Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Pa tr íc ia d e M or ae s Li m a D id át ic a e Pl an ej am en to Patrícia de Moraes Lima 2ª Edição Curitiba 2018 Didática e Planejamento Patrícia de Moraes Lima Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 L732d Lima, Patrícia de Moraes Didática e planejamento / Patrícia de Moraes Lima. – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2018. 155 p.: il. ISBN 978-85-5337-017-7 1. Didática 2. Planejamento educacional I. Título CDD 371.302 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Claudia Helena Carvalho Wigert Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/ra2studio Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário 1 O ato de educar e a didática | 7 2 As contribuições da didática para a Educação | 27 3 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica | 43 4 A didática e a Educação Infantil | 69 5 A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental | 87 6 A escola como espaço sociocultural | 105 Referências | 145 Apresentação Se tivesse que descrever em uma palavra o que é didática e planejamento, escolheria um vocábulo bastante apropriado: indissociáveis. Nas reflexões acerca do que pensamos e fazemos na educação, a didática como ciência que se ocupa do ensino e o planejamento como forma de organizar este ensino, precisam estar articuladas para se garantir um processo de aprendizagem de qualidade. Nesta obra, Patrícia de Moraes Lima, possuidora de vasta experiência na área da educação e amparada por autores de renome, tece considerações sobre o ato educativo, os procedimentos didáticos, as possibilidades de interação docente, bem como, as perspectivas de uma escola eficiente, respeitando e atendendo as diferenças presentes no contexto educacional e nos atos de ensinar e aprender. A autora foi iluminada quando enfatiza na obra que a escola deve ser um lugar de experiências, experiências estas de ordem afetivas que modificam estilos de vida e contribuem para uma educação da paz. Faço menção às palavras do educador Paulo Freire: “Escola é o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente”. A preocupação em tornar as palavras do autor realidade no processo educacional está demonstrada na obra aqui apresentada, nos capítulos que compõem o livro, o leitor poderá perceber a preocupação com quem de fato é o sujeito principal do ato educativo: o aluno. *Maristela Cristina Metz * Especialização em Psicopedagogia Institucional e Clínica pelo Instituto de Educação da América Latina (ISAL). Especialização em Metodologia da Educação a Distância pela Faculdade Educacional da Lapa. Atua há 23 anos como professora dos anos iniciais do Ensino fundamental e há 6 anos no Ensino Superior. 1 O ato de educar e a didática Neste capítulo, trabalharemos as perspectivas educativas que norteiam as práticas pedagógicas no cotidiano da escola. Abor- daremos a influência da psicologia na educação e buscaremos essa contribuição na abordagem histórico-crítica a partir dos conceitos de Zona de Desenvolvimento Proximal, de transmissão e apropria- ção de conhecimento e de interação social. Destacaremos, ao final deste capítulo, o papel do profes- sor como sujeito mediador da prática pedagógica e a construção de sua autoridade. Patrícia de Moraes Lima – 8 – Didática e Planejamento 1.1 As principais perspectivas educativas Neste primeiro tópico, apresentaremos as perspectivas teóricas que se afirmam cotidianamente nos processos educativos, as quais, juntas, disputam os espaços pedagógicos. Afinal, quando falamos dos processos de ensinar e aprender, entendemos as diferenças que marcam as práticas pedagógicas? 1.1.1 Sobre o ato de educar É por meio do conhecimento que nos implicamos no processo de trans- formação social. Todo ato educativo é um ato político e social que, ligado à atividade humana, encontra-se envolvido na construção de um mundo a ser vivido. Segundo Rego (1995, p. 104): Ao interagir com os conhecimentos, o ser humano se transforma, abrindo-se para novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio [...] expande conhecimentos e modifica, assim, sua relação cognitiva com o mundo. Por ser um ato político, a educação encontra-se atrelada à produção e reprodução de um modelo de vida social. Consequentemente, todo ato se dá através da relação entre sujeitos que, a partir dos processos formativos, poderão habitar este mundo com maiores condições de ler a realidade social em que estão inseridos. O ensino tradicional, baseado na transmissão oral de conhecimentos por parte do professor, e a pedagogia espontaneísta, a qual abdica de seu papel de desafiar e intervir no processo de apropriação de conhecimentos, são mode- los que não fornecem aos sujeitos muitas condições para que possam refletir sobre o lugar que ocupam no mundo. De acordo com a perspectiva histórico-crítica, o objetivo principal da educação frente às exigências contemporâneas é ensinar a pensar – ensinar formas de acesso e apropriação do conhecimento elaborado. Formar é bem mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas. A formação encontra-se vinculada às possibilidades que criamos para que os – 9 – O ato de educar e a didática sujeitos reconheçam-se como capazes de se alterarem e de alterarem os outros e o mundo em que vivem. Conforme Freire (2002), o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um favor, que podemos conceder uns aos outros. Isso traz à tona a compreensão de que os alunos merecem o mesmo respeito que é exigido dos profissionais da educação. As relações de poder constituem-se concomitantemente, porém de formas diferentes. Por vezes, os professores e a equipe administrativa atuam de maneira autoritária, e os alunos agem na sutileza de pequenas reações e sugestões, expres- sando-se e adequando-se, ou não, à normatividade vigente. Essas relações vagam pela discussão importantíssima de alguns conceitos, como a expressão da corpo- reidade e a identidade dos sujeitos. A expressão da corporeidade, que constitui o lugar dos sentimentos, das emoções e da materialidade viva, como nos apresenta Sousa (2010), é forjada na contradição entre o dever ser e o ser legítimo. O dever ser nasce de normas e leis estabelecidas para caracterizar a “normalidade” dos sujeitos perante a sociedade e a cultura: define não somente a forma que o mundo deve ter, mas também a forma como as pessoas e os grupos devem ser. Aqueles que resistem às arbitrariedades dos limites “socialmente aceitáveis” encontram-se à mar- gem e tomam a não aceitação das diferenças como uma violência. A expressão da corporeidade dos indivíduos é, algumas vezes, desprezada e minimizada por meio dos discursos e das ações normativas que enaltecem a disciplina e a ordem como solução dos problemas escolares. A hierarquia, as normas e as leis devem ser cumpridas, e aqueles que tentam expressar-se com naturalidade e espontaneidade ou que ultrapassam os limites da “normali- dade” são constrangidos pela escola. Não se pretende aqui, de forma alguma, retirar a importância da auto- ridade da escola em suas dimensões, entretanto procura-se recomendar uma “autoridade coerentemente democrática” (FREIRE, 2002, p. 36), a qual prime por ações que instiguem a liberdade e despertem curiosidade, ao contrário de imprimirem sentimentos de estagnação e opressão. – 10 – Didática e Planejamento A escola apresenta suaface disciplinadora e normativa quando impõe modos de ser e agir “ideais” aos alunos, e os sujeitos minoritários, aqueles que apresentam inconformidades com as regras estabelecidas, tendem a sofrer “castigos” pela sua diferença. O sistema de educação tende a reprimir as diferenças e a enaltecer a massificação da ordem e da obediência; com esse discurso de igualdade para todos, torna-se (re)produtor de desigualdades. Como afirma Rosa (2011, p. 79), “[...] os corpos que passam pela escola [...] possuem sempre algo a contar desta experiência, pois dela não saem ile- sos.” Assim como os seres são afetados pelas pessoas com quem convivem, também são alterados pelos dispositivos simbólicos do espaço escola, como mobílias, corredores, pátio, que marcam o processo de subjetivação dos alu- nos. Ainda segundo Rosa (2011), entende-se a cultura escolar como a escola e seus dispositivos disciplinares, os aspectos físicos, humanos e simbólicos, que alteram os seres em convivência. 1.1.2 Concepções que norteiam a prática educativa As teorias pedagógicas são definidas a partir de concepções filosóficas que dão fundamento às diferentes práticas educativas. Na educação tradicional, é comum encontrarmos duas linhas de pensamento que justificam suas práticas: 2 Determinismo biológico (inatismo): a perspectiva inatista baseia-se na ideia de que o sujeito já nasce com uma predisposição para o seu desenvolvimento e que o nível desse desenvolvimento se dá pelo amadurecimento das habilidades que já nascem com ele. A educação pouco ou quase nada altera as determinações inatas, e os processos de ensino só podem se realizar na medida em que o sujeito estiver pronto para efetivar determinada aprendizagem. O papel do professor se restringe ao respeito às diferenças individuais, ao reforço das características inatas ou ainda à espera de que a maturidade ocorra naturalmente. Exemplos: “Filho de peixe peixinho é” ou “A fruta não cai longe do pé”. 