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LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL Me. Artur Fontes de Andrade GUIA DA DISCIPLINA 2019 1 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. O QUE É POLÍTICA EDUCACIONAL. A EDUCAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA. A expressão Política Pública tem por objetivo definir ou mesmo especificar uma situação delimitada da política considerada em seu sentido amplo. Desta forma, podemos definir política pública como a participação do povo nas decisões da cidade ou do seu território. Porém, historicamente essa participação assumiu feições distintas, no tempo e no lugar, podendo ter acontecido de forma direta ou indireta. De toda sorte, um agente sempre foi fundamental no acontecimento da política pública, qual seja, o Estado. Desta feita, hodiernamente destacamos que a discussão acerca das políticas públicas tomou nas últimas décadas uma dimensão muito ampla, haja vista o avanço das condições democráticas em todos os recantos do mundo e a gama de arranjos institucionais de governos, que se tornou necessário para se fazer a governabilidade, esta, compreendida como as condições adequadas para a estabilidade dos governos. Entende-se por governabilidade as condições adequadas para que os governos se mantenham estáveis. São essas condições adequadas, enquanto atitudes de governos (sejam eles de âmbito nacional, regional/estadual ou municipal), que caracterizam as políticas públicas. Em outras palavras, o processo de formulação de política pública é aquele através do qual os governos traduzem seus propósitos em programas e ações, que produzirão resultados ou as mudanças desejadas no mundo real fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões. Há neste momento que se diferenciar política de políticas públicas, notadamente quanto a seus atores e extensão. 2 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Isto porque a população de um determinado Estado atua diretamente na política, mas não atua diretamente na prática de políticas públicas, senão pela influência que podem exercer sobre os governantes (Executivo e Legislativo), estes sim responsáveis por pinçar dentre os inúmeros anseios da sociedade em qual o Estado priorizará. A organização social é fundamental para que decisões coletivas sejam favoráveis aos interesses do grupo. Por fim, é importante dizer que os grupos de interesse, organizados socialmente, traçam estratégias políticas para pressionaram o governo a fim de que políticas públicas sejam tomadas a seu favor. A literatura mais autorizada sobre o tema aponta três tipos de políticas públicas a saber: as redistributivas, as distributivas e as regulatórias. As políticas públicas redistributivas, pela obviedade da nomenclatura, consistem em redistribuição de renda na forma de recursos muitas vezes implantados por programas governamentais como bolsa-escola, bolsa-família, renda cidadã, isenção de impostos, dentre outros. As políticas públicas distributivas implicam nas ações cotidianas que todo e qualquer governo precisa fazer guardando íntima relação com a oferta de equipamentos e serviços públicos, mas sempre feita de forma pontual ou setorial, de acordo com a demanda social ou a pressão dos grupos de interesse. As políticas públicas distributivas estão associadas à atuação de manutenção dos equipamentos públicos ou do próprio andamento da gestão tais como recapeamento do asfalto, as podas de árvores, os reparos na estrutura dos equipamentos públicos, dentre outros. O seu financiamento é feito pela sociedade como um todo através do orçamento geral de um estado. Por último, há as políticas públicas regulatórias. Elas consistem na elaboração das leis que autorizarão os governos a fazerem ou não determinada política pública redistributiva ou distributiva. 3 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Se estas duas implicam no campo de ação do poder executivo, a política pública regulatória é, essencialmente, campo de ação do poder legislativo. Como conclusão, ressaltamos ainda que esse tipo de política possui importância fundamental, pois é por ela que os recursos públicos são liberados para a implementação das outras políticas. Contudo, o seu resultado não é imediato, pois enquanto lei ela não possui a materialidade dos equipamentos e serviços que atendem diariamente a população. Assim, os grupos sociais tendem a ignorá-la e a não acompanhar o seu desenvolvimento, permitindo que os grupos econômicos, principalmente, mais organizados e articulados, façam pressão sobre os seus gestores (no caso do Brasil, vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores). No que tange as políticas públicas educacionais, em uma definição muito simplista consiste em tudo aquilo que um governo faz ou deixa de fazer na área da educação, ou seja, transformar programas em ações. Porém, educação é um conceito muito amplo para se tratar das políticas educacionais. Isso quer dizer que políticas educacionais é um foco mais específico do tratamento da educação, que em geral se aplica às questões escolares. Em outras palavras, pode-se dizer que políticas públicas educacionais dizem respeito à educação escolar. Destacamos isto pois a educação é conceito que transcende o ambiente escolar. Tudo o que se aprende socialmente é educação. Porém, a educação só é escolar quando ela for passível de delimitação por um sistema que é fruto de políticas públicas e atuação estatal, direta ou indireta. Nesse sistema, é imprescindível a existência de um ambiente próprio do fazer educacional, que é a escola, que funciona a partir de um processo complexo formado por 4 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância alunos, professores, servidores, pais e Estado (enquanto sociedade política que define o sistema através de políticas públicas). Portanto, políticas públicas educacionais dizem respeito às decisões do governo que têm incidência no ambiente escolar enquanto ambiente de ensino-aprendizagem. Tais decisões envolvem questões como: construção do prédio, contratação de profissionais, formação docente, carreira, valorização profissional, matriz curricular, gestão escolar, dentre outros. Consoante iremos destacar em outros textos, a educação como desdobramento dos direitos humanos positivados na Constituição da República como direito e garantia fundamental, além de estar em constante evolução, sofre influência também do fenômeno da globalização, portanto, ao mudar o desenho político e econômico do mundo, exigiu também a incorporação de novas preocupações e tecnologias na educação nunca se olvidando das matrizes constitucionais. Neste diapasão, o desafio inicial deste módulo é o de entender o contexto de Políticas Públicas voltadas à educação, notadamente tomando conhecimento das legislações pátrias e como agente e sujeitos ativos do mister constitucional da efetivação do direito à educação e coadunar notadamente com as novas dinâmicas constitucionais. Assim, neste primeiro momento entende-se por políticas públicas educacionais aquelas que regulam e orientam os sistemas de ensino, instituindo a educação escolar. Essa educação orientada (escolar) moderna, massificada, remonta à segunda metade do século XIX. Ela se desenvolveu acompanhando o desenvolvimento do próprio capitalismo, e chegou na era da globalização resguardando um caráter mais reprodutivo, haja vistaa redução de recursos investidos nesse sistema que tendencialmente acontece nos países que implantam os ajustes neoliberais. 5 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA. SÍNTESE HISTÓRICA E DIRIETO EDUCACIONAL E EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI. Do ponto de vista histórico, a educação da criança esteve sob a responsabilidade exclusiva da família durante séculos, porque era no convívio com os adultos e outras crianças que ela participava das tradições e aprendia as normas e regras da sua cultura. Na sociedade contemporânea, por sua vez, a criança tem a oportunidade de frequentar um ambiente de socialização, convivendo e aprendendo sobre sua cultura mediante diferentes interações com seus pares. Dessa maneira, neste texto (aula) objetivamos traçar limiares da trajetória histórica da educação infantil no Brasil, analisando, criticamente, os avanços e retrocessos dessa modalidade educacional e sinalizando para os desafios que se colocam na busca pela qualidade na organização do trabalho pedagógico dessas instituições. Inegavelmente inúmeros são os avanços tecnológicos, bem como a contribuição das ciências ao longo dos anos e o avanço significativo da legislação brasileira no que diz respeito ao direito da criança à educação de qualidade desde o nascimento. A realidade denuncia um grande descompasso entre o discurso da lei e o cotidiano de muitas escolas infantis. Isto porque o cotejamento acerca dos avanços e retrocessos da educação no Brasil, notadamente na educação infantil, pressupõe conhecer, num primeiro momento, as marcas do processo de criação e expansão dessas instituições na Europa e Estados Unidos, procurando mostrar que tanto as creches como as escolas maternais tiveram uma preocupação com as questões pedagógicas e não somente com os cuidados da criança. Este posicionamento derruba o discurso de que, na sua origem, essas instituições tiveram apenas uma função assistencialista, diferenciando-se de outros estabelecimentos, como, por exemplo, os jardins de infância, que, já na sua criação, apresentavam um trabalho voltado não só para os cuidados infantis, mas para um trabalho eminentemente pedagógico. 