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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010, p.19-38. Gêneros textuais como práticas sócio-históricas (p.19–20) Os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia, mas não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Os gêneros textuais são maleáveis, dinâmicos e plásticos, pois originam-se de ações sociais da comunicação humana e desenvolvem-se a partir da necessidade exigida pelas atividades humanas e sua evolução, seja em quais forem os meios, como a tecnologia, em que se percebe a alta de novos gêneros textuais anteriores a comunicação escrita e oral. Fases do surgimento dos gêneros: 1º: povos de cultura oral desenvolvem um conjunto limitado de gêneros; 2º: após a invenção da escrita alfabética (século VII a. C), multiplicam-se os gêneros surgindo os típicos da escrita. 3°: a partir do século XV, os gêneros expandem-se com o florescimento da cultura impressa para dar início a uma grande ampliação. Nos dias atuais com a predominância da cultura eletrônica, presenciamos uma explosão de novos gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade quanto na escrita. Caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. Eles “surgem, situam-se e integram-se” conforme a funcionalidade nas culturas que os desenvolvem, assim caracterizando-se pelas funções cognitivas, comunicativas e institucionais de caráter sociodiscursivo. Bem como aparecem, podem desaparecer. 2. Novos gêneros e velhas bases (p. 20-22) Nos últimos dois séculos especialmente as tecnologias ligadas a área da informação (rádio, televisão, revista, internet), propiciaram o surgimento de novos gêneros textuais e os abrigam. Daí surgem formas discursivas novas, tais como editoriais, artigos de fundo, notícias, telefonemas, aulas virtuais, assim por diante. Gêneros que surgem não são inovações absolutas; Bakhtin (1960) falava de transmutação de gêneros e em assimilação destes gerando outros novos, dando-se sempre uma pré-existência aos gêneros que surgem. Contudo, os gêneros novos possuem suas próprias identidades. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas. – Exemplo: telefone x conversa face a face. O Aspecto central nesse caso e em outros gêneros emergentes é a nova relação que instauram com os usos da linguagem como tal. Esses gêneros que emergiram no último século permitem observar a maior integração entre os vários tipos de semiose: signos verbais, sons, imagens e formas em movimento. Como certos gêneros já tem determinado uso e funcionalidade, seu investimento em outro quaro comunicativo e funcional permite enfatizar com mais vigor os novos objetivos. Quanto a este último aspecto, é bom salientar que embora os gêneros textuais não se caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sociocomunicativos e funcionais, isso não quer dizer que estejamos desprezando a forma. Assim, num primeiro momento podemos dizer que as expressões “mesmo texto” e mesmo gênero” não são autenticamente equivalentes, desde que não estejam no mesmo suporte. Esses aspectos sugerem cautela quanto a considerar o predomínio de formas ou funções para a determinação e identificação de um gênero. 3. Definição de tipo e gênero textual (p. 22-26) É impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto. Partimos da ideia de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual. Tipos textuais caracterizam-se pelos aspectos linguísticos (léxico, sintaxe, tempos verbais), abrangendo a narração, a argumentação, a exposição, a descrição e a injunção. Os gêneros textuais terão aspectos de natureza sociocomunicativa definidos por situações comunicativas e, também, por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. E serão inúmeros. Tem-se aqui, o conceito de domínio discursivo, que será a definição de uma esfera de produção discursiva ou de atividade humana. Um domínio discursivo dará origem à gêneros que poderão ser exclusivos aquela esfera. Não se pode confundir texto e discurso, mas texto é concreto, materializado em algum gênero textual, e o discurso é o que o texto produz em alguma esfera discursiva. Assim, o discurso se realizará no texto e o texto realizará um discurso. Tipo textual: predomina a identificação de sequências linguísticas típicas como norteadoras. Gênero textual: predominam os critérios de ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e composicionalidade. Domínios discursivos são as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam. Algumas observações sobre os tipos textuais (p. 26-30) A expressão “tipo de texto”, muitas vezes é empregada de forma inadequada nos livros didáticos e no nosso dia-a-dia, pois não designa um tipo, mas sim um gênero de texto. Quando alguém diz, por exemplo, “a carta é um tipo de texto informal”, ele não está empregando o “tipo de texto” de maneira correta e deveria evitar essa forma de falar. Uma carta pessoal que você escreve para a sua mãe é um gênero textual, assim como editorial, horóscopo, receita médica etc. Um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo). Os tipos textuais são definidos por seus traços linguísticos predominantes. Um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto. Quando se nomeia certo texto como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base. Os tipos textuais se darão por bases temáticas, sendo a descritiva (descreve a ação) a narrativa (conta um fato), a expositiva (expõe um fato), a argumentativa (defende um ponto de vista) e a injuntiva (ordena uma ação). 