2 Determinismo social (ambientalismo): nessa perspectiva, encontramos a supervalorização do ambiente como constituidor do sujeito. Podemos observar discursos que reafirmam a posição do sujeito de acordo com as condições sociais, econômicas ou materiais em que se encontra envolvido. É comum encontrarmos argumentos – 11 – O ato de educar e a didática que justificam questões sociais, como a marginalidade associada às condições econômicas e sociais do ambiente em que o sujeito vive. Exemplo: Vida na periferia, em favelas, associada à marginalidade. Na relação ensinar e aprender, ambas as linhas de pensamento subestimam a capacidade do educando em interagir e apropriar-se do conhecimento. Antes de nos aprofundarmos na pedagogia histórico-crítica, convém conhecermos a leitura de Saviani (1992) quanto às teorias educacionais. O autor propõe a seguinte divisão: de um lado, estariam as pedagogias não críticas (tradicional, nova e tecnicista), e de outro, as pedagogias crítico-reprodutivistas (teoria da escola como violência simbólica, teoria da escola como aparelho ideológico de Estado e teoria da escola dualista). Vamos, a seguir, ver cada uma dessas teorias de modo mais detalhado. Acompanhe. 1.1.2.1 Pedagogias não críticas As pedagogias não críticas agregam o arcabouço teórico da modernidade e definem grande parte das práticas educativas nas escolas contemporâneas. a) Pedagogia tradicional Segundo essa pedagogia, o papel da escola é transmitir autoritariamente os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente, ou seja, difundir a instrução. O professor, sujeito do processo, transmite os conhecimentos por meio de lições e exercícios; aos alunos, cabe assimilá-los, atenta e disciplinadamente. O foco está no “aprender”. b) Pedagogia nova ou escolanovismo Movimento que critica a escola tradicional. Esboça um método em que o professor é estimulador e orientador das aprendizagens, cujas iniciativas cabem exclusivamente aos alunos, sujeitos do processo. Tendo em vista que os procedimentos pedagógicos foram elaborados a partir de experiências com alunos “especiais”, houve a biopsicologização da sociedade, da educação e da escola. Entendemos que os alunos especiais desafiavam a visão padronizada da escola tradicional. Assim, no escolanovismo, a questão pedagógica passa do intelecto para o sentimento, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, dos conteúdos para os métodos, da disciplina para o espontaneísmo, do diretivismo para o não diretivismo. Em suma, o importante é “aprender a aprender”, e a escola é a responsável pela adaptação e o ajuste dos indivíduos à sociedade. – 12 – Didática e Planejamento c) Pedagogia tecnicista O elemento principal é a organização racional dos meios para ensinar: professor e alunos passam a ser executores de um processo cuja concepção, pla- nejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. A função da escola é a formação de indivíduos eficientes para aumento da produtividade – é o “aprender a fazer”. 1.1.2.2 Pedagogias crítico-reprodutivistas As teorias crítico-reprodutivistas agregam ao modelo educacional a crí- tica pautada no materialismo histórico-dialético, no entanto reconhecem os desafios que se constituem, especificamente, nos contextos educativos e que transcendem o modelo social e econômico vigente. a) Escola como violência simbólica Compreende a ação pedagógica como imposição arbitrária da cultura (também arbitrária) dos grupos ou das classes dominantes aos grupos ou clas- ses dominadas. Essa imposição se dá pela autoridade pedagógica, isto é, por um poder arbitrário de imposição que, sendo desconhecido, é reconhecido como autoridade legítima. A escola, assim como a moda, os meios de comu- nicação, a religião etc., por vezes, exerce essa violência simbólica de forma a reproduzir as desigualdades sociais. b) Escola como aparelho ideológico de Estado A educação é concebida como um processo de ideologização da socie- dade. Em uma sociedade capitalista, por exemplo, a escola seria um pode- roso instrumento de reprodução da expropriação dos trabalhadores pelos donos dos meios de produção, tentando fazer com que isso seja aceito como perfeito e natural. c) Escola dualista Nessa modalidade de pedagogia, a escola forma a força de trabalho (proletariado) por um lado e, por outro, inculca a ideologia dominante burguesa. Assim, a escola impediria o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária, agravando a desigualdade social e perpetuando a discriminação. – 13 – O ato de educar e a didática Nessa breve sistematização sobre as diferentes concepções que norteiam as práticas educativas, intencionamos expor as práticas educativas de modo a reconhecer a existência desses discursos e de seus desdobramentos nos proces- sos de ensinar e aprender. 1.2 A didática 1.2.1 O que é a didática? A didática é um ramo da ciência pedagógica que tem como finalidade ensi- nar métodos e técnicas que possibilitam a construção da aprendizagem por parte do professor. A didática baseia-se nas teorias pedagógicas para analisar os métodos mais adequados às situações em que são proporcionadas as aprendizagens. Nessa direção, podemos compreendê-la, a partir de Libâneo (1990), como: Uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissio- nal. Essa segurança ou competência profissional é muito importante, mas é insuficiente. Além dos objetivos da disciplina, dos conteúdos,dos métodos e das formas de organização do ensino, é preciso que o professor tenha clareza das finalidades que tem em mente na educação das crianças. A atividade docente tem a ver diretamente com o “para que educar”, pois a educação se realiza em uma sociedade formada por grupos sociais que têm uma visão distinta de finalidades educativas. Os grupos que detêm o poder político e econômico querem uma educação que forme pessoas submissas, que aceitem – 14 – Didática e Planejamento como natural a desigualdade social e o atual sistema econômico. Os grupos que se identificam com as neces- sidades e aspirações do povo querem uma educação que contribua para formar crianças e jovens capazes de compreender criticamente as realidades sociais e de se colocarem como sujeitos ativos na tarefa de construção de uma sociedade mais humana e mais igualitária. A didática, portanto, trata dos objetivos, das condições e dos meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sociopolíticos. Não há técnica pedagógica sem uma concepção de homem e de sociedade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente. De acordo com Libâneo (1990), podemos identificar três fases na his- tória da didática. 2 Primeira fase: considerada por todos como a didática geral, a qual podia ser aplicada a todas as matérias, sem considerar as especificidades individuais d e cada conteúdo, ou seja, sem respeitar as particularidades epistemológicas de cada conteúdo. 2 Segunda fase: aparece como contrária à primeira no que se refere às particularidades epistemológicas. Nessa segunda fase histórica da didática, consolidaram-se as metodologias específicas para cada ciência ensinada. 2 Terceira fase: traz um pouco das duas anteriores. Caracteriza-se por buscar uma integração da didática geral e das demais metodologias específicas, unificando o que é comum a todas. 1.2.2 A didática a partir de uma perspectiva crítica da Educação Surge no Brasil, na década de 1980, a chamada “didática crítica”, que se difere do modelo tradicional por vincular o ensino às realidades sociais, ou – 15 – O ato de educar e a didática seja, procura contextualizar a realidade partindo do sujeito e estabelecendo relações com os ensinamentos cotidianos. Entendemos, portanto, que, no processo de transmissão e apropriação dos conhecimentos, devem-se privilegiar as especificidades do conteúdo e os aspectos práticos e teóricos dos assuntos a serem ensinados. Contudo não devemos nos esquecer da adequação dos conteúdos às realidades dos alunos, considerando sempre suas trajetórias de vidas, os contextos em que vivem e os conceitos que já os acompanham no momento de chegada à escola. Precisamos, na condição de professores, pensar em uma concepção mais íntegra e menos fragmentada do sujeito e dos modos como devemos construir os aprendizados para sua formação. O conhecimento cotidiano, local e pes- soal deve ser considerado para impulsionar as aprendizagens. Porém devemos ir além das aprendizagens já existentes, para que possamos criar maior integração entre a bagagem cultural do aluno e os conhecimentos científicos e escolares. Dentro do contexto da reconstrução da didática a partir da de uma perspectiva crítica da Educação, é importante citarmos a teoria de ensino de Davydov (1987). Essa teoria tem como princípio que o ensino deve ir além do uso do pensamento empírico e constata a importância das ações men- tais de abstração e generalização para o desenvolvimento de um pensamento sistematizado. Essa teoria valoriza a qualidade da aprendizagem, a qual vai depender, segundo Davydov (1987), do modo como o aluno será orientado, ou seja, da maneira como o professor conduzirá essa experiência e se esta se tornará significativa ou não. Portanto, o professor tem um papel fundamental na organização do que vai mobilizar o aluno para que este se sinta atraído para as possíveis apren- dizagens. Por isso, enfatizamos que sua função é considerar e relacionar os contextos socioculturais presentes nos cotidianos dos alunos, ajudando-os a construir um relação significativa com o saber. 