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91 LOMBALGIA - DIAGNÓSTICO E MANEJO TERAPÊUTICO Jerônimo B uzetti Milano INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES Lombalgia e suas sinonímias (lumbago e dor lombar baixa, entre outras) vêm a descrever pura e simplesmente um sintoma e não um quadro nosológico definido. Entre- tanto, dadas a incidência e a prevalência da dor em aten- dimentos médicos gerais ou especializados, acaba, por cons- tituir um capítulo a parte dentro do estudo da patologia da coluna vertebral. Tanto a necessidade de se investigar a cau- sa ou gerador da dor, como seu manejo clínico ou cirúrgi- co, vêm a fazer parte do cotidiano do neurocirurgião. Diversas são as tentativas de se classificar a lombal- gia quanto à sua duração. Frequentemente os termos lom- balgia aguda, subaguda e crônica são utilizados para de- finir sintomas durando, respectivamente, O a 4, 4 a 12 ou mais de 12 semanas.9•78 Outros intervalos de duração, como O a 6, 6 a 12 e mais de 12 semanas para se caracte- rizar a cronicidade da dor lombar também são utiliza- dos; 102 entretanto, estudos epidemiológicos tendem a ca- racterizar a lombalgia não como uma série de eventos sem relação entre si, mas sim, como a doença recorren- te de longa duração. 36' 106 Neste capítulo será considerada lombalgia a dor pre- dominantemente localizada na coluna vertebral e nos te- cidos anatomicamente relacionados. Dor lombar referida (p. ex., causada por aneurismas de aorta abdominal) não será aqui discutid.a, exceto nos diagnósticos diferenciais. Também cabe diferenciar da dor radicular/ciática, ou lom- bociatalgia, que será discutida em capítulo específico. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS Apesar dos dados imprecisos, estima-se que entre 60 e 80% das pessoas venham a sofrer com lombalgia duran- te a vida.9•31 Dessas, em torno de dois terços terão recor- rência e um terço vem a ficar incapacitado no período de um ano; 1a2% da população norte-americana acaba fi- cando incapacitada em algum momento por conta de do- res lombares.43 Como diferentes metodologias são aplica- das, os resultados acabam por variar substancialmente; se utilizados dados de serviços médicos americanos, ou seja, a prevalência de pessoas que procuram atendimento mé- dico para tratamento de lombalgias, o número encontra- do é de 12 a 15%. Entretanto, pesquisas que utilizam ques- tionários de relato pessoal alcançam prevalências de 28 a 40%, dependendo da metodologia aplicada. 28•43 Dor lom- bar é a segunda causa de atendimento médico geral, fican- do apenas atrás de sintomas respiratórios.47 O impacto de uma doença tem sido quantificado de acordo com a incapacidade e mortalidade que gera a uma determinada população. A medida conhecida como "anos de vida de incapacidade ajustadà' (DALY - Disability Adjusted Life Years) é utilizada para medir a saúde de uma população, combinando os dados de anos de vida perdida por conta de morte prematura (YLLs - Years of Life Lost) e anos de vida com incapacidade (YLDs - Years Lived with Disability ). De acordo com dados globais de 201 O do Global Burden of Disease, a dor lombar resulta em mais incapacidade que qualquer doença (10,7% do total de YLDs), ficando em sexto lugar no impacto total causado por doenças com 83 milhões de DALY.75 Além disso, a lombalgia é a principal causa de afastamento de trabalho nos Estados Unidos; os gastos relacionados ape- nas diretamente com o manejo de dor lombar em 1998 naquele país foram de 90,7 bilhões de dólares,68 custo ainda maior se forem levadas em consideração despesas com perda de produtividade, pagamento de indeniza- ções e custos administrativos. Todos esses dados tornam a lombalgia um problema de saúde pública. Fatores de risco A identificação de fatores de risco para o desenvolvi- mento de lombalgia depende substancialmente da causa 958 Tratado de Neurocirurgia a ser discutida, como será visto na seção específica. Ge- nericamente, entretanto, diversos fatores foram relacio- nados, direta ou indiretamente, com risco aumentado de um indivíduo desenvolver lombalgia recorrente. A obesidade é um dos fatores mais estudados no de- senvolvimento de lombalgia, sendo diversos os mecanis- mos causais discutidos: sobrecarga mecânica da coluna lombar, associação com inflamação sistêmica crônica, associação com discopatia degenerativa e alterações da placa vertebral (Modic 1 e li, discutidos a seguir). Em metanálise recente, Shiri et al.93 comprovaram a associa- ção tanto de sobrepeso como de obesidade no desenvol- vimento de lombalgia, sendo essa associação mais im- portante em mulheres que em homens. Os mesmos autores também publicaram metanálise dos artigos as- sociando lombalgia e tabagismo. 