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11 Capítulo 4 Práticas culturais e processos midiáticos Elvis Dieni Bardini As tecnologias de informação e comunicação no século XXI: a sociedade em rede A Globalização e o advento da sociedade em rede A globalização contemporânea consiste em um fenômeno impulsionado pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação que intensificaram a velocidade e o alcance da interação entre as pessoas ao redor do mundo. (GIDDENS, 2005). Com os avanços das tecnologias de informação e comunicação, houve uma profunda transformação na abrangência e na intensidade dos fluxos de comunicação. Nunca foi produzida e nem veiculada tanta informação. A capacidade de armazenamento de informação em pequenos suportes é uma realidade, assim como processadores mais poderosos funcionando em dispositivos móveis. A tecnologia a cabo tornou-se mais eficiente e menos dispendiosa, e o desenvolvimento de cabos de fibra ótica tem expandido o número de canais transmitidos. A comunicação por satélite também foi importante para a disseminação das comunicações internacionais. Hoje, há uma rede de mais de 200 satélites instalados para facilitar a transferência de informação em todo o mundo. A globalização tem reflexos na nossa vida cotidiana, mesmo que às vezes nem nos demos conta. A internet surgiu como o instrumento de comunicação que teve o maior crescimento em todos os tempos. Duas pessoas situadas em lados opostos do planeta, além de conversarem em tempo real, podem enviar documentos, fotos, imagens, tudo com a ajuda do satélite. Cada vez mais, pessoas estão conectando-se por meio dessas tecnologias, mesmo em lugares que antes eram isolados. A economia global não é mais predominantemente agrícola ou industrial, mas, cada vez mais, ganha força a atividade virtual. Essa economia é a única que tem a sua base na informação, como é o caso dos softwares de computador. 12 Capítulo 4 Esse novo contexto da economia tem sido descrito como sociedade pós-industrial, era da informação, economia da informação, revolução da microeletrônica e da informática. Algo que está relacionado a uma base crescente de consumidores, tecnologicamente aptos e que integram, em seus cotidianos, os novos avanços da computação, entretenimento e telecomunicações. Para serem mais competitivos nas condições globalizantes, os negócios e as corporações reestruturam-se a fim de ganharem flexibilidade, fazem parcerias, e a participação nas redes de distribuição globais tornou-se essencial para se fazer negócios em um mercado em constante mudança. No plano do fluxo de informações, os indivíduos estão agora mais conscientes de sua conectividade com os outros e mais propensos a se identificarem com questões e processos globais do que no passado. Como membros de uma comunidade global, as pessoas percebem cada vez mais que a responsabilidade social não para nas fronteiras nacionais, mas se estende além delas. Os desastres e as injustiças que as pessoas enfrentam do outro lado do globo não são somente infortúnios que devem ser suportados, mas motivo para ação e intervenção. (GIDDENS, 2005). Enquanto no passado os instrumentos da integração foram a caravela, o barco à vela, o barco a vapor e o trem, seguidos do telégrafo e do telefone, a globalização recente faz-se pelos satélites e pelos computadores ligados à internet. Segundo Giddens (2005), duas das mais influentes forças das recentes sociedades modernas, a tecnologia da informação e os movimentos sociais, uniram-se produzindo resultados surpreendentes. Os movimentos sociais espalhados pelo globo conseguem unir-se em imensas redes regionais e internacionais que abrangem organizações não governamentais, grupos religiosos e humanitários, associações que lutam pelos direitos humanos, defensores dos direitos de proteção ao consumidor, ativistas ambientais e outros que agem em defesa do interesse público. Essas redes eletrônicas de contatos agora têm uma capacidade, nunca vista, de reagir imediatamente aos acontecimentos, de acessar e compartilhar fontes de informação, além de pressionar corporações, governos e organismos internacionais. A internet esteve na vanguarda dessas mudanças, embora os telefones celulares, o fax e a transmissão via satélite também tenham apressado sua evolução. Ao aperto de um botão, histórias locais são disseminadas internacionalmente, recursos são compartilhados, experiências são trocadas e as ações são coordenadas em conjunto. 