1.3 O processo de ensino-aprendizagem e a abordagem histórico-crítica Ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua construção. Construir conhecimentos implica em uma ação partilhada, já que – 16 – Didática e Planejamento é através do encontro que as relações entre sujeito e objeto de conhecimento são estabelecidas. Quando vivemos a prática ensinar-aprender, participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, pedagógica, estética e ética, em que a “boniteza deve estar de mãos dadas com a decência e a seriedade”. Conhecer é construir categorias de pensamento, ler o mundo, trans- formar o mundo, e só é possível conhecer quando se deseja, quando se quer, quando nos envolvemos profundamente no que aprendemos. Para inovar é preciso conhecer, aprender exige esforço, daí a necessi- dade da motivação, do encantamento. (GADOTTI, 1996, p. 29). A educação se fundamenta no conhecimento, e o conhecimento, na ati- vidade humana. O ser humano pode ser entendido aqui como uma presença no mundo, uma presença viva que se pensa a si mesma, que intervém, que transforma, que fala do que faz e também do que sonha. Quando lidamos com a relação entre a teoria e a prática, a reflexão se torna necessária, e a abordagem histórico-crítica é uma tentativa de se fazer essa reflexão. Para melhor entendermos a abordagem histórico-crítica, necessitamos conhecer as contribuições de Vygotsky para o cenário da Educação. Você Sabia HoLev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielorrússia. Seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições econômicas, o que permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Aos 18 anos, matriculou-se no curso de medi- cina em Moscou, mas acabou cursando a faculdade de direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielorrússia, em 1917, ano da revolução bolchevique, a qual ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicolo- gia - área em que, rapidamente, ganhou destaque, graças a sua cultura enciclopédica, seu pensamento inovador e sua intensa atividade: produziu mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose, que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, um estudo sobre Hamlet, de William – 17 – O ato de educar e a didática Shakespeare, cuja origem é sua tese de mestrado. A parte mais conhecida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da cultura. Aos educadores interessam, em particular, os estudos sobre o desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. Um dos temas estudados por Vygotsky é a aprendizagem. Para o autor, o aprender não se resume à apropriação de conteúdos no ambiente de escolari- zação formal; na perspectiva histórico-crítica, o aprender consiste na apropria- ção da cultura, e essa apropriação pode ser por nós entendida como: ordem simbólica que, através da humanidade e das suas relações com o mundo, forma um conjunto de interpretações. 1.3.1 Conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) Vygotsky desenvolveu um importante conceito para compreender- mos os processos que envolvem o ensinar e o aprender: a ZDP é um conceito que nos permite pensar a importância do mediador no processo de aprendizagem. O mediador (educador) deverá considerar o nível de desenvolvimento real do educando,o que significa reconhecer do que ele já se apropriou ao longo da sua história (conhecimentos, experiências, conceitos, práticas). A ZDP é o espaço em que ocorre a mediação entre o que o sujeito já sabe e o que ainda não sabe e aprenderá. Destacamos a importância do papel do mediador como potencializador das capacidades em vias de serem cons- truídas. Novamente, encontramos, aqui, a importância da aprendizagem como impulsionadora do desenvolvimento. – 18 – Didática e Planejamento “A qualidade do trabalho pedagógico está associada, nessa aborda- gem, à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento do aluno. O que se fundamenta na Zona de Desenvolvimento Proximal” (REGO, 1995, p. 106). De modo geral, nos meios educacionais, ainda parece prevalecer a visão de que o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado. Do ponto de vista da teoria histórico-crítica, isso é uma contradição, já que os processos de desen- volvimento são impulsionados pelo aprendizado. Eu me desenvolvo porque aprendo, e não o contrário. Vygotski afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se completarem. Ensinar o que o aluno já sabe ou aquilo que está totalmente longe da sua possibilidade de aprender é ineficaz. 1.3.2 Transmissão e apropriação do conhecimento A relação com o conhecimento poderá se constituir, a partir da perspectiva histórico-crítica, através da apropriação dos conteúdos e das experiências sociali- zadas. Já em uma perspectiva mais tradicional da educação, o que temos como referência é a transmissão do conhecimento. Qual seria então a diferença entre transmitir conhecimento e criar condições para a apropriação do conhecimento? Transmitir conhecimento implica em repassar informação ao outro, supondo que esse sujeito não dispõe de saberes e que constitui-se apenas como alguém que recebe passivamente as informações necessárias à sua aprendiza- gem. A atividade estaria centrada na figura do professor, que, nesse caso, é quem detém o conhecimento; e a passividade estaria vinculada à figura do aluno, que representa o sujeito que recebe e acumula os conteúdos. Já o conceito de apropriação de conhecimento nos remete a outra posi- ção entre os sujeitos no processo de ensinar e aprender: a apropriação não se dá pela transmissão de informações, mas a partir da mediação, por meio da qual criam-se condições para a aprendizagem, que poderá acontecer através dos espaços de trocas e das interações entre os sujeitos envolvidos. O conheci- mento circula entre o sujeito que ensina e o sujeito que aprende, e o processo dessas interações é de fundamental importância na produção de saberes. – 19 – O ato de educar e a didática 1.3.3 A importância do outro – o papel das interações sociais A importância das interações sociais nos processos de ensinar e aprender se constitui pela valorização do saber do outro e pela possibilidade de construção dos espaços de trocas onde as aprendizagens ocorrem. O processo de aprendizagem, segundo Vygotsky, ocorre através da inter- nalização, que implica na transformação dos significados produzidos no meio social em um processo intrapsicológico, em que a atividade principal é a recons- trução interna desses significados. Ou seja, segundo essa perspectiva, o caminho do desenvolvimento humano segue a direção do social para o individual. O sujeito é ativo – e interativo – em sua aprendizagem, por isso não pode ser visto como quem recebe passivamente informações. Contudo a atividade espontânea e individual não é suficiente para a apropriação do conhecimento recebido. Sua aprendizagem será construída a partir da intervenção do educa- dor e de suas trocas com os demais educandos, que também contribuem para os desenvolvimentos individuais. A valorização das interações sociais nos processos de ensinar e aprender coloca o trabalho interdisciplinar em perspectiva. Quando falamos do trabalho interdisciplinar, consideramos a abordagem de determinado conteúdo/conheci- mento a partir das interconexões entre as diversas áreas disciplinares. Isso nos remete a um trabalho intenso de valorização de espaços de trocas de conheci- mento entre os sujeitos, portanto, adotar uma perspectiva interdisciplinar implica fomentar as interações sociais e ampliar as abordagens sobre esses conteúdos. O mediador é um educador que atuará na Zona de Desenvolvimento Proximal e que considerará a relação entre o conhecimento a ser apropriado e o conhecimento real do educando. Além disso, ele valorizará a construção da aprendizagem reconhecendo a importância do seu papel no processo de ensinar e aprender. Já o facilitador está mais ligado a uma visão espontaneísta, que considera que o conhecimento acontecerá naturalmente. O educador, nessa perspec- tiva, é alguém que criará condições favoráveis ao aprendizado. Nessa aborda- gem, não encontramos o profissional implicado em saber o que o educando já tem apropriado para mediar com os saberes que ainda serão construídos. – 20 – Didática e Planejamento 1.4 As concepções de sujeito: professor e aluno Ao refletirmos sobre a relação entre professor e aluno, devemos levar em consideração que o sujeito se constitui não somente devido aos processos de maturação orgânica, mas, principalmente, pelas trocas estabelecidas com seus semelhantes. Assim, não há professor sem aluno e vice-versa. A existência de um está diretamente ligada à do outro, pois, como dizia Paulo Freire, quem forma se forma e reforma ao formar. Historicamente, homens e mulheres perceberam que era possível e, depois, fundamental trabalhar maneiras, caminhos e métodos de ensinar. Por isso, para ensinar, é preciso considerar que precisamos nos ocupar com os processos que envolvem o aprender. Na interação professor-aluno, é indispensável a presença do diálogo, da cooperação e da troca de conhecimentos. Cabe ao educador não somente per- mitir que essas situações aconteçam, mas também promovê-las no cotidiano da formação. Portanto, considerando a importância da interação entre professor e aluno, como