94 Nela, houve associa- ção entre o consumo regular atual ou prévio de tabaco e a prevalência de lombalgia, sendo maior em indivíduos mais jovens e em especial adolescentes. Já o consumo de álcool não parece estar associado ao desenvolvimento de lombalgia38·40, sendo exceções os estudos que levaram em consideração a dependência do álcool. 40 A influência da genética no desenvolvimento de dor lombar tem sido bastante estudada. Estudos em gêmeos revelam alto risco de se desenvolver dor lombar se seu par gêmeo é portador de dor, com odds ratio chegando 6 em monozigóticos e 2,2 se dizigóticos. 66 O tipo de atividade laboral ou física que um indiví- duo realiza sempre foi discutido entre os fatores de ris- co para o desenvolvimento de dor lombar. Em uma re- visão sistemática, Bakker et al. encontraram 18 estudos de melhor qualidade; práticas esportivas, posição senta- da ou ereta e caminhadas não têm associação direta com o desenvolvimento de dor lombar (evidência considera- da forte). Já a influência de trabalhos domiciliares, vibra- ção e trabalhos braçais pesados é discutível, com estu- dos sugerindo relação com dor lombar e outros a negando, gerando dados conflitantes. Embora alguns es- tudos sugiram associação com tipos específicos de tra- balho, não evidências de relação causa-efeito entre car- regar peso e desenvolvimento de dor lombar. 108 Já o comportamento sedentário parece estar associado com o desenvolvimento de dor lombar, porém não como fa- tor de risco independente.19 Sabe-se, porém, que o indi- víduo que desenvolve dor aguda durante posição ereta prolongada tem risco aumentado de desenvolver lom- balgia crônica no futuro. 77 O nível de educação formal também está associado a lombalgia crônica, sendo que pessoas com menos anos de educação formal estão mais sujeitas a desenvolver dor lombar.32 ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA São diversas as estruturas anatômicas que podem ge- rar dor lombar, sendo que cada uma pode ter etiologia e fisiopatologia específica. Entretanto, a etiologia exata de uma lombalgia aguda não consegue ser definida em até 80% dos casos, e nem nas crônicas essa definição é tão clara.27 Considera-se que a maior parte das lombalgias agu- das é de origem muscular;72 contraturas musculares po- dem ocorrem em quaisquer dos músculos da região (Fi- gura 1) e sua identificação exata nem sempre é possível. A musculatura pode ser sede de dores e contraturas crô- nicas, em um espectro que pode ir de uma síndrome do- lorosa miofascial até uma entidade nosológica definida como a fibromialgia. Além disso, a atrofia muscular com degeneração gordurosa do multífido pode estar associa- da ao desenvolvimento de lombalgia crônica.48 O disco intervertebral é inervado no seu ânulo fibro- so, podendo, portanto, ser fonte de dor lombar. 61 A dor axial ou discogênica tem como principal teoria fisiopa- tológica a irritação dessas terminações nervosas livres por substâncias do núcleo pulposo, que com elas vem a entrar em contato por fissuras no ânulo fibroso quando o disco é submetido a carga axial constante. Os discos intervertebrais e o ligamento longitudinal têm seus im - pulsos dolorosos levados pelos nervos sinovertebrais (de Luschka) até os gânglios simpáticos do tronco paraver- tebral e ascendem vários níveis até o gânglio de L2 atra- vés dos ramos comunicantes,adentrando então na me- dula espinal (Figura 2). Já as articulações zigapofisárias, ou facetas, são iner- vadas pelo ramo medial do nervo dorsal primário96 (Fi- gura 3), sendo responsáveis pela chamada dor facetaria. Alterações degenerativas das facetas articulares podem gerar dor por dois mecanismos:58 destruição da cartila- gem articular, gerando dores semelhantes à osteoartrite de qualquer superfície articular, ou hipertrofia facetária gerando compressão do ramo medial dorsal. Anormalidades anatômicas também podem ser ge- radoras de dores. A ocorrência de uma mega-apófise transversa em uma vértebra de aspecto transicional com uma neoarticulação com o ilíaco ou sacro pode gerar dor, em um quadro conhecido com síndrome de Berto- lotti23 (Figura 4). Um estudo baseado em procedimentos diagnósticos invasivos revelou ser o disco intervertebral (42% dos in- divíduos estudados) a fonte mais comum de dor lombar em adultos, sendo quando quanto mais jovem o indiví- duo, maior o risco de a dor ser de origem discal.26 Dor facetária foi considerada a causa da dor em 31 % dos ca- sos, e 18% tiveram dor sacroilíaca como diagnóstico. 