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Apostila de Equações Diferenciais.pdf Sessão 1: Generalidades Uma equação diferencial é uma equação envolvendo derivadas. Fala-se em derivada de uma função. Portanto o que se procura em uma equação diferencial é uma função. Em lugar de começar definindo de conceitos, vamos fazer isto já dentro de exemplos. Exemplo 1. Resolver a equação diferencial y′ = xy. (1) O que se procura aqui é uma função y = y(x) de uma variável x, cuja derivada em qualquer ponto satisfaz a equação (1). Dizemos que x é a variável independente e y é a variável dependente. A equação (1) pode ser reescrita como dy dx = xy. Nesta equação pode-se separar as variáveis: deixar de um lado da igualdade todos os termos em x e dx e do outro lado todos os termos em y e dy: dy y = x dx ou y = 0. A função constante y = 0 é uma solução da equação diferencial (1). As demais são obtidas integrando ∫ dy y = ∫ x dx , que nos dá ln |y|+ C1 = x 2 2 + C2 . Note que é desnecessário considerar as duas constantes de integração, elas podem ser agrupadas em uma só, ln |y| = x 2 2 + ( C2 − C1 ) . Chamando de C = C1 − C2, temos ln |y| = x 2 2 + C , ou, tomando exponencial, |y| = ex 2 2 +C = eCe x2 2 . Portanto, y = ±eCex 2 2 . Mas se C é uma constante arbitrária, ±eC também é, pode assumir qualquer valor não nulo. Chamando D = ±eC , temos que y = D e x2 2 (2) Figura 1 representa uma famı́lia de soluções da equação dife- rencial (1). Note que a solução particular y = 0 também estará contida na famı́lia (2), se permitir- mos que D assuma também o valor 0. Portanto, (2) representa a famı́lia de todas as soluções da equação diferencial (1), sendo por isto isto chamada de solução geral da equação diferencial (1). Um esboço da famı́lia de curvas (2) é dado ao lado. Neste exemplo, pode-se notar um fato que é t́ıpico: por um ponto do plano passa uma e somente uma curva da famı́lia (2). Portanto, se à equação diferencial (1) acrescentarmos uma condição do tipo y(a) = b, chamada de condição inicial, formando o que se chama de um problema de valor inicial, teremos uma e somente uma solução. Isto se deve ao fato que, ao impor a condição inicial y(a) = b, geome- tricamente isto significa que, dentre todas as curvas da famı́lia de soluções, estamos querendo aquela que passe pelo ponto de coordenadas (a, b). Por exemplo, considerando o problema de valor inicial (PVI) y′ = xy , y(2) = 3 , substituindo a condição inicial em (2), temos 3 = D e2 . Portanto D = 3 e−2 . Logo a solução do PVI é y = 3 e−2 e x2 2 . Observações: 1. Daqui para a frente, toda a vez que estivermos resolvendo uma equação diferencial pelo método de separação de variáveis, ao integrarmos os dois lados, nunca mais colocaremos uma constante de integração de cada lado, pois, como vimos no exemplo acima, elas poderão ser agrupadas em uma só. 2. O procedimento descrito acima para resolver a equação diferencial (1) é um procedimento mecânico, que se presta para os cálculos práticos, mas que, à primeira vista, pode parecer meio mágico. No entanto, é um método que pode ser usado sem reservas, pois como mostraremos a seguir, sempre que o desejarmos ele pode ser tornado rigoroso. Consideremos novamente a equação diferencial (1) y′ = xy. Ela equivale a y′ y = x ou y = 0. Note que, pela Regra da Cadeia (para derivar funções compostas), ( ln |y| )′ = 1 y y′ = y′ y , de modo que a equação diferencial original pode ser escrita como ( ln |y| )′ = x. Logo, ln |y| = ∫ x dx− x 2 2 + C. A partir daqui, continuamos como no exemplo acima. 2 Exemplo 2 – Crescimento Populacional. Suponhamos que se tenha uma população (de bactérias, por exemplo). Indiquemos por N = N(t) o número de indiv́ıduos no instante t. É claro que N varia aos saltos, pois só assume valores inteiros. Mas em um modelo matemático fazemos sempre descrições aproximadas. A realidade em geral é muito complicada. Em um mo- delo matemático levamos em conta apenas alguns aspectos desta realidade, tentando isolar os aspectos mais relevantes. Com este esṕırito, em nosso modelo vamos supor que N = N(t) varie continuamente com o tempo. Vamos inclusive derivar N em relação a t. A derivada N ′(t) = dN dt representa a taxa de crescimento da população. Sabemos, da Biologia, que a taxa de crescimento de uma população em um dado instante é diretamente proporcional ao número de indiv́ıduos neste instante. Em śımbolos, dN dt = λN, (3) onde λ > 0 é uma constante que só depende da espécie de bactérias que se está observando (depende do tempo médio que cada célula leva para se dividir). A equação diferencial (3) também pode ser resolvida pelo método de separação de variáveis. dN N = λ dt ou N = 0. A função constante N = 0 é uma solução particular de (3), embora não seja relevante no caso da população. Por integração, ∫ dN N = λ ∫ dt , ou seja, lnN = λ t+C. Aplicando a exponencial, N = eCeλ t. Mas eC representa uma constante - 6 sN0 t N arbitrária. O significado não muda se usarmos qualquer outra letra para representá-la. Podemos inclusive usar novamente a letra C. Assim, a solução geral de (3) é N = Ceλ t . Se for conhecida a população N0 no instante ini- cial t = 0, isto é, se tivermos uma condição inicial N(0) = N0, determinamos C = N0, N = N0eλ t . Conclúımos que, segundo este modelo, a população cresce exponencialmente. Neste exemplo, novamente observamos que em cada ponto do plano passa uma e somente uma solução da equação diferencial. Portanto, acrescentando uma condição inicial, ou equivalentemente, ao exigir que a curva solução passe por um determinado ponto, teremos uma única solução para o PVI. Obs. O fenômeno do decaimento radiativo pode ser modelado pela mesma equação diferencial. Se N = N(t) denota agora a quantidade de material radiativo em uma certa amostra, N decai a uma taxa, em cada instante t, proporcianal à quantidade existente de material no instante t. Mas como N diminui, temos N ′ < 0. Assim a equação diferencial é dN dt = −λ N . Fazendo uma análise semelhante à feita acima, encontramos a solução geral N = C e−λ t . 3 Exemplo 3. Resolver a equação diferencial y′′ + y = 0. (4) Esta é uma equação diferencial de 2a ordem. Por definição, a ordem de uma equação diferencial é a ordem da derivada mais alta que aparece na equação. Ao resolver (4), estamos procurando uma função y, cuja derivada segunda seja y′′ = −y. Pela experiência acumulada do Cálculo, conhecemos duas funções que satisfazem a esta condição, y1 = y1(x) = cosx e y2 = y2(x) = sen x. Estas são duas soluções particulares da equação diferencial (4). A partir delas, podemos construir toda uma famı́lia de soluções, y = C1 cosx + C2 sen x . (5) Por exemplo, y = 2 cos x − 5 sen x faz parte desta famı́lia. É imediato verificar que qualquer função da forma (5) é uma solução de (4). De fato, se y = C1 cosx + C2 sen x , então y′ = −C1 senx + C2 cosx e, portanto, y′′ = −C1 cosx− C2 senx = −y . O que não é nada óbvio e será mostrado mais tarde é que vale a rećıproca, toda solução da equação diferencial (4) faz parte da famı́lia (5), isto é, (5) é a famı́lia de todas as soluções da equação diferencial (4). Por esta razão, (5) é chamada de solução geral da equação diferencial (4). Note que esta famı́lia envolve duas constantes arbitrárias, sendo por isto de um tipo “maior”, do que a solução geral de uma equação diferencial de 1a ordem, que envolve uma constante arbitrária. Veremos que, de uma maneira geral, o número de constantes arbitrárias envolvidas na solução geral de uma equação diferencial é igual à ordem da equação diferencial. Exemplo 4 – Sistema Massa–Mola. Consideremos o sistema mecânico mostrado na figura, ¥¥D DD¥ ¥¥D DD¥ ¥¥D DD¥ ¥¥D DD¥ ¥¥D DD D DD¥ ¥¥D DD¥ ¥¥D DD¥ ¥¥D DD¥ ¥¥D DD¥¥¥ ¥¥ g grr x(t)0 m k ~F¾ formado por uma massa m presa a uma mola de constante de elasticidade k e que realiza oscilações livres (sem força externa), não amortecidas (sem atrito) em torno de uma posição de equiĺıbrio. Colo- camos a coordenada 0 na posição de equiĺıbrio. Em cada instante t a massa ocupa a posição de abscissa x = x(t). A única força que age sobre a massa é a força restauradora elástica F . O sentido desta força é contrário ao do deslocamento x e seu módulo é diretamente proporcional ao módulo do deslocamento. F = −k x. Por outro lado, pela 2a lei de Newton, a força é igual a massa vezes a aceleração, F = m d2x dt2 . Igualando estas duas expresões para a força, obtemos a equação diferencial m d2x dt2 + k x = 0 , 4 ou seja, d2x dt2 + ω2x = 0 , com ω2 = k m . (6) Podemos verificar que x1 = x1(t) = cosωt e x2 = sen ωt são duas soluções particulares de (6). Do mesmo modo que no Exemplo 3, podemos, a partir delas, construir uma famı́lia de soluções x = x(t) = C1x1(t) + C2x2(t) = C1 cosωt + C2 sen ωt . (7) Nossa intuição f́ısica nos diz que para prever a posição da massa em um instante t futuro, precisamos conhecer dois dados, a posição e a velocidade iniciais. Chegamos assim ao chamado problema de valor inicial x′′ + ω2x = 0 x(0) = x0 x′(0) = v0 (8) que consiste da equação diferencial de 2a ordem (6) e duas condições iniciais. A solução geral (7) corresponde às infinitas oscilações que nosso sistema massa–mola pode realizar. As condições iniciais permitem determinar as constantes C1 e C2. De fato, fazendo t = 0 em (7) encontramos C1 = x0. Derivando (7) e fazendo t = 0 em (7), encontramos C2 = v0ω = v0 √ m