podemos pensar a relação de ensino e aprendizagem na perspec- tiva histórico-crítica? Toda e qualquer atuação em espaço formativo pressupõe a reflexão sobre as abordagens que norteiam as práticas pedagógicas utilizadas, as quais tra- zem, na sua formação histórica, a dicotomização entre a aprendizagem e a formação dos sujeitos envolvidos nesses processos. O universo da cultura e das relações sociais influencia diretamente em nossa forma de aprender. Não há aprendizagem sem o sujeito. Por isso se faz necessário problema- tizar a linearidade e a naturalização sobre qual a escola sustenta sua compre- ensão sobre o sujeito, e também as práticas de categorização e marginalização dos que não se padronizam facilmente. A concepção predominante sobre a aprendizagem, no contexto escolar, pressupõe a ideia de que esse processo é inato ao sujeito e que, portanto, o nível de aprendizagem está relacionado a habilidades cognitivas já determina- das. Na concepção tradicional de educação, a centralidade no possível nível de desenvolvimento de quem aprende condiciona o nível de interação desse sujeito com a aprendizagem. – 21 – O ato de educar e a didática A desnaturalização da compreensão hegemônica de que o desenvolvi- mento determina a aprendizagem torna-se um desafio para avançarmos rumo a uma abordagem educativa que reconheça as singularidades na construção do conhecimento. Reconhecer o universo da subjetividade como liberdade, como proces- sualidade construída a partir de interações com as diferentes culturas que dividem espaço no contexto educativo pressupõe romper com práticas que se expressam através do medo, da insegurança e da desqualificação. Significa pensar as relações educativaspautadas pela dimensão relacional de “sujeito- -sujeito”, superando, com isso, a influência da ciência positivista marcada pela neutralidade e pelo poder (“sujeito-objeto”). Então, se a aprendizagem se constitui em uma relação entre sujeitos, pre- cisamos entender que os sujeitos são transformados nesse processo. A escola assume, dessa forma, outro significado. Amplia-se a dimensão da responsa- bilidade sobre o educar e retoma-se o papel de emancipação e autonomia do aluno por meio do sentir, do pensar e do fazer. 1.4.1 A constituição do sujeito e os sentidos das práticas pedagógicas Pensar nos desafios que se apresentam às práticas educativas nos remete à necessidade de compreendermos como a aprendizagem extrapola a atividade cognitiva. É necessário que nos indaguemos: quem aprende? Quem são os sujeitos dessas aprendizagens? Como aprendemos? De que forma transver- salizamos nossos saberes, culturas e histórias nas diferentes práticas sociais? Conforme Aguiar (2001), a perspectiva histórico-crítica reconhece que, no universo das práticas pedagógicas, construímos significados e sentidos sin- gulares, e refletir sobre esses processos, vivenciados em cada relação pedagó- gica, torna-se essencial para uma aprendizagem significativa. Nessa direção, os processos de construção do conhecimento redimensionam-se para além da aquisição do saber, como processos de singularização a partir de um processo social, mediatizado semioticamente. Aguiar (2001) sistematiza esses conceitos de significado e sentido a partir da distinção feita por Vygotsky. Desse modo, entende o signi- ficado como uma construção social, de origem cultural, historicamente – 22 – Didática e Planejamento socializado, e o sentido como o confronto com as significações sociais e a vivência singular. Aguiar (2011) ressalta que o sentido é mais complexo que o significado, portanto, quando nos referirmos à produção dos sentidos, estaremos diante de processos de subjetivação. Isto é, da vivência e experiência histórica e social de cada sujeito. Vygotsky (2000) trabalhou um conceito importante para compreender- mos as marcas de cada sujeito nos processos educativos e para compreender- mos essas marcas no processo de singularização, a partir do que ele chamou de internalização. De acordo com Aguiar (2001), cada sujeito implicado nas práticas edu- cativas converte e transforma o mundo material em mundo simbólico. Em outras palavras, o processo de significação do mundo externo passa tanto pela referência da relação que construímos quanto pelo que internalizamos, por- tanto, tornam-se parte de nossa dimensão singular. [...] a constituição da subjetividade individual é um processo singular que surge na complexa unidade dialética entre sujeito e meio atual, definido pelas ações e mediante as quais a história pessoal e a do meio confluem em uma nova unidade que, ao mesmo tempo, apresenta uma configuração subjetiva e uma configuração objetiva [...] e assim, como o social se subjetiva para converter-se em algo relevante para o desen- volvimento do indivíduo, o subjetivo permanentemente se objetiva ao converter-se em parte da realidade social, com o qual se redefine cons- tantemente como processo cultural. (FURTADO, 2001, p. 89). Molon (2000) compreende o conceito de internalização em Vygotski como um processo em que as atividades interpsicológicas serão convertidas em intrapsi- cológicas, suplantando a dicotomia do mundo externo em mundo interno. A análise sobre as concepções de sujeito, que perpassam as práticas edu- cativas, conta com a compreensão de que toda a produção humana está vin- culada a uma dimensão de relação com o outro e com o mundo. No entanto, para compreendermos esse movimento relacional, torna-se necessário resga- tarmos a ideia de que o sujeito produz suas relações a partir do campo de – 23 – O ato de educar e a didática significações, de sentidos que se amarram na sua história. De acordo com Molon (2000, p. 9), “[...] o singular expressa o universal, entendendo o sin- gular enquanto determinação histórica, cultural e ideológica”. 1.4.2 A relação professor-aluno e a construção da autoridade pedagógica Todo educador é sempre um leitor da realidade. As pessoas não leem só livros, mas leem suas vidas, suas práticas, ensaiam construir significados às situações experienciadas. Segundo Madalena Freire (2004), temos uma capa- cidade singular de pensar, tomar consciência, agir, mudar e transformar. Por isso, como educadores, temos de estar sempre acompanhados do exercício contínuo da reflexão. Nesse sentido, um dos desafios à prática docente é a construção da autoridade pedagógica. Segundo Freire (2004), não existe grupo sem a coordenação de uma auto- ridade. Toda autoridade coordena a liberdade. A liberdade é social, não é indivi- dual, e é por isso que, em todo ato educativo, é importante a mediação de um educador. Na sistematização proposta por Freire (2004), as intencionalidades do processo de aprendizagem são marcadas por diferentes concepções educativas. 2 Concepção autoritária: nessa concepção, a intencionalidade é cen- tralizadora. Centraliza-se a aprendizagem somente no que foi pla- nejado e não há busca pela sintonia, não há escuta, não há observa- ção. A aprendizagem não parte do saber do outro nem do problema do outro e não abre espaço de liberdade ao outro. 2 Concepção espontaneísta: o foco dessa centralização se transpõe para o educando. Dentro dessa concepção, os alunos decidem tudo: há votações, eleições, discussões e são os alunos que decidem sobre os conteúdos. O educador não assume a sua diretividade, omite-se e deixa o poder vago. Porém, dessa forma, instaura-se a luta pelo poder, pois nenhum grupo vive sem uma autoridade que possa coordenar as suas liberdades. 2 Concepção democrática: nesse modelo, a autoridade do educador é compartilhada. Além da autoridade do educador, formalizada atra- vés do discurso, há também a autoridade, o poder e o modelo do – 24 – Didática e Planejamento aluno, e ainda a autoridade, o poder e o modelo do grupo. Essas três vias se interrelacionam e comunicam-se o tempo inteiro. Portanto, podemos compreender que não existe concepção de educação que não seja diretiva, que não tenha intencionalidade. Indo além, podemos compreender também que somos fadados à dife- rença porque somos únicos. Somos autores do nosso destino e da nossa auto- ridade. Portanto, cada um de nós tem de ser capaz de assumir a si mesmo para conseguir construir a própria autoridade, a própria autoria, e isso só poderá acontecer se conseguirmos assumir nossos medos, pensamentos, conhecimen- tos, dificuldades e desafios. Segundo essa perspectiva, a possibilidade de construirmos um espaço de formação humana encontra-se ligada à concepção que ambos os atores (professor e aluno) do processo de ensino-aprendizagem precisam ter. O reco- nhecimento do profissional da educação precisa se dar não só por sua capaci- dade em dar aulas, mas também na compreensão de que as atividades de seu trabalho o constituem como “ser-sujeito”. E por parte do aluno, é necessário que haja o reconhecimento da aprendizagem como um processo contínuo e transformador para a vida. Vygotsky (1987) afirma que toda atividade humana é potencialmente trans- formadora e que, ao produzirmos a matéria objetiva, também alteramos a realidade subjetiva, isto é, nos constituímos nessa relação. Portanto, a atividade formativa precisa também ser compreendida como transformadora e, a partir desse olhar, precisamos encarar um novo papel para o professor e para a relação pedagógica. Na abordagem histórico-crítica, necessitamos compreender o processo de ensino-aprendizagem como um processo