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Doença infecciosa insidiosa e progressiva incapacitante causada pelo bacilo álcool-ácido resistente da espécie Mycobacterium leprae. Acomete os olhos, pele e sistema nervoso periférico (não compromete SNC primariamente), podendo evoluir para neuropatia e incapacidades funcionais. É uma doença com grande estigma social, e seus portadores tendem a sofrer grandes preconceitos e discriminação, por esse motivo a denominação “lepra” caiu em desuso no Brasil (apesar de ainda ser aceita pelo mundo), sendo substituída por “Mal de Hansen” ou “Hanseníase”. Ainda é considerada uma doença de povos negligenciados, população mais pobre em países não desenvolvidos. O Brasil é o segundo país com mais casos de Hanseníase no mundo, atrás apenas da Índia. Ao longo da história, pacientes foram exilados da sociedade, separados de suas famílias em colônias distanciadas do centro urbano inicial. Fisiopatologia O M. leprae apresenta melhor crescimento em áreas como pele, segmentos nervosos próximos à pele e membranas mucosas do trato respiratório superior. É uma doença marcada pelo desenvolvimento de granulomas por reação de hipersensibilidade do tipo IV em células de Schwann (com desmielinização dos nervos periféricos), endotélio e sistema monocitário. Na ausência de tratamento da apresentação clínica inicial (paucibacilar), a doença tende a evoluir para a forma multibacilar e torna-se transmissível. Doentes paucibacilares não são considerados importante fonte de transmissão. Considera-se que a transmissão seja feita por descarga nasal (gotículas provenientes das VAS) em pacientes com a forma multibacilar não tratados (o contato deve ser íntimo e prolongado), hansenomas e lesões erosadas da pele em pacientes bacilíferos também são contaminantes. Não há transmissão por objetos usados pelo paciente. O período de incubação é bem longo, fica em torno de dois a sete anos, com possibilidade de períodos curtos (sete meses) a longos (dez anos). A evolução ocorre de forma lenta e progressiva, podendo resultar em incapacidades físicas em indivíduos de qualquer sexo ou idade.. Após a penetração do bacilo no organismo, ocorre uma infecção subclínica, com cura espontânea na maioria dos casos. Num menor número de indivíduos, os bacilos se propagam para nervos periféricos e pele, onde são fagocitados pelas células de Schwann. O M. leprae, apesar de altamente infectante, possui baixa patogenicidade e virulência. Ou seja, muitas pessoas se infectam com o bacilo e poucas pessoas adoecem Considera-se que a maioria da população (>90%) apresenta imunidade natural contra o patógeno e sabe-se que a suscetibilidade ao M. leprae possui influência genética. Existem evidências que sugerem que indivíduos suscetíveis que apresentam os alelos HLA- DR2 e HLA-DR3 desenvolvem a forma paucibacilar e os que apresentam HLA-DQ1 desenvolvem a forma multibacilar. Em indivíduos paucibacilares, a resposta imune é regulada pela subpopulação celular Th1, que libera IL-2, IL-12, IL-15, IL-18 e INF-γ, que promovem a ativação dos macrófagos, resultando em resposta vigorosa contra os bacilos. O doente multibacilar apresenta o padrão Th2, que promove a liberação de IL-4, IL-10 e IL-13, responsáveis pela desativação dos macrófagos, aumentando a proliferação bacilar. Apresentação clínica Devemos pensar em hanseníase sempre que o paciente apresentar lesões de pele crônicas não responsivas ao tratamento convencional para as afecções comuns ou com perda de sensibilidade nas lesões ou extremidades. É obrigação do médico clínico saber fazer diagnóstico de hanseníase, principalmente em áreas endêmicas (como o Amazonas). As manifestações clínicas variam de acordo com os grupos de genes HLA., de acordo com o estado imunológico do hospedeiro. Reações imunológicas São complicações sistêmicas inflamatórias que acometem 15-30% dos pacientes multibacilares (virchowiano e dimorfos) e ocorrem com fenômenos agudos, como primeira queixa da doença ou durante meses a anos após o tratamento. Os sintomas mais comuns a essas reações incluem fadiga, adinamia, febre, neurite, artrite, irite e sintomas nasofaríngeos. Esse estado inflamatório agudo pode levar a injúria grave dos nervos com subsequente paralisia e deformidade., além de aumentar o risco de