13 Estudos Socioculturais A habilidade de coordenar campanhas políticas internacionais é a mais inquietante para os governos e a mais estimulante para aqueles que participam dos movimentos sociais. Os movimentos sociais internacionais apresentaram um crescimento constante com a difusão da internet, por meio dos protestos a favor do cancelamento da dívida do Terceiro Mundo, das campanhas pela proibição das minas terrestres explosivas, confirmando a capacidade de unir defensores além das fronteiras nacionais e culturais. Para alguns observadores, a era da informação está produzindo uma migração do poder dos Estados-nações às novas alianças e coalizões não governamentais. Existem os movimentos on-line que visam à difusão de informações sobre corporações, políticas de governos ou efeitos de acordos internacionais, para públicos que poderiam não estar a par desses assuntos. Alguns governos, mesmo democráticos, consideram as guerras em rede uma ameaça assustadora. Um relatório do exército norte-americano afirma que: uma nova geração de revolucionários, radicais e ativistas está começando a gerar ideologias da era da informação nas quais as identidades e as lealdades do Estado-nação podem ser transferidas para o nível transnacional da sociedade global. (CASTELLS, 2055). Mídia e comunicações de massa: jornais, televisão e internet A expressão “meios de comunicação de massa” é ampla e refere-se à imprensa escrita, à televisão, ao rádio, às revistas, ao cinema, à publicidade, aos videogames e aos cds. As palavras “mídia” e “meios” podem ser usadas como sinônimo, e ambas se referem ao processo de transmissão de comunicação para uma pessoa ou grupo de pessoas, que não é feito diretamente, ou face a face, mas necessita de tecnologia para mediar na transmissão de mensagens. A palavra “massa” significa que o meio atinge muita gente. Jornais De acordo com Bryn (2006), o primeiro sistema de escrita surgiu no Egito e na Mesopotâmia há cerca de 5500 anos. Os jornais no formato moderno começaram a circular no século XVIII, e, no século XIX, a imprensa tornou-se de massa, com uma tiragem diária lida por milhares de pessoas. Os jornais representaram um avanço para a mídia moderna, pois um só veículo conseguia concentrar assuntos da atualidade, entretenimento e bens de consumo, somando-se a isso a facilidade de reprodução. Foi nos Estados Unidos que a população viu surgir o primeiro jornal impresso com preços acessíveis à boa parte de seus moradores. 14 Capítulo 4 Isso aconteceu no ano de 1830. O diário de “um centavo” foi originado em Nova York e rapidamente copiado em outras grandes cidades. No Brasil, foi somente com a chegada da família real, em 1808, que foi criada a Imprensa Régia Brasileira, e o primeiro jornal a circular foi a Gazeta do Rio de Janeiro, um órgão oficial da imprensa portuguesa. (BRYN, 2006). Durante mais de meio século, os jornais foram soberanos como principal forma de transmitir informação de maneira rápida e abrangente. A maior parte das mídias eletrônicas surgiu no século XX. O primeiro sinal de TV foi transmitido em 1925, quatorze anos depois foi criada a primeira rede de TV, nos Estados Unidos. A internet comercial é de 1991. Com o surgimento do rádio, do cinema, da televisão e da internet, os jornais diminuíram sua influência. (BRYN, 2006). É possível que a comunicaçãoeletrônica leve a uma diminuição na circulação de jornais impressos, pois as notícias estão agora disponíveis on-line e atualizadas constantemente, ou a “cada minuto”. A maior parte dos jornais de médio e grande porte tem suas versões eletrônicas, nas quais a maioria dos acessos são gratuitos, mas a quantidade de publicidade é elevada. Televisão Junto com a internet, a TV é o grande fenômeno dos meios de comunicação de massa nos últimos 50 anos. É possível que uma criança que nasça hoje passe mais tempo de sua vida, quando acordado, em frente à TV do que fazendo qualquer outra atividade. Praticamente todos os lares brasileiros têm TV e ficam ligados por mais de 5 horas diárias. O número de canais de televisão vem crescendo com os avanços na tecnologia de satélites e cabos. Com o advento da globalização, a televisão vem sofrendo mudanças importantes, fazendo com que programas de TV atinjam um nível mais global. Lugares em que o sistema de programas de televisão e o número de aparelho de TV eram baixos, como a antiga União Soviética, partes da África e da Ásia, por exemplo, nos últimos anos expandiram sua capacidade de transmissão, sobretudo, importando programas de outras redes de televisão. É bastante conhecido do público o sucesso das novelas brasileiras em países da África, por exemplo. Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas para tentar compreender os efeitos dos programas de televisão. Entre os tópicos mais pesquisados, está a forma de transmissão de notícias na TV. Como uma grande parte dos indivíduos não tem o hábito da leitura de jornais impressos, boa parte da informação sobre o que acontece no mundo é recebido por noticiários da TV. De acordo com Giddens (2005), as pesquisas mais conhecidas sobre o assunto são as desenvolvidas pelo Glasgow Media Group (Grupo de Mídia de Glasgow), da Universidade de Glasgow. 15 Estudos Socioculturais O grupo publicou uma série de livros sobre a apresentação de notícias. O primeiro é baseado na análise de noticiários, dos três canais de TV do Reino Unido da época, entre os meses de janeiro e junho do ano de 1975. Nas palavras de Giddens (2005, p. 372): O objetivo era oferecer uma análise sistemática e imparcial dos conteúdos das notícias e do modo como elas eram apresentadas. [...] Bad News conclui que as notícias sobre as relações industriais foram sempre apresentadas de maneira seletiva e tendenciosa. Termos como ‘desordem’, ‘radical’ e ‘greve inútil’ sugeriram visões anti-sindicalistas. Os efeitos das greves, provocando transtornos para o público, foram bem mais relatados que as suas causas. As imagens utilizadas faziam muitas vezes com que as atividades dos manifestantes parecessem irracionais e agressivas. [...] O livro também chamou atenção para o fato de que aqueles que constroem as notícias agem como ‘porteiros’ do que entra na agenda – em outras palavras, tudo o que o público ouve. Com um conteúdo tão controverso, esse livro foi motivo de intensos debates. Alguns pesquisadores acusaram o grupo da Universidade de Glasgow de estar sendo parcial; outra crítica afirmava que a pesquisa não era confiável, pois os cinco meses em que o grupo analisou os noticiários não foram representativos. De qualquer forma, as pesquisas foram válidas no sentido de mostrar que as notícias jornalísticas não são apenas uma ‘descrição’ de um determinado fato, mas uma interpretação. E essa interpretação sobre a realidade é a que é mostrada ao público. Internet A internet é um novo fenômeno de mídia. Não se sabe exatamente o número de pessoas que a utilizam, mas há estimativas de que mais de 100 milhões de pessoas espalhadas no mundo inteiro podem acessá-la. Seu crescimento é de aproximadamente 200% em cada ano, desde 1985. O acesso à internet é extremamente desigual tanto em termos de países, como regiões dentro do Brasil. De acordo com o mapa da inclusão da Internet World Usage, os Estados Unidos possuem mais de 280 mi de usuários usuários, por volta de 87% da população total, enquanto no Brasil, atualmente 58% da população é usuário da internet, o que significa pouco mais de 117 milhões de indivíduos com acesso à rede mundial de computadores. Há uma variação regional grande, com concentração de usuários, ou internautas, nas regiões urbanas do sudeste e sul do país. 16 Capítulo 4 Figura 4.1 – Mapa da inclusão BRAZIL BR - 204,259,812 Population (2015) - Country Area: 8,544,418 sq km Capital City: Brasilia - population 2,593,886 (2012) 117,653,652 Internet users as of Dec/14, 57.6% penetration, per IWS. 202,944,033 Mobile cellular subscribers as of Dec/10, 99.8% penetration, per ITU. 103,000,000 Facebook users on Nov 15/2015, 50.4% penetration rate. UNITED STATES OF AMERICA US - 321,368,864 Population (2015) - Area: 9,629,047 sq km Capital City: Washington D.C. - population 603,860 (2012) 280,742,532 Internet users as of Nov.15, 2015, 87.4% penetration, per IWS. 192,000,000 Facebook subscribers on Nov 15/15, 59.7% penetration rate. Fonte: Internetworldstats, 2016 A exclusão digital representa mais uma forma de exclusão, pois leva à desigualdade de oportunidades, já que o acesso a tecnologias de informação e comunicação foi a base para a sociedade do conhecimento. Outra forma de desigualdade de acesso à