a ser construído. A relação pedagógica não se constitui mais de professor-sujeito e aluno-objeto, mas é composta por uma relação sujeito-professore sujeito-aluno. O ato de ensinar e aprender deixa de ser mecanizado e toma um perfil dinâ- mico em que, efetivamente, o conhecimento é produzido e apropriado tanto pelo aluno quanto pelo professor. À medida – 25 – O ato de educar e a didática que professor e aluno expandem essa relação interativa e dinâmica, modificam suas relações cognitivas com o mundo. A apropriação do legado cultural da humanidade se dá por meio do processo de ensino-aprendizagem, por intermédio da linguagem. As funções psíquicas humanas estão intimamente vinculadas ao aprendizado. Portanto, para que este esteja alinhado à perspectiva histórico-crítica da educação, deve levar em consideração as múltiplas dimensões da vida humana, ter uma lei- tura crítica sobre a cultura hegemônica e possibilitar a construção de espaços onde a diversidade possa estar presente. Em síntese, a prática educativa deverá, necessariamente, considerar o aluno como sujeito ativo (interativo) no seu processo de conhecimento. O aluno não mais é visto como aquele que recebe passivamente as informações do exterior. Concomitantemente, o processo de mediação pedagógica exigirá do professor um comprometimento profissional que deverá estar implicado na sua concepção de mundo. Segundo Santos (2006), o professor é a figura que cria oportunidades de aprendizagem no processo educativo, e é seu papel buscar alternativas para prevenir atitudes indisciplinares por parte dos alunos – sua função é investi- gar e preparar um trabalho voltado aos interesses dos alunos, priorizando o prazer em estudar. A educação é um processo de construção, e o professor, como media- dor, também faz parte desse processo. Cada aula e cada turma apresentam uma realidade distinta; não há receitas prontas, mas uma construção cole- tiva. Diante dessa constatação, sentimos a necessidade de que se estabeleça, no contexto escolar, um diálogo entre ensino e aprendizagem, de modo a enfatizar o papel do professor, no sentido de procurar criar competências e habilidades para a solução dos problemas, em uma perspectiva capaz de olhar a escola de forma a contemplar seus diferentes lugares, tempos e espaços. Olhar a escola por/entre-lugares significa conectar-se com a experiên- cia, com tudo aquilo que me passa (LARROSA, 2004), que me afeta, com as marcas que arquivam as experiências vividas nesse espaço e que se fazem presentes como fluxos na direção de um (outro) pre- sente, um (outro) desejo, o desejo de uma (outra) escola. – 26 – Didática e Planejamento Pensar sobre essa perspectiva de educação implica uma mudança que começa pelo corpo docente, passa por todo o processo educativo (por/entre lugares) e chega ao Projeto Político-Pedagógico, que é a base de construção da identidade escolar como um lugar de linguagens e culturas, identificando a posição de cada agente do ensino-aprendizagem, incluindo o professor, aluno, família e equipe da escola. Síntese A perspectiva histórico-crítica na educação enfatiza a importância de construirmos um espaço de formação humana ligado à concepção de que ambos os atores (professor e aluno) transformam-se durante o ato educativo. O reconhecimento dos profissionais de educação precisa se dar não só na atividade formativa/dar aulas, mas na compreensão de que a atividade de trabalho o constitui como “ser-sujeito”. Assim, desempenhamos, como educadores, uma função eminentemente educativa/transformadora, pois, ao mesmo tempo em que constituímos possibilidades de outros aprenderem, estamos também alterando nosso saber, nosso modo de olhar para a vida. Vygotsky (1987) afirma que toda atividade humana é potencialmente transformadora e que, ao produzirmos a matéria objetiva, também alteramos a realidade subjetiva, isto é, nos constituímos nessa relação. Portanto, atividade formativa precisa também ser compreendida como transformadora e, a partir desse olhar, precisamos encarar um novo papel para o professor e para a relação pedagógica. À medida que expandimos nossos conhecimentos nessa relação interativa e dinâmica, modificamos a nossa relação cognitiva com o mundo. As funções psíquicas humanas estão intimamente vinculadas ao aprendi- zado, à apropriação (por intermédio da linguagem) do legado cultural do grupo. Portanto, o processo de aprendizagem deverá levar em consideração as diferentes dimensões da vida humana, ter uma leitura crítica sobre a cultura hegemônica e possibilitar a construção de espaços onde a diversidade possa estar presente. Em síntese, a prática educativa deverá, necessariamente, considerar o sujeito ativo (interativo) no seu processo de conhecimento, já que este não é visto como quem recebe passivamente as informações do exterior. O processo de mediação pedagógica exigirá do professor um comprometimento profissional que estará implicado na sua concepção de mundo. 2 As contribuições da didática para a Educação Neste capítulo, refletiremos sobre a reconstrução da didá- tica a partir de uma perspectiva crítica da Educação. A seguir, colo- caremos nossos olhares sobre os saberes escolares e pensaremos a didática a partir de uma abordagem crítica e transdisciplinar, a qual incorpora os desafios provenientes dos sujeitos da ação pedagógica. Posteriormente, compreenderemos a importância da formação dos professores. Para finalizar, estenderemos os nossos olhares sobre a figura simbólica do professor. Patrícia de Moraes Lima – 28 – Didática e Planejamento 2.1 Reflexões sobre a reconstrução da didática Nesta seção, pensaremos a reconstrução da didática a partir de uma pers- pectiva crítica da educação. Conforme havíamos abordado, a didática está ligada diretamente ao modo como os professores compreendem o processo de ensinar e aprender. A didática, nesse sentido, torna-se um elemento essencial que incide sobre a prática pedagógica do professor de modo que a organização do cotidiano trace as ações de registro, planejamento e avaliação. O contínuo exercício de interrogar-se sobre a prática pedagógica traz para o plano da didática um professor capaz de imprimir desafios cotidiana- mente no processo de ensino-aprendizagem. 2.2 Os saberes escolares Paulo Freire (1994) aponta que a tarefa do educador dialógico é conhe- cer o universo cultural e social dos seus alunos e buscar elementos que pos- sibilitem desenvolver junto aos educandos questões problematizadoras, para que estes possam desenvolver uma visão crítica sobre a realidade. Para que a ampliação dos conhecimentos ocorra, é necessário compre- ender a realidade social dos alunos, o que está por trás de cada um deles e a cultura a que eles têm acesso e valorizar, assim, o saber dos próprios alunos, fazendo a mediação com o saber socialmente sistematizado. Os conhecimentos dos alunos, por mais distantes que possam pare- cer do saber escolar, podem servir como pontos de partida para que o pro- fessor possa verificar o que os alunos já dominam e possa, então, planejar as ações de ensino no sentido de promover o avanço na apropriação de novos conhecimentos. As propostas do professor devem ir além dos conteúdos meramente utilitaristas e imediatistas. O professor deve trabalhar com conteúdos selecionados a partir da realidade próxima de seus alunos, avançando no – 29 – As contribuições da didática para a Educação sentido de que aprendam também os conhecimentos do dito “mundo letrado”, os quais podem ajudar o aluno a fazer uma leitura mais ampliada do mundo. Outra função do professor deve ser dar sentido aos conhecimentos apre- sentados aos alunos através da interdisciplinaridade, promovendo uma maior articulação entre os conteúdos e também com as demais áreas de aprendiza- gens e conhecimentos. O conhecimento, ao ser selecionado e organizado curricularmente, mui- tas vezes, acaba caracterizando um recorte simplificado,reduzido e conden- sado do saber científico. Esse recorte, ao ser descontextualizado das origens de sua produção, dificulta a compreensão da aprendizagem e impõe limites a uma articulação interdisciplinar. A escolha dos saberes escolares a serem ensinados ocorre mediante deci- sões fundamentadas na concepção de conhecimentos socialmente valorizados em determinado momento histórico, ou seja, os conhecimentos são pensados com base em interesses e posicionamentos. A escolha dos conteúdos é feita através do interesse de quem os trans- mite. Portanto, é necessário nos questionarmos: quais são os conhecimentos apropriados, senão aqueles em que o próprio professor acredite? A seleção de conteúdos considerados “apropriados” depende das forças dominantes em cada momento, dos valores que historicamente foram se deli- neando sobre o que se acredita ser valioso para ser ensinado, assim como dos valores que se pretende introduzir nos alunos. Os conteúdos não são criados pelo pensamento educativo, mas pelos frutos de uma história. Os conhecimentos transmitidos nas escolas não devem ser a única pos- sibilidade de interpretar a realidade. Ao realizarmos a atividade de planejar situações de ensino, devemos ter a preocupação de trabalhar todo e qualquer conhecimento de forma contextualizada. Um conteúdo passa a ser valioso e legítimo quando ultrapassa o aval social daqueles que têm poder para determinar sua validade. Por isso, a fonte do currículo