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1 As fístulas são comunicações anormais entre dois epitélios através de um trajeto. Este trajeto pode comunicar duas vísceras ocas ou uma víscera com a pele. (Figura 1) Fig. 01 Fístula entero-entérica, entero-cutânea e abscesso ETIOLOGIA As principais causas das fístulas digestivas são: Doenças inflamatórias intestinais Doença de Crohn Tuberculose intestinal Blastomicose sul-americana Complicações operatórias de intervenções cirúrgicas intra-abdominais Abscessos; Traumas; Isquemia; Irradiação de tumores. Vários fatores podem predispor ao surgimento de fístulas digestivas pós-operatórias: Fatores gerais: Desnutrição – fator risco importante para pacientes cirúrgicos, fazer suporte nutricional pré-operatório. Idade Presença de doenças crônicas Presença de doenças neoplásicas Paciente com uso de corticoterapia Fatores locais: Intervenção sobre órgãos com processos inflamatórios Intervenção sobre órgão com processos neoplásicos Lesão visceral por irradiação prévia Fatores ligados a dificuldades técnicas: Lesões viscerais acidentais Esquecimento de corpos estranhos Deiscências de sutura intestinal Inclusão de intestino no fechamento da parede Deiscência da sutura da parede abdominal FISIOPATOLOGIA Os principais transtornos das fístulas gastrointestinais podem ser vistos no quadro abaixo. Estes transtornos dependem de algumas variáveis como a etiologia e o tipo de fístula (drenagem interna ou externa), a localização anatômica e o débito da fístula (qualidade e quantidade de líquido perdido). Principais transtornos acarretados pelas fístulas digestivas: Distúrbios hidroeletrolíticos Infecção Intra-abdominal Peritonite Abscessos intra-abdominais Outros locais Infecção de ferida cirúrgica Infecção pulmonar Septicemia Lesões cutâneas Complicações tromboembólicas Pulmonares Cerebrais Hemorragia digestiva Escaras de decúbito Obstrução intestinal Desnutrição As fístulas digestivas altas (aquelas que acometem o estômago, duodeno ou gastrojejunais – até o ligamento de Treitz) são as que mais favorecem ao estabelecimento de processos infecciosos intra-abdominais de alta gravidade. A desnutrição é a principal causa de óbito a médio e longo prazo nos paciente com fístulas digestivas. A desnutrição, tornando-se grave pode tornar o indivíduo mais suscetível a um processo infeccioso tardio. Os pacientes que possuem fístulas digestivas possuem excelentes condições para o desenvolvimento de desnutrição. Mecanismos da desnutrição nas fístulas digestivas: Restrição alimentar Catabolismo inerente ao jejum Estado hipermetabólico Doença básica Trauma cirúrgico Infecção Outras complicações associadas Perda protéica intestinal por perda de sucos digestivos (a quantidade de proteína produzida endogenamente e secretada dentro do tubo digestivo, diariamente, é duas a três vezes a quantidade recebida de fontes exógenas, através de uma dieta normal) CLASSIFICAÇÃO DAS FÍSTULAS As fístulas são classificadas segundo o seu trajeto e segundo o débito em 24 horas, conforme abaixo: Quanto ao Trajeto: Fístulas internas:comunicação entre vísceras ocas adjascentes Fístulas externas (enterocutânea): comunica uma alça intestinal com a superfície do corpo. Quanto ao débito em 24 horas (Chemin) Alto débito: perda acima de 500ml ao dia; Médio débito: perdas entre 200 e 500ml ao dia; Baixo débito: perdas inferiores a 200ml ao dia. Quando o débito é alto, podem ocorrer complicações como: FÍSTULAS DIGESTIVAS Prof. Fernanda Osso fernandaosso@nutmed.com.br 2 Perda de fluídos, eletrólitos, energia, proteínas, vitaminas Desidratação Desequilíbrio ácido básico e eletrolítico Desnutrição – especialmente se a reposição das perdas não for adequada. TRATAMENTO Ao se iniciar o tratamento de pacientes com fístulas digestivas, devem-se observar os seguintes aspectos: Reposição volêmica: para pacientes com fístulas de alto débito, a perda de líquidos e eletrólitos pelo orifício fistuloso espolia o pacientes, levando-o a desidratação (hipovolemia) e também a distúrbios do metabolismo eletrolítico e ácido- básico. Portanto, é necessária a reposição de volume com soluções eletrolíticas balanceadas (ringer lactato), sendo monitorada a pressão arterial e a reposição de eletrólitos deve ser baseada nas dosagens diárias desses elementos bem como na gasometria arteriall. Combate à sepse: a sepse, principalmente na presença de desnutrição, é a principal responsável pela mortalidade das fístulas digestivas. É importante a drenagem eficaz dos trajetos fistulosos e abscessos e antibioticoterapia. Na tabela 1 podemos observar os fatores que influenciam o fechamento espontâneo das fístulas. Tab.01 Fatores que influenciam o fechamento espontâneo das fístulas gastrintestinais (Dan 2017) Fator Favorável Desfavorável Característica da Fístula Trajeto fistuloso longo, continuidade intestinal, ausência obstrução