internet no Brasil está relacionada à questão de cor. Os dados do IBGE apontam que, em 2003, a cor “branca” representava 53,74% da população brasileira, seguida de pardos – 38,45%, pretos – 6,21%, outras – 0,71%, amarela – 0,45% e indígena – 0,43%. Entre os que têm mais acesso à internet estão os amarelos, com 41,66%, seguidos dos brancos, com 15,14% de indivíduos conectados à rede; daí em diante estão os pardos, com 4,06%; pretos, com 3,97%; indígenas, com 3,72%; e outros, com 7,25%. Com esses dados, podemos verificar que, no Brasil, um branco tem 168% a mais de chances do que um não branco de ter acesso à internet! As implicações sociais da internet Nesse momento de mudanças tecnológicas tão surpreendentes, ninguém sabe ao certo o que o futuro reserva-nos. Alguns apontam os internautas como integrantes do “ciberespaço”, isto é, espaço de interação formado pela rede global de computadores que configura a internet. 17 Estudos Socioculturais Por vezes, parece que, no ciberespaço, a mensagem é mais importante que as pessoas, pois, sem a identificação do usuário, não há como saber se nos comunicamos com mulheres, homens, ou em qual lugar do mundo essa pessoa está. Giddens (2006, p.382) fala de um famoso cartum, sobre a internet, no Reino Unido. O cartum traz um cachorro sentado na frente de um computador e a seguinte legenda: “O melhor da internet é que ninguém fica sabendo que você é um cachorro.” Figura 4.2 - Cartum de Peter Steiner Fonte: Webmanario, 2009. A internet trouxe novos desafios de interpretação para os sociólogos. Há pesquisadores que a veem de forma entusiástica, apontando que no mundo on-line há mais possibilidades de relacionamentos, pois o meio eletrônico complementaria as interações face a face. Como não considerar o sucesso de sites de relacionamento como o Facebook, o qual muitas vezes possibilita o reencontro de colegas antigos, promove encontros e agrupa pessoas com os mesmos interesses? Há também os teóricos, menos otimistas, os quais apontam que à medida que as pessoas dedicam mais tempo a comunicações on-line, elas estariam dedicando menos tempo a interações no mundo físico. Outro problema da internet seria a diminuição do limite entre trabalho e vida doméstica, já que muitos trabalhadores continuam nas suas casas acessando e-mails ou concluindo atividades pendentes, reduzindo, assim, o tempo para contatos humanos. Quais dos grupos de teóricos estão com a razão? 18 Capítulo 4 Possivelmente os dois e nenhum dos dois, ou seja,existem fundamentos de verdade nas duas análises, mas nenhuma delas sozinha é capaz de interpretar essa realidade. A internet não é boa nem ruim. Da mesma forma que ocorreu anteriormente com o advento da TV, a internet provoca temores e esperanças. Até o momento, temos indicadores que não seremos “tragados” do mundo real para o mundo virtual. O ciberespaço A história está repleta de exemplos de tecnologias que favoreceram a comunicação e a interação entre os humanos. As sociedades ocidentais desenvolveram-se e transformaram-se com base nessas tecnologias, produzindo novas formas de relacionamento social e, consequentemente, alterando desde a formação da subjetividade coletiva até a produção cultural e a vida cotidiana. O alfabeto, inventado na Grécia por volta do século VI a.C., constitui “a base para o desenvolvimento da filosofia ocidental e da ciência como conhecemos hoje” (CASTELLS, 2005). Isso proporcionou a estrutura mental para a comunicação cumulativa baseada em conhecimento. Na contemporaneidade, está em curso a integração de vários modos de comunicação em uma rede interativa. O que se configura nas palavras de Castells (2005, p. 413) é “a formação de um hipertexto e uma metalinguagem, que pela primeira vez na história integra no mesmo sistema as modalidades escritas, oral, e audiovisual da comunicação humana”. Algo que se evidencia nas mudanças observadas no caráter da comunicação e na cultura. Ainda, segundo o autor: como a cultura é mediada e determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo (...) o surgimento de um novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo alcance global, integração de todos os meios de comunicação e interatividade potencial está mudando e mudará para sempre nossa cultura. (CASTELLS, 2005, p.414). Mais do que nunca, o início do século XXI (como preconizado pela ficção científica, porém, com diferenças pontuais) apresenta uma série de fenômenos decorrentes das tecnologias de informação e seus impactos nas sociedades contemporâneas. 