deve ser a cultura que emana de sua sociedade. – 30 – Didática e Planejamento 2.2.1 Interdisciplinaridade na Educação Ao enfrentarmos um universo cultural extremamente rico e complexo, percebemos que somos incapazes de compreendê-lo. Isso nos faz refletir sobre o fato de que necessitamos de uma grande gama de conhecimento para que seja- mos capazes de acompanhar o contexto universal do mundo. Diante dessa difi- culdade, vemos a necessidade de uma transformação no sistema educacional. Segundo Lück (1994), unir culturas para um entendimento de mundo globalizado é uma ação que não deve ser feita apenas pelo modismo, em mais uma ação de mudança em favor da educação, pois, dessa forma, o projeto pedagógico interdisciplinar ficaria guardado na gaveta, servindo apenas para constatação de mudança teórica; porém, na prática, a educação continuaria fragmentada e sem qualquer perspectiva. A autora lembra que, se o professor analisar adequadamente o seu coti- diano escolar, identificará facilmente inúmeras dificuldades que resultam da visão fragmentadora, o que, por si só, estabelece a necessidade do enfoque interdisciplinar e globalizador no ensino. Porém Lück teme que os educa- dores usem a interdisciplinaridade como uma vestimenta nova, sem saber exatamente o seu significado e objetivo na educação. O professor tem de ter consciência de que, traba- lhando dentro de um sistema de interdisciplinari- dade, produzirá conhecimento útil, capaz de inter- ligar teoria e prática, e estabelecerá relação entre o conteúdo do ensino e a realidade social escolar. Para que tenhamos um entendimento abrangente sobre a interdiscipli- naridade, temos de entender o que é disciplina. A disciplina (ciência), entendida como um conjunto específico de conhe- cimento de característica própria, obtido por meio de método analítico (aná- lise), linear (uniforme) e atomizador da realidade, produz um conhecimento aprofundado, correspondente a um saber especializado, ordenado e profundo, que permite ao homem o conhecimento da realidade a partir de especificidades, – 31 – As contribuições da didática para a Educação ao mesmo tempo em que deixa de levar em consideração o todo de que faz parte (LÜCK, 1994). Sob um enfoque mais pedagógico, podemos definir a disciplina como: a atividade de ensino, o ensino de uma área da Ciência ou como a ordem e organização do comportamento. No contexto pedagógico, o conhecimento já produzido, conforme o enfoque epistemológico anteriormente descrito, é submetido, novamente, ao tratamento metodológico, analítico, linear e atomi- zador, agora, com o objetivo de facilitar a sua apreensão pelos estudantes, o que dá origem às disciplinas. As disciplinas, ou corpos de conhecimentos especializados, foram constru- ídas a partir de um paradigma teórico-metodológico que norteou a determina- ção da visão especializada de mundo. A interdisciplinaridade no campo da Ciência corresponde à necessidade de superar a visão fragmentadora de produção do conhecimento. No campo da Pedagogia, surge da compreensão de que o ensino não é tão-somente um problema pedagógico, e sim um problema epistemológico. O objetivo da interdisciplinaridade é, portanto, o de promover a supera- ção da visão restrita de mundo e a compreensão da complexidade da realidade, resgatando concomitantemente a centralidade do homem na realidade e na produção do conhecimento, de modo a permitir, ao mesmo tempo, melhor compreensão da realidade e do homem como ser determinado e determinante. A interdisciplinaridade é um elo entre os conhecimentos que almeja abranger todas as disciplinas em um só tema por meio de uma visão global do mundo. Por meio desse enfoque, a educação tem por finalidade contribuir para a formação do homem pleno, inteiro, uno, que alcance níveis cada vez mais competentes de integração das dimensões básicas, o eu e o mundo, com a finalidade de que seja capaz de resolver os problemas globais e complexos que a vida lhe apresenta e de produzir conhecimentos que possam contribuir para a renovação da sociedade. A visão interdisciplinar corresponde, portanto, a estabelecer a ligação entre duas ou mais concepções que, em cada circunstância, vejam o homem por inteiro, reconhecendo a interação dialética entre as polaridades: materia- lidade e espiritualidade, corpo e alma. – 32 – Didática e Planejamento A interdisciplinaridade como ideia de superação da fragmentação do ensino não é nova. Ou seja, no final do século XX, já havia a indicação de uma nova proposta do currículo como forma de superar essa fragmentação. A Lei 5.692/71, implantada no sistema educacional, propunha a integração vertical e horizontal das disciplinas. Igualmente, o método de projetos, que foi muito popular em certa época, surge agora como uma força de sustenta- ção para uma mudança na educação. A interdisciplinadade vem atender a necessidade percebida pelos pro- fissionais da educação em geral, e não apenas pelos que atuam em seu nível macroadministrativo. Somente agora, ela surge como força de superação da fragmentação, linearidade e artificialização – tanto do processo de produção do conhecimento quanto do ensino e do distanciamento de ambos em relação à realidade – e é vista como possível a partir de uma prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade na educação vem sendo estudada pelos educa- dores desde a década de 1970. Todavia a mudança provocada pela prática da interdisciplinaridade causa, como toda ação a que não se está habituado, uma sobrecarga de trabalho e certo medo de errar, ocasionado pelo risco de que a mudança metodológica de ensino não dê certo, o que gera resistências. De uma forma ou de outra, percebemos que os educadores vêm tentando internalizar conhecimentos a seus alunos de forma global. Com isso, a escola busca uma maneira de desfragmentar seus conteúdos unindo-os em um só tema. O objetivo é levar conhecimento para seus alunos de forma globalizada. A prática interdisciplinar, no contexto da sala de aula, implica na vivên- cia do espírito de parceria, de integração entre teoria e prática, conteúdo e rea- lidade, objetividade e subjetividade, ensino e avaliação, meios e fins, tempo e espaço, professor e aluno, reflexão e ação, entre muitos dos múltiplos fatores interagentes do processo pedagógico. A interdisciplinaridade é erroneamente confundida com: 2 trabalhocooperativo e em equipe; 2 visão comum do trabalho pelos participantes de uma equipe; 2 integração de funções; 2 cultura geral; – 33 – As contribuições da didática para a Educação 2 justaposição de conteúdos; 2 adoção de um único método de trabalho por várias disciplinas. É fácil, pois, reconhecer que, embora esses aspectos sejam associados à prática interdisciplinar, eles não podem ser considerados como o processo todo; muitas vezes, são considerados como o ponto de chegada do esforço pela construção da interdisciplinaridade, e não como um passo ou momento desse processo. Portanto, fica o desafio aos educadores, no sentido de que se esforcem para assumir uma atitude interdisciplinar e para mudar no exercício da prá- tica: ter uma visão globalizadora, acreditamos, tornará o trabalho educacional mais significativo e produtivo. 2.2.2 Os conteúdos dentro de um enfoque transdisciplinar Dentro de uma perspectiva crítica da Educação, os conteúdos devem ser inter-relacionados, transdisciplinares, interdisciplinares e abranger capacida- des cognitivas, motoras, afetivas, éticas e sociais. Vamos, a seguir, estudar os diferente tipos de conteúdos que podem ser trabalhados pelo professor. 2 Conteúdos factuais Os conteúdos factuais são conhecimentos de fatos, acontecimentos, dados e fenômenos concretos e singulares. Por exemplo: as datas come- morativas, os nomes das pessoas, a localização de territórios ou a altura de uma montanha. A aprendizagem desses conteúdos se dá pela repetição dos conhecimentos. Esses conteúdos envolvem a capacidade de memorização do aluno, que pode utilizar-se de estratégias pedagógicas que envolvam exercícios de fixação, repetição, construção de esquemas e agrupamento por categorias. 2 Conteúdos conceituais Os conteúdos conceituais relacionam-se com os conceitos propria- mente ditos e referem-se a conjuntos de fatos, objetos ou símbolos que pos- suem características comuns. São conteúdos mais abstratos, que envolvem a compreensão, a reflexão, a análise e a comparação. Portanto, para que sejam – 34 – Didática e Planejamento apreendidos, não basta repetir a informação; é necessário compreender os conhecimentos de forma a conseguir utilizá-los. Para tanto, durante o pro- cesso de aprendizagem, o aluno, partindo de seus conhecimentos prévios, precisa adquirir novas informações e vivenciar situações-problema que o conduzam a novos conhecimentos e à elaboração de novos conceitos. 2 Conteúdos procedimentais Os conteúdos procedimentais envolvem ações ordenadas com um fim, ou seja, ações direcionadas para a realização de um objetivo. Referem-se a um aprender a fazer, que envolve regras, técnicas, métodos, estratégias e habilidades. Ao planejarmos e organizarmos uma aula, podemos tornar explicita, por meio da delimitação de objetivos, a nossa intenção de que os alunos desenvolvam habilidades específicas, relacionadas ao domínio de conteúdos procedimentais. 