Trajeto fistuloso curto, eversão da mucosa, doença intestinal adjacente, evisceração, oclusão distal, defeito parede abdominal Órgão de origem Bílio-pancreática / Cólon / Gástrica Duodeno/ Jejuno Ileal Sepse Ausente Presente Etiologia DII Malignidade / falha de anastomose Origem do pcte Mesmo hospital Tranferido Débito < 500 ml / dia > 500ml / dia Desnutrição Ausente Presente Duração fístula Aguda Crônica Uma fístula de baixo debito distal tem maior probabilidade de fechamento espontâneo (sem cirurgia) do que uma de alto debito mais proximal. As fistulas associadas a neoplasia maligna tem chance mínima de fechamento espontâneo MANEJO CLÍNICO DAS FISTULAS Correção dos distúrbios eletrolíticos e ácido básico Descompressão nasogástrica Redução do debito fistuloso Supressão da secreção gástrica com octreotite, inibidores de bomba de prótons e de H2 Proteção da pele Diagnostico e controle de infecção Reabilitação intensiva (internação em CTI) Terapia Nutricional 1. Terapia Nutricional (TN) A TN tem como objetivo melhorar o estado nutricional ou impedir que ele se deteriore. Com relação a TN devem ser observadas as seguintes considerações: as fístulas de alto débitos (>500ml/dia) devem ser inicialmente tratadas com nutrição parenteral total; Nas fístulas altas (esofágicas e segundo Chemin também em estômago e duodeno) ou baixas e naquelas em que se consegue passar uma sonda distalmente a ela, pode-se empregar a nutrição enteral, ou até mesmo jejunostomia. se o débito aumentar muito com o uso da nutrição enteral, deve-se voltar para nutrição intravenosa (parenteral) exclusiva. (Chemin) Quando não há possibilidade de alimentação oral em 07 dias, há indicação de enteral e parenteral, conforme localização da fístula. Quando a fístula é na região do Ângulo de Treitz (jejuno) é possível optar pela sonda em posição gástrica. (Atenção o livro fala isto, mas está errado). Sempre que possível deve-se priorizar a nutrição enteral e não há consenso na literatura se as fórmulas oligoméricas teriam vantagem pela maior digestibilidade. 3 Recomendações Nutricionais energia O cálculo calórico deve ser feito pela equação de Harris- Benedict, acrescida dos fatores de estresse e atividade (GEB x fator de estresse X fator atividade) da tabela 2. Tab. 02 Fatores de Estresse e Atividade para Cálculo das Necessidades Nutricionais de Pacientes portadores de Fístulas Fator de estresse Inanição 0,80 – 1,00 Pós-operatório não complicado 1,00 – 1,05 Câncer 1,10 – 1,45 Infecção grave/trauma 1,30 – 1,55 Fator atividade 1,20 – 1,25 Proteína 1,5 a 2,0 g/kg Zinco – reposição de 10 a 15 mg/litro de débito Vitaminas e minerais: acompanhar exames séricos para reposição. (Dan 2017) Imunonutrição: Não existe estudo específico para pacientes com fístula enterocutânea, mas há evidências de que podem ser benéfica em desnutridos A avaliação diária do débito drenado pela fístula, como também, a dosagem laboratorial dos eletrólitos perdidos nas secreções, pode ser útil quando o débito é muito alto e não se consegue equilibrar adequadamente o paciente. Além disso, pode-se, pode-se ainda dosar a perda de nitrogênio pela secreção e contribuir, assim, para o melhor cálculo da infusão de nitrogênio. Segundo CHEMIN O uso de análogos da somatostatina (octreotídeo) tem se mostrado importante no auxílio à diminuição do débito das fístulas já que ele atua inibindo as secreções endócrinas e exócrinas do estômago, pâncreas e intestino delgado. Já DAN 17 diz haver uma série de estudos controversos em relação ao uso da somatostatina e o octreotído no uso em casos de fístula. Em resumo, ele diz que parece que a infusão de somatostatina, mas não de octreotídeo, reduz o débito da fístula e o tempo de fechamento. Atenção: Somatostatina e octreotídeo Inibem a secreção de insulina e glucagon, o que pode elevar a concentração de glicose no sangue. É importante a monitorização do paciente. A avaliação clínica deve ser realizada diariamente e nos pacientes mais graves até 02 vezes por dia. Há necessidade também de avaliação laboratorial que pode ser feita 02 vezes por semana. 2. Tratamentos específicos das fístulas de diferentes órgãos (Dan 2017) Normalmente o tratamento clínico das fístulas se dá por um período de 04 a 06 semanas, se após este período não houver resolução, então avalia-se a necessidade de cirurgia. Fístula Esofagianas Cervicais normalmente são fístulas benignas decorrentes de anastomoses esôfago-gástricas cervicais. Alimentação inicial por jejunostomia (os pacientes submetidos a este procedimento cirúrgico já possuem normalmente um jejunostomia) Quando fístula estiver cicatrizada ou mesmo com o trajeto orientado pode ser iniciada dieta oral, porém orientando-se o paciente a não ingerir líquidos. Cicatrização normal entre 08-12 dias, mas pode demorar mais se o paciente tiver sido submetido a radioterapia pré-operatória. Com a