19 Estudos Socioculturais Na atualidade, essas tecnologias, denominadas como TICs (tecnologias de informação e comunicação), promovem o que Giddens (2005, p. 62) chama de “Compressão” do tempo e do espaço. Esse fenômeno caracteriza-se por diminuir as fronteiras espaço-temporais ao “encurtar” distâncias com a utilização de ferramentas que promovem o fluxo de informação numa velocidade nunca antes vista, como imagens em tempo real circulando pelo globo e, consequentemente, alterando a forma como percebemos a sociedade e como nos inserimos nela. Para Castells (1999, p.67-68), essas tecnologias consistem em um “(...) conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica. (...)”, desencadeando o processo atual de transformação tecnológica que “expande- se exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem digital comum, na qual a informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida”. Como todos os processos são mediados por máquinas ou interfaces 1, a construção social agora se amplia para outro campo, o mundo virtual, ou como também se denomina, o ciberespaço. De acordo com Pereira e Bernard (2011), o ciberespaço, pode ser compreendido como um ambiente tecnológico que abarca múltiplos contextos de uso e significados culturais. Mais de 2 bilhões de pessoas, segundo dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT) de 2011, alimentam com textos, imagens, sons e outros códigos o turbilhão de informações que circula pela rede mundial de computadores interconectados. A etimologia da palavra remete-nos ao romance de ficção científica Neuromante, de Willian Gibson, escrito em 1984, cujo título é um termo imediatamente emprestado pelos usuários e criadores de redes digitais. Levy (1999, p. 92) define o ciberespaço como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores e de memórias dos computadores”. Ainda, para o autor, O ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os serres humanos que navegam e alimentam esse universo.(LEVY, 1999, p. 17). 1 De acordo com Levy (1999, p.36, todos os aparatos materiais que permitem a interação entre o universo da informação digital e o mundo ordinário. 20 Capítulo 4 Uma de suas principais funções é o acesso a distância aos diversos recursos de um computador. “Esse novo meio tem a vocação de colocar em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de gravação, de comunicação e de simulação”. (LEVY, 1999, p. 93). Várias outras são as funções do ciberespaço, como a transferência de dados e upload, troca de mensagens, conferências eletrônicas etc. Ou seja, O ciberespaço permite a combinação de vários modos de comunicação. Encontramos, em graus de complexidade crescente: o correio eletrônico, as conferências eletrônicas, o hiperdocumento compartilhado, os sistemas avançados de aprendizagem ou de trabalho cooperativo e, enfim, os mundos virtuais multiusuários. (LEVY, 1999, p. 104). O surgimento do ciberespaço deve-se, principalmente, à criação da mais avançada mídia da atualidade, a internet. Desenvolvida pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA), do Departamento de Defesa dos EUA, inicialmente com finalidade militar, a internet hoje é resultado da convergência de várias tecnologias eletrônicas no campo da comunicação. Nas palavras de Castells (2005, p. 82), “talvez o mais revolucionário meio tecnológico da Era da Informação”, a internet é o meio de comunicação com o mais veloz índice de penetração entre as pessoas nos EUA. Em apenas três anos superou a marca de sessenta milhões, algo só conseguido pela televisão após quinze anos e o rádio em pelo menos trinta (CASTELLS, 2005). No entanto, extremamente desigual em relação ao acesso entre todas as pessoas do globo. Figura 4.3 – Globalização na cibercultura Fonte: Blogrtvi110, 2016. 