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HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA OCIDENTAL
FRANCOS: MEROVÍNGIOS E CAROLÍNGIOS
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Olá!
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:
1. Conhecerá a organização política e social das Gálias no século VI, VII e VIII, nos chamados reinos carolíngios e
merovíngios;
2. aprenderá sobre o papel do cristianismo no reino franco e a sua importância para a reorganização europeia
nos século VIII e IX, com uma Igreja cada vez mais local;
3. compreenderá que existem práticas simbólicas que assumem grande papel social como as esfinges nas
moedas ou o Juramento de Fidelidade;
4. conhecerá um pouco da relação entre muçulmanos e cristãos na Europa.
A região das Gálias configura um dos últimos espaços conquistados pelos romanos. Seus limites são os Pirineus,
na Península Ibérica; os Alpes, no norte da Itália; e o rio Elba, a leste. Esta foi a região que deu notoriedade ao
conquistador Júlio César.
No século V, ocorre uma grande migração de Hunos, que foram contidos por uma associação de Francos e
Visigodos no território das Gálias. Uma vez tendo a vitória sobre os Hunos, ocorrem uma série de acordos entre
romanos e esses grupos que os apoiaram, que seriam, entre os chamados de bárbaros, os mais importantes e
significativos.
Temos uma batalha importante, na altura da cidade de Vouillé. Nessa batalha, os visigodos se retiram e ocupam a
Península Ibérica, e o domínio Franco se estende do norte das Gálias até o Litoral do mar do norte. É nesse
domínio que eles vão dialogar diretamente com os novos povos que estão chegando: chamam atenção os
Alamanos, os Saxões, os Turíngios e mais tarde, Normandos e Lombardos.
Este espaço das Gálias foi dominado definitivamente no século VI pelos Francos (hoje, França, Bélgica,
Luxemburgo, Holanda, Suíça etc) Com o domínio carolíngio, há uma expansão desse território. São territórios
dominados para além de Danúbio e que vão colocar o império carolíngio na fronteira do próprio império
bizantino, cerca de três séculos depois.
Os Francos não são um grupo único, são uma confederação de grupos que vai tender a se aproximar, seja pela
organização política, normalmente em torno de conselhos de Anciãos, seja pela estrutura, muitas vezes de
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negociação, uma vez que negociam em grupo com o próprio Império Romano. Durante o século IV, já com uma
estrutura de batalha, esses grupos unem colisões diferentes e, em torno de uma figura que é escolhida, se
direcionam para a batalha.
Esses grupos são aqueles que entendemos como Francos e em torno deles é que temos o espaço, o domínio
Franco vivendo uma certa romanização, ou seja, a influência romana sobre a estrutura Franca. Quando os
Francos combatem e vencem Átila, eles estavam sendo utilizados como exército romano. Era o próprio poder
romano representado nas figuras de generais francos. Os Francos têm uma negociação, uma proximidade com os
poderes romanos, estabelecidos nas Gálias, não na cidade de Roma.
Childerico, teoricamente, é o primeiro monarca da dinastia Merovíngia (conforme Gregório de Tours, que
escreve a história dos Francos e que é a principal fonte que temos sobre a organização desse povo). É um bispo
que, apesar de ter origem hispana, está inserido no reino Franco e vê o estabelecimento do domínio de uma
tradição franca.
Se deixar em aberto, os Francos são bárbaros dominando a região onde se construiu um cuidadoso arcabouço
para demonstrar que eles alcançaram a verdadeira fé e, então, passam a pertencer a civitas, aquilo que mais
tarde entenderemos como ser civilizado. Se dá legitimidade ao poder, aquele reino existe e, tal qual o imperador
romano, foi escolhido por Deus (Como Gregório de Tours escreve) Nessa época, não podemos usar o termo
"povo", mas "aristocracia", tanto a de origem galo--romana presente anteriormente na região, como o
aristocracia Franca, que dá uma liga para eles se organizarem. Quando o poder está legitimado, tudo fica mais
fácil.
A mensagem chega pelos bispos à população mais simples. A religião é a do Gens, do grupo dos Francos (não
povo). Gens Francorum é a hierarquia presente na organização franca, na qual havia um líder de uma região, e
quem está em torno desse líder e da área que esse líder domina, o seguia, assim como o restante do grupo. A
partir do momento em que se tem a conversão, tem-se a clareza da mistura do grupo com a população local.