alergias medicamentosas, progressão da doença e choque séptico. Entre os fatores que aumentam os riscos para aparecimento dessas reações estão: gravidez, parto, doenças que alteram a imunidade, stress físico e emocional, cirurgias, anemias e etc. O tratamento para essas reações é feito com corticoterapia (prednisona) em altas doses. Tipo 1 (tr1, reação reversa ou rr) Típica em pacientes BT, BB ou BL. Caracterizada por sinais de flogose em máculas preexistentes na face ou em tronco nervoso, descamativas, com evolução para úlceras, geralmente com neurite de nervos dos cotovelos, punhos, joelhos e tornozelos. Pode apresentar dor ou alteração de sensibilidade e perda da função em um ou mais nervos com fraqueza muscular Tipo 2 (tr2, eritema nodoso lepromatoso ou enl) ´Típica em paciente BL-LL, caracterizada por erupção cutânea súbita de máculas ou nódulos dolorosos numerosos superficiais e/ou profundos na derme. Pode evoluir para pústulas e úlceras. As lesões são comuns em membros superiores e face. Podem durar duas semanas e aparecerem outros episódios. Manifestações associadas incluem febre alta, anemia, leucocitose, cefaleia, insônia, dor generalizada, especialmente em articulações inflamadas, linfadenopatia, orquite, iridociclite e flacidez muscular. O fenômeno de Lúcui é uma complicação rara caracterizada por vasculopatia necrotizante súbita em pacientes com LL não tratada e há o risco de óbito. Tratamento de escolha: talidomida (porém tem efeito colateral importante em pacientes do sexo feminino: teratogenia grave). Em contraindicação para uso de talidomida pode-se usar prednisona associada a clofazimina Fatores de risco ▪ Contato íntimo com paciente com hanseníase em atividade, especialmente na forma multibacilar, exposição a tatus (animal). ▪ Idade acima de 30 anos. ▪ Influência genética com alteração de alelos PARK2/PACRG ▪ Moduladores na vida de sinalização NOD2., tipo HLA como definidor da forma da doença e a imunossupressão. ▪ Para a reação imunológica tipo 2, os fatores de risco incluem puberdade, gestação e lactação Abordagem diagnóstica O diagnóstico é estabelecido com base nas manifestações clínicas. O exame físico deve incluir o exame dermatoneurológico e avaliação da sudorese. Uma avaliação neurológica completa deve ser realizada nos seguintes momentos: - Início do tratamento - A cada 3 meses durante o tratamento na ausência de queixas - Sempre que houver queixas (dor, fraqueza, parestesia...) - No controle periódico de pacientes em uso de corticoides (estados reacionais e neurites) - Na alta do tratamento - No acompanhamento pós-operatório de descompressão neural (em 15,45, 90 e 180 dias) . O M. leprae é um parasita intracelular obrigatório e não é possível o cultivo em meios de cultura. Entre os exames de rotina solicitados estão: biópsia de pele (lesões hansênicas, lóbulos auriculares e/ou cotovelos), seguida de baciloscopia, exame histopatológico e/ou PCR, quando disponível. A baciloscopia negativa não afasta o diagnóstico da hanseníase. Classificação Pacientes com hanseníase são diagnosticados de acordo com as variações clínicas da doença, tal como manifestações histopatológicas e resposta imune celular à infecção por M. leprae. Classificação da OMS (operacional) Baseada no número de lesões na pele: Multibacilar Seis ou mais lesões de pele e pode apresentar bacilos detectáveis em esfregaços de pele Paucibacilar 5 ou menoslesões de pele sem detecção de bacilos em esfregaços de pele (baciloscopia negativa) Classificação de madri Consiste no estabelecimento de dois polos estáveis e opostos. O polo imune-positivo corresponde a hanseníase tuberculoide (HT, paucibacilar) e o polo imune-negativo, a hanseníase virchowiana (HV, multibacilar). Estabelece ainda dois polos instáveis: hanseníase indeterminada (HI, paucibacilar) e hanseníase dimorfa (HD, multibacilar) Hanseníase indeterminada (HI-PB) Comum a todos os pacientes no início da doença após um longo período de incubação, podendo ser não perceptível. A lesão de pele geralmente é macular (ou mancha) única, comumente hipocrômica, não elevada, com bordas mal definidas, seca, com hipoestesia ou anestesia térmica ou dolorosa, mas com preservação tátil. Comum ausência de sudorese na região da mancha. HANSENÍASE tuberculoide (HT-pb) Manifesta-se como nódulo