6 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A educação da criança no movimento universal na Europa data da transição do feudalismo para o capitalismo em que houve a passagem do modo de produção doméstico para o sistema fabril, e, consequentemente, a substituição das ferramentas pelas máquinas e a substituição da força humana pela força motriz provocando toda uma reorganização da sociedade. O enorme impacto causado pela revolução industrial fez com que toda a classe operária se submetesse ao regime da fábrica e das máquinas. Desse modo, essa revolução possibilitou a entrada em massa da mulher no mercado de trabalho, alterando a forma da família cuidar e educar seus filhos. A utilização das máquinas franqueadas pela Revolução Industrial estabeleceu um meio de diversificar os assalariados, colocando, nas fábricas, todos os membros da família do trabalhador, independentemente do sexo e da idade de cada um. Se, até então, o trabalhador vendia somente sua própria força de trabalho, passou a vender a força da mulher e dos filhos. Mas os pais não queriam vender o tempo parcial das crianças mais barato do que vendiam antes o tempo integral, mesmo que as condições de trabalho fossem péssimas. Portanto, o nascimento da indústria moderna alterou profundamente a estrutura social vigente, modificando os hábitos e costumes das famílias. As mães operárias que não tinham com quem deixar seus filhos, utilizavam o trabalho das conhecidas mães mercenárias. Essas, ao optarem pelo não trabalho nas fábricas, vendiam seus serviços para abrigarem e cuidarem dos filhos de outras mulheres. Em função da crescente participação dos pais no trabalho das fábricas, outras formas surgiram de arranjos mais formais de serviços de atendimento das crianças. As atividades relacionadas ao desenvolvimento de bons hábitos de comportamento e de internalização de regras morais eram reforçadas nos trabalhos dessas voluntárias. Criou-se uma nova oferta de emprego para as mulheres, mas aumentaram os riscos de maus tratos às crianças, reunidas em maior número, aos cuidados de uma única, pobre e despreparada mulher. 7 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A preocupação das famílias pobres era sobreviver, de modo que os maus tratos e o desprezo pelas crianças tornaram-se aceitos como regra e costume pela sociedade de um modo geral. As mazelas contra a infância se tornaram tão comuns que, por filantropia, algumas pessoas resolveram tomar para si a tarefa de acolher as crianças desvalidas que se encontravam nas ruas. A partir dessas premissas as primeiras instituições na Europa e Estados Unidos tinham como objetivo cuidar e proteger as crianças enquanto as mães saíam para o trabalho. Desta maneira, sua origem e expansão como instituição de cuidados à criança estão associadas à transformação da família, de extensa para nuclear. As creches, escolas maternais e jardins de infância tiveram, somente no seu início, o objetivo assistencialista, cujo enfoque era a guarda, higiene, alimentação e os cuidados físicos das crianças. De acordo com seus objetivos, nesses espaços, as crianças deveriam aprender diferentes habilidades, como adquirir hábitos de obediência, bondade, identificar as letras do alfabeto, pronunciar bem as palavras e assimilar noções de moral e religião. Ainda sobre a respectiva histórica, a própria literatura traz o jardim de infância como uma instituição exclusivamente pedagógica e que, desde sua origem, teve pouca preocupação com os cuidados físicos das crianças. Na evolução do conceito de educação, portanto, nas escolas cuidava-se não só de educar e cuidar das crianças, mas de transformar a estrutura familiar como um todo, possibilitando às famílias que cuidassem melhor dos seus infantes. Os estudos que atribuem aos Jardins de Infância uma dimensão educacional e não assistencial, como outras instituições de educação infantil, deixam de levar em conta as evidências históricas que mostram uma estreita relação entre ambos os aspectos: a que a assistência é que passou, no final do século XIX, a privilegiar políticas de atendimento à 8 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância infância em instituições educacionais e o Jardim de Infância foi uma delas, assim como as creches e escolas maternais. A partir da segunda metade do século XIX, o quadro das instituições destinadas à primeira infância era formado basicamente da creche e do jardim de infância ao lado de outras modalidades educacionais, que foram absorvidas como modelos em diferentes países. No Brasil, por exemplo, a creche foi criada exclusivamente com caráter assistencialista, o que diferenciou essa instituição das demais criadas nos países europeus e norte-americanos, que tinham nos seus objetivos o caráter pedagógico. Lamentavelmente, na nossa atuação política vemos inúmeros municípios que ainda se encontram estacionados neste método absolutamente arcaico. Há que se destacar ainda que outro fato de preponderância para o surgimento dessas instituições foram as iniciativas de acolhimento de abandonados pelas mães solteiras para evitar a vergonha social, típica da sociedade patriarcal da época.Fatores como o alto índice de mortalidade infantil, a desnutrição generalizada e o número significativo de acidentes domésticos, fizeram com que alguns setores da sociedade, dentre eles os religiosos, os empresários e educadores, começassem a pensar em um espaço de cuidados da criança fora do âmbito familiar. A partir dessas mazelas sociais é que a sociedade muda o viés de análise da figura da criança, enfatizando neste momento um viés sociológico, filantrópico. Já neste momento surge a necessidade das primeiras decisões de Políticas Públicas para a educação, já que para as famílias mais abastadas era possível a contratação de outras pessoas. Já para os menos abastados havia a necessidade de deixar os filhos em tempo integral e que fosse de forma gratuita. 9 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância No século XIX, período da abolição da escravatura no país, quando se acentuou a migração para as grandes cidades e o início da República, houve iniciativas isoladas de proteção à infância, no sentido de combater os altos índices de mortalidade infantil. Neste período ainda um número significativo de creche foi criado, não pelo poder público, mas exclusivamente por organizações filantrópicas. Se, por um lado, os programas de baixo custo, voltados para o atendimento às crianças pobres, surgiam no sentido de atender às mães trabalhadoras que não tinham onde deixar seus filhos, a criação dos jardins de infância foi defendida, por alguns setores da sociedade, por acreditarem que os mesmos trariam vantagens para o desenvolvimento infantil. As tendências que acompanharam a implantação de creches e jardins de infância, no final do século XIX e durante as primeiras décadas do século XX no Brasil, foram: a jurídico-policial, que defendia a infância moralmente abandonada, a médico-higienista e a religiosa, ambas tinham a intenção de combater o alto índice de mortalidade infantil tanto no interior da família como nas instituições de atendimento à infância. Devido a muitos fatores, como o processo de implantação da industrialização no país, a inserção da mão-de-obra feminina no mercado de trabalho e a chegada dos imigrantes europeus no Brasil, os movimentos operários ganharam força. Eles começaram a se organizar nos centros urbanos mais industrializados e reivindicavam melhores condições de trabalho; dentre estas, a criação de instituições de educação e cuidados para seus filhos. Os donos das fábricas, por seu lado, procurando diminuir a força dos movimentos operários, foram concedendo certos benefícios sociais e propondo novas formas de disciplinar seus trabalhadores. Eles buscavam o controle do comportamento dos operários, dentro e fora da fábrica. Para tanto, vão sendo criadas vilas operárias, clubes esportivos e também creches e escolas maternais para os filhos dos operários. 