O importante é a monarquia ser reconhecida. Temos, claramente, uma organização Franca, mas não temos a
clareza de um reino Franco, como Gregório de Tours escreve em seu material. Ele vai caracterizar Childerico
como um magisters-milito do próprio Império Romano, que vai ser sucedido por seu filho, Clóvis, à frente do
poder. E Clóvis vai ter o cuidado e vai ser marcado por-estabelecer uma união político e militar dessa
estruturação Franca. Teremos uma série de outras diferenças caindo frente ao governo de Clóvis. A vitória de
Clóvis sobre os visigodos acaba sendo emblemática do poder militar do próprio Clóvis.
A partir de Clóvis, surge a preocupação em estabelecer uma série de leis de práticas de origem romana, para
regular a vida social, tem-se uma aproximação muito clara com a Igreja. Ele não era seguidor de nenhuma linha
cristã, ao inverso dos visigodos. Ele tem um momento simbólico que era, às vésperas da batalha contra os
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visigodos, fazer uma conversão pública. A conversão pública era ir até a cidade mais povoada, reunir os
principais chefes militares e todos serem batizados publicamente. Isso não é um ato de fé, é um ato político que
dá a real possibilidade de fortalecimento da estrutura social local, um ato político que nos permite entender que
essa aproximação, essa busca em torno de Clóvis, faz com que a Igreja queira legitimar a figura do rei Franco. De
bárbaro passa a se buscar uma origem, o primeiro grande rei medieval, que Clóvis defende ter origem divina. Dá-
se um sentido à história, transforma-se Clóvis em um rei legítimo, os Francos organizam um novo império
Romano, menor, mas bem estruturado.
A Igreja legitima e tem os principais intelectuais do período e essa intelectualidade vende, cria, constrói uma
ideia de organização. O problema é que a Igreja cria a ideia de que Clóvis teria recriado a institucionalização do
Império Romano. Quando olhamos esse documento, vemos que as principais rainhas organizam grandes
mosteiros, vemos a figura de uma Igreja que, em determinados locais, não tem um senhor, o senhor é o próprio
bispo de Roma. Ele é o governante da cidade. Ele é governante por ele ser nobre e, além de nobre, ele é bispo, o
que dá uma dupla legitimidade, demonstrando que o reino Franco chega ao ponto perfeito pós-Clóvis.
Clóvis, ao morrer, divide o reino entre seus quatro filhos. Não é possível imaginar uma sucessão política em que
há divisões entre os sucessores, quebra-se a unidade. A busca de Clóvis sempre foi unir os Francos. Certamente,
Tours apresenta fatos muito mais romanos do que Francos, principalmente na sua estrutura. Tem uma série de
práticas influenciadas pelo mundo romano, mas mantém também uma série de práticas e costumes localizados.
A primeira noção importante, antes da própria noção de partilha, é a relação de fidelidade "A relação é pessoal,
uma vez jurado comigo, eu tenho responsabilidade com você e você tem responsabilidade comigo". Não é uma
relação de grupo, não é o reino, é uma série de conflitos, uma teia de relações.
Os herdeiros se tornam senhores de uma determinada proporção, de um determinado palácio (moradia dos
senhores, grandes centros, antigas áreas de dominus, senhores de terra. Espaço onde se tem, muitas vezes, o
estacionamento de uma aristocracia, militar, de cobrança de impostos, uma área de pagamento) de um domínio.
Falamos de um juramento de característica militar, uma partilha por regiões de domínio pela riqueza, não pelo
tamanho territorial.
Quando se domina a Austrásia, mais ao norte, tem-se um território maior, por ser considerada uma região mais
pobre do que o da Burgúndia, que é mais próxima ao Mediterrâneo,o território é bem menor. Não há a ideia de
demarcação de fronteira, a não ser quando a fronteira é uma área rica. O monarca, no limite, é o senhor da terra.
Quando se organiza uma frente de batalha, muitas vezes a garantia com outro é de uma outra terra que será
dominada e que vai ser dele. Quando o outro guerreia em nome dele, sabe que há um juramento que deve ser
cumprido e, se o outro não voltar, seus herdeiros receberão.
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Essa noção é contraditória com o modelo de reino que a Igreja planta. O que se tem depois da chamada dinastia
Merovingia, logo após Clóvis, são pelo menos três grandes reinos: Nêustria, Austrásia e Burgúndia. Três grandes
reinos que muitas vezes entram em conflito, se aproximam e que, apesar de se reconhecerem como Francos, na
prática, estão em plena disputa.
