunca tendo atuado na área da psicologia. O trabalho na empresa como espaço dia com atividades para idosos as levou a pensar na possibilidade de reformar o segundo andar da casa e abrir uma residência para idosos. Assim, paralelamente ao início dos trabalhos na casa dia, surgiu a demanda da obra de reforma do segundo andar. Desde o princípio, Sara trouxe para trabalhar consigo seu filho Hugo, graduado em psicologia na Europa. Contudo, mesmo tendo retornado ao Brasil há mais de dois anos, Hugo ainda não havia validado seu diploma, o que lhe impedia de atuar como psicólogo na clínica. Pesquisador de mestrado em neurociência na USP, ele atua na clínica como neurocientista lecionando o treinamento cognitivo denominado academia do cérebro. Inicialmente, Hugo estava encarregado de preparar a academia do cérebro, fazer o controle financeiro da empresa e cuidar do marketing, ficar na recepção, recepcionar clientes, atender o telefone. Com a decisão de reformar o segundo andar, Joana, filha de Karen começou a trabalhar ali. Com o advento de uma viagem para os Estados Unidos por Hugo, Joana ficou encarregada de realizar as atividades financeiras do espaço assim como ficar na recepção, recepcionar clientes, atender o telefone, ou seja, ela temporariamente ficou encarregada de realizar grande parte das tarefas de Hugo. Contudo, quando Hugo retorna de sua viagem, Sara transfere as funções dele para Joana. Joana aceita sem contestar, já que está disposta a se esforçar ao máximo para ver a empresa da mãe crescer. Contudo, com o decorrer do tempo, Joana percebe que Hugo é melindroso para realizar suas tarefas. Por exemplo, estavam prontos 5.000 flyers para serem distribuidos pelos arredores da empresa. Joana percebe que os flyers continuam na clínica sem terem sido distribuídos e pergunta a Karen o que será feito a respeito. Na reunião seguinte entre Karen, Hugo e Joana, Karen ressalta a importância de distribuir os flyers, já que a empresa ainda está começando e, sendo função do Hugo o marketing, solicita que ele realize essa atividade. Hugo se exalta, afirmando que o flyer não atingiu os padrões de qualidade esperados e posicionando-se contra distribui-los. Joana relata ter se sentido estupefata diante desse posicionamento do funcionário, questionando uma solicitação de seu superior. Naquele momento Hugo agia como um filho mal-educado age quando discorda da mãe e não como um funcionário diante de sua chefe. Na reunião da semana seguinte, os flyers ainda não haviam sido distribuídos. Ao ser questionado sobre sua atribuição não concluída, Hugo volta a mencionar não estarde acordo com a distribuição dos flyers iniciando-se um debate acalorado de duas horas entre ele e Karen sobre a necessidade ou não de refazer esses flyers. Novamente vemos um aspecto comum nas empresas familiares que é um conflito originado por algo pequeno extender-se e tornar-se algo grande, gastando tempo que poderia ser melhor utilizado de outras formas. Na quarta semana desde solicitada a distribuição dos flyers, Hugo ainda não havia realizado essa atividade. Joana, por sua vez, havia encontrado uma pessoa apta a fazer a distribuição, encaminhado seu contato para Hugo, mencionado sobre a disponibilidade dessa pessoa na reunião consecutiva. Novamente Karen pergunta a Hugo sobre os flyers e Joana está no ápice do estresse. Karen menciona que caso Hugo não faça o que ela está lhe solicitando, ela iria retirar de Hugo a atribuição de marketing e passá-la para Karen. Hugo sorri e diz que não faz questão nenhuma de permanecer com aquela função e que ela poderia ser transferida imediatamente para Joana. Quando Karen lhe explica que para fazer essa alteração Hugo terá que cuidar do financeiro da empresa, ele ressalta que está muito ocupado e que não aceitaria fazê-lo. Joana nos relata que naquele momento se sentiu muito desconfortável, afinal, Hugo demonstrava que ela poderia continuar agregando funções enquanto as funções dele diminuíam. Além disso, incomoda muito Joana o fato de ela sempre entregar suas atividades dentro do prazo e Hugo sempre questionar, entregar tudo encima da hora quando entregava. Cada vez que Hugo deixava de fazer uma atividade, Joana, preocupada com o futuro da empresa, resolvia o problema com rapidez e dinamismo. Por consequência, Joana foi acumulando funções, chegando a ter uma crise de estresse que lhe impediu de trabalhar por dois dias. Após a crise de estresse, Joana decidiu pedir demissão da empresa. Ela relata que com o passar do tempo a raiva em relação a Hugo aumentava, sendo que nas semanas finais ela sequer conseguia “olhar na cara dele”.