5. Observações sobre os gêneros textuais (p. 30-34) Os gêneros textuais não se caracterizam como formas estruturais estáticas e definidas de uma vez por todas. Bakhtin [1997] dizia que os gêneros eram tipos “relativamente estáveis” de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana. Eles são eventos linguísticos, mas não se definem por características linguísticas: caracterizam-se, enquanto atividades sociodiscursivas. Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares. “A apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas. ” (Bronckart, 1999) Os gêneros textuais operam em contextos distintos e característicos de relações sociodiscursivas, indiferente de sua realização individual. A questão da intertextualidade intergêneros evidencia-se como uma mescla de funções e formas de gêneros diversos num dado gênero e deve ser distinguida da questão da heterogeneidade tipológico do gênero, que diz respeito ao fato de um gênero realizar várias sequencias de tipos textuais. Alguns gêneros são mais propensos a uma intertextualidade intergêneros, como por exemplo, a publicidade que se caracteriza por operar de maneira particularmente produtiva na subversão da ordem genérica instituída, chamando a atenção para a venda de um produto. Desenquadrar o produto se seu enquadre normal é uma forma de enquadrá-lo em novo enfoque, para que o vejamos de forma mais nítida no mar de ofertas de produtos. Bakhtin [1997] indicava a “construção composicional”, ao lado do “conteúdo temático” e do “estilo” como as três características dos gêneros. Os gêneros são, em última análise, o reflexo de estruturas sociais recorrentes e típicas de cadacultura. Por isso, em princípio, a variação cultural deve trazer consequências significativas para a variação de gêneros, mas este é um aspecto que somente o estudo intercultural dos gêneros poderá decidir. 6. Gêneros textuais e ensino (p. 34-37) Tendo em vista que todos os textos se manifestam sem num ou outro gênero textual, um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante tanto para a produção como para a compreensão. Em certo sentido, é esta a ideia básica que se acha no centro dos PCNS (Parâmetros Curriculares Nacionais), quando sugerem que o trabalho com o texto deve ser feito na base dos gêneros, sejam eles orais ou escritos. Em especial, seria bom ter em mente a questão da relação oralidade e escrita no contexto dos gêneros textuais, pois, como sabemos, os gêneros distribuem-se pelas duas modalidades num contínuo, desde os mais informais aos mais formais e em todos os contextos e situações da vida cotidiana. Mas há alguns gêneros que só são recebidos na forma oral, apesar de terem sido produzidos originalmente na forma escrita, como o caso das notícias de televisão ou rádio. Ouvimos aquelas notícias, mas elas foram escritas e são lidas (oralizadas) pelo apresentador ou locutor. É bom ter cautela com a ideia dos gêneros orais e escritos, pois essa distinção é complexa e deve ser feita com clareza, como por exemplo: ninguém reza por escrito e sim oralmente, por isso dizemos que oramos e não que escrevemos a Deus. Os eventos a que chamamos propriamente gêneros textuais serem artefatos linguísticos concretos. Os gêneros são modelos comunicativos. Servem, muitas vezes, para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para determinada reação. Os interlocutores seguem três critérios (Gulich, 1986): canal/meio de comunicação, critérios formais, natureza do conteúdo. Para Biber (1988), determina-se os gêneros por meio dos objetivos dos falantes e pela natureza do tópico tratado. (Uso da língua) Pode-se dizer que os gêneros textuais fundam-se em critérios externos (sociocomunicativos e discursivos), enquanto os tipos textuais fundam-se em critérios internos (linguísticos e formais). Adequação tipológica: natureza da informação ou do conteúdo; nível de linguagem (forma, informal, dialetal, culta, etc.), tipo de situação em que o gênero se situa (pública, privada, corriqueira, solene etc.); relação entre os participantes (conhecidos, desconhecidos, nível social, formação etc.); natureza dos objetivos das atividades desenvolvidas. “Gêneros textuais não são fruto de invenções individuais, mas formas socialmente maturadas em práticas comunicativas. ” Assim pensava Bakhtin (1997), que tratava os gêneros como atividades enunciativas “relativamente estáveis. ” Levar os alunos a produzirem ou analisarem eventos linguísticos os mais diversos, tanto escritos como orais, e identificarem as características de gênero em cada um.