2 Conteúdos atitudinais São os conteúdos que caracterizam-se como valores, atitudes e normas. Alguns desses conteúdos são a cooperação, a solidariedade, o trabalho em grupo, o respeito, a ética e o trabalho com a diversidade. O ensino de con- teúdos atitudinais corresponde ao compromisso filosófico da escola em pro- mover aspectos que nos completem como seres humanos e que deem razão e sentido ao conhecimento científico. Esse compromisso da escola pode estar expresso nos objetivos educacionais, contemplando a intenção de favorecer o desenvolvimento de comportamentos éticos, o respeito às normas e a mani- festação de atitudes positivas. O enfoque globalizador da educação concebe o aluno em uma perspectiva mais holística e integral e defende que a organização dos conteúdos e das ativi- dades de ensino priorize a aprendizagem significativa. Para isso, os conteúdos não podem ser segmentados, separados e descolados da realidade do aluno. 2.3 A sala de aula A aula tem que ser vista e pensada não apenas como um momento em que se segue um currículo, em horários pré-determinados e com planos de – 35 – As contribuições da didática para a Educação aula a serem seguidos, mas como um momento de encontro entre os conte- údos de ensino e os próprios sujeitos da ação: os alunos. A aula deve se cons- truir como um campo de possibilidades formativas, e não apenas como um campo físico de transmissão de conteúdos. O objetivo principal da aula é sempre o ensino e a aprendizagem de conteúdos de ensino. Como já dissemos anteriormente, para que esse pro- cesso possa acontecer efetivamente, é necessário que a prática pedagógica seja contextualizada e que se considere a situação econômica, social e política de cada sujeito ali envolvido. É no ambiente da aula que a visão de mundo do aluno deverá ser ampliada, uma vez que vai ser nesse espaço, que tem por finalidade promover a educação formal do cidadão, que as trocas e as relações vão acontecer. É na aula que a construção do conhecimento vai se dar, através do pro- cesso didático. E essa construção só será possível mediada pela relação peda- gógica, evidenciando assim o papel e a centralidade que deve ter o trabalho docente na construção do conhecimento de cada educando. Vai ser no ambiente da sala de aula que ensino, aprendizagem, pesquisa e avaliação vão se entrecruzar enquanto processos vivenciados entre alunos e professores; é nesse ambiente que, permanentemente, serão construídos sabe- res, valores, aprendizagens e culturas. A sala de aula é um espaço complexo, que de modo algum é neutro. Por trás das relações estabelecidas e das interações humanas efetivadas, há objetivos e finalidades pensadas por cada sujeito que ali está, seja na con- dição de aluno, seja na condição de professor. Portanto, a didática deve se construir e se estruturar enquanto um pensar sobre as nossas práticas peda- gógicas, e para que esse processo seja efetivo, deve ser coletivo, e não indivi- dualizado. Ou seja, a escola deve ser um ambiente pensado coletivamente, para que todos os sujeitos que ali se envolvam possam se sentir partícipes de todo o conjunto de relações que ali são estabelecidas, e assim não se tornem passivos nas relações de aprendizagens. As ações pedagógicas devem acontecer na relação coletiva entre professor e aluno, proporcionando a troca de experiências, de conhecimentos e tam- – 36 – Didática e Planejamento bém de angústias. A análise e a compreensão dos dados levantados também devem ser partilhadas. É necessário que o professor assuma em sala de aula um trabalho inte- rativo, considerando que há uma multiplicidade de ações existentes no coti- diano das salas. O trabalho docente deve acontecer de forma intencional, sistemática e comprometida com as aprendizagens de cada sujeito que ali está, considerando os alunos nas suas especificidades, respeitando seus tempos e suas aprendizagens. Para que as aprendizagens não se tornem apenas transmissão de conteú- dos, é preciso fundamentar o processo didático na compreensão da realidade, percebendo o aluno enquanto sujeito ativo nas ações, e não apenas como receptor passivo dos conhecimentos. Como já havíamos expressado, nem a sala de aula nem a didática são neutras. A didática tem um compromisso social e político, que vai se defi- nindo à medida que se privilegiam alguns conteúdos em detrimento de outros. O campo de disputa entre conteúdos e ensinamentos é um campo de forças, onde o que estiver mais bem articulado nas suas proposições acaba se sobressaindo. É preciso, portanto, que o professor tenha clareza de seu papel, já que, na sua prática docente, terá que, constantemente, tomar decisões, reafirmando sempre sua posição política através de sua prática pedagógica. 2.4 A formação de professores As primeiras pesquisas sobre a formação de professores foram vistas como a salvaçãodos problemas da educação. Acreditava-se que a melhoria da educação dependia apenas dos professores, o que sabemos ser uma crença sem fundamento, pois os problemas de gestão, de estrutura, de organização, de ausência de materiais, da falta de participação dos pais e de políticas públicas também influenciam a qualidade do ensino. Entretanto a formação docente é importante e deve ser um processo con- tínuo de aprendizagens e desenvolvimento profissional. A importância da for- mação está relacionada com o aperfeiçoamento de habilidades e com a aqui- sição de novos conhecimentos, de modo a melhorar a qualidade do ensino. – 37 – As contribuições da didática para a Educação No início das pesquisas sobre a formação de professores, o foco estava na formação inicial do docente. Contudo, com o crescente interesse sobre esse tema, a formação continuada do professor passou a figurar no centro das pesquisas. É necessário que o professor amplie seus conhecimentos, através da formação continuada, porém não devemos desconsiderar todos os ele- mentos que compõem sua bagagem, adquirida durante toda vida pessoal e carreira profissional, para não desconsiderá-los e desvalorizá-los enquanto conhecimentos válidos e significativos. Os conhecimentos prévios do pro- fessor, os quais embasam sua prática docente, não podem ser desmerecidos. Não podemos nos esquecer de que a formação do professor acontece desde o início de sua existência, ao longo de toda a sua vida, em diferentes contextos. Toda a experiência do professor está relacionada aos contextos em que esteve presente, às posições que ocupou e ao modo como refletiu sobre sua própria existência enquanto sujeito e enquanto docente. Suas relações foram sendo tecidas com familiares, com a escola (sua própria formação inicial) e com seus pares. As aprendizagens que constituíram o sujeito pro- fissional da educação não se deram de maneira linear, foram construídas por um conjunto de determinações sociais que, ao longo de suas vivências, foram experienciadas. Do mesmo jeito que devemos respeitar o sujeito aluno, partindo dos conhecimentos que já possui para, posteriormente, ampliá-los, assim deve ser com o sujeito professor: devemos partir de onde estão suas aprendizagens para, enfim, poder ampliá-las e ressignificá-las. É necessário que o professor amplie suas competências para que o seu trabalho possa se tornar cada vez mais flexível e conter um espectro de estratégias cada vez mais amplo. As competências são aqui entendidas como saberes que mobilizam novas respostas para as vivências da sala de aula, ou seja, saberes que se manifestarão, principalmente, nas ações cotidianas. – 38 – Didática e Planejamento Nesse contexto, vemos os professores como mediadores culturais, como mediadores dos conhecimentos e das aprendizagens, os quais, por meio de suas competências, proporcionam a organização de situações educativas que podem tornar os conteúdos significativos para os alunos. Para que o aluno aprenda, precisamos, primeiramente, que ele deseje aprender. Sem que o indivíduo esteja aberto ao conhecimento, não será válido o esforço do professor. Porém, para que possamos formar sujeitos, precisa- mos, enquanto professores, estar formados com as competências necessárias para os possíveis ensinamentos. Por entendermos o professor como um “ser-em-relação” é que conside- ramos a importância de sua vivência em grupo, não mais individual (em suas salas de aula), mas coletiva. Percebemos que as escolas, cada vez mais, em suas práticas institucionais, investem na gestão coletiva, visando a uma melhor estruturação da escola. A construção da docência sempre estará relacionada aos outros sujeitos, ao coletivo. Por isso, defendem-se as “comunidades de aprendizagem”, con- ceito utilizado por Mizukami (2006) para designar grupos de estudos que podem acontecer no próprio local de trabalho, entre todos que habitam aquele espaço. A importância de esses encontros acontecerem no coletivo se dá justa- mente por acreditarmos que os conhecimentos coletivos superam os individu- ais, e que alguns sabem aspectos que os outros não sabem, por isso, a troca de conhecimentos, experiências, vivências e aprendizagens é significativa. Porém, ao mesmo tempo, acreditamos que o professor, cada vez mais, precisa se tornar auto-reflexivo e autônomo nas suas decisões; ele precisa ter controle sobre os efeitos do próprio trabalho, saber a quem está atingindo e de que modo, para que assim possa tornar-se consciente de suas atitudes. 