9 1 Lombalgia - diagnóstico e manejo terapêutico 959 A l --- --- Quadrado lombar Piriforme Figura 1 Desenho representando a localização dos principais músculos que podem gerar lombalgia . • \ 1 1 <1111111o------- Medula espinal ----Ramos comunicantes Tronco simpático°'--~ ) Figura 2 Papel da raiz L2: os impulsos dolorosos oriundos dos discos intervertebrais e corpos vertebrais lombares sobem pelos ramos comunicantes e, via t ronco simpático, concentram-se na raiz dorsal de L2. 960 Tratado de Neurocirurgia . I Ramo medial -- ' - ----- Nervo espinal -----Ramo dorsal Figura 3 Visão oblíqua da inervação da art iculação zigapof isária/cápsula articular. Figura 4 Radiograf ia demonst rando megapóf ise t ransversa com neoarticulação com ilíaco. QUADRO CLÍNICO História e exame físico são as ferramentas mais im- portantes para o diagnóstico da dor lombar, em especial para indicar exames diagnósticos ou afastar causas de dor lombar fora da coluna vertebral. A dor lombar irra- diando para um dos membros inferiores, seguindo tra- jeto radicular ("ciáticà'), será tratada em capítulo espe- cífico. Para a análise inicial de um paciente com dor lombar, Deyo e Weinstein31 propõem um questionário simples de três perguntas: 1. Há alguma doença sistêmica causando dor? 2. Há alguma questão social ou psicológica que possa estar amplificando ou prolongando a dor? 3. Há algum comprometimento neurológico que exija intervenção cirúrgica? Esses dados podem ser obtidos com a simples reali- zação de anamnese e exame físico, e investigação adicio- nal deverá ser desnecessária. A história deverá excluir sinais de alerta que venham a sugerir situações clínicas mais graves, como tumores ou infecções (Tabela 1). Embora haja pouca evidência de que estes sinais sejam preditores de achados radiológi- cos relevantes, 34 uma investigação deve ser solicitada nas situações a seguir, diferentemente de indivíduos sem es- ses dados clínicos. Além dos sinais de alerta clásicos, sugere-se investi- gação adicional para individuas com dor que não res- pondem a 4 a 6 semanas de tratamento conservador. 58 Outros dados podem sugerir doenças fora da colu- na vertebral causando dor lombar. Histórico de doença arterial ou cardíaca deve alertar para aneurismas da aor- ta abdominal. Infecções urinárias de repetição aumen- tam o risco de pielonefrite. Sintomas gastrointestinais podem sugerir espondiloartropatias soronegativas. Nas dores da coluna propriamente ditas, a dor dis- cal/discogênica é tipicamente uma dor lombar baixa que se exacerba com a posição ereta mantida e, principal- mente, sentad.a, podendo piorar com flexão (dor axial). Já a dor facetária costuma apresentar piora com movi- mentos de extensão. Além disso, a prevalência da dor axial atinge faixas etárias mais jovens (terceira a quinta década de vida) que a dor facetária (da sexta década em diante).26 Ambas tendem a melhorar com repouso; do- res noturnas ou que não melhoram com repouso devem alertar para neoplasias. O exame físico deve começar já na avaliação da mar- cha e postura. Uma contratura muscular ou ciática pode provocar a chamada "escoliose ciáticà', ou falsa escolio- se, pois não costuma gerar alteração rotacional/tridimen- sional, e sim uma curva mais difusa, unicamente no pla- no coronal, e sem a proeminência torácica da escoliose estruturada. Pacientes com postura de flexão mantida devem ter suspeita de estenose do canal lombar. A palpação é parte importante do exame físico, po- dendo revelar pontos dolorosos miofasciais paramedia- nos com a sensibilidade anormal durante pressão do es- paço interespinhoso na linha mediana ("tender spine"), sinal que tende a ser indicativo de doença discal ou ins- tabilidade segmentar. A percussão da loja renal (sinal de Giordano) deve ser