Com a chegada dos Francos, é preciso criar um diálogo entre o domínio militar e a população local, se não é
impossível entender a criação de um governo. Os Francos, quando chegam, começam a se inserir dentro do
modelo romano existente.
As principais casas aristocratas francas vão ser grandes proprietários de terras, senhores de muitos homens com
uma capacidade militar. Há vários desses centros, dentro do que é o reino Franco Clóvis consegue trazer para si
essas múltiplas vertentes e, a partir das próprias vitórias militares, garantir que novos grupos o apoiassem pela
cessão de novas terras. Mas ainda que esses grupos francos o apoiassem, era o bispo que ia fazer a população
local se aproximar. O bispo era alguém de alta hierarquia dentro daquela região, ele não vai ser ouvido por ser
bispo, necessariamente, ele vai ser ouvido por ser um senhor de terras. Ele representa a autoridade regional, ele
representa o diálogo com os grupos locais.
Quando falamos em legitimação, a partir do momento que temos essa aristocracia local, Franca, está sendo
construída uma nova aliança, um novo modelo. Esse modelo seria Franco-Galo ou Franco-Romano. O papel da
Igreja nesse novo reino é ser o interlocutor para falar com o restante da população. O poder político vai ter que
garantir a legitimidade da Igreja, para que o bispo seja reconhecido como autoridade e legitime o Rei, começando
a conversar com a aristocracia.
A Igreja representava não só a Igreja, representava a elite local, e era responsável pelo diálogo com essas novas
elites militares, para que se possa construir uma nova política, um novo reino fora do mundo romano.
Esse regnum vai ser uma mistura romana e franca. A relação principal está na fidelidade, na relação pessoal. Para
resolver isso, a Igreja dá legitimidade ao juramento de fidelidade, que é feito na presença do bispo.
Saiba mais
Definição: regnum é diferente da noção de reino, nação, ou estado. Tem relação com a
construção de um grupo que se reconhece como pertencente e seguindo a mesma liderança,
sem ter o claro estabelecimento de fronteiras.
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A Igreja se apoia no poder local e esse poder, para aumentar sua legitimidade com a população local, se aproxima
da Igreja. Esta, por sua vez, por conta da tradição romana, representa uma elite intelectual local muito forte,
muito importante. É uma troca de legitimidade.
Todo processo é vivo, as tradições são misturadas, mais do que isso, a partir do momento em que a Igreja se
torna um foco importante de poder ela não é só um poder local, ela começa a receber uma série de bispos
francos naquele primeiro momento. Depois ela vem se tornando um conjunto homogêneo, nunca como uma
homogeneidade total, mas bem próxima do que tinha anteriormente no império romano.
Quando vocês estudam a formação do Islão, em especial o momento da sua expansão político-militar durante a
dinastia dos Omíadas, notamos que as principais áreas ocidentais de conquista estão no entorno do
Mediterrâneo. Clique aqui: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=87
Os territórios de tradição romana como Norte da África, sul da Itália e parte da Península Ibérica são agora
domínios islâmicos. Segundo Pirene, durante este período o mundo teria presenciado um processo de
interiorização da política europeia e um abandono do Mediterrâneo. Neste sentido, por exemplo, o eixo de poder
no mundo Franco teria abandonado a cidade de Arlés e Tolouse, passando a se concentrar em Paris.
Não precisamos acreditar plenamente na proposição de que Pirene defende que este aspecto se dá pela
impossibilidade de comercialização no Mediterrâneo, pois com um estudo um pouco mais aprofundado notamos
que o comércio europeu medieval mediterrânico não foi extinto, continuou a ser feito tendo entre seus agentes
muçulmanos, judeus e cristãos.
Lembrando do contexto no século VIII
Reino visigodo foi dominado e vencido pelo Islão, tornando-se a partir de 711 parte do domínio Omíada. Ao
norte, região montanhosa, é organizado um reino cristão independente, conhecido como Reino das Astúrias.
Reino Ostrogodo- vencido por Justiniano ao sul e no século VII vê a chegada de um novo grupo que se estabelece
ao norte, chamado de Lombardos. Estes, não romanizados e provenientes do norte da Europa, ocupam e
estabelecem micro-reinos autônomos no norte da Península Itálica.