10 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O fato dos filhos das operárias estarem sendo atendidos em creches, escolas maternais e jardins de infância, montadas pelas fábricas, passou a ser reconhecido por alguns empresários como vantajoso, pois mais satisfeitas, as mães operárias produziam melhor. Consoante os avanços das décadas novas conquistas foram alcançadas, notadamente a partir dos movimentos feministas ocorridos nos Estados Unidos, onde o significado das instituições de atendimento à criança passou por uma nova reformulação do enfoque, defendendo a ideia de que tanto as creches como as pré-escolas deveriam atender a todas as mulheres, independentemente de sua necessidade de trabalho ou condição econômica. Podemos verificar aqui que as demandas sociais ensejavam igualmente uma nova perspectiva de Políticas Públicas de Educação. O resultado desse movimento culminou no aumento do número de instituições mantidas e geridas pelo poder público. Considera-se, portanto, a educação como promotora da melhoria social, o que é uma maneira de esconder os reais problemas da sociedade e de evitar a discussão dos aspectos políticos e econômicos mais complexos. A proposta que ressurge, de elaborar programas de educação pré-escolar a fim de transformar a sociedade no futuro, é uma forma de culpar o passado pela situação de hoje e de focalizar no futuro quaisquer possibilidades de mudança. Assim, fica isento de realizar no presente ações ou transformações significativas que visem a atender às necessidades sociais atuais. Enquanto as instituições públicas atendiam às crianças das camadas mais populares, as propostas dos particulares, de cunho pedagógico, funcionavam em meio turno, dando ênfase à socialização e à preparação para o ensino regular. Nota-se que as crianças das diferentes classes sociais eram submetidas a contextos de desenvolvimento diferentes, já que, enquanto as crianças das classes menos 11 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância favorecidas eram atendidas com propostas de trabalho que partiam de uma ideia de carência e deficiência, as crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma educação que privilegiava a criatividade e a sociabilidade infantil. Com a preocupação de atendimento a todas as crianças, independente da sua classe social, iniciou-se um processo de regulamentação desse trabalho no âmbito da legislação. Tratando especificamente sobre a legislação infantil verifica-se que até meados do final dos anos setenta, pouco se fez em termos de legislação que garantisse a oferta desse nível de ensino. Já na década de oitenta, diferentes setores da sociedade, como organizações não- governamentais, pesquisadores na área da infância, comunidade acadêmica, população civil e outros, uniram forças com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobre o direito da criança a uma educação de qualidade desde o nascimento. Não podemos olvidar que foi somente com a Constituição Federal de 1988 que a criança tece garantido o seu direito à educação nas mais legislações. Assim, foi possível sensibilizar a maioria dos parlamentares e assegurar na Constituição brasileira o direito da criança à educação. A pressão desses movimentos na Assembleia Constituinte possibilitou a inclusão da creche e da pré-escola no sistema educativo ao inserir, na Constituição Federal de 1988, em seu em seu artigo 208, o inciso IV o que segue: “[...] O dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”. A partir dessa Lei, as creches, anteriormente vinculadas à área de assistência social, passaram a ser de responsabilidade da educação. Tomou-se por orientação o princípio de que essas instituições não apenas cuidam das crianças, mas devem, prioritariamente, desenvolver um trabalho educacional. 12 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A Constituição representa uma valiosa contribuição na garantia de nossos direitos, visto que, por ser fruto de um grande movimento de discussão e participação da população civil e poder público positivou1 o direito à educação, outrora elevado apenas à categoria de uma vertente dos direito humanos à categoria de direito e garantia fundamental. Na realidade, foi somente com a Constituição que a criança de zero a seis anos foi concebida como sujeito de direitos. Dois anos após a aprovação da Constituição Federal de 1988, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, que,ao regulamentar o art. 227 da Constituição Federal, inseriu as crianças no mundo dos direitos humanos. De acordo com seu artigo 3º, a criança e ao adolescente devem ter assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, para que seja possível, desse modo, ter acesso às oportunidades de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. O ECA, cujo teor voltado à educação será objeto de estudo adiante, estabeleceu um sistema de elaboração e fiscalização de políticas públicas voltadas para a infância, tentando com isso impedir desmandos, desvios de verbas e violações dos direitos das crianças. Serviu ainda como base para a construção de uma nova forma de olhar a criança: uma criança com direito de ser criança. Conduto, não significa dizer que são atores do próprio desenvolvimento. Nos anos seguintes à aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, entre os anos de 1994 a 1996, foi publicado pelo Ministério da Educação uma série de documentos importantes intitulados: “Política Nacional de Educação Infantil”. Tais documentos estabeleceram as diretrizes pedagógicas e de recursos humanos com o objetivo de expandir a oferta de vagas e promover a melhoria da qualidade de atendimento nesse nível de ensino. 1 Pos i t i vação no l ingua jar ju r íd ico cons is te na prev i são expressa de a lgum ins t i tu to ou d i re i to prev is to na leg is lação. 13 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Esses documentos foram importantes no sentido de garantir melhores possibilidades de organização do trabalho dos professores no interior dessas instituições. Além da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, destaca-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, que, ao tratar da composição dos níveis escolares, inseriu a educação infantil como primeira etapa da Educação Básica. Essa Lei define que a finalidade da educação infantil é promover o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, complementando a ação da família e da comunidade. De acordo com o Ministério da Educação, o tratamento dos vários aspectos como dimensões do desenvolvimento e não áreas separadas foi fundamental. Desse modo, verifica-se um grande avanço no que diz respeito aos direitos da criança pequena, uma vez que a educação infantil, além de ser considerada a primeira etapa da Educação Básica, embora não obrigatória, é um direito da criança e tem o objetivo de proporcionar condições adequadas para o desenvolvimento do bem-estar infantil, como o desenvolvimento físico, motor, emocional, social, intelectual e a ampliação de suas experiências. Diante dessa nova perspectiva, três importantes objetivos devem necessariamente consubstanciar essa nova modalidade educacional: • Objetivo Social: associado à questão da mulher enquanto participante da vida social, econômica, cultural e política; • Objetivo Educativo: organizado para promover a construção de novos conhecimentos e habilidades da criança; • Objetivo Político: associado à formação da cidadania infantil, em que, por meio deste, a criança tem o direito de falar e de ouvir, de colaborar e de respeitar e ser respeitada pelos outros. Importante destacar que, apesar do avanço da legislação no que diz respeito ao reconhecimento da criança à educação nos seus primeiros anos de vida, também é importante considerar os inúmeros desafios impostos para o efetivo atendimento desse 14 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância direito, que podem ser resumidos em duas grandes questões: a de acesso e a da qualidade do atendimento. Quanto ao acesso, mesmo tendo havido nas últimas décadas uma significativa expansão do atendimento, a entrada da criança na creche ainda deixa a desejar, em especial porque as crianças de famílias de baixa renda estão tendo menores oportunidades que as de nível socioeconômico mais elevado. A busca da qualidade envolve outras questões complexas essa autora, como o projeto educativo das instituições, formação e valorização do professor e recursos financeiros destinados a essa faixa etária, sendo necessário, contudo, garantir que esses recursos sejam efetivamente empregados nesse nível de ensino. Para que essa finalidade seja cumprida no âmbito da legislação, foi aprovada, no ano de 2001, a Lei nº 10.172/2001 – Plano Nacional de Educação, que teve por objetivo principal estabelecer as metas para todos os níveis de ensino, cuja vigência se estendeu até o ano de 2010. Um dos objetivos desse documento foi reduzir as desigualdades sociais e regionais no que diz respeito à entrada e à permanência da criança e do adolescente no ensino público, princípio que se aplica à educação infantil, visto ser a desigualdade de acesso bastante significativa nas classes menos favorecidas. Esta lei estabeleceu originalmente para a educação infantil vinte e seis metas para serem alcançadas no decorrer dos seus anos de vigência, dentre elas aquelas destinadas a questões fundamentais de concretização de todas as demais metas, qual seja, a oferta e o atendimento à educação infantil. A primeira meta trata da ampliação crianças de zero a seis de idade, dificilmente