k . Assim, a equação diferencial (6) tem uma infinidade de soluções, mas o problema de valor inicial (8) tem uma só solução, x(t) = x0 cos ( t √ k m ) + v0 √ m k sen ( t √ k m ) . (9) Observação. Vamos aproveitar para fazer uma observação muito útil nas aplicações. Olhando a expressão (7) para a solução geral, fica dif́ıcil ter uma idéia geométrica da famı́lia de funções por ela representadas. Por isto, vamos transformar a expressão (7). Seja P o ponto do plano cujas coordenadas cartesianas são P = ( C2, C1 ) . O ponto P tem coordenadas polares, digamos, C e ϕ, dadas por C = √ C21 + C 2 2 e ϕ = arctan C1 C2 . Temos C1 = C senϕ e C2 = C cosϕ . Substituindo em (7) temos x(t) = C cosωt senϕ + C senωt cosϕ , ou seja, x(t) = C sen ( ωt + ϕ ) . (10) A conclusão é que (7) e (10) são duas maneiras diferentes de expressar a solução geral da equação diferencial (6). Este exemplo ilustra o fato que podem existir diferentes maneiras de expressar a solução geral. A expressão (10) para a solução geral é muito mais conveniente para ter uma descrição geométrica para a solução geral. A constante ϕ corresponde a uma translação horizontal. O fator C simplesmente modifica a amplitude. Portanto, qualquer solução x(t) é obtida da senóide x = senωt através de um deslocamento horizontal e da multiplicação por uma constante C. 5 Classificação das Equações Diferenciais – A ordem de uma equação diferencial é a maior ordem de derivação envolvida. Exemplo: y′′ − 2xy′ + 4y = ex é uma equação diferencial de 2a ordem. – Uma equação diferencial é ordinária (EDO) se a função procurada for de uma variável. Exemplo: Todos vistos até agora. – Uma equação diferencial é parcial (EDP) se a função procurada for uma função de várias variáveis e, consequentemente, a equação envolver derivadas parciais. Exemplo: A Equação de Laplace uxx +uyy = 0, é uma equação diferencial parcial de 2a ordem. Alguns exemplos de soluções particulares da equação de Laplace são u1(x, y) = x2−y2, u2(x, y) = xy, u3(x, y) = x3 − 3xy2, u4(x, y) = ex cos y, u5(x, y) = ex sen y, u6(x, y) = ln ( x2 + y2 ) , u7(x, y) = arctan (y x ) , u8(x, y) = Ax + by + C, u9(x, y) = x x2 + y2 . O objetivo, ao dar essa lista de algumas soluções particulares da equação de Laplace, é mostrar que existem soluções dos mais diversos tipos. A estrutura da famı́lia das soluções é muito mais complexa do que nos exemplos vistos de equações diferenciais ordinárias. Notação No exemplo baixo mostramos 3 notações usuais para a mesma EDO: (i) ( x− y2)y′ = x2y (ii) ( x− y2)dy dx = x2y (iii) x2y dx + ( y2 − x)dy = 0 Observação. Não precisamos nos preocupar com o sentido de cada um dos śımbolos dx e dy isoladamente. Apenas convecionamos que o significado da expressão (iii) acima é o que se obtém ao dividir tudo por dx. 6 Seção 2: Interpretação Geométrica – Campo de Direções Definição. Dizemos que uma EDO de 1a ordem está em forma normal se y′ está isolado, ou seja, se a equação for da forma y′ = F (x, y) , onde F (x, y) é uma função de duas variáveis. Exemplos: y′ = xy está em forma normal; ( x + y ) y′ = xy não está, mas pode facilmente ser posta em forma normal; xy′ + ( y′ )3 = y não está em forma normal. Exemplo 1. Consideremos a equação diferencial y′ = x2 + y2 . (1) Esta é uma EDO de 1a ordem em forma normal. Não sabemos resolver a equação (1), mas vamos ver que por considerações geométricas é posśıvel ter uma idéia do comportamento de suas soluções. Qual a declividade da solução que passa pelo ponto (1, 1)? Mais precisamente, qual é a declivi- dade da reta tangente à solução passando pelo ponto (1, 1), nesse ponto? A própria equação nos diz que essa declividade vale y′ = 12 + 12 = 2. Desenhando, então, um pequeno seg- mento de reta centrado no ponto (1, 1) e com declividade 2, sabemos que este pequeno segmento tangencia a solução no ponto (1, 1). Fazemos o mesmo procedimento com um número grande de pontos: para cada um destes pontos P = (x, y) calculamos o valor do coeficiente angular y′ = F (x, y) = x2 + y2 e desenhamos um pequeno segmento de reta com esta declividade, centrado no ponto P = (x, y). Fica determinado assim um campo de direções, a cada ponto corresponde uma direção. As soluções da equação diferencial são precisamente as curvas que podem ser traçadas tangenciando em cada um de seus pontos o campo de direções. É importante que a equação esteja em forma normal, para que, dado qualquer ponto (x, y) possamos facilmen- –1 –0.8 –0.6 –0.4 –0.2 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 y(x) –1 –0.8 –0.6 –0.4 –0.2 0.2 0.4 0.6 0.8 1 x te calcular o valor F (x, y) da declividade neste ponto. Existem programas de computador para desenhar campos de direções, mas quando se usa um processo mais manual, para tornar a tarefa exeqǘıvel, é conveniente organizar o trabalho da seguinte forma: desenhar de uma vez todos os pe- quenos segmentos do campo de direções que tenham uma mesma inclinação. Em nosso exemplo, da EDO y′ = x2 + y2, podemos começar desenhando todos os segmentos de inclinação 1. O que facilita é que eles são todos paralelos entre si. Mas em que pon- tos devemos centrá-los? Nos pontos que satisfazem x2+y2 = 1 (um ćırculo). A seguir podemos desenhar os vários pequenos segmentos de inclinação 1/2. Eles estão centrados nos pontos que satisfazem F (x, y) = x2 + y2 = 1/2 (um ćırculo interno ao anterior). E vamos continuando este processo. Para diversos valores de k vamos desenhando, de uma vez, todos os segmentos de inclinação k. Precisamos descobrir onde estes segmentos estão centrados. No presente exemplo são em pontos sobre um ćırculo, mas, no caso geral, são os pontos cujas coordenadas satisfazem a equação F (x, y) = k. Estas equações F (x, y) = k determinam uma famı́lia de curvas no plano, chamadas de isóclinas. Esta palavra significa mesma inclinação, lembre que iso=igual. No presente exemplo, todas as isóclinas são ćırculos, exceto aquela que corresponde à inclinação k = 0, que se reduz à origem. Uma vez tendo o esboço do campo de direções, podemos tentar esboçar as curvas que tangenciam o campo. Elas são as soluções da EDO. Assim mesmo sem saber resolver a equação, podemos ter uma idéia do comportamento de suas soluções. É claro que quanto mais preciso for o esboço do campo de direções, melhor será esta idéia sobre o comportamento das soluções. Exemplo 2. Consideremos a equação diferencial y′ = − x y . (2) Novamente é uma EDO de 1a ordem em forma normal. Esta equação pode ser facilmente resolvida separando as variáveis, como já foi feito na Sessão 1. Mesmo assim é interessante aplicar o método geométrico exposto acima para, antes mesmo de resolver a EDO, obter um esboço e o comportamento de suas soluções. Inicialmente, notemos que nossa EDO faz sentido –2 –1 0 1 2 y(x) –2 –1 1 2 x apenas para y 6= 0. Ou seja, para sermos bem pre- cisos, devemos resolvê-la ou no semiplano superior y > 0, ou no semiplano inferior y < 0. O eixo dos X está fora de cogitação. As isóclinas da EDO são as curvas − x y = k, que representa a famı́lia das retas passando pela origem. No entanto, como o eixo dos X está fora de cogitação, a origem também está. Conclúımos que as isóclinas na verdade são as semi-retas não horizon- tais partindo da origem. Como vimos no exemplo 1, sobre cada uma destas semi-retas devemos desenhar pequenos segmentos de reta paralelos entre si, ou seja com mesma inclinação. Qual o valor dessa inclinação? Para descobrir isto, note que –2 –1 0 1 2 y(x) –2 –1 1 2 x a isóclina f(x, y) = − x y = k é parte da reta de equação y = − x k que tem declivi- dade − 1 k . Desenhamos pequenos segmentos de de- clividade k centrados nos pontos da reta y = − 1 k x. Note que os segmentos desenhados são todos per- pendiculares à isóclina y = − 1 k x (segue do fato que duas retas são perpendiculares quando o produto de seus coeficientes angulares for igual a −1). Agora fica muito fácil fazer o esboço do campo de direções. Primeiro traçamos as retas passando pela origem. Em seguida, para cada uma delas traçamos pequenos segmentos de retas ortogonais. Obtemos a figura mostrada acima, que sugere fortemente que as soluções são os ćırculos passando pela origem. Mas só vamos ter certeza de que são ćırculos e não, por exemplo, elipses, depois de resolvermos a EDO. Na verdade não são ćırculos completos pois a equação não faz sentido nos pontos do eixo X, são apenas os semićırculos que resultam de remover os pontos sobre o eixo X. Além disto, ćırculos não são gráficos de funções. 