Reino Franco Nos discursos aparece como um reino, mas a forma de organizar o poder na dinastia merovíngia
garante uma contínua fragmentação, ainda que na sua divisão entre reinos, todos trazem no seu discurso de
afirmação o pertencimento a dinastia dos Merovíngios. Clique aqui para ver o mapa
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=87
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Ilhas Britânicas Temos a divisão do sul em reinos diversos, alguns de Anglos, outros de Saxões e mais ao norte
reinos tidos como romanos. Tem uma relação, em especial entre os saxões, direta com o domínio merovíngio no
norte da Europa.
1 A reorganização Franca
Para entender os próximos eventos que marcaram os séculos VIII e IX, precisamos novamente visitar a Península
Ibérica. A organização árabe-islâmica na península em cerca de 723, organiza um emirado (reino), que dentro
das dinâmicas regionais começa a ter novas pretensões dentro do espaço europeu. Neste sentido, o emir de
Córdoba começa a reunir tropas no Magreb (atual Marrocos), com o objetivo de se lançar as terras além dos
Pirineus (limite entre Península e o restante do continente).
Lembremos que estamos na Idade Média, e não naquela idealizada. Não temos exércitos profissionais de
monarcas, quando falamos em convocações nos referimos ao um pequeno corpo de especialistas e uma grande
massa de camponeses que se apresentam para a guerra. Tal qual, não podemos falar em uma organização franca,
não temos essa centralidade, de fato os Merovígios têm grandes áreas de domínio, mas dependem dos chamados
mordomos, os senhores ou administradores do castelo (não usa a imagem do castelo medieval, é uma casa
grande assim: Mas lembra que isso foi reformado, embelezado, eram casahttp://diretodeparis.com/vincennes/
mais simples que os castelos fortificados do século XI).
http://diretodeparis.com/vincennes/
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Afirmar que ao Merovíngios não tinham uma organização central não é afirmar no entanto que não estavam
envoltos no mesmo medo, e naquele momento o exército islâmico era um temor em especial para a região da
Aquitânia, fronteiriça aos Pirineus.
Para entender o momento podemos centrar nosso olhar para um importante grupo desta região. Uma família de
mordomos, que é diretamente relacionada ao espaço da Nêustria, e que mais tarde serão chamados de
Carolíngios.
Esse grupo primeiro terá uma série de desventuras, quando Pepino 1 e depois Carlos Martel serão acusados de
traição, de não cumprirem seu papel como senhores do castelo. Condenados ao desterro, sua redenção surgirá
quando são requisitados na região da Aquitânia para liderar os novos ataques do mundo islâmico organizados
pelos supracitado califa de Córdoba. Neste combate, Carlos Martel assume a liderança dos mordomos da região e
estabelecerá uma encarniçada resistência ao poderio árabe-islâmico.
Vamos leragora um documento medieval!
"Os muçulmanos golpearam os seus inimigos e atravessaram o rio Garonne, assolando o país e
levando inúmeros cativos. Aquele exército passou por todos os lugares como uma tempestade
devastadora. A prosperidade tornou esses guerreiros insaciáveis.
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"Ao cruzarem o rio, Abderrahman arruinou o condado. O conde refugiou-se em sua fortaleza, mas os
muçulmanos avançaram contra ele e, entrando à força no castelo, mataram o conde. Para tudo
cediam suas cimitarras, que eram ladrões de vidas".
"Todas as regiões do reino dos Francos temiam aquele exército terrível, assim, os Francos
recorreram a seu rei Carlos Martel e lhes contaram sobre a destruição feita pelos cavaleiros
muçulmanos, e como subjugaram, ao atravessarem, toda a terra de Narbonne, Toulouse e Bordeaux.
Eles também relataram a morte do conde. Então o rei alegrou-os, declarando que iria ajudá-los..."
"O rei montou em seu cavalo, e levou um exército que não pode ser contado, e dirigiu-se contra os
muçulmanos. Ele os encontrou na grande cidade de Tours."
"Abderrahman e outros cavaleiros prudentes viram a desordem das tropas muçulmanas, que
estavam pesadas devido aos espólios de guerra; mas eles não se aventuraram a desagradar os
soldados ordenando que eles abandonassem tudo, com exceção de suas armas e cavalos de guerra.