será alcançada, haja vista que a elevação do número de vagas exige um investimento financeiro bastante elevado para esse nível de ensino. Como uma das prioridades do PNE é a extensão da escolaridade obrigatória para crianças de seis anos de idade, incluindo-as nos anos iniciais do ensino fundamental, 15 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância provavelmente, diminuirá o número de crianças frequentando a educação infantil; fator que poderá minimizar o impacto de demanda desse nível de ensino. A segunda meta que destacamos propõe a oferta e o atendimento com qualidade que embora não haja dúvida de que o cumprimento só trará benefícios às crianças, o problema é que a meta que prevê a adoção progressiva do atendimento em tempo integral inviabiliza tal atendimento. A terceira meta que destacamos propõe a realização de estudos sobre o custo da educação infantil, com o intuito de melhorar a qualidade do atendimento desse nível de ensino para se atingir essa meta. Assim necessário se faz, primeiramente, definir quais são os parâmetros de qualidade que devem primordialmente ser primordialmente atingido primeiro. No que se refere à questão da oferta e atendimento desse nível de ensino entendo que por mais esforço do legislador e do executivo em buscar está efetivação, fato é que assevera dificilmente serão alcançadas num futuro próximo, eis que desde o início de vigência do PNE inúmeros documento, são os pontos mesmo considerando a colaboração das diversas esferas do Poder a serem trabalhados, notadamente na educação infantil. Em consonância com a legislação vigente e o processo histórico que acompanhou a trajetória das instituições de atendimento à infância, seja a creche ou a pré-escola, o Ministério da Educação, tomando por base seus documentos de 1994 e 1995, já citados anteriormente, definiu o ano de 2006 como o ano da Política Nacional de Educação Infantil, com suas diretrizes, objetivos, metas e estratégias para esse nível de ensino recomendando que a prática pedagógica considera os saberes produzidos no cotidiano por todos os sujeitos envolvidos no processo. Imperiosa é a necessidade que Estados e municípios elaboremou adéquem seus planos de educação em consonância com a Política Nacional de Educação Infantil, que as instituições de educação infantil ofereçam, no mínimo, quatro horas diárias de atendimento educacional, ampliando progressivamente para tempo integral, considerando a demanda real e as características da comunidade atendida nos seus aspectos socioeconômicos. 16 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Não podemos deixar de destacar os profissionais que trabalham com essa faixa etária, é importante ressaltar que, em função das novas exigências previstas na Lei, faz-se necessário uma formação inicial sólida e constante atualização em serviço. Na realidade, a formação do professor que é desenvolvida no interior das universidades se organiza em campos disciplinares, criando-se a equivocada tradição de priorizar determinados campos de conhecimento em detrimento de outros. Destacamos ainda que, embora a chamada formação continuada não deva se caracterizar como algo eventual, nem apenas um instrumento que se usa para suprir deficiências teóricas e práticas de uma formação acadêmica malfeita, é importante que esse profissional busque a capacitação em serviço e a atualização constante, aprofundando as experiências científicas e cotidianas que está vivendo e as vividas anteriormente. É importante que, ao longo da carreira do magistério, o professor possa frequentar não só os cursos de atualização, grupos de estudos ligados ao fazer pedagógico na sala de aula, mas, sobretudo, estar atento às questões políticas, sociais e econômicas, acompanhando as transformações da sociedade como um todo. A alta rotatividade no emprego, a falta de opção em relação a outros serviços, a baixa assiduidade e as características individuais de personalidade da cada profissional também interferem nesse processo. Assim sendo, a partir deste breve apanhado legislativo, podemos afirmar que embora dos inegáveis avanços no tratamento da educação e na efetivação deste direito constitucionalmente assegura, fato é que em termos de políticas públicas educacional estamos muito aquém do desejável segundo alguns fatores que destacamos, que ainda estão distantes das metas estabelecidas pela própria PNE. 17 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. A EDUCAÇÃO NACIONAL. ORGANIZAÇÃO FEDERATIVA NA EDUCAÇÃO E O DESAFIO DO REGIME DE COLABORAÇÃO. Nas aulas que antecederam a esta, muito tratamos do histórico e evolução da educação, destacando o tratamento legislativo dispensado. Tivemos a oportunidade de verificar também que o direito à educação consiste em um desdobramento dos Direitos Humanos e a partir da positivação constitucional é elevado ao patamar de direito e garantia fundamental. Com efeito, bem ou mal, as aspirações sociais demandaram do Estado a atenção básica a esta premissa, de modo que desde a Constituição Imperial temos assegurado direitos de natureza educacional, quando em seu artigo 179 instituía que a instrução primária fosse gratuita para todos os cidadãos, nunca se dissociando dos motivos que ensejaram esta previsão constitucional como vimos na aula 1. Vimos também, e servimos da repetição para contextualizar a nossa presente aula que a Constituição Federal de 1988 adotou a educação como um direito social em seu artigo 6º, bem como a regulamentou em um capítulo próprio (Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto), previsto expressamente no Título VIII- Da Ordem Social. Como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a Constituição elencou o princípio da solidariedade ao determinar a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, assim como deve ser incentivada com a colaboração da sociedade. Além da previsão geral do art. 6º da Constituição, que consagra o direito à educação como direito de todos e dever do Estado, o texto constitucional detalhou seu conteúdo mínimo, nos art. 205 a 214. Nesse sentido, estabeleceu uma série de princípios norteadores da atividade do Estado com vistas a efetivar esse direito, tais como a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, assim como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógica e a autonomia universitária. 18 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O princípio da igualdade de condição para o acesso e permanência na escola reflete a interação que o texto constitucional objetivo em reduzir as desigualdades sociais e regionais com a erradicação da marginalização e da pobreza. Para isso, é assegurado constitucionalmente o ensino obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais, tendo por base a garantia de um ensino de qualidade para uma educação mais digna e democrática. Entretanto, a Constituição também definiu o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. Trata-se de uma liberdade facultativa para os pais ou responsáveis dos menores educandos no que tange à escolha do seu ensino e da sua aprendizagem. O direito a educação é um direito público subjetivo. Dessa forma, obriga o Estado a presta-lo de forma eficiente, universal e progressiva. O seu não oferecimento ou a sua prestação de forma irregular incorre na responsabilidade estatal, conforme orientação do artigo 209, § 2º, da Constituição Federal de 1988. A educação, de acordo com o art. 205 tem por desígnio o desenvolvimento do indivíduo, a preparação para a cidadania efetiva e a sua qualificação como um profissional digno. Todavia, para que o direito educacional seja concretizado na sua forma mais justa e igualitária, é necessário que as suas diretrizes estejam determinadas e esboçadas em regulamentos normativos de devido alcance. Diante disso, em seu artigo 214, a Constituição Federal determinou a criação de um plano nacional que organizasse o sistema nacional de educação, que visasse a contribuir para a erradicação do analfabetismo, a melhoria na qualidade do ensino, a profissionalização e dentre outras diretrizes educacionais. Hodiernamente o Plano Nacional de Educação tem fundamento no artigo 214 da Constituição Federal de 1988, com redação determinada pela Emenda Constitucional nº 59/2009. Reza o dispositivo constitucional que lei definirá o plano nacional de educação, de duração decenal, tendo por objetivo a organização do sistema nacional de educação para 19 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância definir diretrizes e metas que assegurem o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e modalidades federal, estadual e municipal. Também como já mencionamos alhures, no ano de 2001 foi publicada a Lei nº 10.172/01 que estabelece normas gerais a respeito do Plano Nacional de Educação. Com a vigência da lei em território nacional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem elaborar planos decenais que tenham por objetivos as metas traçadas pelo PNE. O mecanismo que acompanha e fiscaliza estas diretrizes é de