Percebemos, no exemplo relatado, comportamentos incorretos por parte de todos os quatro envolvidos. Hugo age mal ao não se comportar como um funcionário e não se submeter às solicitações de sua chefe. Além disso ele se exalta com frequência, destratando sua chefe frequentemente diante de outros funcionários. Joana, por sua vez, age mal ao agregar funções que não são suas, chegando à estafa. Se não fosse filha da dona, provavelmente ela conseguiria lidar melhor com o comportamento de Hugo, funcionário com o mesmo nível hierárquico e também se cobraria menos. Ela age como um funcionário que deve lealdade ao chefe e tem receio de questionar os comportamentos dos superiores, mesmo quando se sente prejudicada. Sara, por sua vez, erra ao não saber lidar com a insolência do filho e aceitar que ele adie a entrega do projeto por tanto tempo. Possivelmente se Hugo não fosse seu filho seu comportamento o levaria a estar perto de uma demissão. No entando, como é filho, Sara prefere mantê-lo, ainda que isso seja prejudicial para a empresa. Além disso, Sara não percebe como as atitudes de Hugo influenciam as atitudes de Joana. Finalmente, Karen, sócia financeira, erra ao não se posicionar diante dos problemas da empresa, confiando plenamente no que Sara fará e na capacidade de trabalho de sua filha Joana. Lodi escreve, em seu livro que
Durante a duração do conflito, o melhor que se pode esperar é que ele termine logo, com a vitória de uma das partes e a exterminação dos perdedores, pois durante o conflito os negócios não decorrem normalmente, as grandes decisões são transferidas, a organização e as instalações envelhecem. (...) Alguns bons funcionários começam a desertar, desiludidos. (LODI, p. 32.)
O que Lodi descreve é exatamente o que percebemos no caso da empresa Flor de Lótus. O conflito na empresa foi gerado por uma relação desigual entre dois funcionários que são tamém parentes dos donos da empresa. Um dos funcionários age com desleixo e a outra funcionária, com excesso de desvelo e autocobrança. No final da história Joana decide sair da empresa, o que é maléfico para a empresa, visto ela ser uma funcionária muito produtiva, enquanto Hugo permanece trabalhando ali, apesar de sua deficiência na produção. Como Bernhoeft ressalta:
A ruptura na família não é indicada pela presença de conflitos sérios, ou até explosivos, mas sim pela incapacidade dos seus membros de lidar com tensões desse tipo e resolvê-las sem punição ou rejeição mútua e sem levar nenhum de seus membros a um estado de formação de sintomas. (BERNOEFT, p. 111.)
Joana não soube lidar com o comportamento de Hugo e decidiu abandonar a empresa, já enferma. A empresa perdeu Joana e Hugo continuará, possivelmente, a ser negligente na empresa de sua mãe. Se a empresa não fosse familiar isso provavelmente não teria acontecido, já que, em empresas não familiares, quando um funcionário não realiza suas atividades geralmente ele recebe ocorrências e pode chegar a ser demitido enquanto que bons funcionários como Joana são elogiados, o que os motiva a continuar com seu trabalho. Outro aspecto importante aqui é que vemos uma falha na seleção dos funcionários. Apesar de Hugo ser uma pessoa graduada na área, Sara o contratou como funcionário não devido apenas às suas habilidades, mas pelo fato de ele ser seu filho. A falta de rigor na escolha dos funcionários quando são parentes pode ser bastante maléfica para as empresas, como podemos perceber nos exemplos supracitados. É necessário elaborar a escolha dos funcionários basendo-se na capacidade técnica e perfil da pessoa e não em laços familiares, o que pode gerar desconforto.
“No momento atual, o funcionário passa a atuar como alguém que investe na organização e exige não apenas reconhecimento ou promoções, mas também condições mais concretas de melhora dos índices de qualidade de vida.” (B, p. 142).
“divergências entre sócios”
“conviver com a ambiguidade”
Seriado “O sócio” - TV a cabo, Discovery Home and Health – checar.
Todo funcionário tem que ter um salário, inclusive o dono. Independetemente de se a empresa está no vermelho ou não. Tem que deixar muito separado o que é o dinheiro da empresa e o que é o dinheiro dos funcionários mesmo que um dos funcionário seja, também, dono. Ele também deve receber seu salário.

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