2 Para resolver a EDO, começamos reescrevendo na notação dy dx = − x y . A seguir, separamos as variáveis y dy = −x dx e integramos ∫ y dy = − ∫ x dx. Quando calculamos as integrais, como já foi explicado no Exemplo 1 da Sessão 1, só é necessário considerar constante de integração de um dos lados. Portanto, y2 2 = − x2 2 + C. É mais interessante escrever na forma x2 2 + y2 2 = C. Multiplicando por 2 e chamando 2C = K, obtemos finalmente a solução geral em forma impĺıcita x2 + y2 = K, comprovando que é uma famı́lia de ćırculos. Observação importante. Geometricamente, resolver uma EDO (de 1a ordem em forma nor- mal) significa encontrar as curvas que tangenciam o campo de direções. Então, dado um ponto (x0, y0), a partir dele, começamos a nos deslocar na direção do campo. Mas, à medida que avançamos, a direção do campo muda. Devemos, então, constantemente ir corrigindo o rumo, a fim de acompanhar o campo de direções. Esta é a idéia intuitiva por traz do teorema abaixo. É importante ter consciência de que o argumento que acabamos de apresentar é puramente in- tuitivo, para que se comprenda como é natural o que o teorema afirma, mas não serve como o demonstração do mesmo. O teorema só pode ser realmente provado em um curso mais avançado. Teorema de Existência e Unicidade. Dada uma EDO de 1a ordem em forma normal y′ = F (x, y) , onde F (x, y) é uma função de duas variáveis, tendo derivadas parciais de 1a ordem cont́ınuas em uma região D do plano, então em cada ponto (x0, y0) da região D passa uma e somente uma solução da EDO. Em outras palavras, o problema de valor inicial { y′ = F (x, y) y(x0) = y0 tem solução única, definida em um intervalo aberto contendo x0. O Teorema acima faz duas afirmações. A primeira é que em cada ponto da região D passa uma solução da EDO (existência). A segunda é que passa uma só (unicidade). Decorre da unicidade que duas soluções não podem nunca se encontrar, nem se cruzar e nem se tangenciar. Isto, é claro, para as equações satisfazendo as hipóteses do Teorema de Existência e Unicidade. Vamos ver com exemplos que fora destas hipóteses já não se pode garantir que isto não aconteça. 3 Exemplo 3. Consideremos a EDO xy′ = 2y . Esta EDO pode ser resolvida por separação de variáveis. x dy dx = 2y , dy y = 2dx x ou y = 0 . Uma solução particular é y = 0. As demais são econtradas integrando ∫ dy y = 2 ∫ dx x , ln |y| = 2 ln |x| + lnC . Acima já escrevemos a constante de integração em forma de lnC. Logo a solução geral é y = Cx2 . Note que a solução particular y = 0 está inclúıda na solução geral, para C = 0. - 6 Ao lado estão mostradas as soluções da EDO. Note que a região D em que a equação faz sentido é o plano todo. Em aparente contradição com o Teorema de Existência e Unicidade, observamos: – Pelo ponto (0, 0) passa mais de uma solução (todas as soluções passam pela origem). – Se b 6= 0, pelo ponto (0, b) não passa nenhuma solução. Na verdade não há aqui contradição alguma com o Teo- rema de Existência e Unicidade. A equação xy′ = 2y não está em forma normal e, portanto, o teorema nada afirma a respeito dela. É interessante notar que se diminuirmos a região, tomando D como sendo, por exemplo, o semiplano da direita x > 0, nesta região menor a equação pode ser posta na forma normal, y′ = 2y x e, em completo acordo com o Teorema de Existência e Unicidade, em cada ponto do semiplano x > 0 passa uma e uma só solução da EDO. Exemplo 4. Dada a curva y = x3, consideremos a famı́lia de todas as curvas dela obtidas por translação horizontal y = (x − C)3 . (3) Consideremos agora a situação inversa de determinar uma EDO de primeira ordem da qual a famı́lia (3) seja a solução geral. Por derivação, econtramos y′ = 3(x − C)2 . Mas de (3), segue que x − C = y 1 3 e, então, y′ = 3 y 2 3 . (4) Conclúımos que a famı́lia (3) é solução da EDO (4). No entanto, é fácil verificar que a função constante y = 0 também é uma solução da EDO (4). Assim, pelo ponto (0, 0) passa uma solução y = x3, que faz parte da famı́lia (3), para C = 0, mas passa também uma outra solução, a função y = 0. Estamos, de fato, diante de uma EDO (3) em forma normal, para a qual passam 4 duas soluções diferentes pelo ponto (0, 0). Cabe então perguntar porque isto não contradiz o Teorema de Existência e Unicidade. Notemos que (3) é uma EDO da forma y′ = F (x, y), onde F (x, y) = 3 y 2 3 . Mas no Teorema de Existência e Unicidade existe a hipótese de que função F (x, y) deve ter derivadas parciais de primeira ordem cont́ınuas. No presente exemplo, Fy(x, y) = 2 y − 1 3 e esta última expressão não está definida e muito menos é cont́ınua para y = 0. 5 Seção 3: Equações Separáveis Definição. Uma EDO de 1a ordem é dita separável se for da forma y′ = f(x) g(y), onde f(x) e g(y) são funções de uma variável. Ou seja, é o caso de equação em forma normal y′ = F (x, y) em que F (x, y) é do tipo particular F (x, y) = f(x) g(y). Exemplos: 1. A equação y′ = 2x 1 + 2y é separável, com f(x) = 2x e g(y) = 1 1 + 2y . 2. A equação y′ = y + 3x não é separável. Método de Resolução. As equações separáveis são aquelas em que se pode separar as varáveis, passando para um lado da igualdade os termos contendo y e dy e para o outro lado os termos contendo x e dx. Já resolvemos equações separáveis pelo método de separação de variáveis em vários exemplos das seções anteriores. Vamos apenas comentar que dy dx = f(x) g(y) (1) equivale a dy g(y) = f(x) dx ou g(y) = 0. Se y0 é tal que g(y0) = 0, é fácil verificar que a função constante y(x) = y0 é uma solução da EDO (1). As demais são obtidas por integração ∫ dy g(y) = ∫ f(x) dx . Admitindo que se consiga calcular as integrais acima, vamos obter a solução geral da EDO separável (1) na forma ψ(y) = ϕ(x) + C , (2) onde ϕ(x) e ψ(y) são certas funções de uma variável. O que queremos observar aqui é a forma como vamos encontrar a solução geral (2). Dado um x, não está dito quanto vale o y correspondente. Só é dada uma equação relacionando x e y. Em resumo, ao resolvermos uma equação separável pelo método de separação de variáveis, vamos encontrar a solução geral (2) definida implicitamente. Em alguns exemplos conseguimos resolver a equação (2), explicitando y como função de x. Em outros exemplos, isto pode ser muito dif́ıcil ou mesmo imposśıvel. Pode ainda existir uma ou mais soluções não inclúıdas na solução geral. Estas serão da forma y = y0, onde y0 um zero da função g(y). Exemplo 3. Resolver a EDO xy′ + y − y2 = 0 . (3) Esta equação é separável, x dy dx = y2 − y , que é equivalente a dy y ( y − 1) = dx x ou y = 0 ou y = 1 . Verificamos que as funções constantes y = 0 e y = 1 são soluções da EDO (3). Ficamos com a integral ∫ dy y ( y − 1) = ∫ dx x . Decompondo em frações parciais 1 y ( y − 1) = 1 y − 1 − 1 y , obtemos ln |y − 1| − ln |y| = ln |x|+ lnC . A solução geral em forma impĺıcita é |y − 1| |y| = C|x| , ou seja, y − 1 y = ±Cx ou ainda (permitindo que C assuma valores positivos e negativos), simplesmente, y − 1 y = Cx . Neste exemplo, é simples obter y explicitamente isolando 1− 1 y = Cx , 1− Cx = 1 y , y = 1 1− Cx . - 6 Finalmente as soluções da EDO (3) são y = 1 1− Cx , y = 0 . Note que aqui a solução particular y = 1 fica inclúıda na solução geral, para C = 0 e, por isto, não precisamos insistir nela. Mas a solução particular y = 0 não estão contida na solução geral para nenhum valor da constante C. Ao lado está um esboço da famı́lia das soluções da EDO (3). Todas as curvas passam pelo ponto (0, 1). As soluções preenchem o plano todo ex- ceto os pontos (0, y) sobre o eixo dos Y com y 6= 0, pelos quais não passa nenhuma solução. Isto só não contradiz o Teorema de Existência e Unicidade da Seção 2 porque, embora a EDO (3) faça sentido em todo o plano, ela só pode ser colocada em forma normal dy dx = y2 − y x para x 6= 0, ou seja, fora do eixo Y . Exemplo 4. Vamos formar problemas de valor inicial, acrescentando alguma condição inicial à mesma EDO considerada no Exemplo 3. – Resolva o PVI abaixo, encontrando o intervalo máximo de definição da solução { xy′ + y − y2 = 0 y(−1) = 2 (4) 2 Tomamos a solução geral encontrada acima e substitúımos x = −1 e y = 2 . Isto nos dá 2 = 1 1 + C . Obtemos C = −1 2 e y = 1 1 + 12x = 2 x + 2 . Esta solução não está definida para x = −2 e na EDO não tem nenhuma restrição adicional. Retirando do conjunto R dos números reais o elemento x = −2, sobram 2 intervalos, (−∞,−2) e (−2,+∞) . Mas para cumprir a condição inicial, nossa solução precisa estar definida no ponto x = −1. Dentre os 2 intervalos, tomamos aquele que contém o ponto x = −1, ou seja (−2, +∞) . Conclusão: A solução do PVI (4) é a função y = 2 x + 2 , definida o intervalo I = (−2, +∞) . – Resolva o PVI abaixo, encontrando o intervalo máximo de definição da solução { xy′ + y − y2 = 0 y(2) = 0 (5) Se substituirmos na solução geral x = 2 e y = 0 , encontraremos uma condição imposśıvel de ser cumprida. Isto se deve ao fato que a solução do PVI (5) não está inclúıda na solução geral da EDO, mas é precisamente a solução y(x) = 0. O intervalo de definição desta função é todo I = R. Exemplo 5. Resolva o PVI abaixo, encontrando o intervalo máximo de definição da solução y′ = 2x 1 + 2y y(2) = −1 (6) Denotando y′ por dy dx , separando as variáveis e integrando, obtemos dy dx = 2x 1 + 2y , ( 1 + 2y ) dy = 2x dx e ∫ ( 1 + 2y ) dy = ∫ 2x dx . Calculando as integrais, encontramos a solução geral em forma impĺıcita: y + y2 = x2 + C . Substituindo x = 2 e y = −1, encontramos C = −4. Portanto, a solução do PVI (6) em forma impĺıcita é y + y2 = x2 − 4 . Usando a fórmula de Bhaskara, podemos isolar y e encontramos y = −1 2 ± √ x2 − 15 4 . Para determinar qual é o sinal que serve, fazemos novamente x = 2 e y = −1. Temos −1 = −1 2 ± √ 4− 15 4 , isto é, −1 2 = ± √ 4− 15 4 . 