competência da União através do Sistema Nacional de Avaliação, como determina o art. 4º da mencionada lei. O Plano Nacional de Educação com fulcro no artigo 214 da Constituição tem por objetivos “a erradicação do analfabetismo, a melhoria da qualidade de ensino, a formação para o trabalho, a promoção humanística, científica e tecnológica do País, a universalização do atendimento escolar e o estabelecimento de meta de aplicação de recursospúblicos em educação como proporção para o produto interno bruto”. De acordo com o texto constitucional, em seu artigo 212, a receita oriunda de impostos será aplicada para o desenvolvimento e a manutenção da educação. A União aplicará anualmente nunca menos de dezoito por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte e cinco por cento da receita. Entretanto, o anexo da Lei do Plano Nacional de Educação reconhece a limitação dos recursos financeiros e, por essa razão a sua aplicação será de forma progressiva e em conformidade com as metas constitucionais e as necessidades sociais. Não obstante já tenhamos visto oportuno destacar que em 1996 foi instituída a Lei nº 9.394/96 que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Esta lei conceitua a educação em seu artigo 1º como o processo de formação que se aperfeiçoa na vida em família, na convivência social, no ambiente de trabalho, bem como nas 20 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância instituições de ensino e pesquisa e nas manifestações sociais e culturais. Para este conceito a educação deverá estar vinculada ao trabalho e à pratica social. A lei reforça a ideia do Constituinte ao firmar em seu artigo 2º que a educação é dever da família e do Estado. Também robustece o conteúdo dos princípios da educação nacional informados no artigo 206 da Constituição Federal de 1988, como por exemplo, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a garantia de padrão de qualidade, a gestão democrática do ensino público e a sua gratuidade. Além disso, tal dispositivo normativo detalha didaticamente as regulamentações referentes aos fins da educação, assim como dos direitos da educação e dos deveres de educar. Define as diretrizes e metas que deverão ser obrigatoriamente seguidas pelas unidades federativas, bem como a sua organização. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios formarão, na forma de colaboração, os sistemas de ensino. Compete a União organizar o sistema federal de ensino e aos Municípios incumbem prioritariamente o ensino fundamental e a educação infantil. Enquanto que aos Estados resta atuarem prioritariamente no ensino fundamental e médio. Cumpre ressaltar que as unidades federativas não atuam em cada sistema de ensino de forma exclusiva, mas sim prioritária. A Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional sistematizou de forma abrangente os níveis e as modalidades da educação e ensino destacando o tratamento dado em primazia à educação de base. Ao tratarmos, assim, do novo paradigma da educação de base, obrigatória no nas legislações pátrias, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é dever do Estado a garantia do acesso à educação básica obrigatória e gratuita para os educandos de 4 (quatro) aos 17 anos de idade. 21 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Da mesma forma, para a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, considera-se educação básica a formada pela educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. A educação infantil será gratuita para as crianças de até 5 (cinco) anos de idade e compreende a creche ou outra instituição equivalente para crianças de até 3 (três) anos de idade e a pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idades. Trata-se da primeira etapa da educação básica e tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança em conformidade com os aspectos psicológico, físico, intelectual e social. É imperiosa nesta fase a participação da família e da comunidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) reforça esta matéria quando determina que a criança e o adolescente serão asseguradas o direito ao acesso à escola pública próxima de sua residência, assim como a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio, dentre outros direitos garantidos nos artigos 53, 54 e 55 do respectivo diploma normativo cuja leitura recomenda-se. Quanto ao ensino fundamental, com alteração da Lei 11.274/06, esta modalidade de ensino passou a ter duração de 9 anos. O ensino fundamental deverá ser gratuito na escola pública e se inicia aos 6 (seis) anos de idade. Tem por objetivo, a formação básica do aluno para o fortalecimento dos vínculos em família, de solidariedade humana, para o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, bem como outros objetivos elencados no artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases. O ensino médio é reconhecido como a etapa final da educação básica e terá duração mínima de 3 (três) anos. De acordo com o artigo 36-A da LDB, este ensino poderá preparar o educando para a habilitação profissional técnica e poderá ser articulada com o ensino médio ou após a sua conclusão. Em conformidade com o artigo 208 do diploma constitucional, a educação de base será oferecida também àqueles que não tiveram acesso na idade apropriada. O dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação 22 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Nacional que detalhou a educação de jovens e adultos que não tiveram oportunidade em concluir os estudos. Para tanto, o Poder Público deverá viabilizar a permanência do trabalhador na educação escolarizada, a qual deverá articulá-la preferencialmente com a educação profissional, com a consequente escolha de optarem por cursos supletivos de conclusão do ensino de base. Para a efetivação do direito à educação, destaca-se na Lei de Diretrizes e Bases que na hipótese de omissão do Poder Público, ou na oferta irregular do ensino é possível mover o Poder Judiciário para concretizar o direito à educação digna e de qualidade. Fato é que ao analisarmos a organização federativa no Brasil, vimos eu cada ente da federação, União, Estados e Municípios possui sua atribuição e papel na concretização do direito a educação, a priorizar determinadas modalidades, mas sem excluir a atuação conjunta de todos os entes. A prática nos mostra que não obstante a dedicação da legislação em regulamentar o direito à educação e sua efetivação, por vezes encontramos significativos déficits na atuação estatal sob a desculpa da falta de recursos, não obstante a educação possua mecanismos próprios de financiamento e gestão de recursos, que será objeto de análise na nossa terceira semana de aulas. Ao tratarmos da organização federativa da educação no que tange a política de educação, pode-se dizer que o art. 23 da Constituição Federal, ao estabelecer a educação como competência comum, cuja efetivação se dá como tarefa de todos os entes federativos, pressupõe a existência de um modelo de sistema federativo de políticas públicas, o que se agrega ao estabelecimento do Regime de Colaboração conforme prescrito no artigo 211, ao determinar que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão seus sistemas de ensino de forma colaborativa. O objetivo do Regime de Colaboração é articular os entes federativos nas várias ações educacionais que lhes cabem, devido ao caráter intergovernamental da política e a existência de redes duais, particularmente no ensino fundamental. 23 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Cabe ressaltar que a ideia de Regime de Colaboração foi utilizada somente nas regras relativas à área de educação. Dessa forma, seria necessária a cooperação entre os mais diversos níveis de governo para evitar ações descoordenadas capazesde causar efeitos adversos na qualidade da política. Na redação original do artigo 211 antes da emenda constitucional n. 59, as atribuições dos entes se davam da seguinte maneira: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em Regime de Colaboração seus sistemas de ensino. § 1o A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. § 2o Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar. Ocorre que a implementação desse modelo educacional não ocorreu como o planejado, principalmente no que diz respeito a municipalização do ensino. Os resultados apresentaram fragilidades, devido, principalmente, à falta de um modelo intergovernamental que organizasse o processo de descentralização na área da educação. Não havia critérios claros de repasse de funções, incentivos financeiros, gerenciais ou de democratização que guiassem a relação entre os níveis de governo, e sua necessária colaboração. Neste contexto, um dos problemas foi a ausência de uma definição clara do que viria a ser o Regime de Colaboração e como este seria implementado com o propósito de criar parâmetros nacionais e combater desigualdades. A noção de colaboração e de federalismo cooperativo proposto para a área educacional, ainda que com seus limites e condicionantes, veio a ser reforçada e melhor esclarecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), principal legislação educacional brasileira, aprovada em 1996 e amparada pela Emenda Constitucional n°14 de 1996. 