Abderrahman confiou no valor dos seus soldados e na boa sorte que estava lhe acompanhando. Mas
a falta de disciplina é sempre fatal aos exércitos."
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"Assim, Abderrahman e suas hostes atacaram Tours para ainda adquirir mais espólio. Eles lutaram
contra esta cidade tão ferozmente que a fúria e a crueldade dos muçulmanos para com os seus
habitantes da cidade eram como a fúria e crueldade de tigres raivosos. Eles assaltaram a cidade
quase diante dos olhos do exército que veio salvá-la. Era manifesto que Deus iria castigar tais
excessos; e a sorte logo virou-se contra os muçulmanos."
"Próximo ao rio Loire, os dois grandes exércitos, de duas línguas e de dois credos, estavam em
ordem, um frente ao outro."
"Os corações de Abderrahman, de seus capitães e de seus homens estavam cheios de ira e orgulho, e
eles foram os que primeiro começaram a lutar. Os cavaleiros muçulmanos dirigiram-se com
ferocidade contra os batalhões dos Francos, que resistiram virilmente. Muitos caíram mortos de
ambos os lados, até o pôr do sol."
"A noite separou os dois exércitos: mas ao amanhecer os muçulmanos voltaram à batalha. Os
cavaleiros logo chegaram, sem muito esforço, no centro do batalhão cristão. Mas muitos dos
muçulmanos estavam temerosos pela segurança do espólio que tinham armazenado em suas
barracas."
"Um falso grito surgiu nas suas fileiras, alertando que alguns dentre os inimigos estavam saqueando
o acampamento; o que levou vários esquadrões da cavalaria muçulmana a voltarem atrás para
proteger suas barracas.""Porém, parecia que eles estavam fugindo dos cristãos e todo o exército
muçulmano ficou preocupado."
"E enquanto Abderrahman se esforçava para controlar o tumulto e conduzir os seus homens
novamente para a luta, guerreiros francos o cercaram e ele foi perfurado por muitas lanças, de forma
que morreu. Então todo o exército muçulmano evadiu-se ante o inimigo e muitos morreram na fuga
..."
"A batalha de Tours, ou Poitiers, como deveria ser chamada, é considerada como uma das batalhas
decisivas da história mundial. Ela decidiu que os cristãos, e não os muçulmanos, seriam o poder
dominante na Europa. Carlos Martel é celebrado especialmente como o herói dessa batalha",
escreveu John H. Haaren, no livro Famous Men of the Middle Ages. Ainda posteriormente seu neto,
Carlos Magno, faria uma incursão militar na Espanha e trucidaria as últimas posses islâmicas na
França. O território francês foi fonte continuada de cruzadas e monges que cooperaram com os reis
da Espanha e Portugal para banir o Crescente da península ibérica. Carlos Martel recebeu do Papa
Gregório III o título de Herói da Cristandade. Ele foi sepultado na abadia de Saint Denis de Paris,
necrópolis dos reis da França.
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Creasy, Edward. Fifteen Decisive Bailes of the World. New York, E. P. Dutton Et Co., s/d. p. 168-169. In: Silva,
Cristina Lopes Frazão da. (Tradutora e adaptadora). História Medieval. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
UFRJ.
Notamos que é uma batalha de cunho simbólico poderoso, não à toa, inverte as condições de disputa de poder no
reino franco, passando os Merovíngios agora a serem constantemente contestados. O chefe militar vai tender a
receber, a partir do momento em que vence uma importante disputa, uma aclamação, isso porque ele via reunir
em torno dele um exército vitorioso e prestigiado, ele terá novos homens interessados em se juntar a ele. A
partir do momento em que ele se torna o grande vitorioso, é aclamado Dominus, Senhor da Aquitânia, este é o
marco inicial de uma dinastia carolíngia.
O filho de Carlos Martel, Pepino III, ou o Breve, ao assumir o poder consegue criar um forte movimento de
contestação aos monarcas de Austrásia e Neustria. Ele afirma os merovíngios como os verdadeiros traidores,
porque não apoiaram a batalha que era considerada a mais difícil, contra o inimigo mais temido. Neste momento
abre-se a possibilidade do questionamento do juramento de fidelidade. Pepino articula formas de seu poder ser
reconhecido, chegando a ser considerado legítimo pelo bispo de Roma, uma das mais importantes aclamações
naquele momento, como defensor da cristandade.