3 Portanto, o sinal que serve é o de menos. Logo, a solução do PVI (6) em forma expĺıcita é y = −1 2 − √ x2 − 15 4 . Vamos agora determinar o domı́nio da solução. É preciso que x2 − 154 ≥ 0 , ou seja, 154 ≤ x2 . Devemos ter x ≥ √ 15 2 ou x ≤ − √ 15 2 . Os intervalos de definição de soluções de EDO’s são tomados sempre abertos. Isto porque a EDO envolve derivada. No Cálculo, define-se derivada de uma função em um ponto interior do intervalo. Por isto, ficamos com I = (−∞,− √ 15 2 ) ou I = (√ 15 2 , +∞ ) . Mas o intervalo de definição da solução deve conter o x da condição inicial. Logo I = (√ 15 2 , +∞ ) . Observação: Outra maneira de ver que o intervalo de definição não poderia ser fechado é notar que x nem poderia assumir o valor √ 15 2 por uma outra razão. Se x = √ 15 2 , então y = −12 , anulando o denominador do lado direito da EDO. A questão original está resolvida, mas é interessante voltar à solução geral y + y2 = x2 + C da EDO e fazer uma análise geométrica. Por ser uma equação algébrica de grau 2, a solução geral é uma famı́lia de cônicas. Para ter uma idéia melhor, completamos os quadrados y2 + y + 1 4 = x2 + C + 1 4 . Incorporamos a fração do lado direito à constante, obtendo x2 − ( y + 1 2 )2 = C , que é uma famı́lia de hipérboles (em alguns casos só metades de ramos de hipérboles). - 6 ¡ ¡ ¡ ¡ ¡ ¡ ¡ ¡ ¡ ¡ ¡ ¡¡@ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @ @@ aa 4 Seção 4: Equações Exatas – Fator Integrante Introduzimos a idéia de equação exata, através de dois exemplos simples. Note que nesses dois exemplos, além de exata, a EDO também é separável, podendo alternativa- mente ser resolvida pelo método da Seção 3. Exemplo 1. Seja a equação diferencial xy′ + y = 0 . (1) A EDO (1) pode ser reescrita como ( xy )′ = 0 , (2) que é equivalente a xy = C , (3) Portanto a solução geral de (1) é a famı́lia de hipérboles y = C x , definidas nos intervalos I = (0, +∞) ou J = (−∞, 0) , tendo ainda a solução y = 0 definida em todo R. Exemplo 2. A equação diferencial y y′ = x + 1 (4) pode ser rescrita como ( 1 2 y2 − x 2 2 − x )′ = 0 , (5) que é equivalente a 1 2 y2 − x 2 2 − x = C , (6) Então, (6) é a solução geral de (4) em forma impĺıcita. Esta solução geral pode ser rescrita como y = ± √ x2 + 2x + C . Observação. O que as equações (1) e (4) têm em comum é que podem ser reescritas na forma d dx [ F (x, y) ] = 0 , (7) para uma conveniente função de duas variáveis F (x, y). A solução geral de (7) é F (x, y) = C . Definição. Uma EDO e primeira ordem exata é uma equação da forma (7), isto e, da forma Fx(x, y) + Fy(x, y) y ′ = 0 , (8) Para alguma função de duas variáveis F (x, y). Pelo exposto acima, a solução geral de (7) ou (8) é a famı́lia F (x, y) = C . Exemplo 3. A equação diferencial xy y′ + y2 2 = sen x (9) pode ser reescrita como y2 2 − sen x + xy y′ = 0 . Para encaixá-la no modelo (8), precisamos verificar se existe uma função de duas variáveis F (x, y) tal que Fx(x, y) = y2 2 − sen x e Fy(x, y) = xy . De fato, existe, F (x, y) = x y2 2 + cos x . Logo a solução geral de (9) é x y2 2 + cos x = C . Observação Fundamental. Segue da discussão acima que uma EDO M(x, y) + N(x, y) y′ = 0 , (10) é exata se existir uma conveniente função de duas variáveis F (x, y) satisfazendo M(x, y) = Fx(x, y) e N(x, y) = Fy(x, y) . (11) Neste caso, a solução geral da EDO (10) é a famı́lia F (x, y) = C . Notação. Com o mesmo significado de (10) são usuais as notações M(x, y) + N(x, y) dy dx = 0 (12) e M(x, y) dx + N(x, y) dy = 0 . (13) Não vale a pena perdermos tempo tentando atribuir um sentido a dx e dy isolados. O melhor é considerarmos que (13) é simplesmente uma notação que significa (12). Questão Prática. Dada uma EDO em forma (10), ou equivalentemente (12) ou (13), como reconhecer se ela é exata? Se a equação for exata, é porque existe uma função F (x, y) satisfazendo (11). Segue que My = Fxy e Nx = Fyx . Mas sabemos do Cálculo que Fxy = Fyx . Obtemos assim o seguinte teste. 2 Teste. Para que a EDO (13) seja exata é necessário que seja satisfeita a condição My = Nx . (14) conhecida como condição de Euler. Observações. 1– Não estamos afirmando que a condição (14) seja suficiente para que a EDO (13) seja exata, mas apenas que ela é necessária. Em outras palavras, verificado que vale (13) devemos passar a procurar pela função F (x, y), mas se (14) não for válida, paramos por áı, pois a função F (x, y) não existirá. 2– Embora a condição (14) não seja suficiente para assegurar que a EDO em questão é exata, na prática, para as EDO’s que normalmente encontraremos, se a condição (14) for cumprida, dificilmente a EDO deixará de ser exata. Em particular, toda a vez que o domı́nio das funções M e N for todo o R2 a condição (14) é também suficiente. 3– No Cálculo foi estudada a noção de diferencial exata, no contexto de integrais de linha independentes do caminho. Estas duas noções estão intimamente relacionadas. De fato, a diferencial M(x, y) dx+N(x, y) dy é exata se e somente se ela provém de um potencial, isto é, se existe uma função de duas variáveis F (x, y) para a qual dF = M(x, y) dx+N(x, y) dy. É fácil ver que isto acontece se e somente se a EDO M(x, y) dx+N(x, y) dy = 0 for exata. Exemplo 4. Resolver a equação diferencial (x− y2) y′ = x− y . (15) Para verificar se é exata, o mais simples é reescrever a equação na forma (13), ou seja, (y − x) dx + (x− y2) dy = 0 . Temos que M = y − x e N = x− y2 satisfazem ∂N ∂x = 1 = ∂M ∂y . Passamos, então, a procurar F (x, y) tal que ∂F ∂x = y − x ∂F ∂y = x− y2 (16) Da primeira equação segue que F (x, y) = xy − x 2 2 + ϕ(y), onde ϕ(y) depende só de y. Derivando em relção a y, obtemos ∂F ∂y = x + ϕ′(y). 3 Comparando com a segunda equação de (16), conclúımos que ϕ′(y) = −y2 e ϕ(y) = −y 3 3 . Nesta última, a constante e integração é tomada como 0, pois basta-nos encontrar uma F (x, y), não estamos interessados na mais geral. Então, uma possibilidade é F (x, y) = xy − x 2 2 − y 3 3 . A solução geral de (15) é xy − x 2 2 − y 3 3 = C . Fator Integrante Às vezes uma equação diferencial M(x, y) + N(x, y) y′ = 0 não é exata, mas pode- mos encontrar uma função µ(x, y) 6≡ 0 , chamada de um fator integrante, tal que µ(x, y) M(x, y) + µ(x, y) N(x, y) y′ = 0 seja exata. Exemplo 5. Consideremos a equação diferencial x2 y′ + (1− x2) y2 = 0 . (17) Rescrevendo como (1− x2) y2 dx + x2 dy = 0 , temos M = (1 − x2) y2 e N = x2, de modo que My = 2 (1 − x2) y e Nx = 2 x. Como My 6= Nx , a equação (17) não é exata. No entanto, multiplicando pelo fator integrante µ(x, y) = 1 x2y2 , obtemos a EDO ( −1 + 1 x2 ) dx + 1 y2 dy = 0 , (18) para a qual, agora, M = −1 + 1 x2 e N = 1 y2 satisfazem a condição (14). Obs. Quando multiplicamos pelo fator integrante, eliminamos a possibilidade de y se anular, por causa do termo y2 no denominador. Caso y = 0 seja uma solução da equação original (17), ela pode ter sido perdida. Portanto é preciso verificar separadamente se y = 0 é uma solução de (17). É fácil ver que é. Em outras palavras, as soluções de (17) e (18) são as mesmas, a menos desta solução particular. A equação (18) não faz sentido para y = 0 . 4 Precisamos encontrar F (x, y) tal que ∂F ∂x = −1 + 1 x2 ∂F ∂y = 1 y2 Da primeira segue que F é da forma F (x, y) = −x− 1 x + ϕ(y) . Derivando em relação a y, temos Fy = ϕ ′(y) . Logo, ϕ′(y) = 1 y2 e ϕ(y) = −1 y . Final- mente F (x, y) = −x− 1 x − 1 y e a solução geral em forma impĺıcita é −x− 1 x − 1 y = C . Podemos explicitar y = − x x2 + Cx + 1 . Esta é a solução geral de (17), mas ainda tem a solução y = 0 que não faz parte desta famı́lia para nenhum valor particular de C. A dificuldade com o método do fator integrante é encontrar este fator integrante. Encontrar um fator integrante para M(x, y) dx + N(x, y) dy = 0 é encontrar uma função de duas variáveis µ = µ(x, y) tal que µ(x, y) M(x, y) dx + µ(x, y) N(x, y) dy = 0 seja exata. É preciso que ∂ ∂y [ µ(x, y) M(x, y) ] = ∂ ∂x [ µ(x, y) N(x, y) ] . Esta última equação é uma equação diferencial parcial −N ∂µ ∂x + M ∂µ ∂y + ( My −Nx ) µ = 0 , Encontrar uma solução não trivial µ para esta equação diferencial parcial é, em prinćıpio, mais dif́ıcil do que resolver a EDO original. Por esta razão o que se faz na prática é procu- rar se existem fatores integrantes de alguns tipos especiais. Concentraremos nossa atenção em fatores integrantes dependentes de apenas uma das variáveis. Existem métodos para procurar fatores integrantes de muitos outros tipos, mas não nos deteremos neste estudo, pois por mais tipos que sejam considerados, nunca esgotaremos todas as possibilidades. 