24 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A LDB de 1996 regulamenta o sistema educacional do Brasil, da educação básica ao ensino superior, seja ele público ou privado. Aprovada em 20 de dezembro de 1996, ela lançou as bases do Regime de Colaboração, por meio de um maior esclarecimento da distribuição de competências à União, aos estados e municípios, atribuindo responsabilidades específicas para com os níveis de ensino. Na sequência da aprovação da LDB, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 14/1996. Com esta, o artigo 211 ganhou contornos mais bem definidos no que tange as responsabilidades de cada ente no Regime de Colaboração. Um ponto a ser ressaltado, é que naquele contexto, apesar do avanço na definição de responsabilidades, as ausências de normas para a cooperação suficientemente regulamentadas ainda deixavam lacunas de articulação federativa, o que poderiam resultar, e efetivamente resultavam, em descontinuidade de políticas, desarticulação de programas, insuficiência de recursos, entre outros problemas que são históricos no Brasil. Essas lacunas são mais visíveis no campo da educação básica em função da obrigatoriedade e da consequente necessidade de universalização. Conforme vimos alhures abordado o sistema federativo de políticas públicas supõe a ideia de um modelo em que a União exerce um papel coordenador, com a promoção de uma articulação federativa nacional, sem ignorar a autonomia dos governos de outras esferas. Notamos que a própria legislação, tanto na Constituição Federal de 1988 quanto na LDB de 1996, supõe a existência desse modelo de sistema federativo de políticas públicas ao propor a definição do papel da União como condutor das diretrizes e normas nacionais, ao que se soma a sua função redistributiva e supletiva. Dessa forma, apesar da necessidade da criação de outras normas para a cooperação, a Constituição Federal de 1988 organizou um modelo de federalismo cooperativo proposto para a área educacional que veio a ser reforçado pela LDB de 1996. 25 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Nesse modelo, a divisão de competências mais descentralizadas na execução dos serviços, com um peso importante aos municípios, somada à definição de um papel importante da União de produzir diretrizes e normas nacionais completavam-se com as noções de Regime de Colaboração e de competência comum. Cabe aos gestores escolares, leia-se aqui professores, agentes políticos e sociedade, a tarefa de conjecturar o Regime de Colaboração para que as políticas públicas de educação nos mais diversos entes da federação em relação às suas respectivas competências. 26 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. EDUCAÇÃO INFANTIL. ASPECTOS LEGAIS E TRATAMENTO LEGISLATIVO NO BRASIL. Nesta aula, passaremos a rever os estudos sobre a história e a política educacional brasileira para as crianças na faixa etária de 0 a 6 anos com o intuito de analisar a situação da Educação Infantil no Brasil e compreender quais as concepções de atendimento educacional para essa faixa etária, como se configuram os modelos de educação que articulam, explicitamente ou não, valores, teorias e práticas. Nas últimas décadas, vários estudos foram realizados sobre a história do atendimento a crianças de 0 a 6 anos permitindo vislumbrar um quadro de análise desse segmento educacional. O atendimento a crianças de 0 a 6 anos no Brasil passou a ser denominado de Educação Infantil a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Na lei determinou-se que a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, passando, desde então, a integrar o sistema de ensino brasileiro. Embora a LDB date de 1996, o status de serviço educacional de direito da criança brasileira foi adquirido quase uma década antes, com a promulgação da Constituição Federal e reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990), consoante já analisamos nas aulas que antecederam. A elaboração das leis aqui referidas é resultado de intensa mobilização nacional que aglutinou diversos segmentos sociais organizados em entidades de pesquisa, de representação de trabalhadores, grupos de mulheres e outros grupos do movimento social comprometidos com a defesa dos direitos das crianças. Especificamente em relação a história da Educação Infantil, esta é marcada por disputas, consensos e rupturas ideológicas de grupos e seus interesses. 27 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Como toda a história da humanidade, a história da educação não se configura como uma ordem progressiva em que fatos se sucedem, onde cada acontecimento é um avanço em relação ao anterior. O nosso presente se configura, assim, como um momento histórico que resulta dos embates travados nesse percurso. Embora em determinados momentos possa predominar um modelo ou ideia, não significa que, necessariamente, outras concepções tenham sido extintas. Particularmente, no caso da história da Educação Infantil, no Brasil, as múltiplas feições presentes nas formas de atendimento à infância dizem respeito à relação existente entre essa história específica e a da sociedade. Uma breve análise de nossa história revela que somos uma sociedade que tem, desde sua origem – período da colonização –, a marca da divisão social. Fato é que a evolução sobre o tema da educação aponta que é preciso criar igualdade de condições para a expressão das singularidades. Tópico de igual relevância referente à luta pelo respeito aos direitos das crianças, tem sido desenvolvidopor segmentos sociais organizados e envolvidos com o objetivo de promover ações que visem consolidar as experiências e os conhecimentos produzidos nessa diversidade. Tais esforços foram intensificados nos anos 90 quando, através da Coordenação Geral de Educação Infantil – COEDI/MEC, produziu-se uma série de estudos e discussões com o objetivo de elaborar uma política nacional de Educação Infantil. Desde então, um ponto amplamente debatido e afirmado é a necessidade de se prever condições e tempo nesse período de transição, o que foi contemplado na LDB/96 (título Das Disposições Transitórias, artigo 89) e no Parecer do Conselho Nacional de Educação – CNE (no. 04/2000, Câmara de Educação Básica). 28 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O processo de transição visa consolidar as condições para firmar a Educação Infantil como etapa inicial da Educação Básica e, portanto, um direito inalienável de cidadania e dever do Estado. Direito esse que faz parte de um conjunto de direitos das crianças garantidos por instrumentos legais e citados no Parecer no. 04/2000 da Câmara de Educação Básica (CEB/CNE) que define as Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil. No referido Parecer é reafirmado o direito à educação das crianças de 0 a 6 anos e a especificidade da Educação Infantil pelo fato de suas ações envolverem o binômio “cuidar e educar”, que deve ser tratado de forma indissociável, levando em conta as necessidades e interesses das crianças. Fica assim marcada a necessidade de se definir uma identidade para a Educação Infantil, onde, os professores tenham um papel central. A consolidação de qualquer proposta pedagógica só se dá na prática, isto é, quando realizada por professores que se identificam e se assumem como autores do conjunto das ideias proclamadas. Neste mister merece destaque o papel do professor de Educação Infantil sendo de conhecimento amplo deu que existe uma relação entre o perfil profissional do professor e a qualidade do trabalho desenvolvido. A formação profissional é o fator de maior impacto na melhoria de qualidade do atendimento educacional. Daí a tendência que se observa, tanto no âmbito nacional como internacional, de mudanças nos critérios de formação, visando a ampliação dos anos de escolarização dos profissionais que atuam na educação de crianças pequenas. No Brasil, tanto no plano legal como no plano da ação cotidiana, estão postas várias e novas exigências. Afirma-se a necessidade de profissionais capazes de implementar uma educação comprometida com princípios éticos, políticos e estéticos, visando práticas de educação e cuidados, que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível. 29 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Tais exigências remetem à discussão sobre qual a abrangência e função da formação, não só a prévia, mas também, a formação continuada para esses profissionais – observando estarem ambas previstas na LDB/96. Promover uma educação com tais princípios e finalidades requer tratar os professores segundo o mesmo ideário. Isto é, deve-se reconhecer os professores como sujeitos de direito, em especial o direito à cultura – tanto no sentido de ter acesso aos conhecimentos e valores já produzidos socialmente, mas também, poder elaborar e expressar aquilo