21 Estudos Socioculturais As redes sociais digitais No ciberespaço, o fenômeno mais evidente é o das redes sociais. Objeto que desperta o interesse de várias ciências sociais como a Antropologia, a Sociologia, a economia etc., haja vista sua potencialidade em termos alteração no comportamento dos indivíduos. Nas redes sociais, novos atores sociais surgem representados por ferramentas como weblog, fotolog, facebook, twitter etc.; ou seja, “espaços de interação, lugares de fala construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua personalidade ou individualidade”. (RECUERO, 2009). Como cita Recuero, “Uma rede social é definida por um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos) e suas conexões (interações ou laços sociais)”. (WASSERMAN & FAUST, 1994 apud RECUERO, 2009, p. 82). Assim como a Revolução Industrial do séc. XVIII, a Revolução Tecnológica, que caracteriza o que se batizou como a “Era da Informação” (constituída pelas tecnologias da informação, processamento e comunicação), impactou de forma determinante na economia, nos modos de produção, na sociedade e na cultura. A diferença de paradigma situa-se entre as novas fontes de energia emergentes com primeira Revolução, em relação à tecnologia da informação na atualidade As redes sociais são anteriores à internet, que apenas ampliou o “espaço” para as interações. Isso só foi possível a partirda criação do aplicativo WWW (World Wide Web) no início dos anos noventa do século passado. Essa ferramenta possibilitou organizar os conteúdos da rede por sítios de informação, expandindo a utilização dessas tecnologias para além dos ambientes militar e científico, que as originaram. Para Castells (1999, p. 565-566), Redes constituem a nova morfologia das nossas sociedades, e a difusão da lógica da rede modifica substancialmente a operação e os produtos nos processos de produção, experiência, poder e cultura. Enquanto que a forma de rede de organização social existiu noutros tempos e noutros espaços, o paradigma da nova tecnologia de informação fornece o material de base para sua expansão hegemônica por toda a estrutura social. (...) As redes são estruturas abertas, com o potencial de se expandirem sem limites, integrando novos nós desde que sejam capazes de comunicar dentro da rede, nomeadamente desde que partilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com base na rede é um sistema altamente dinâmico e aberto, susceptível de inovar sem ameaçar o seu próprio equilíbrio. Redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada 22 Capítulo 4 na inovação, globalização e concentração descentralizada para o trabalho, trabalhadores e empresas voltadas para a flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução contínuas (...) e para uma organização social que vise a suplantação do espaço e invalidação do tempo. Numa visão um pouco mais simplificada, Recuero (2009, p. 102) define sítios de redes sociais como “sistemas que permitem 1) a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal; 2) a interação através de comentários e 3) a exposição pública da rede social de cada autor”. A partir desses pressupostos, tornam-se evidentes as implicações sociais das redes sociais (principalmente a ocidental), que despertam temas relacionados a novas formas de sociabilidade e de organização de movimentos sociais. Mais especificamente, apresentam-se como passíveis de discussão e análise questões como a privacidade no mundo virtual; a segurança nas transações comerciais, a exposição pública de informações pessoais e o acesso irrestrito a todo tipo de conteúdo. Ou seja, a discussão acerca das redes sociais digitais tem relação com diversos temas. Entre os principais podemos destacar: questões relacionadas à privacidade, à possibilidade da movimentação e organização política, à segurança nas transações realizadas na Internet (bancos e sites de compras), ao uso patológico das redes sociais digitais e suas implicações psicológicas (depressão e ansiedade), à exposição de informações pessoais, ao acesso irrestrito a todo tipo de conteúdo, e até mesmo o contato com pessoas desconhecidas .