5 Exemplo 6. Consideremos a equação diferencial x y + x2 + 1 + ( x2 + x )dy dx = 0 . (19) Reescrevemos a EDO como ( xy+x2+1 ) dx+ ( x2+x ) dy = 0 e multiplicamos por µ = µ(x). ( xy + x2 + 1 ) µ(x) dx + ( x2 + x ) µ(x)dy = 0 . (20) A condição necessária para que esta nova equação seja exata é (( xy + x2 + 1 ) µ(x) ) y = ( (x2 + x)µ(x) ) x , ou seja, xµ(x) = ( 2x + 1 ) µ(x) + ( x2 + x ) µ′(x) . Portanto, para encontrar o fator integrante µ(x) devemos resolver uma EDO. Só que é uma EDO muito mais simples que a EDO original (19). Trata-se de uma EDO separável que, depois das simplificações, toma a forma x dµ dx = −µ . Separando as variáveis e integrando, temos ∫ dµ µ = − ∫ dx x , ln µ = − ln x . Portanto um fator integrante é µ = 1 x . Multiplicando a equação diferencial (20) por este fator integrante, obtemos ( y + x + x−1 ) dx + ( x + 1 ) dy = 0 . Esta última EDO deve ser exata. Para resolvê-la precisamos encontrar uma função F (x, y) tal que ∂F ∂x = y + x + x−1 ∂F ∂y = x + 1 (21) Da primeira equação de (21) segue que F (x, y) = xy + x2 2 + ln x + ϕ(y) , onde ϕ(y) depende apenas de y. Derivando em relação a y, Fy(x, y) = x + ϕ ′(y) . Comparando com a segunda equação do sistema (21), obtemos ϕ′(y) = 1 e ϕ(y) = y+K, onde K é constante. Como estamos interessados apenas em encontrar uma F (x, y) 6 satisfazendo (21) e não a mais geral posśıvel, podemos escolher ϕ(y) = y . Logo a solução geral da EDO (19) é xy + x2 2 + ln x + y = C . Exemplo 7. Consideremos a equação diferencial y cos x + (y + 2)( sen x) dy dx = 0 . (22) (Obs. Esta EDO é separável, mas vamos resolvê-la usando um fator integrante). Rees- crevemos (22) como y (cos x) dx + (y + 2)( sen x) dy = 0 . (23) Começamos procurando um fator integrante µ = µ(x), dependendo só de x. Multiplicando (23) por µ(x), encontramos y (cos x)µ(x) dx + (y + 2)( sen x)µ(x) dy = 0 . (24) Aplicando a condição de Euler, necessária para que seja exata, temos ( y (cos x)µ(x) ) y = ( (y + 2)( sen x)µ(x) ) x e, portanto, (cos x)µ(x) = (y + 2) ( µ(x) cos x + µ′(x) sen x ) (25) É imposśıvel eliminar y da condição (25). Segue que não existe nenhuma função µ = µ(x), dependendo só de x que satisfaça (24). De fato, se existisse, de (25), viria y + 2 = µ(x) cos x µ(x) cos x + µ′(x) sen x e isto é imposśıvel, pois o lado esquerdo depende só de y, enquanto que o lado direito depende só de x. Note que aqui x e y são variáveis independentes. Quando resolvemos uma EDO procuramos y como função de x, mas por enquanto estamos somente examinando os coeficientes da equação e, portanto, x e y são independentes uma da outra. A conclusão é que (22) não admite fator integrante dependendo só de x. Passamos agora a procurar um fator integrante dependendo só de y. Multiplicando (23) por µ(y), encontramos y (cos x)µ(y) dx + (y + 2)( sen x)µ(y) dy = 0 . (26) Para que (26) seja exata, é necessário que ( y (cos x)µ(y) ) y = ( (y + 2)( sen x)µ(y) ) x . Assim, devemos ter ( µ(y) + yµ′(y) ) cos x = (y + 2) µ(y) cos x . 7 Aqui x pode ser eliminado, resultando a EDO yµ′(y) = (y + 1) µ(y) para determinar y. Por separação de variáveis, temos ∫ dµ µ = ∫ ( 1 + 1 y ) dy e ln µ = y + ln y = ln ( y ey ) . O fator integrante é µ = µ(y) = yey. Multiplicando (24) por µ(y) = yey ou, equivalente- mente, substituindo µ = µ(y) = yey em (24), encontramos a equação exata y2ey (cos x) dx + (y + 2)y ey( sen x) dy = 0 . Precisamos encontrar uma função F (x, y) tal que ∂F ∂x = y2ey (cos x) ∂F ∂y = (y + 2)y ey( sen x) (27) Da primeira equação de (27) segue que F (x, y) = y2ey ( sen x) + ϕ(y) , onde ϕ(y) depende apenas de y. Derivando em relação a y, Fy(x, y) = (y + 2)y e y( sen x) + ϕ′(y) . Comparando com a segunda equação do sistema (27), obtemos ϕ′(y) = 0 e, ϕ(y) é constante. Como estamos interessados apenas em encontrar uma F (x, y) satisfazendo (27) e não a mais geral posśıvel, podemos escolher ϕ(y) = 0 . Logo a solução geral da EDO (22) é y2ey ( sen x) = C . Fator integrante da forma µ = xa yb (leitura opcional) Dentre muitas possibilidades, vamos considerar um caso de fator integrante envolvendo duas variáveis. O objetivo é apenas o de ilustrar. Exemplo 8. Consideremos a equação diferencial (−4 x2 y − 2 x y2) dx + (2 x3 − 3 x y) dy = 0 . (28) Multiplicando a EDO por µ = xa yb , obtemos (−4 xa+2 yb+1 − 2 xa+1 yb+2) dx + (2 xa+3 yb − 3 xa+1 yb+1) dy = 0 . A condição para que esta equação seja exata é −4 (b + 1) xa+2 yb − 2 (b + 2) xa+1 yb+1 = 2 (a + 3) xa+2 yb − 3 (a + 1) xa yb+1. 8 A seguir igualamos os coeficientes dos termos semelhantes de igualdade acima. Um termo que apareça só de um lado, consideramos que parece também do outro, mas com coeficiente 0. Obtemos −4 (b + 1) = 2 (a + 3) −2 (b + 2) = 0 −3 (a + 1) = 0 Este sistema tem solução a = −1 , b = −2 , que nos dá o fator integrante µ = x−1y−2 . Precisamos verificar separadamente se y = 0 é uma solução de (28), pois, se for, ela poderá ser perdida ao multiplicarmos a equação por µ. É fácil ver que é. Multiplicando (28) por µ = x−1y−2 , obtemos (−4 x y−1 − 2) dx + (2 x2 y−2 − 3 y−1) dy = 0 , que deve ser exata. Precisamos encontrar F (x, y) tal que ∂F ∂x = −4 x y−1 − 2 ∂F ∂y = 2 x2 y−2 − 3 y−1 Segue da primeira equação que F (x, y) = −2 x2 y−1 − 2 x + ϕ(y) . Derivando em relação a y, temos Fy(x, y) = 2 x 2 y−2 + ϕ′(y) . Logo ϕ′(y) = −3 y−1 , isto é, ϕ(y) = −3 ln y . Logo F (x, y) = −2 x2 y−1 − 2 x− 3 ln y e a solução da EDO (28) é 2 x2 y−1 + 2 x + 3 ln y = C , y = 0 . 9 Seção 5: Equações Lineares de 1a Ordem Definição. Uma EDO de 1a ordem é dita linear se for da forma y′ + f(x) y = g(x) . (1) A EDO linear de 1a ordem é uma equação do 1o grau em y e em y′. Qualquer dependência mais complicada é exclusivamente na variável independente x. Justificativa para o nome. Consideremos a transformação que a cada função y = y(x) associa uma nova função L(y) = y′ + f(x) y. Por exemplo, dada a EDO linear y′ + x2y = ex, consideramos a transformação y 7−→ L(y) = y′ + x2y . Temos, L ( senx ) = cos x + x2 senx . A transformação y 7−→ L(y) é lnear, isto, é, L(y1 + y2) = L(y1) + L(y2) L(cy) = cL(y) Assim, uma equação diferencial linear é uma equação do tipo L(y) = g(x), onde L é um operador diferencial linear de 1a ordem. Método de Resolução. Uma EDO linear y′+f(x) y = g(x) admite sempre um fator integrante dependendo somente da variável x. De fato, temos dy dx + f(x) y − g(x) = 0 , que pode ser reescrita como ( f(x) y − g(x) ) dx + dy = 0 . Multiplicando por µ(x), temos( f(x) y − g(x) ) µ(x) dx + µ(x) dy = 0 . A condição necessária para que esta última equação seja exata é que(( f(x) y − g(x) ) µ(x) ) y = ( µ(x) ) x , ou seja, f(x) µ(x) = µ′(x) . Separado as variáveis, vamos ter dµ dx = f(x) µ(x) , dµ µ = f(x) dx , lnµ(x) = ∫ f(x) dx . Logo, o fator integrante é µ(x) = e R f(x) dx (2) Note que multiplicando a EDO (1) pelo fator integrante (2), obtemos e R f(x) dxy′ + f(x)e R f(x) dxy = e R f(x) dxg(x) . (3) Levando em conta que ( e R f(x) dx )′ = e R f(x) dxf(x), podemos escrever (3) na forma( e R f(x) dxy )′ = e R f(x) dxg(x) . Basta agora integrar os dois lados e encontramos a solução da EDO. Conclusão: Multiplicando a EDO linear (1) pelo fator integrante (2), obtemos uma nova equação, cujo lado direito é a derivada de um produto. NOTA: O método de resolução acima foi deduzido para o caso em que o coeficiente de y′ é 1. Se não for, é preciso primeiro dividir por esse coeficiente, para torná-lo igual a 1. Exemplo 1. Resolver a EDO y′ + 3y = x. Um fator integrante para a equação diferencial acima é µ = e R 3 dx = e3x . Observe que na integral acima não somamos uma constante de integração, o que é o mesmo que escolher a constante de integração como sendo 0. Isto, aqui, é leǵıtimo, pois estamos querendo descobrir um fator integrante e não o fator integrante mais geral posśıvel. Multiplicando a equação diferencial pelo fator integrante µ = e3x, temos e3xy′ + 3e3xy = xe3x . (4) Como vimos acima, o lado esquerdo de (4) deve ser a derivada de um produto. Para descobrir quais são os fatores deste produto, notamos que o termo e3xy′ deve ser o primeiro vezes a derivada do segundo. Portanto o primeiro é e3x. Conlúımos que( e3xy )′ = xe3x . Por integração, encontramos e3xy = ∫ xe3x dx = xe3x 3 − e 3x 9 + C . A solução geral é y = x 3 − 1 9 + C e−3x . Exemplo 2. Resolver a EDO ( x− 2 ) y′ + ( x− 1 ) y = e−2x. Como o coeficiente de y′ não é 1, começamos dividindo por este coeficiente, y′ + x− 1 x− 2 y = e−2x x− 2 . (5) Um fator integrante para a equação (5) é µ = e ∫ x− 1 x− 2 dx . Calculamos a integral∫ x− 1 x− 2 dx = ∫ (x− 2) + 1 x− 2 dx = ∫ ( 1 + 1 x− 2 ) dx = x + ln(x− 2) . 2 Conforme explicado no exemplo 1, na integral acima a constante de integração foi escolhida como sendo 0, pois estamos querendo descobrir um fator integrante e não o fator integrante mais geral posśıvel. Encontramos µ = ( x− 2 ) ex. Multiplicando (5) por este fator, temos( x− 2 ) exy′ + ( x− 1 ) exy = e−x . (6) Como vimos acima, o lado esquerdo de (6) deve ser a derivada de um produto. Para descobrir quais são os fatores deste produto, notamos que o termo ( x − 2 ) exy′ deve ser o primeiro vezes a derivada do segundo. Conluimos que(( x− 2 ) exy )′ = e−x e, por integração, ( x− 2 ) exy = −e−x + C. A solução geral é y = − e −2x x− 2 + C e−x x− 2 . Problema. No instante t0 = 0 o ar em um recinto de 10800 m3 contém 0,12% de CO2. Neste instante começa a ser bombeado para o interior do recinto ar com 0,04% de CO2 à razão de 150 m3/min. Supondo que o ar dentro do recinto mistura-se instantaneamente, encontre a concentração de CO2 10 min mais tarde. Solução: Seja Q(t) o volume que é ocupado pelo CO2 no instante t. Consideremos o intervalo de tempo entre os instantes t e t + ∆t. Queremos determinar a variação ∆Q ocorrida neste intervalo de tempo. O volume de ar que entra (sai) do tanque durante este intervalo é ∆V = 150∆t No volume ∆V = 150∆t que entra, a quantidade de CO2 é 0.04× 150∆t 100 = 0.06∆t Por uma regra de 3, no volume ∆V = 150∆t que sai, a quantidade de CO2 é aproximadamente Q150∆t 10800 = Q∆t 72 A igualdade é aproximada, pois, ao longo do intervalo de tempo, Q não permanece constante. Portanto ∆Q ' 0.06∆t− Q∆t 72 Quanto menor o intervalo de tempo melhor vai ser a aproximação. O erro desaparece no limite para ∆t −→ 0. Para não obter uma igualdade trivial 0 = 0, primeiro dividimos por ∆t, ∆Q ∆t ' 0.06− Q 72 Fazendo ∆t −→ 0, obtemos a EDO dQ dt + 1 72 Q = 0.06 . 