que produz afirmando-se como sujeito histórico-cultural. O perfil do professor de Educação Infantil, nessa perspectiva, envolve aspectos relacionados a diferentes dimensões, não se restringindo ao acesso a conceitos científicos e procedimentos metodológicos. Os saberes e fazeres pedagógicos devem estar fundados em princípios éticos, políticos e estéticos, contemplando as esferas da razão, da emoção, do orgânico, num contexto histórico-cultural. Um outro fator relevante, nesse processo de integração ao sistema de ensino, se refere à necessidade de considerar os aspectos da Educação Infantil que se assemelham e se diferenciam dos demais segmentos educacionais. Em comum entre os níveis de ensino da educação básica, temos os seguintes pontos: a oferta de atendimento como dever do Estado – Constituição Federal, artigo 208; além da oferta, a responsabilidade pela regulamentação e supervisão é dos órgãos educacionais – Ministério, Secretarias e Conselhos Municipais e Estaduais de Educação – artigos 9, 10 e 11 da LDB/96. Essas características implicam na subordinação da Educação Infantil, junto com o ensino fundamental, médio e superior, à estrutura do sistema de ensino. É inegável que a integração ao sistema de ensino é resultado de uma conquista. Entretanto, é preciso rever algumas práticas instituídas ao longo da trajetória da Educação Infantil que expressam concepções contrárias aos princípios atualmente proclamados. 30 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Uma dessas práticas a ser superada é a que concebe a educação destinada às crianças de quatro a seis anos como um espaço e tempo de preparo para a o segmento subsequente. A prática que visa a preparação para a escolaridade posterior foi difundida no Brasil, a partir dos anos 70, como política de educação compensatória. No Brasil, os Jardins de Infância e as pré-escolas – em geral destinados às crianças a partir dos três anos aproximadamente –, se organizaram vinculados à escola primária. Essa vinculação resultou em práticas que têm se confundido ou se subordinado à escolaridade posterior, hoje, o ensino fundamental. Este fato exige discussão que explicite a função da Educação Infantil, estabelecendo aquilo que a aproxima do Ensino Fundamental, mas também, o que a distingue. As diferenças entre os dois segmentos estão expressas nos seguintes textos legais: LDB/96, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil DCNEI (CNE), e Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil (Parecer 04/00 – CEB/CNE). Na LDB, no primeiro artigo para a Educação Infantil, está defino que este segmento educacional tem como sua finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (artigo 29); já para o Ensino Fundamental, está definido que este terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I. O desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II. A compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III. O desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV. O fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social (artigo 32). 31 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A diferença expressa a preocupação em garantir à Educação Infantil a função de promover o desenvolvimento integral em seus diversos aspectos, enquanto que para o Ensino Fundamental, a função é de garantir o desenvolvimento de aprendizagens específicas, com domínio de determinados conhecimentos, habilidades e atitudes. Essa preocupação se reflete também nos artigos quefazem referência à avaliação. Na Educação Infantil fica resguardado o sentido de acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem objetivo de promoção para o acesso ao ensino fundamental (artigo 31). Os dois segmentos têm como ponto em comum estarem submetidos às regras gerais do sistema de ensino, e ainda, integrarem a Educação Básica. Entretanto, do ponto de vista legal, a Educação Infantil se diferencia do Ensino Fundamental por não haver obrigatoriedade de matrícula e frequência por parte da criança. A forma como a Educação Infantil ficou expressa na legislação garante o caráter opcional à criança e às famílias. A educação obrigatória continua sendo a partir dos sete anos, agora período denominado de ensino fundamental – é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental (Artigo 6º da LDB/96). O caráter opcional da Educação Infantil, associado a não exigência de domínio de conhecimentos e habilidades específicas, permite maior flexibilidade nas formas de organização das instituições e nas propostas para esse segmento. Essa flexibilidade é expressa ao término da Educação Infantil, quando as crianças não são obrigadas a dominar nenhum tipo de conhecimento estabelecido em currículo e a avaliação da criança tem como objetivo apenas acompanhar o desenvolvimento, sem objetivo de promoção para etapas seguintes. Sendo assim, a Educação Infantil não é extensão e nem antecipação do Ensino Fundamental, mas integra com este o sistema do ensino, tornando uma necessidade investir em ações que de fato promovam tal integração. Nesse processo de integração da Educação Infantil ao sistema de ensino, particularmente no que se refere às creches, um ponto delicado se refere ao risco de se 32 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância tender a enquadrá-las à estrutura escolar existente. Os problemas estão relacionados à especificidade da Educação Infantil que envolve o educar e cuidar. Na Educação Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental - artigo 31 da LDB/96, buscam articular educação e cuidado se fundamentam na análise de que os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança em seus primeiros anos de vida são propiciados justamente nas situações em que se dão as atividades de cuidado. Os atos de limpá-la, alimentá-la e aconchegá-la funcionam como canais de comunicação entre a criança e os adultos, ou crianças maiores. São formas de responder às necessidades, se constituindo em situações que contribuem para a formação da subjetividade em desenvolvimento, da autonomia e compreensão do mundo. Entretanto, a questão do cuidado tem encontrado resistência no espaço escolar formal, uma vez que a escola – de ensino fundamental e médio – tem seu trabalho focado nas disciplinas e no conhecimento voltado para a informação e instrução. A abordagem do conhecimento é feita numa perspectiva desvinculada dos fazeres, das práticas sociais, do mundo, do dia-a-dia e do trabalho. Essa concepção também tem marcado algumas práticas para a Educação Infantil, transparecendo na organização do trabalho e na atuação de seus profissionais. Muitas vezes, o trabalho das creches e, principalmente, das pré-escolas, se espelham no Ensino Fundamental onde a relação ensino-aprendizagem está centrada nos aspectos cognitivos, relegando a segundo plano os demais aspectos, especialmente aqueles relacionados aos afetos e aos cuidados físicos. Nas concepções e práticas pedagógicas têm predominado ideias que tratam a cognição, a emoção e o corpo orgânico como instâncias separadas e independentes; sendo que à cognição é dado status superior. 33 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Há ainda um outro estigma em relação às atividades de cuidado. No Brasil, as ações assistenciais são encaradas como caridade e filantropia e, portanto, não se destinam a todos. Entretanto, o crescimento quantitativo registrado nos últimos anos, muitas vezes, se fez comprometido do ponto de vista qualitativo. Tanto nas propostas de atendimento das chamadas soluções alternativas que se traduzem em improvisações de espaços e pessoas para o serviço, as tais “soluções” pobres; como, também, nas propostas caracterizadas como arremedos da escola de ensino fundamental, muitas vezes inadequadas até para crianças de mais de 6 anos, tais como: confinamento por longos períodos em salas, predomínio quase absoluto de atividades dirigidas e de cunho intelectual e cognitiva, ênfase na transmissão de conteúdo das disciplinas escolares. Um estudo realizado pela COEDI/MEC, diagnosticou algumas questões a saber. A primeira diz respeito à excessiva escolarização do atendimento na Educação Infantil, com organização de espaços, atividades e equipamentos pouco adequados à faixa etária, incluindo-se o uso de carteiras próprias para crianças maiores, enfileiradas como no ensino tradicional. A segunda diz respeito à permanência de crianças maiores de seis anos nas classes de pré-escola, vistas assim como preparatória para o ensino fundamental e responsável pela alfabetização o que traz para a Educação Infantil o maior incômodo do primeiro grau a possibilidade de repetência. Há urgência em superar esses modelos, presentes nas práticas docentes e políticas educacionais, o que exige a construção de uma identidade específica para a Educação Infantil que tenha por princípio tomar a criança como sujeito de direito. Um elemento a ser considerado para a afirmação da identidade desse segmento educacional é o reconhecimento do direito da criança e da família, junto com a obrigação/dever do Estado em oferecer atendimento educacional em creches e pré-escolas conforme preconiza a Constituição Federal de 1988. 