cicatrização pode acontecer estenose e ser necessária uma dilatação. Intratorácicas traumáticas no procedimento cirúrgico para tratamento da fístula é providenciada uma gastrostomia para descompressão e uma jejunostomia alimentar. A TNP pode ser utilizada inicialmente para reverter o catabolismo e, assim, melhorar as condições nutricionais e imunológicas do paciente. Concomitantemente pode-se iniciar dieta enteral (se o paciente não apresentar íleo paralítico) pela jejunostomia, evitando-se a translocação bacteriana. Após a estabilização da dieta enteral, retira-se a TNP. Intratorácicas pós-cirúrgicas decorrem principalmente de ressecção do esôfago torácico com anastomose esôfago- gástrica ou esôfago-jejunal intratorácica. Faz-se a drenagem esofágica, esofagostomia cervical e uma jejunostomia retrógrada descompressiva e alimentar. Intra-abdominais podem ocorrer após gastrectomias totais com reconstrução do trânsito com jejuno (anastomoses esôfago-jejunais). Deve ser tratada inicialmente com NPT, até que o paciente esteja em boas condições clínicas e o íleo tenha se resolvido. Então, coloca- se uma sonda nasoenteral localizando-a distalmente e inicia- se a nutrição enteral. Fístulas Gástricas Traumáticas podem ser transformadas em gastrostomia e fecham espontaneamente após retirada do tubo. Pós-operatórias são raras, mas podem acontecer após gastrectomias subtotais em um dos locais da reconstrução gastrojejunal. Se o paciente for reoperado por causa da sepse pode-se tentar transformar esta fístula numa gastrostomia descompressiva. Se não, serão realizadas uma jejunostomia descompressiva e uma alimentar. A NPT deve ser empregada inicialmente até a resolução do íleo. Fístulas duodenais: São as de maior mortalidade, pois são de alto débito e provocam distúrbios ácido-básicos severos, além de sepse e erosão da pele. Podem ser: De coto duodenal NPT inicialmente, após estabilização do paciente, colocação de uma sonda nasoenteral pela alça eferente e início de nutrição enteral. Laterais NPT até que o paciente tenha condições de receber nutrição enteral por sonda. Fístulas intestinais: Podem originar-se tanto da porção alta do intestino quanto do íleo, são causadas por cirurgias intestinais ou doenças inflamatórias intestinais. São, geralmente de alto débito e produzem distúrbios hidro-eletrolíticos e ácido- básicos importantes. A NPT nestes pacientes é primária e muito importante na função de reduzir as secreções intestinais. Em fístulas de íleo terminal, já orientadas, pode-se tentar a nutrição enteral sem resíduo, observando o débito diário. Fístulas biliares: 4 São geralmente de pós-operatório. Geralmente fecham em pouco tempo com uso de uma dieta oral, mas podem necessitar de NPT em casos selecionados. Fístulas pancreáticas: São decorrentes de traumas sobre o pâncreas, procedimentos cirúrgicos e pancreatites. Pós-traumáticas NPT ou NE, dependendo do débito e análogos da somatostatina. Pós-cirúrgicas NPT + octreotídeo. Ascite pancreática deve-se a ruptura de um canal pancreático para a cavidade peritoneal. Deve ser tratado com NPT, por 04 semanas aproximadamente, paracentese e, caso não exista melhora neste período, cirurgia. Fístulas colônicas Podem aparecer após apendicectomia ou cirurgias colônicas. Estercorais (entero-cutâneas) após apendicectomia geralmente são benignas e se resolvem com dietas enterais elementares. Por deiscências anastomóticas ileocólicas ou colorretais dieta zero por via oral, NPT até melhora do processo infeccioso quando se pode iniciar a dieta enteral elementar por sonda, observando-se o débito da fístula. 3. Complicações As complicações mais graves estão relacionadas a sepse, síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS), tromboembolismo, hemorragia digestiva alta, distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos e desnutrição além das possíveis complicações da NE e da NPT. Questões: 1) Na doença inflamatória intestinal, com fístula-jejuno ileal de alto débito, você indicaria: (Bombeiros – nutricionista – 2001) (A) nutrição parenteral (B) dieta quimicamente definida por via oral (C) dieta monomérica por sonda nasogástrica (D) dieta polimérica por sonda transpilórica (E) dieta quimicamente definida por sonda transpilórica 2) João foi internado para realizar cirurgia pancreática para alívio da dor. No 5º dia de pós-operatório foi diagnosticada uma fístula pancreática. No 07° dia de pós-operatório, João encontra-se estável hemodinamicamente, a drenagem da fístula apresenta um débito de 300ml nas 24 horas e a equipe decide iniciar sua alimentação. A via de acesso para alimentação recomendada neste momento: A) nutrição parenteral total B) nutrição enteral com cateter posicionado após o ângulo de Treitz C) nutrição parenteral periférica D) nutrição enteral por jejunostomia GABARITO: 1A 2A
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