3 O problema nos dá uma condição inicial Q(0) = 0.12× 10800 100 = 12.96 . Devemos resolver o PVI dQ dt + 1 72 Q = 0.06 Q(0) = 12.96 Multiplicando nossa EDO linear pelo fator integante µ = e R 1 72 dt = e t 72 , obtemos e t 72 dQ dt + 1 72 e t 72 Q = 0.06 e t 72 , i.e. ( e t 72 Q )′ = 0.06 e t 72 . Integrando, eoncontramos e t 72 Q = ∫ 0.06 e t 72 dt = 0.06 · 72 e t 72 + C . Portanto a solução geral da EDO é Q = 4.32 + Ce− t 72 . Utilizando a condição inicial Q(0) = 12.96, determinamos C. De fato, para t = 0, 12.96 = 4.32 + C . Logo a expressão de Q em um instante qualquer é Q = Q(t) = 4.32 + 8.64e− t 72 . Após 10min, i.e, no instante t = 10, Q(10) = 4.32 + 8.64e− 10 72 . A concentração vai ser de 4.32 + 8.64e− 10 72 10800 × 100 ≈ 0.1096 por cento. Aplicação. Queda de um corpo em um meio que ofereça resistência. Suponhamos um corpo de massa m que cai em um meio (ar, água, óleo) que oferece resistência. Consideremos como sendo positiva o sentido para baixo. A velocidade v é positiva. Sobre o corpo que cai ajem duas forças, o seu peso mg, que é positivo, e a resistência do meio Fr, que tem sentido oposto ao da velocidade e é, portanto, negativa. Da 2a lei de Newton, temos m dv dt = gm + Fr é negativa. Para velocidades não muito grandes, obtemos uma boa descrição do movimento, se considerarmos o modelo em que Fr é diretamente proporcional à velocidade, isto e, a EDO m dv dt = gm− k v , (k > 0 constante) . Neste caso a EDO é linear. Em outros problemas envolvendo velocidades mais altas, como movimento de projéteis, pode-se ter uma descrição melhor considerando a velocidade diretamente proporcional, por exemplo, ao quadrado da velocidade, i.e. m dv dt = gm− k v2 , (k > 0 constante) . 4 Vamos aqui considerar o modelo linear. Exemplo. Um paraquedista pula de grande altura. Depois de 10 seg abre seu paraquedas. Ache a velocidade depois de 15 seg. Ache também a velocidade terminal, sendo dados: – A massa do paraquedas+paraquedista é 80 kg. – A resistência do ar com o paraquedas fechado vale 1 2 v e com o paraquedas aberto vale 10 v. Vamos aqui considerar o modelo linear. Solução: Pela 2a lei de Newton 80 dv dt + 1 2 v = 800. Assim os primeiros 10 seg são governados pelo PVI 80 dv dt + 1 2 v = 800 v(0) = 0 Escrevendo a equação como v′+ 1 160 v = 10 e multiplicando pelo fator integrante e R 1 160 dt = e t 160 , temos e t 160 v′ + 1 160 e t 160 v = 10 e t 160 , ou seja ( e t 160 v )′ = 10 e t160 , e t160 v = ∫ 10 e t160 dt = 1600 e t160 + C . A solução geral da EDO é v = 1600 + Ce− t 160 . Usando a condição inicial v(0) = 0, temos C = −1600. Logo, nos primeiros 10 seg da queda a velocidade como função do tempo vale v(t) = 1600 ( 1− e− t 160 ) , para 0 ≤ t ≤ 10 . (7) A seguir, para t > 10, a força de resistência do ar passa a valer Fr = −10v. A EDO toma a forma 80 dv dt + 10 v = 800, para 10 < t < +∞, e o valor v(10) = 1600 ( 1 − e− 10 160 ) , calculado da solução no trecho 0 < t < 10, passa a ser a condição inicial. Portanto para obter v(t) no intervalo 10 < t < +∞, devemos resolver o PVI 80 dv dt + 10 v = 800 , (10 < t < +∞) v(10) = 1600 ( 1− e− 1 16 ) Como acima, v′ + 18 v = 10 , µ = e R 1 8 dt = e t 8 , e t 8 v′ + 18 e t 8 v = 10 e t 8 , ( e t 8 v )′ = 10 e t8 , e t 8 v = ∫ 10 e t 8 dt , e t 8 v = 80 e t 8 + D . A solução geral é v = 80 + De− t 8 . Utilizando a condição inicial v(10) = 1600 ( 1− e− 1 16 ) , temos 1600 ( 1− e− 1 16 ) = 80 + De− 10 8 e D = 1520 e 10 8 − 1600 e 19 16 . Portanto, no segundo trecho da queda, depois de 10 seg, quando abre o paraquedas, a velocidade vale v = 80 + ( 1520 e 10 8 − 1600 e 19 16 ) e− t 8 , para 10 ≤ t < +∞ . (8) 5 Assim o salto do paraquedista é descrito por (7) e (8). Para achar a velocidade depois de 15 seg basta substituir t = 15 em (8), v(15) = 80 + ( 1520 e 10 8 − 1600 e 19 16 ) e− 15 8 . A velocidade terminal, quando existe, é o limite da velocidade, quando t −→ +∞. No presente exemplo, como e− t 8 −→ 0, existe uma velocidade terminal, lim t→∞ v(t) = lim t→∞ ( 80 + ( 1520 e 10 8 − 1600 e 19 16 ) e− t 8 ) = 80 . A velocidade terminal é v∞ = 80m/seg. 6 Seção 6: Equação de Bernoulli Definição. Uma equação de Bernoulli é uma equação diferencial ordinária de 1a ordem da forma y′ + f(x) y = g(x) yn , (1) onde n é um número real (não precisa ser inteiro nem positivo). Vamos sempre considerar n 6= 0, 1 , pois nestes dois casos (1) seria uma EDO linear, que já sabemos resolver. Método de resolução. Experimentemos fazer uma mudança de variável do tipo y = zp . Substituindo em (1), temos p zp−1z′ + f(x)zp = g(x) znp , ou seja, p z′ + f(x)z = g(x) znp−p+1 . (2) A EDO (2) se torna o mais simples posśıvel se np− p + 1 = 0 , isto é, para p = 1 1− n . Em outras palavras, para resolver (1), vamos fazer a substituição z = y1−n . (3) Conclusão. A equação de Bernoulli (1) se transforma em uma equação linear através da substituição z = y1−n. De fato, fazendo a substituição z = y1−n, calcula-se y = z 1 1−n , y′ = 1 1− n z 1 1−n−1z′ e a equação (1), portanto, se transforma em 1 1− n z n 1−n z′ + f(x) z 1 1−n = g(x) z n 1−n ou, multiplicando a equação por z− n 1−n , 1 1− n z′ + f(x) z = g(x) , que é uma EDO linear. Se o expoente 1 − n for negativo, é preciso ter cuidado, pois ao fazer a substituição (3), estaremos eliminando a possibilidade de y = 0 . Com isto perdemos uma solução da EDO (1), pois é fácil ver que se n > 0 , então y = 0 é uma solução da EDO (1). Não vale a pena memorizar a forma da equação linear que resulta. Basta somente lembrar da substituição z = y1−n. Exemplo 1. Consideremos o crescimento de uma bactéria (que vamos supor esférica, por simplicidade). Para cada instante de tempo t, indiquemos por M = M(t) a massa da bactéria, V = V (t) seu volume, S = S(t) a área da superf́ıcie e r = r(t) o raio. Supondo a densidade da bactéria constante igual a ρ, temos M = ρV . Vamos construir um modelo matemático levando em conta que a taxa de crescimento da massa da bactéria é influenciada por dois fatores: (i) A massa M tende a aumentar, devido à alimentação. Como o alimento entra através da membrana superficial, é razoável supor que este efeito seja diretamente proporcional à área S da superf́ıcie da bactéria; (ii) Existe uma queima da massa da bactéria devida ao metabolismo. Como esta queima é mais ou menos uniforme ao longo de todas as partes da bactéria, é razoável supor que este efeito seja diretamente proporcional à masa M da bactéria. Consideremos o problema de determinar de que maneira a massa M varia com a passagem do tempo t. As duas suposições feitas acima implicam que existem duas constantes α > 0 e β > 0 tais que dM dt = αS − βM . (4) Esta equação ainda está envolvendo duas quantidades M e S que dependem do tempo. Para poder resolver a equação é preciso eliminar uma delas. Note que V = 4 3 π r3 e S = 4π r2 . Segue dáı que S = 4π ( 3V 4π ) 2 3 = ( 4π ) 1 3 ( 3V ) 2 3 . Por outro lado, V = M/ρ. Substituindo tudo isto na equação (4), encontramos dM dt = α (4π) 1 3 (3M) 2 3 ρ 2 3 − βM . Vemos que a equação diferencial que governa o crescimento da bactéria e do tipo dM dt = λ M 2 3 − βM , (5) onde λ = α 3 2 3 (4π) 1 3 ρ 2 3 e β são constantes positivas. A equação (5) é uma equação de Bernoulli, com n = 2 3 . Fazendo a subtituição z = M1−n = M 1 3 , temos M = z3 e M ′ = 3z2 z′, que transforma (5) em 3z2 z′ = λ z2 − βz3 , que é equivalente à equação linear z′ + β 3 z = λ 3 . (6) Um fator integrante para a equção (6) é µ = e R β 3 dt = e βt 3 . Multiplicando (6) por este fator integrante, encontramos e βt 3 z′ + β 3 e βt 3 z = λ 3 e βt 3 . O lado esquerdo desta última EDO é a derivada de um produto, Assim,( e βt 3 z )′ = λ 3 e βt 3 . Por integração temos e βt 3 z = λ 3 ∫ e βt 3 dt . 2 Calculando a integral, encontramos e βt 3 z = λ β e βt 3 + C , ou seja, z = λ β + Ce− βt 3 e, finalmente, M(t) = ( λ β + C e− β t 3 )3 . Observação: A constante C depende da condição inicial. Existe um tamanho limite para a célula, que não depende do tamanho inicial, isto é, qualquer que seja C, lim t→+∞ M(t) = λ3 β3 = Meq . λ3 β3 Condições iniciais M(0) < Meq é que fazem sentido em nosso problema. Elas correspondem a valores C < 0 da constante. Neste caso, a solução M(t) é uma função crescente, pois a exponencial é decrescente. Uma condição inicial M(0) > Meq é mate- maticamente posśıvel. Teŕıamos C > 0 e a solução M(t) seria decrescente. A função constante M(t) = Meq é a solução que corresponde a C = 0 . É a solução de equiĺıbrio. Trata-se de um ponto de equiĺıbrio estável: tomando uma condição incial M(0) próxima do valor de equiĺıbrio Meq , a solução que se obtém tende a voltar ao valor de equiĺıbrio, embora sem atingi-lo num tempo finito. Exemplo 2. Resolver a equação diferencial y′ = xy + xy3. (7) Esta EDO é uma equação de Bernoulli com n = 3 . Fazemos a mudaça de variável z = y1−3 = y−2 , isto é, y = z− 1 2 , y′ = −1 2 z− 3 2 z′ . (8) Note que com esta mudaça de variável, eliminamos a possibilidade de y se anular. Precisamos então verificar separadamente se y = 0 é uma solução da EDO (7). Verifica-se que é. Substituindo (8) em (7), tem-se −1 2 z− 3 2 z′ = x z− 1 2 + x z− 3 2 , isto é, z′ + 2xz = −2x . Esta é uma EDO linear e um fator integrante para ela é µ = e R 2x dx = ex 2 . 