34 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Antes da Constituição, os critérios existentes que regiam o funcionamento de creches eram determinados pelos órgãos vinculados ao Trabalho, à Saúde e à Assistência (Ministérios e Secretarias Estaduais e Municipais). Com relação a pré-escola – crianças na faixa de 4 a 6 anos, ou mesmo crianças menores, mas em atendimentos de meio período (maternal, jardim e prezinho) –, o vínculo já se dava na esfera da Educação desde sua origem. A oferta de dois tipos de instituição – creche e pré-escola – foi organizada em duas esferas distintas. Um tipo de instituição, tradicionalmente denominada de creche, ficou vinculado à assistência, tendo como foco atender às necessidades de guarda de crianças independente da faixa etária (de 0 a 6 anos). Os primeiros jardins de infância públicos datam do final do século XIX, porém até bem pouco tempo, não estavam garantidos na legislação educacional. Embora a educação pré-escolar já constasse nos termos das duas LDB anteriores (Leis ns.4024/61 e 5692/71), não se fazia qualquer menção às questões de direitos das crianças ou de dever do Estado em ofertá-la, bem como, do horário de funcionamento (integral ou em turnos); sendo um serviço majoritariamente voltado para as classes populares. Já a pré-escola e classes de alfabetização – e similares: pré-primário, jardim-escola, classe preparatória, etc. – tiveram, desde sua origem, seu atendimento feito pela rede educacional, pública ou privada. Esse tipo de instituição foi destinado à classe média e à elite.Assim, para superar a separação creche e pré-escola se faz necessário também romper como os processos discriminatórios e excludentes que ocorrem via Educação Infantil. A LDB/96 proporciona base legal nesse sentido. No termo da lei, a creche e a pré- escola passaram a fazer parte de um mesmo segmento educacional. Ambas estão subordinadas a mesma esfera, Educação; a diferenciação está relacionada à faixa etária das crianças e não mais sua origem social. 35 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Entretanto, as conquistas obtidas no final da década de 90 estão constantemente sendo ameaçadas pelas políticas do governo federal. O momento atual conclama a uma intensa luta em defesa das conquistas obtidas até aqui para a Educação Infantil. O processo de construção da identidade desse segmento educacional está ocorrendo em condições bastante conturbadas. Mas, ao mesmo tempo, se constata o crescimento e fortalecimento desse campo através da Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Emenda Constitucional no. 14/96 e Lei no. 9424/96). Apesar do quadro político contraditório, a demanda por espaços de Educação Infantil tem ampliado as concepções e práticas destinadas à educação das crianças menores de sete anos têm afirmado a importância desse equipamento educacional em nossa sociedade. Dos modelos educacionais As tendências pedagógicas de educação para a infância têm embasado diferentes práticas educacionais destinadas às crianças pequenas, resultando em modelos educacionais. O termo modelo não se refere à ideia de modelo idealizado, mas sim, expresso nas práticas e discursos do cotidiano educacional. A análise dos modelos educacionais presentes na Educação Infantil ajuda a elucidar as práticas realizadas cotidianamente nessas instituições. As tendências pedagógicas são movimentos específicos, fundamentados numa determinada corrente do pensamento. Além disso, encontramos diversas categorizações de tendências. Os modelos educacionais ou pedagógicos referem-se a processos de mediação didática, aqueles expressos no saber-fazer do professor. 36 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância São elementos chave para a compreensão do conhecimento prático do professor que se situa na interseção entre o conteúdo disciplinar, a psicologia, a arte, a história e a filosofia. Embora a prática seja marcada pelas especificidades das situações cotidianas, entendemos que o fazer docente tem uma dimensão coletiva, vivida na relação com seus pares. O saber fazer docente, marcado pela história social da educação para a infância, tem se configurado em três modelos educacionais da Educação Infantil: o Modelo para a Socialização, o Modelo para a Instrução e o Modelo para o Desenvolvimento Integral. O primeiro modelo é expresso em propostas que enfatizam a socialização como grande função, restringido o objetivo da educação ao desenvolvimento de hábitos e habilidades psicomotoras da criança. Predomina uma concepção de criança como adulto em miniatura, ser incompleto; a visão de desenvolvimento humano é restrita à dimensão biológica, natural. Esse modelo quando oferecido para a classe média tem um enfoque educacional mais espontaneísta e um sentido de preservação da “natureza ingênua” das crianças. Mas, quando a população atendida é oriunda de camadas populares, este modelo tem um enfoque mais disciplinador, posto que a ideia de socialização é pautada em padrões de comportamento e valores das classes dominantes. Sendo assim, o Modelo Educacional para a Socialização pode ser encontrado tanto em Jardins de Infância e Escolas Maternais destinadas à classe média, como em creches filantrópicas e assistenciais voltadas para as camadas populares. O segundo modelo educacional visa a “prontidão para alfabetização e o cálculo”. Nesse modelo, o referencial está no ensino fundamental, predominando o estilo de educação tradicional. 37 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Ainda nos dias atuais, podemos observar que a prática docente, em vários níveis educacionais, apresenta características da chamada pedagogia tradicional, formulada a mais de dois séculos. A manutenção de diversos elementos da pedagogia tradicional é um fenômeno identificado em vários países. Esse modelo prioriza os conteúdos das disciplinas escolares, tratando o conhecimento como um produto pronto e passível de ser transmitido, contanto que aquele que irá recebê-lo disponha de condições para absorvê-lo, captá-lo. Daí resulta a programação de atividades específicas para treinar e preparar a criança para as “verdadeiras aprendizagens” que deverão ocorrer no ensino fundamental. Ensinar, nessa perspectiva, é ordenar e controlar as etapas de assimilação do conhecimento. As crianças no Modelo para a Instrução também são desconsideradas por serem vistas como um ser em falta, negando a possibilidade de terem um papel ativo na elaboração do conhecimento. A ênfase está na atividade do professor que tem o papel de controlar o processo de aprendizagem. Sustenta-se uma concepção de ensino como impressão de imagens propiciadas ora pela palavra do professor ora pela observação sensorial. Assim como o Modelo para a Socialização, o Modelo para a Instrução aparece tanto em instituições que atendem a crianças das classes médias como das camadas populares. Para as primeiras, a educação tem um cunho de “aceleração” da aprendizagem; para as outras, visa compensar suas “carências”. O terceiro modelo procura superar a limitação dos anteriores, é um modelo educacional que objetiva o desenvolvimento integral da criança, vista como sujeito de cultura, com características particulares e específicas desse período da vida humana, interpretadas por seu grupo social. A educação das crianças deve contemplar aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo-linguísticos e sociais da criança. 38 Legislação Educacional Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Visar o desenvolvimento integral, considerando a cultura como elemento central na compreensão e ação educativa, implica em abordar as especificidades e necessidades das crianças e suas famílias, não como algo natural, mais sim, cultural e até certo ponto, ideológico. É entender que as características específicas e as necessidades, mesmo quando biológicas, são interpretadas segundo a ótica e valores que orientam a compreensão do que é o ser humano e a formas de relacionar-se no e com o mundo. Portanto, proporcionar condições específicas para essa fase inicial da vida, visando o desenvolvimento integral da criança como sujeitos de cultura, é estar apostando na formação humana com capacidade crítica, dialógica, criadora. As práticas desenvolvidas segundo esse modelo educacional se pautam na ideia de afirmar a importância da Educação Infantil como direito das crianças. Direito a uma educação que vise seu desenvolvimento integral, que a reconheça como um ser que tem futuro, sem olvidar do presente. A análise dos Modelos Educacionais presentes na Educação Infantil visa proporcionar instrumental para compreender as ideias das professoras sobre seu fazer pedagógico no cotidiano das creches e pré-escolas. Refletir sobre como a prática docente pode contribuir para nos desfazer dos entulhos conformistas, ideias e práticas cristalizadas
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