anestésico na face ou tronco (hanseníase nodular na infância, em crianças que convivem com indivíduos bacilares sem tratamento), mas, ainda mais frequentemente, manifesta-se como uma pápula anestésica com bordas elevadas, bem delimitadas e centro claro. Podem surgir placas eritematosas, circunscritas, numulares ou anulares, com bordas infiltradas ou descamativas, de crescimento centrífugo e leve atrofia central, mas o centro geralmente tem aparência “saúdável”. Pode se apresentar como um único nervo espessado com parestesia no território inervado. Hanseníase dimorfa (MB) É a forma mais comum (70% dos casos). É a forma de instabilidade imunológica, as lesões cutâneas tem aspecto variado de HV ou HT. .Caracteriza-se por placas ou manchas eritematosas ou hipocrômicas (maiores e mais numerosas que as placas da HT), com bordas infiltradas de coloração ferruginosa, vinhosa ou acastanhada com limite interno fixo e externo esmaecido. Quando numerosas, desenham aspecto de “renda” ou “queijo suíço”, as lesões também podem chegar a extensões maiores. Há anestesia ou hipoestesia com diminuição de sudorese e vasorreflexia à histamina. O comprometimento de nervos periféricos é usualmente assimétrico Hanseníase virchowiana (mb) Caracteriza-se pela infiltração difusa e progressiva da pele, mucosas de vias aéreas superiores e nervos, sempre de forma simétrica. É a forma mais contagiosa da doença. A pele se apresenta hiperemiada, com coloração eritematoferruginosa, seca, infiltrada, com poros dilatados (‘aspecto de casca de laranja’), poupando couro cabeludo, axilas e meio da coluna lombar. É comum o aparecimento de hansenomas (nódulos escuros, endurecidos e assintomáticos). Em casos avançados pode haver madarose e queda de outros pelos, inclusive cílios. A face apresenta-se sem rugas devido à infiltração, o nariz fica congestionado, pés e mãos cianóticos e edematosos e olhos secos. A sudorese é reduzida ou ausente de forma generalizada. Cãibras e formigamentos nas mãos e pés são comuns, assim como artralgia (podendo inclusive positivar FAN, FR e VDRL), os dedos podem ficar edemaciados e avermelhados. Há espessamento simétrico dos nervos periféricos e ramos superficiais. OBS: Como já visto, a hanseníase pode se manifestar como vários tipos diferentes de lesões elementares, então não existe um padrão específico. Geralmente as lesões são hipocrômicas, assimétricas e com a sensibilidade alterada (a grande dica para diagnóstico de hanseníase é a alteração de sensibilidade nas manchas). Com relação à ordem da sensibilidade perdida: geralmente a primeira a sumir é a térmica, depois a dolorosa e por último a tátil, Térmica = testa-se com tubos de ensaio com água quente e fria, verificar se o paciente consegue diferenciar. Dolorosa = picadas leves com agulha esterilizada tanto na mancha acometida quanto na parte sã Tátil = passar um algodão na pele do paciente e verificar se consegue senti-lo. Em alguns casos essa perda de sensibilidade é reversível. Mas em casos de doença prolongada, o quadro pode melhorar (hipoestesia), mas não chega a voltar a ser como antes. Na hanseníase indeterminada e na hanseníase tuberculoide, ambas paucibacilares, a biópsia de pele comumente não confirma o diagnóstico e a baciloscopia vem negativa. Na hanseníase dimorfa (MB), a baciloscopia da borda infiltrada das lesões é frequentemente positiva, exceto em casos de doença confinada aos nervos. O diagnóstico de hanseníase virchowiana (MB) pode ser confirmado pela baciloscopia dos lóbulos das orelhas e cotovelos. O diagnóstico é estabelecido quando um dos critérios do exame físico está presente e a biópsia da pele na margem da lesão confirma a presença do bacilo álcool-ácido resistente em nervo cutâneo. Em regiões endêmicas, o diagnóstico clínico é suficiente. (o Amazonas é uma região endêmica). O resultado positivo de uma baciloscopia classifica o caso como MB. Porém, o resultado negativo não exclui o diagnóstico clínico da hanseníase e nem classifica o doente obrigatoriamente como PB. Diagnósticos diferenciais ▪ Hanseníase indeterminada: pitiríase versicolor, eczemátide (comum em crianças, ao contrário da hanseníase, verificar sensibilidade também), eczema seborreico, nevos, hipocromias pós- inflamatórias residuais, vitiligo. ▪ Hanseníase tuberculoide: dermatofitose - tinea (diferenciar fazendo teste de sensibilidade), psoríase, lúpus cutâneo discoide, sífilis, granuloma anular, esclerodermia circunscrita, doenças granulomatosas, psoríase (a psoríase geralmente tem escamação intensa da superfície, ao contrário da hanseníase) ▪ Hanseníase virchowiana: farmacodermias, sífilis, Leishmaniose cútis difusa ou anérgica, LES, neurofibromatose (doença de Recklinghausen), paracocidiomicose, neoplasias (linfomas) e metástases cutâneas. ▪ Hanseníase dimorfa: considerados todos os diagnósticos diferenciais nas formas HT e HV. ▪ Estado reacional tipo 1: Farmacodermias, erisipela, celulite, urticária, sarcoidose, paralisias súbitas e recidiva de hanseníase. ▪ Estado reacional tipo 2: Febre de origem indeterminada, linfomas, LES, vasculites necrosantes, eritema nodoso de várias etiologias. OBS: Como as lesões hansenianas são variadas, a história clínica é essencial para que o diagnóstico diferencial possa ser feito adequadamente. Questionar tempo de evolução (se for breve, hanseníase é improvável), possíveis medicamentos que possam ter causado farmacodermia, perguntar sobre prurido (ausente na hanseníase). Acompanhamento Indicações de internação: somente em casos graves de disseminação hematogênica com envolvimento de órgãos ou choque séptico, ou reações imunológicas de difícil controle ambulatorial. Indicações de alta: estabilidade clínica, hemodinâmica e laboratorial após tratamento para hanseníase Recidiva: Desenvolvimento de novos sinais e sintomas após conclusão da poliquimioterapia (PQT) Abordagem terapêutica O tratamento para hanseníase consiste em PQT contendo rifampicina e dapsona, podendo incluir clofazimina, de acompanhamento ambulatorial. Essas medicações são fornecidas gratuitamente pelo SUS. Na tomada mensal de medicamentos e recebimento das cartelas dos antimicrobianos diários, deve ser feita a avaliação do paciente quanto à evolução das lesões de pele, comprometimento neural e estados reacionais. A gravidez e o aleitamento materno não contraindicam a PQT. Conduta na atenção primária ▪ Solicitar no início e no fim do tto, bem como estados reacionais: hemograma completo, hepatograma, glicose, ureia, creatinina e EAS. ▪ Acompanhamento mensal ▪ Fornecimento mensal da dose supervisionada e da cartela autoadministrada ▪ Após alta, reavaliação dermatoneurológica uma vezao ano durante pelo menos 5 anos. ▪ Avaliar contato domiciliar e social com casos suspeitos. ▪ Profilaxia através da vacinação com bacilo de Calmette-Guerin (BCG) para contatos intradomiciliares. Vacinas para contatos ▪ Ausência de cicatriz de BCG ou uma cicatriz: uma dose da vacina ▪ Duas cicatrizes de BCG: não prescrever. Esquema terapêutico para paucibacilares (pb) Critério de cura: 6 cartelas em até 9 meses Adultos: 1. Rifampicina (RFM) dose mensal de 600mg (2 cp de 300mg) supervisionada em unidade de saúde 2. Dapsona (DDS) dose mensal de 100mg supervisionada (unidade de saúde) e a dose diária de 100mg autoadministrada (em casa). Caso dapsona precise ser suspensa, substituir por clofazimina. Esquema terapêutico para multibacilares (mb) Critério de cura: 12 cartelas em até 18 meses Adultos: 1. Rifampicina (RFM) dose mensal de 600mg (duas cápsulas de 300mg) supervisionada 2. Dapsona (DDS) dose mensal de 100mg supervisionada (unidade de saúde) e dose diária de 100mg autoadministrada (domiciliar) 3. Clofazimina (CFZ) dose mensal de 300mg (3 cp de 100mg) supervisionada (unidade de saúde) e uma dose diária de 50mg autoadministrada (domiciliar). Caso dapsona precise ser suspensa, substituir por ofloxacina 400mg (supervisionada e diariamente) ou por minociclina 100mg (dose supervisionada e diariamente) OBS: tratar recidivas com esquema para a forma multibacilar. Possíveis efeitos colaterais: 1. Rifampicina: hepatotoxicidade, “síndrome pseudogripal” (comum em casos iniciais de HIV), mudança na coloração de secreções, cefaleia, fadiga. 2. Clofazimina: alteração na coloração da pele (escurecimento) e xerodermia. Deposito da medicação nas alças intestinais. 3. Dapsona: anemia hemolítica, sintomas GI, hepatotoxicidade Para dano neurológico e neurite (que causa dor absurda), existe uma cirurgia para descompressão de nervos chamada neurolise, realizada por um ortopedista
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