Observação importante: O Juramento de Fidelidade é uma das estruturas fundamentais na organização política
dos reinos germânicos. Sua tradição estabelece a relação entre os homens, as tropas, o direito sobre as terras. Ele
é a base para entender como um grupo ascende e despenca do poder. Ele é um dos fundamentos que nos
permitirão entender o feudalismo no espaço europeu. Pepino, no sentido de buscar legitimação, vai ser coroado
em Roma rei Franco e defensor da Cristandade, já indicando seu filho Carlomano, ou como é mais conhecido no
Ocidente, Carlos Magno, como sucessor.
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2 Carlos Magno
Carlos Magno foi uma figura heroicizada. Não podemos perder isto de vista. Quando começarem a procurar na
Internet, vão aparecer os maiores feitos, um sujeito que será lido de uma maneira idealizada e parcial. Não é este
o Carlos Magno que procuramos. Nosso trabalho não quer e não vai construir uma história positivista, então
precisamos entender as relações de poder envoltas e as práticas relacionadas à organização e expansão da
dinastia carolíngia.
Carlos Magno é lido como o responsável por trazer o último suspiro do Império Romano. Acontece que o Império
Romano não morre, politicamente há sua desestruturação de longa data e ausência geopolítica desde o século V.
Mas como sempre lembramos, a História é marcada por continuidades e rupturas e a ideia do Império Romano
permanecerá por muitos séculos mais. Cada um vive no seu próprio contexto, utiliza os elementos, as práticas e
as estruturas do seu próprio tempo e, com Carlos Magno, não é diferente. A pergunta é outra, por que essa
transformação em herói? Para conseguir responder a esta questão, precisamos estudar o seu contexto.
Voltando à tese de Hanry Pirene, só existe Carlos Magno por conta do domínio mediterrânico, pois possibilitou o
crescimento de regiões que economicamente eram pouco representativas, mudando o eixo comercial das
práticas marítimas, para os centros de escoamento pluviais. Este crescimento da aristocracia no noroeste francês
associado aos constructos simbólicos após a vitória sobre os árabes teriam possibilitado uma poderosa expansão
dos Carolíngios.
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Carlos Magno chega ao poder em busca do direito às terras estabelecido por seu pai. No entanto, chega com o
discurso de que a Aquitânia teria um território mais amplo do que o representado, utilizando negações ao
juramento de fidelidade aos merovíngios. São então iniciados constantes conflitos dentro do mundo Franco.
Constituindo em torno desi um grupo de especialistas, busca estabelecer novos sistemas de proteção e
organização social. Se aproxima da Igreja local, como seu protetor legítimo junto aos nobres. Seu princípio de
distribuição de parte das terras conquistadas a seus aliados cria um movimento de guerra intenso.
O comércio se torna cada vez mais especializado, mantém a redução dos seus volumes. No entanto, em torno das
antigas estradas romanas cresce um comércio de produtos especiais, lucrativo e que passa a ser prova de status.
Mas um forte problema teria que ser enfrentado, a falta de ouro (o dinheiro tinha o seu valor em si, uma moeda
valia o seu peso em ouro). Carlos Magno, para resolver esta questão, cria o padrão da moeda de prata nas casas
de fundição e uma métrica entre as moedas de ouro e prata, uma vez que a primeira era ainda trocada em
grandes transações. A prata passa a ser a referência, facilitando as transações menores ligadas às cabeças de
gado, vinho e outros produtos que circulavam entre os rios, primeiro o Reno e mais tarde o Danúbio.
Apesar da prata, a moeda continua sendo esculpida, ora com símbolos cristãos, ora com a imagem de Carlos
Magno em modelo próximo ao romano. Essa representação na moeda é uma forma de reconhecimento, de
afirmação do poder. Afinal, as casas de fundição dos metais e o cotidiano de parte dos grupos sociais estariam se
relacionando diretamente com a figura do novo Rei.
Falamos em criação, afirmação de uma corte quando chegamos aos carolíngios. Não que não houvesse cargos
importantes, figuras que pertenciam a uma aristocracia dos grupos tratados como bárbaros. Mas boa parte dos
cargos em um primeiro momento ou repetem as práticas romanas, ou têm nomenclaturas que vão e vem. Com os
carolíngios, nos aproximamos das figuras que entendemos como corte, não mais como alguém do segmento
social geral, mas uma figura que terá um vocativo, e indumentárias especiais como os antigos romanos, mas ao
mesmo tempo será definido pelas características militares do seu domínio. Passaram a ter uma educação
diferenciada, utiliza e ostenta produtos diferenciados, não à toa cresce o comércio de pedras africanas, de seda
chinesa e peles do norte da Europa.