(PARADA, 2010). São temas e questões que permeiam o debate sociológico acerca do ciberespaço e que podem ser classificadas (assim como na análise anterior acerca das implicações da internet) em duas linhas de análise: uma otimista, na qual se elencam os benefícios que as novas tecnologias de informação e comunicação promoveram nesta sociedade baseada na informação e no conhecimento; e outra mais crítica. Nesta, Egler (2010, p. 210-211), aponta a possibilidade de as TICs e a nova organização em rede configurarem um novo formato de dominação dos países desenvolvidos sobre os países em desenvolvimento, haja vista o domínio tecnológico e a posse do capital informacional dos primeiros. O autor também pondera sobre essas duas linhas, expondo que: Trata-se, portanto, de duas formas de interpretar a sociedade da informação, uma primeira que faz a sua crítica associada ao desvendamento de estratégias que definem as formas como são utilizadas as redes, para ampliar o poder de dominação econômica e política. Um segundo posicionamento mais otimista que procura analisar seus efeitos sobre a vida cotidiana, a formação de identidades, as possibilidades de estabelecer um lugar-comum, e observam suas potencialidades na formação de novos espaços de cooperação que busquem, na experiência das redes, a formação de um novo espaço público de ação coletiva que se forma em benefício da emancipação social. (EGLER, 2010, p. 210-211). 23 Estudos Socioculturais Pierre Levy, em seu livro Cibercultura, procura responder de forma positiva algumas das questões que surgem a partir de uma análise mais crítica da sociedade em rede. Para o fato de essas novas tecnologias tornarem-se fonte de exclusão, o autor aponta caminhos como a necessidade de observar a tendência de conexão e não seus números absolutos, considerando o fato de o número de pessoas que participam da cibercultura haver aumentado de forma exponencial desde o fim dos anos 80, sobretudo entre os jovens. Outra questão é a possibilidade de tornar os avanços tecnológicos cada vez mais baratos e acessíveis entre os estratos sociais menos favorecidos. Em relação a possíveis ameaças à diversidade das línguas e das culturas pelo ciberespaço, Levy pondera que: certamente seria técnica e politicamente possível reproduzir no ciberespaço o dispositivo de comunicação das mídias de massa. Porém, parece-me mais importante registrar as novas potencialidades abertas pela interconexão geral e pela digitalização da informação. (LEVY, 1999, p. 239). Nesse sentido, ele defende o fim dos monopólios da expressão pública, pois no ciberespaço o indivíduo possui a liberdade e os meios para, por exemplo, “propor suas sínteses e sua seleção de notícias sobre determinado assunto”. (LEVY, 1999, p. 240); existe uma crescente variedade de modos de expressão (vide as novas formas de escrita); são progressivos a disponibilidade de instrumentos de filtragem e de navegação e o desenvolvimento das comunidades virtuais e dos contatos interpessoais a distância por afinidade, sendo que o “principal fato a ser lembrado é que os freios políticos, econômicos ou tecnológicos à expressão mundial da diversidade cultural jamais foram tão fracos quanto no ciberespaço”. (LEVY, 1999, p. 240). Um exemplo que corrobora a tese de Levy evidencia-se no que ficou conhecida em 2011 como ”a primavera árabe”, denominação dada aos protestos populares contra governos do mundo árabe, mais especificamente Egito, Tunísia, Líbia, Iêmen e Barein, que teve na internet, em particular as redes sociais, um poderoso suporte para o chamamento e organização da população civil. Para Muzammil M. Hussain, professor do Centro de Comunicação e Engajamento Civil da Universidade de Washington, “ao contornar as restrições de organização política e social no mundo real em regimes autoritários, as mídias sociais fizeram com que as pessoas nesses países se sentissem fortes e poderosas para promover mudanças no mundo real”. 24 Capítulo 4 Em consonância com esse fenômeno, Machado (2007, p.268) afirma que: A possibilidade de comunicação rápida, barata e de grande alcance faz atualmente da Internet o principal instrumento de articulação e comunicação das organizações da sociedade civil, movimentos sociais e grupos de cidadãos. A rede se converteu em um espaço público fundamental para o fortalecimento das demandas dos atores sociais para ampliar o alcance de suas ações e desenvolver estratégias de luta mais eficazes.(...) Em suma, a rede é um espaço público que possibilita novos caminhos para interação política, social e econômica. Mas o tema não se esgota nestas poucas laudas. Longe disso, pelo fato de ser um fenômeno em pleno desenvolvimento e ainda com pouca produção analítica, as ciências sociais ainda tecem neste momento os possíveis instrumentos teóricos e a delimitação de problemas e hipóteses mais precisas para abordar os temas que surgem das novas relações sociais mediadas pelas interfacesdigitais. 25 Estudos Socioculturais 26