3 Multiplicando por este fator integrante, temos ex 2 z′ + 2xex 2 z = −2xex2 , ou, equivalentemente, ( ex 2 z )′ = −2xex2 , cuja solução é ex 2 z = ∫ −2xex2 dx = −ex2 + C . Segue que z = −1 + C ex2 . Fazendo a substituição inversa, obtemos que a solução geral de (7) é y = ( −1 + C ex2 )− 1 2 . Observe que a solução particular y = 0 de (7) não está inclúıda na solução geral para nenhum valor de C. Portanto, a solução de (7) é y = ( −1 + C ex2 )− 1 2 , y = 0 . Aplicação: Modelos de Crescimento Populacional Como uma aplicação das idéias desolvolvidas até este ponto, vamos estudar alguns modelos simples de crescimento populacional. Crescimento Exponencial. É o modelo mais simples, que já foi estudado na primeira aula, em que se supõe que a taxa de crescimento de uma população em um dado instante é diretamente proporcional ao número de indiv́ıduos neste instante. Em śımbolos, designando por N = N(t) o número de indiv́ıduos no instante t, dN dt = λ N, (9) onde λ > 0 é uma constante que só depende da espécie de bactérias que se está observando - 6 sN0 t N (depende do tempo que cada célula leva para se di- vidir). Na primeira seção, resolvemos a equação (9) por separação de variáveis, econtrando a solução geral N = Ceλ t. Se for conhecida a população N0 no instante inicial t = 0, isto é, se tivermos uma condição inicial N(0) = N0, determinamos C = N0, N = N(t) = N0eλ t. Conclui-se que, segundo este modelo, a população cresce exponencialmente. 4 Crescimento Loǵıstico. O modelo anterior, de crescimento exponencial, descreve bem a evolução de uma população até um certo estágio. Quando o número de indiv́ıduos cresce, começa haver competição entre os indiv́ıduos, pelo alimento, por exemplo. Isto ocasiona uma diminuição na taxa de crescimento, que é preciso levar em conta, para obter um modelo que descreva mais fielmente a realidade. A taxa de crecimento será do tipo dN dt = ϕ(N) N, onde ϕ(N) agora não é mais constante, mas varia com N , diminuindo quando N cresce, podendo inclusive tornar-se negativo se N for muito grande. A funçõ mais simples com estas propriedades é ϕ(N) = a − bN , com a > 0 e b > 0 constantes, cujo gráfico é uma reta. Obtemos assim a euqação diferencial dN dt = ( a− bN ) N, (10) conhecida como equação loǵıstica. Vamos supor que 0 < b � a, de modo que, enquanto a população N não for muito grande, a taxa de crescimento será aproximadamente N ′ ' aN , e o modelo anterior dará uma boa aproximação. Para valores muito gandes de N , o termo bN se faz sentir e a taxa de crescimento fica menor. A EDO (10) é separável, mas também é de Bernoulli e, justamente, é mais fácil resolvê-la como tal. De fato, N ′ = aN − bN2 é de Bernoulli com n = 2. Seguindo o método expoxto acima, fazemos a mudança de variável z = N1−2 = N−1 , N = z−1 , N ′ = −z−2z′. Substituindo na EDO, temos −z−2z′ = az−1− bz−2. Multiplicando por z2, obtemos a equação linear z′ + az = b , cujo fator integrante é µ = e R a dt = eat. Então, eatz′ + aeatz = beat , ( eatz )′ = beat , eatz = b ∫ eat dt = b a eat + C e, portanto, z = b a + Ce−at. Finalmente, a solução geral de (10) é N = 1 b a + Ce −at . Note que N = 0 é uma solução de (10), que não está inclúıda na solução geral para nenhumvalor de C, e que foi perdida no momento em que se fez a mudança de variável z = N−1, que exclui a possibilidade de N = 0. Mas, na presente situação, a solução N = 0 não é relevante. Se tivernos uma condição inicial N(0) = N0, podemos determinar C de 1 N0 = b a + C e encontramos N = N(t) = 1 b a + ( 1 N0 − ba ) e−at . 5 Observamos que o modelo prevê que para t grande, independente da população inicial N(0), N(t) vai se aproximar sempre de um mesmo valor lim t→∞ N(t) = a b . Para valores pequenos de t, escrevendo N(t) = eat 1 N0 + ba ( 1− eat ) , como 1− eat ≈ 0, temos N(t) ≈ N0eat , para t pequeno, concordando com o modelo anterior. a b A solução constante N(t) = a b coresponde a um ponto de equiĺıbrio estável. Se a condição inicial for N0 = a b , N(t) permanecerá cons- tante igual a esse valor em todos os instantes futuros. Tomando uma condição inicial um pouco diferente desse valor, N(t) tende a voltar ao valor de equiĺıbrio. Já a solução constante N(t) = 0 é um ponto de equiĺıbrio instável. Se mudarmos um pouco a condição incial, N(t) tenderá a se afastar ainda mais de 0 quando t −→∞. Este modelo foi proposto em 1838 pelo matemático belga Verhulst para a população humana. Em 1930 foi comprovado que descreve razoavelmente bem a população de drozófilas. 6 Seção 7: Estudo qualitativo das Equações Autônomas Definição. Uma EDO de 1a ordem é dita autônoma se não envolve explicitamente a variável independente. As EDO autônomas de 1a ordem são as da forma y′ = f(y), (1) onde f é uma função de uma variável. Observação 1. As equações estudadas nos exemplos de modelos de crescimento populacional da Seção 6, dN dt = λN e dN dt = ( a− bN)N, são autônomas. Na verdade, como as leis da Biologia que regem o crescimento populacional não variam com a passagem do tempo, era mesmo de se esperar que as equações deduzidas a partir delas não envolvessem explicitamente o tempo como variável, ou seja, fossem autônomas. A partir desta observação podemos entender porque as equações autônomas são importantes nas aplicações. É posśıvel fazer uma análise geométrica das equações autônomas e, mesmo antes de resolvê- las, deduzir o comportamento qualitativo das soluções. As partir dáı, podemos fazer um esboço da famı́lia de soluções. Exemplo 1. Consideremos a EDO N ′ = ( a− bN)N. (2) Esta equação já foi resolvida quando estudamos os modelos de crescimento populacional. Ve- jamos que mesmo que não a tivéssemos resolvido, terio sido posśıvel descrever qualitativamente suas soluções e fazer um esboço das mesmas. Nossa equação diferencial é da forma N ′ = f(N), onde f é a função f(N) = (a− bN)N . Começamos fazendo um esboço do gráfico dessa função. - 6 rr a b a 2b N N ′ GRÁFICO 1 Analisando o gráfico da função f(N), vamos esboçar o gráfico da famı́lia das soluções da equação diferencial (2). Começamos investigando se existem soluções constantes para a EDO (2). Note que uma solução constante de (2) é uma função da forma N(t) = C, com f(C) = f(N(t)) = N ′(t) = 0 (a derivada de uma função constante é 0). Portanto as soluções constantes de (2) correspondem aos ze- ros da função f(N). No presente exemplo a função f(N) tem dois zeros (imediato do Gráfico 1) e, por- tanto, a EDO (2) tem duas soluções constantes: N1(t) = 0 e N2(t) = a b . Essas soluções constantes são as chamadas soluções de equiĺıbrio de nossa EDO. A partir do gráfico acima, que mostra N ′ em função de N , vamos construir o esboço do gráfico de N em - 6 a b a 2b t N N ′ < 0 N ′ > 0 GRÁFICO 2 função de t, que mostra a famı́lia das soluções de (2). Analisando o Gráfico 1, vemos que N ′ > 0 para 0 < N < a b . Isto nos diz que no Gráfico 2, na faixa 0 < N < a b , as soluções N = N(t) são funções crescentes. Da mesma forma, para N > a b , temos N ′ < 0. Portanto, na região N > a b do Gráfico 2, as soluções N = N(t) são funções decrescentes. No Gráfico 2, fazemos o esboço das soluções da EDO (2) a partir dessas considerações. Note que a solução N2(t) = a b corresponde a um ponto de equiĺıbrio estável: Para a condição inicial N(0) = a b , a solução vai permanecer igual a N(t) = a b para todos os instantes futuros t ≥ 0. Variando um pouco a condição inicial para N(0) = N0, com N0 diferente mas próximo de a b , vamos ter lim t→∞N(t) = a b , ou seja, N(t) tende a voltar à posição de equiĺıbrio. Podemos ser mais espećıficos quanto ao comportamento das soluções na faixa 0 < N < a b . Note que como mostra o Gráfico 1, N ′ é máximo quando N = a 2b . Portanto as soluções têm máxima declividade quando N = a 2b . Conclúımos dáı que as soluções dentro da faixa 0 < N < a b têm ponto de inflexão sobre a reta horizontal N = a 2b . Observação 2. Se y1(t) é uma solução da EDO (1), então qualquer translação horizontal y2(t) = y1(t+C) também é. De fato, se y1(t) é uma solução da EDO (1), então y′1(t) = f(y1(t)). Segue que y′2(t) = y ′ 1(t + C) = f(y1(t + C)) = f(y2(t)). Aplicando essa observação à equação (2) temos que, se conhecermos o gráfico de uma solução com gráfico contido na faixa 0 < N < a b , as demais soluções com gráfico contido na faixa são obtidas por translação horizontal do desta solução conhecida. O mesmo se aplica às soluções na região N > a b . Exemplo 2. Fazer uma esboço do gráfico das soluções da EDO y′ = (y + 1)(y − 1)y2 (3) - 6 q q−1 a b 1 y y′ GRÁFICO 3 Começamos traçando o gráfico (Gráfico 3) da fun- ção f(y) = (y + 1)(y − 1)y2. A função f(y) tem três zeros. Portanto a EDO (3) tem três soluções de equiĺıbrio, y1(t) = −1, y2(t) = 1 e y3(t) = 0. A seguir, examinamos do comportamento das solu- ções em cada uma das faixas nas quais as retas soluções de equiĺıbrio dividem o plano. 