Os ou senhores de guerra, grupos de especialistas em batalha passam a ser conhecidos, ainda queMilitus milites
lentamente, como cavaleiros, os grandes senhores de terra, responsáveis por produção e por grandes
contingentes que garantem o funcionamento do reino. Funcionários de corte, senhores de terras menores,
responsáveis por funções principalmente administrativas são os barões, duque é o senhor das fronteiras, das
terras que precisam ser constantemente vigiadas; assim como Marquês é o sujeito que deverá vigiar as
fronteiras com o Islão, chamados assim por ocuparem um conjunto de terras chamado de maneira idealizada
como Marca Hispânica.
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Esse sistema valoriza o juramento de fidelidade como elemento de coesão, mas ganha traços próprios com a
ideia dos Mici e Dominici. Quando a máquina de guerra estruturada no governo de Carlos Margno pretende uma
nova conquista, como por exemplo, revidar o ataque de Lombardos em territórios ao sul, e de quebra se
reassociar à Igreja reafirmando o seu papel de protetor da cristandade no fim do século VII, chama-se alguém de
outra região, também jurado com Carlos Magno, prometendo vantagens e terras maiores em caso de vitória no
novo território. Ao mesmo tempo, envia-se um clérigo com a função de estabelecer um bispado, sendo assim a
região passa a ter duas referências políticas, sendo que nenhum dos dois tem legitimidade imediata na nova
terra, pois seu apoio passa por Carlos Magno. Conquistado, o sistema de governo passará pela relação dos novos
territórios e o domínio carolíngio. Os grupos que se rendem e juram fidelidade a Carlos Magno passam a ser
potenciais de outra região conquistada.Missi-Dominici
3 Da confederação carolíngia ao Império Carolíngio
Mas como esta política monárquica salta para alcançar o status de Império? Para entender este momento
precisamos tratar da relação entre Carlos Magno e o Papado Romano. Com a expansão do islão para o sul da
Península Itálica desde o século VIII, o fim deste mesmo século reserva uma outra ameaça à igreja romana:
Lombardos. Os Lombardos passam a assediar, constantemente, as terras da Igreja.
Este grupo proveniente da atual Dinamarca vai dominar completamente a região dos Alpes na segunda metade
do século VIII, vencendo o que restava de estruturas Ostrogodas. Uma vez estabelecidos, a expansão de Carlos
Magno chega aos limites dos territórios Lombardos, sem no entanto, serem deflagrados grandes conflitos. Neste
momento, uma série de cartas vão chegando ao domínio carolíngio, nomeando Carlos Magno como protetor da
cristandade e exigindo ações. Em meados de 798, os conflitos entre Carolíngios e Lombardos são deflagrados
garantindo a conquista de parte do território da península itálica. Neste momento a Igreja saca uma poderosa
falsificação: A Doação de Constantino.
Este documento, muito presente na iconografia medieval, dizia entre outras coisas que Constantino havia
deixado um testamento que garantia a Igreja como seu principal beneficiário, herdando as terras do entorno de
Roma, e aquela que teria o direito de coroar Carlos Magno. E Leão III já tinha seu escolhido: Carlos Magno.
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O que vem na próxima aula
• Faremos um mergulho na cultura;
• discutiremos aspectos diversos com divisão do tempo, riso, sexo e fantasmas;
• estudaremos o que é chamado de renascimento cultural carolíngio relacionado com o restante do 
mundo medieval;
• discutiremos as relações pessoais e o sistema político da Alta Idade Méida, difundido na Europa 
continental.
CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Conheceu o espaço das Gálias medievais;
• descobriu que existiram dinastias diferentes, assim como formas complexas de organização social;
• aprendeu que a Igreja Romana não é uma sucessora natural do Império, mas buscava se apresentar 
como sua sucessora sempre que surge a possibilidade;
• reconheceu aspectos do governo Carolíngi
•
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	Olá!
	
	1 A reorganização Franca
	2 Carlos Magno
	3 Da confederação carolíngia ao Império Carolíngio
	O que vem na próxima aula
	CONCLUSÃO