2.5 Ser professor A tarefa de ser professor é desafiada cotidianamente, pois, nessa pro- fissão, nos construímos permanentemente pelo fato de estarmos diante de outros sujeitos, no caso, os educandos. No plano ético dessas relações, o apri- moramento desse ser-professor torna possível a qualidade das ações educati- vas que, no âmbito dessas práticas, serão construídas. – 39 – As contribuições da didática para a Educação Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liber- dade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amofinar e já não ser teste- munho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liber- dade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amofinar e já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste (Paulo Freire). Rui Canário (2002) aponta alguns caminhos para pensarmos a figura simbólica do professor em uma concepção crítica e ampliada da educação: 2 O professor como analista simbólico Conceber o professor como um analista simbólico significa encará-lo como um “solucionador de problemas”, isso em contextos marcados pela complexidade, pela incerteza, pelos dissabores, e não como alguém capaz de dar as “respostas certas” a situações previsíveis. Isso significa, também, questionar criticamente os processos de formação concebidos como processos cumulativos e de treino, para responder a estímulos externos determinados. – 40 – Didática e Planejamento 2 O professor como um artesão A singularidade das situações educativas impede que o professor possa aplicar procedimentos de natureza científico-técnica de forma padronizada e com êxito. Mais do que um reprodutor de práticas e transmissor de conhe- cimentos, o professor é um reinventor de práticas, ao reconfigurá-las de acordo comas especificidades dos contextos e do público a que se desti- nam. O saber construído na ação é um saber de primordial importância, portanto, acreditamos que o professor-artesão apresenta um conjunto de saberes extremamente úteis. 2 O professor como um profissional de e da relação O professor exerce uma atividade profissional que poderia, tranquila- mente, ser inscrita entre as profissões de “ajuda”, marcadas pela relação face a face, quase permanente, com o aluno (educando). Nessa atividade, o professor investe toda a sua personalidade e todo o seu ser, o que muitas vezes gera um elevadíssimo nível de estresse, na medida em que os insucessos e as dificuldades profissionais acabam sendo sentidos também como insucessos pessoais. E isso se dá pelo fato de que a natureza da sua atividade se define tanto pelo que ele sabe quanto pelo que ele é como pessoa. Essa importância decisiva da dimensão relacional da profissão torna mais evidentes os limites do modelo de racionalidade técnica que continua a dominar as concepções sobre a formação dos professores. A relação entre professor e alunos engloba as dimensões intelectual e afetiva e impregna a totalidade do ato educativo, não podendo ser ensinada, apenas aprendida. Portanto, reconhecer que a relação entre professor e aluno vem impreg- nada da totalidade da ação profissional do professor implica reconhecer que esse mesmo professor aprende, e muito, no contato com seus alunos, e será tão melhor professor quanto maior for sua capacidade para realizar essa aprendizagem. Isso significa dizer que o estereótipo tradicional do bom pro- fessor, reduzido à condição de bom e eficaz transmissor de conhecimentos e informações, terá de dar lugar à figura do bom comunicador, definido, sobretudo, pelas suas qualidades de “escuta”, ou, utilizando as palavras de Donald Schön (1992, p. 83), pela sua disponibilidade para “ser surpreen- – 41 – As contribuições da didática para a Educação dido pelo que o aluno faz” para, em um segundo momento, tentar compre- ender “a razão por que foi surpreendido”. 2 O professor como um construtor de sentidos Nos dias atuais, fala-se muito em “crise da escola”. Essa crise é vista das mais variadas formas, mas, nem sempre, é compreendida. Para uns, o que está em foco é, sobretudo, a eficácia da escola, passível de ser melhorada a partir de uma intervenção centrada em aspectos técnicos (didáticos e curriculares). Para outros, no entanto, vive-se, fundamentalmente, uma crise de “legi- timidade”, decorrente da defasagem entre a instituição escolar, a diversidade de expectativas e as lógicas de ação, presentes em um público escolar cada vez mais diferenciado. Essa crise se traduz na dificuldade da escola em buscar recursos de sentido para o processo de ensino-aprendizagem. É nessa pers- pectiva que se valoriza, como uma das dimensões essenciais do trabalho do professor, a capacidade de ser um “construtor de sentido”, que ultrapassa o papel de mero transmissor de informações. Aprender, entendido como um processo de humanização, não pode ser o resultado de um processo cumulativo de informação, mas de um processo de seleção, organização e interpretação das informações a que cada um está exposto, e que, segundo as pessoas e segundo os contextos, pode dar origem a perspectivas muito diferentes. É a partir dessa maneira de ver que se pode sustentar, como o faz Barthes (1996, p.25), que aprender significa “atribuir sentido a uma realidade complexa, e essa construção de sentido é feita a partir da história” cognitiva, afetiva e social de cada sujeito. Quando o professor experimenta a ambiguidade do seu lugar, ele con- segue, juntamente com os seus alunos, administrar a violência intrínseca ao seu papel. Isso não significa que, se isso acontecer, a paz reinará na escola, mas que alunos e professores, por força das circunstâncias, serão obrigados a se ajustar e a formular regras comuns, limites de fechamento e de tolerância. Portanto, nem autoritarismo nem abandono. O professor ocupará o seu lugar limitador e abrirá brechas que permitirão ao aluno negociar e viver com mais intensidade a misteriosa relação que une o “lugar-escola” e “o nós-alunos”. É preciso desencadear no aluno a paixão pela descoberta de si e do mundo, e isso só se faz quando se está movido pela mesma paixão. – 42 – Didática e Planejamento Síntese Neste capítulo, estudamos o que é a didática a partir das suas princi- pais fases. Avançamos nessa direção para pensar os conteúdos da didática e como podemos, com esses elementos, construir nossos planos de aula. A sala de aula é o lugar onde, de fato, exercitamos a didática, e é por meio dessas experiências que construímos as possibilidades de ser professor. A formação permanente coloca-se como um processo essencial para que a didática possa ser sempre revisitada e, com isso, aprimorada. 3 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Neste capítulo, trabalharemos o planejamento escolar como fruto de um processo denso de observação do vivido, de refle- xão e de avaliação do cotidiano. Discutir o planejamento escolar implica reconhecer a importância da documentação pedagógica na educação. Observa- ção, registro, planejamento e avaliação são ferramentas metodoló- gicas que orientam a prática pedagógica. Na prática pedagógica, percebemos que essas ferramentas encontram-se intimamente rela- cionadas e organizam o trabalho docente. É importante que a escola promova e planeje, no ambiente escolar, um espaço social democrático que propicie a presença dos pais na escola e, ao mesmo tempo, garanta um ambiente onde todos possam se manifestar livremente, com sua opinião, sua experiência, e que esse encontro produza uma nova visão sobre a educação. O professor precisa pesquisar e se aprofundar no conheci- mento da questão cultural da comunidade escolar onde seus alunos Patrícia de Moraes Lima – 44 – Didática e Planejamento estão inseridos e perceber que a sua missão em sala de aula não é apenas transmitir conteúdo teórico, é também permitir o aprendizado de valores e comportamentos. Essa aprendizagem educacional ampla possibilitará ao indivíduo interpretar e transformar a sociedade, que é o objeto máximo da educação, e, ao mesmo tempo, ter o benefício do bem-estar coletivo e pessoal. 3.1 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Os instrumentos metodológicos são as ferramentas que devem guiar a prática pedagógica: todos eles se completam e não pode existir um sem o outro. O modo como inicia o primeiro procedimento é que vai dar início ao círculo (sem fim) que são ou outros, como se percebe na ilustração a seguir. Planejamento Registro e Re�exão Avaliação Observação Replanejamento Após uma observação sensível e atenta a todos os detalhes, inicia-se o planejamento, que, ao revisitar o olhar a partir da reflexão exercitada nos registros, nos guiará e nos mostrará caminhos para a contínua avaliação como um processo contínuo de aprendizagens, refletido nas nossas práticas vividas. – 45 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Fechando esse ciclo, chegamos ao replanejamento, momento em que nossas ações ganham uma nova perspectiva, e damos continuidade à nossa prática pedagógica com novos embasamentos. 3.1.1 A observação Uma das formas para construir o conhecimento é através da observação. Observar é uma coisa, ver e enxergar é outra. Quem olha tem de aprender a ver e a interpretar o que está sendo observado. Na observação, não entram só imagens; entram também os elementos culturais que se inscrevem nos processos cotidianos. Para observar, é preciso ter perguntas e duvidar das suas respostas. Em outras palavras, o professor precisa saber o que vai observar para poder direcionar o seu olhar para o que
Compartilhar