Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA A incidência de síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) em crianças vem decrescendo. Ademais, 92% das crianças infectadas adquiriram a doença durante o período periparto. Na ausência de intervenção, a transmissão vertical do HIV situa-se em tomo de 25 a 30%. Estima-se que em gestantes sintomáticas, com quadro clínico de Aids, essas taxas girem em torno de 50%. O controle da transmissão vertical relaciona-se à qualidade do pré-natal, à profilaxia antirretroviral periparto e à suspensão do aleitamento materno. Na assistência pré-natal, é de extrema importância o rastreamento adequado da infecção pelo HIV, para que medidas profiláticas sejam tomadas a tempo de se obterem os melhores resultados possíveis. TRANSMISSÃO VERTICAL Dois terços dos casos ocorrem durante o trabalho de parto e o parto, enquanto um terço ocorre por transmissão intrauterina, principalmente nas últimas semanas de gestação. Há ainda um risco adicional representado pelo aleitamento materno. Os principais fatores de risco classicamente associados à transmissão vertical do HIV incluem carga viral elevada, ausência de tratamento com terapia antirretroviral, vaginose, sífilis, uso de drogas ilícitas, relações sexuais sem preservativo, prematuridade, baixo peso do recém-nascido, procedimentos obstétricos invasivos, bolsa rota há mais de 4 horas, trabalho de parto prolongado e parto vaginal operatório. Atualmente a prevenção da transmissão vertical se baseia nos seguintes pilares: ✓ Uso de terapia antirretroviral ao longo da gestação; ✓ Zidovudina parenteral anteparto; ✓ Zidovudina xarope para o recém-nascido; ✓ Contraindicação à lactação; Mesmo pacientes com carga virai indetectável e em uso de terapia antirretroviral devem ser desaconselhadas a amamentar, pois nessas pacientes pode ocorrer a contaminação do leite com HIV. TRIAGEM SOROLÓGICA E DIAGNÓSTICO O rastreamento da infecção por HIV durante a gestação deve ser realizado por meio de teste capaz de detectar anticorpos anti-HIV-1 e anti-HIV-2. Objetivando maior sensibilidade, o rastreamento da infecção pelo HIV deve ser realizado em duas etapas: ✓ Testes de rastreamento: testes de imunoensaio (Elisa) com alta sensibilidade, podendo apresentar falso-positivo em situações como doenças autoimunes, outras infecções e gestação. Os testes de 4º geração detectam anticorpos anti-HIV o antígeno p24 a partir de 15 dias após a infecção. ✓ Teste confirmatório: testes específicos que detectam antígenos virais (Western blot, lmuno blot) e/ou testes moleculares que quantificam a carga viral. Casos em que o teste rápido é positivo devem ser conduzidos com profilaxia para transmissão vertical perinatal, suspensão do aleitamento e confirmação diagnóstica. RECOMENDAÇÕES DE TERAPIA ANTIRRETROVIRAL EM GESTANTES Recomenda-se, atualmente, introdução precoce da terapia antirretroviral em todas as pessoas com diagnóstico de infecção pelo HIV. Além do impacto na transmissão vertical, a gestação constitui oportunidade para iniciar o tratamento da paciente. Entre os antirretrovirais disponíveis, os inibidores de fusão (enfuvirtida), inibidores de CCR5 (maraviroque) e inibidores de integrase (raltegravir) são limitados a pacientes multiexperimentadas que possuam vírus resistentes às demais classes. Os inibidores de transcriptase reversa (zidovudina, lamivudina, tenofovir, entricitabina, nevirapina) e os inibidores de protease (lopinavir, ritonavir, saquinavir, darunavir) são bem tolerados na gestação, podendo haver mais comumente sintomas no trato gastrointestinal, anemia (zidovudina) e alterações no metabolismo de lipídeos e carboidratos (inibidores de protease). A terapia antirretroviral combinada deve sempre incluir três drogas ativas e pertencentes a duas classes antirretrovirais diferentes. Pacientes que iniciaram a gravidez em uso de terapia antirretroviral devem manter o mesmo esquema terapêutico, exceto pelo efavirenz que deve ser substituído. As opções mais comuns são: Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR ✓ Biovir* (zidovudina e lamivudina), um comprimido, por via oral, a cada 12 horas, associado a Kaletra* (lopinavir e ritonavir), dois comprimidos, por via oral, a cada 12 horas. ✓ Biovir* (zidovudina e lamivudina), um comprimido, por via oral, a cada 12 horas, associado a nevirapina, um comprimido, por via oral, a cada 12 horas. ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL A abordagem inicial da paciente inclui orientação quanto a riscos de transmissão vertical e como evitá- la, investigação do status sorológico do parceiro, uso de substâncias ilícitas, anamnese e exame físico detalhados. Gestação em pacientes soropositivas constitui doença de notificação compulsória. As pacientes HIV+ devem ter acompanhamento pré- natal em serviço especializado e devem ser acompanhadas por equipe multidisciplinar composta por obstetra, infectologista, enfermeiro, nutricionista, psicólogo e assistente social. Sabe-se que gestação em vigência da infecção pelo HIV apresenta risco maior de intercorrências obstétricas, como prematuridade, pré-eclâmpsia, diabetes mellitus gestacional e restrição do crescimento fetal. Recomenda-se a vacinação de rotina (influenza, hepatite B, antitetânica e coqueluche), devendo-se evitá-la, contudo, com CD4 <200 células/mm ou em gestantes no último mês de gestação. Durante as consultas de pré-natal, é necessário avaliar cuidadosamente ganho de peso, variação da pressão arterial e altura uterina, pois essas pacientes apresentam com maior frequência desnutrição, pré- eclâmpsia e restrição de crescimento fetal. PROFILAXIA DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV NO MOMENTO DE PARTO A parturiente deve receber AZT intravenosa desde o início do trabalho de pano até o clampeamento do cordão umbilical. Essa recomendação se refere a todo tipo de parto, incluindo cesárea eletiva. Na falta de AZT injetável, o esquema profilático pode ser feito com AZT oral, 300 mg no início do trabalho de parto e a cada 3 horas até o clampeamento do cordão. VIA DE PARTO Tendo sido demonstrada a segurança do parto vaginal em pacientes soropositivas tratadas e com carga viral baixa. Atualmente adota-se conduta proposta pelo Ministério da Saúde, em que a via de parto é determinada pela carga viral da paciente com 34 semanas de idade gestacional, desde que esteja em uso de terapia antirretroviral combinada com três drogas ativas. Desse modo: ✓ Carga viral <1.000 cópias/mL: via de parto obstétrica. ✓ Carga viral >1.000 cópias/mL: cesárea eletiva com 38 semanas de idade gestacional. Entende-se por cesárea eletiva o parto por operação cesariana realizado fora de trabalho de parto, com membranas ovulares integras, tomando- se cautela para realização de técnica hemostática e extração fetal empelicada. Se a gestante se encontra em trabalho de parto avançado, deve-se conduzir o trabalho de parto; mas caso a gestante encontre-se com dilatação de até 4 cm, bolsa integra ou tempo de rotura das membranas inferior a 2 horas, é possível a realização de cesárea após a profilaxia com zidovudina para redução do risco de transmissão vertical. Não existe contraindicação à tocólise ou à realização de corticoterapia para maturação pulmonar. Deve-se manter a infusão intravenosa de zidovudina enquanto a paciente apresentar dinâmica uterina. CUIDADOS NO PARTO E COM O RN As pacientes elegíveis para a realização de cesárea devem ter seu parto agendado com 38 a 39 semanas, Ciclo Gravídico e Puerperal Mayra Cleres de Souza, UFR paraevitar a ocorrência de trabalho de parto espontâneo. A condução dos casos de trabalho de parto deve ser realizada evitando-se procedimentos e situações que possam vir a aumentar o risco de transmissão vertical, como amniotomia, toques vaginais repetidos, bolsa rota por mais de 4 horas, trabalho de parto prolongado, realização de episiotomia (se possível) ou parto instrumentado (por fórcipe ou vácuo- extração). Os cuidados com o recém-nascido incluem evitar aspiração de vias aéreas e a limpeza imediata das secreções e sangue visíveis com compressa úmida, banho em água corrente logo após o nascimento e contraindicação da lactação. Além disso, existe indicação de quimioprofilaxia com zidovudina xarope, devendo-se associar nevirapina xarope nas seguintes situações: ✓ Pacientes que não fizeram uso de TARV ao longo da gravidez; ✓ Gestantes com carga viral desconhecida ou maior que 1000 cópias/ml, no terceiro trimestre. PUERPÉRIO A paciente não deve ficar em isolamento, permanecendo em tempo integral com o recém- nascido em alojamento conjunto. É imprescindível reforçar a importância de manter suspensão do aleitamento materno e seguimento médico ambulatorial tanto para a puérpera quanto para o neonato. A terapia antirretroviral deve ser mantida após o parto, reforçando à paciente os benefícios de continuar tratando. INIBIÇÃO DA LACTAÇÃO Preconiza-se inibição dual da lactação por meio de medidas químicas e mecânicas. A inibição química é feita por meio de cabergolina (dose única de dois comprimidos de 0.5mg), já a inibição mecânica dá-se por meio do enfaixamento mamário. REFERÊNCIAS Zugaib, Obstetrícia; 3º edição, 2016, capítulo 59
Compartilhar