2 A região y > 1 no gráfico 4, acima da solução de equiĺıbrio y(t) = 1, no gráfico 3 corresponde à - 6 a b t y GRÁFICO 4 parte do eixo horizontal à direita de y = 1. Por- tanto, na região y > 1 vamos ter f(y) > 0, ou seja, y′ > 0 e as soluções y(t) serão funções crescentes. Pelo mesmo tipo de racioćınio, na faixa 0 < y < 1 e também na faixa −1 < y < 0, temos y′ = f(y) < 0 e as soluções y(t) são funções decrescentes. Na região y < −1, temos y′ = f(y) > 0 e as soluções y(t) são funções crescentes. Esse comportamento está descrito no gráfica 4, ao lado. Note que, pela Observação 2 acima, bastaria de- senharmos quatro soluções da EDO (3), uma con- tida em cada uma das quatro regiões determinadas pelas soluções de equiĺıbrio. As demais soluções podem ser obtidas a partir dessas por translação horizontal. Classificação dos pontos de equiĺıbrio. Ainda no Exemplo 2, temos que existem 3 pontos de equiĺıbrio. – O ponto de equiĺıbrio y(t) = −1 é dito um ponto de equiĺıbrio estável. A razão desta nomenclatura é a seguinte. Se a condição inicial for y(0) = −1, a solução vai permanescer constante y(t) = −1. Se nos afastarmos um pouco da posição de equiĺıbrio, isto é, se dermos uma condição incial y(0) 6= −1 levemente diferente de −1, o Gráfico 4 nos mostra que a solução y(t) −→ −1 volta a se aproximar da posição de equiĺıbrio. – O ponto de equiĺıbrio y(t) = 1 é dito um ponto de equiĺıbrio instável. A razão do nome é que se dermos uma condição incial y(0) 6= 1 levemente diferente de 1, o Gráfico 4 nos mostra que a solução y(t) tende a se afastar mais ainda da posição de equiĺıbrio, quando t −→∞. – O ponto de equiĺıbrio y(t) = 0 é dito um ponto de equiĺıbrio semi-instável. A razão do nome é que se afastarmos a condição incial y(0) < 0 para a esquerda do valor de equiĺıbrio y = 0, a solução y(t) tende a se afastar mais ainda da posição de equiĺıbrio (comportamento instável), mas se afastarmos a condição incial y(0) > 0 para a direita do valor de equiĺıbrio y = 0, a solução y(t) tende a voltar para a posição de equiĺıbrio (comportamento esstável) y(t) −→ 0. Há algo mais que podemos dizer. Observando o Gráfico 3, notamos que a função f(y) tem um ponto de mı́nimo local a no intervalo (−1, 0) e um ponto de mı́nimo local b no intervalo (0, 1). Na verdade, como neste exemplo temos explicitamente a expressão de f(y), pesquisando os zeros da derivada da função, podemos encontrar facilmente que a = − √ 2 2 e b = √ 2 2 , mas esta informação não é relevante aqui. Vamos examinar primeiro as soluções na faixa 0 < y < 1. Já vimos que elas são decrescentes, pois y′ = dydt < 0. Mas y ′ é mais negativo quando y = b. Ou seja, a declividade é mı́nima quando a solução y(t) corta a reta horizontal y = b, que está desenhada pontilhada no Gráfico 4. Sobre essa reta horizontal estão localizados os pontos de inflexão das soluções. Para se convencer disto, comece lembrando que um ponto de inflexão de uma curva plana é um ponto onde ela troca de concavidade. A concavidade de uma função é para cima se a derivada é crescente e para baixo se a derivada é decrescente. A concavidade é para cima se a segunda derivada d2y dt2 > 0 é positiva e para baixo se d2y dt2 < 0. A fim de aplicar este fato, levamos em conta que, pela regra da cadeia, d2y dt2 = dy′ dt = d f(y) dt = f ′(y) dy dt = f ′(y)y′ = f ′(y)f(y). 3 Na faixa 0 < y < 1, por exemplo, temos: – Para 0 < y < b, f(y) é decrescente como função de y, sendo f ′(y) < 0 e, além disto, f(y) < 0. Temos, então, f ′(y)f(y) > 0. Portanto, no trecho em que uma solução estiver na faixa 0 < y(t) < b, a concavidade será para cima. – Pelo mesmo argumento, na faixa b < y < 1 temos f(y) crescente como função de y e f ′(y) > 0. Além disto, f(y) < 0, de modo que f ′(y)f(y) < 0. Portanto, no trecho em que uma solução estiver na faixa b < y(t) < 1, a concavidade será para baixo. Segue que as soluções, de fato, trocam de concavidade quando cruzam a reta y = b. Estas conclusões a respeito da concavidade já estão mostradas no Gráfico 4. Nas demais faixas pode ser feita a mesma discussão sobre a concavidade. Deixamos a cargo do leitor. 4 Seção 8: EDO’s de 2a ordem redut́ıveis à 1a ordem Caso 1: Equações Autônomas Definição. Uma EDO’s de 2a ordem é dita autônoma se não envolve explicitamente a variável independente, isto é, se for da forma F (y, y′, y′′) = 0. Como motivação para o método de resolução vamos estudar o seguinte exemplo. Exemplo 1: Velocidade de escape Um corpo de massa m é lançado para cima a partir da superf́ıcie da Terra. Vamos investigar o &% '$ -q¡¡µ q r0 R ¾ F problema de determinar se existe um valor ve tal que se a velocidade inicial v0 for v0 ≥ ve, então o corpo escapa da atração gravitacional da Terra. Desprezamos o efeito da resitência do ar. Pela lei da gravitação universal, a força de gravidade agindo sobre o corpo vale F = −GMm r2 , onde G é a constante universal de gravitação, M é a massa da Terra, R ≈ 6.4 · 106m = 6400 km é o raio da Terra e r é a distância do corpo até o centro da terra. Pela 2a lei de Newton, F = ma , onde a = d2r dt2 é a aceleração. Igualando as duas expressões para força obtemos a equação diferencial d2r dt2 = −GM r2 . (1) A EDO (1) é uma equação diferencial autônoma de 2a ordem. No instante inicial t0 = 0, sobre a superf́ıcie da Terra, sabemos experimentalmente que a acele- ração vale d2r dt2 (0) = −g ≈ −10m/s2 . Na equação (1) procuramos r = r(t) como função do tempo. Para resolvê-la mudamos o ponto de visto. Passamos a procurar a velocidade v como função da posição r. Isto faz sentido porque a cada altura r corresponde uma velocidade v, a velocidade com que o corpo atinge a altura r. Faz sentido então pensarmos em v = v(r). Fazendo isto e usando a regra da cadeia, temos a = d2r dt2 = dv dt = dv dr dr dt = v dv dr . Substituindo na EDO (1), obtemos v dv dr = −GM r2 . (2) Note que a EDO autônoma de 2a ordem (1) se reduziu à EDO de 1a ordem (2). A EDO (2) pode ser resolvida por separação de variáveis ∫ v dv = −GM ∫ dr r2 , cuja solução geral é v2 2 = GM r + C . Usando a condição inicial v(R) = v0, obtemos C = GM R − v 2 0 2 . Substituindo na solução geral, GM ( 1 r − 1 R ) = 1 2 ( v2 − v20 ) , ou ainda, v2 = ( v20 − 2GM R ) + 2GM r . (3) 1) Se v0 for suficientemente pequeno, mais precisamente, se v20− 2GM R < 0 , r não pode crescer indefinidamente, pois, neste caso, 2GM r −→ 0 e teŕıamos lim r→∞ v 2 = v20 − 2GM R < 0, que é uma contradição. Portanto, se v20 < 2GM R , então o corpo atinge uma altura máxima rmax. Fazendo v = 0, encontra-se 1 rmax − 1 R = − v 2 0 2GM , 1 rmax = 1 R − v 2 0 2GM = 2GM − v20R 2GMR rmax = 2GMR 2GM − v20R . Conclusão: Se a velocidade inicial for v0 < √ 2GM R , então o corpo atinge uma altura máxima rmax e depois cai. 2) Se v0 = √ 2GM R , então (3) toma a forma v2 = 2GM r e dáı segue que r cresce indefinidamente, com lim r→∞ v(r) = 0 . Conclusão: Se v0 = √ 2GM R , então o corpo escapa à atração gravitacional da Terra e chega nos pontos infinitamente distantes com velocidade tendendo a 0. 3) Se v0 > √ 2GM R , o corpo escapa da atração gravitacional da Terra e chega no infinito com velocidade positiva v∞ = lim r→∞ v(r) = √ v20 − 2GM R > 0 . Conclusão: A conclusão final é que realmente existe uma velocidade de escape ve = √ 2GM R . Para calcular ve, não precisamos do valor de M e de G, só precisamos saber o valor do produto GM . A equação (1), nos diz que na superf́ıcie da Terra, g = GM R2 e, portanto. ve = √ 2gR ≈ √ 2 · 10 · 6.4 · 106 = 103 √ 128 ≈ 103 √ 121 = 11 km/s = 39 600 km/h . 2 OBSERVAÇÃO. O método empregado no problema da velocidade de escape se baseou em considerar v = dr dt como função de r. Em geral, dada uma equação autônoma F (y, y′, y′′) = 0, introduzimos a variável p = y′ e pensamos em p como função de y, p = p(y). Exemplo 2. y′′ − 2yy′ = 0. Introduzimos a variável p = y′ e pensamos p = p(y). Pela regra da cadeia, y′′ = dp dx = dp dy dy dx = p dp dy . Substituindo na EDO, obtemos p dp dy − 2yp = 0 . Segue que p = 0 ou dp dy − 2y = 0 . 1) Se p = 0 , então y′ = 0 , logo y = C é uma famı́lia de soluções. 2) Na equação dp dy − 2y = 0 , separando as variáveis, temos ∫ dp = ∫ 2y dy , e p = y2 + C . Fazendo a substituição inversa, dy dx = y2 + C , dy y2 + C = dx , ∫ dy y2 + C = ∫ dx Caso 1 : C > 0. Neste caso, podemos dizer que C = K2 com K > 0. Temos x = ∫ dy y2 + K2 = 1 K ∫ 1 1 + ( y K )2 d ( y K ) = 1 K arctan ( y K ) + L . Podemos isolar y. Basta notar que Kx + D = arctan ( y K ) , y K = tan ( Kx + D ) . Assim, temos a famı́lia de soluções y = C1 tan ( C1x + C2 ) . Caso 2 : C = 0. Neste caso x = ∫ dy y2 = −1 y + C e temos a famı́lia de soluções y = 1 C − x . Caso 3 : C < 0. Neste caso, C = −K2 com K > 0. Temos x = ∫ dy y2 −K2 = ∫ dy( y −K)(y + K) . 3 Decompondo em frações parciais, encontramos 1( y −K)(y + K) = 1 2K ( 1 y −K − 1 y + K ) . Portanto, x = 1 2K ( ln |y −K| − ln |y + k| ) + L . Assim, temos a famı́lia de soluções Kx + D = ln ∣∣∣y −K y + K ∣∣∣ 1 2 . Se quisermos, aplicando a função exponencial dos dois lados, e fazendo algumas operações algébricas simples, podemos isolar y, mas não vamos fazer isto aqui. Em resumo, as soluções da equação diferencial são todas as funções de uma das formas y = C1 tan ( C1x + C2 ) , ln ∣∣∣y − C1 y + C1 ∣∣∣ 1 2 = C1x + C2 , y = 1 C − x e y = C . Note que a equação diferencial do exemplo 2 não é linear, pois contém o termo em yy′, que é de grau 2. Vamos ver que para equações lineares a estrutura do conjunto das soluções nunca é tão complicada. Exemplo 3. Resolva o problema de valor inicial y′′ = 2y ( y′ )2 1 + y2 , y(0) = 0 , y′(0) = 2 . (4) Introduzimos a variável p = y′ e pensamos p = p(y). Pela regra da cadeia, y′′ = dp dx = dp dy dy dx = p dp dy . Substituindo na EDO, obtemos p dp dy = 2yp2 1 + y2 . A possibilidade de que p = 0 pode ser descartada por causa da condição inicial y′(0) = 2. Separando as variáveis e integrando, temos ∫ dp p = ∫ 2y 1 + y2 dy e, portanto, ln p = ln ( 1 + y2 ) + ln C1 , ou seja, p = C1 ( 1 + y2 ) . Segue das condições iniciais que quando y = 0 vamos ter p = 2. Substituindo acima, determi- namos C1 = 2. Então, dy dx = 2 ( 1 + y2 ) , ∫ dy 1 + y2 = 2 ∫ dx , arctan y = 2x + C2 , y = tan ( 2x + C2 ) . Mas a condição inicial y(0) = 0 implica que tanC2 = 0. Logo, a solução do PVI (4) é
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