realizada para se afastar doenças do aparelho urinário no diagnóstico diferencial. Dores lombares ou radiculares são frequentemente causadas por alterações em articulações coxofemorais ou sacroilíacas, entrando também no diagnóstico diferen- cial. Os sinais de Patrick e FABER (Flexion ABduction Externai Rotation) são úteis para a tentativa de diferen- ciação clínica, além da própria palpação. Indispensável na anamnese é a tentativa de identifi- car dores não orgânicas. Descritos por Waddell em 1980, são 8 sinais divididos em 5 grupos que podem ajudar a diferenciar uma incapacidade funcional de uma reação psicológica. Em recente análise da reprodutibilidade dos sinais, Apeldoom et al.6 demonstraram que a aplicação prática dos sinais continua sendo útil e válida. Um ou 91 Lombalgia - diagnóstico e manejo terapêutico 961 Tabela 1 Sinais de alerta para doenças graves em indivíduos com lombalgia Dor sem melhora à noite ou com repouso Qualquer história de câncer Osteoporose ou outra doença sistêmica Qualquer sintoma neurológico Uso crônico de corticosteroides Início dos sintomas antes dos 18 ou após 60 anos lmunossupressão ou febre Abuso de drogas ou álcool dois sinais pode ser encontrado em qualquer indivíduo, mas acima de três, a chance de o sintoma não ser orgâ- nico aumenta. São os sinais clássicos: 1. Sensibilidade superficial: desconforto na pele duran- te palpação superficial. 2. Sensibilidade não anatômica: quando cruza limites anatômicos. 3. Dor à carga axial simulada: dor ao pressionar o alto da cabeça (sem efeito sobre o disco lombar). 4. Dor à rotação simulada: girar o ombro e o quadril em bloco não deve gerar dor. 5. Distração da manobra de elevação do membro infe- rior estendido: o sinal de Laségue é positivo, porém, se sentado, a extensão do membro inferior não é do- lorosa. 6. Regionalização da sensibilidade: perda de sensibili- dade que não segue dermátomo (p. ex., só abaixo do joelho). 7. Regionalização da força: fraqueza sem resistência (a orgânica é espasmódica). 8. Super-reação (overreaction): resposta dolorosa exa- gerada a um estímulo que, quando repetido, não tem -a mesma reaçao. DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES Um indivíduo com um primeiro episódio de lom- balgia não requer investigação complementar, exceto nas condições anteriormente citadas;58 exames laboratoriais podem ser úteis para se procurar causas específicas, sen- do provas de atividade inflamatórias úteis nesse sentido, além de exames direcionados (p. ex., exame de urina no caso de suspeita de pielonefrite). Entretanto, dada a disponibilidade dos exames de imagem atualmente, cerca de 80% dos indivíduos com lombalgia serão submetidos a alguma exame de imagem;58 destes, 80% terão achados inespecíficos. Exames de ima- 962 Tratado de Neurocirurgia gem desnecessários são responsáveis por boa parte dos custos relacionados a dores lombares;20 além disso, estu - dos demostram que o tempo de incapacidade após uma primeira criseaumenta substancialmente se o indivíduo é submetido a exames de ressonância magnética.111 A maioria dos pacientes com lombalgia irá realizar uma radiografia em algum momento. Para um primeiro episódio, o custo e a exposição à radiação não compen- sam a realização de um exame de imagem se compara- do a postergá-lo para se a dor persistir por 6 a 8 sema- nas. 65 Além disso, mais de 40% dos pacientes com neoplasias terão radiografias normais, e a evidencia ra- diológica de osteomielite só é vista após 2 a 8 semanas de doença.58 Entre 20 e 50% dos pacientes com dor lom- bar terão apenas alterações degenerativas inespecíficas ao exame. Entretanto, utilizando apenas a presença de osteofitose e redução do espaço discal ou ambos (Figu- ra 5), de Schepper et al.24 estudaram quase três mil ra- diografias de um estudo prospectivo e identificaram as- sociação moderada entre redução moderada e severa do espaço discal com dor lombar, em especial quando em dois discos interverterbrais e excluindo-se o espaço L5- S 1. Interessante é a comparação que os autores fazem com outras alterações radiológicas e dor em outros seg- mentos do corpo: a associação encontrada ( odds ratio) foi apenas discretamente menor que entre dor e osteoar- trite radiológica em joelhos, e discretamente maior que dor e osteoartrite radiológica em mãos na mesma popu- lação. Além disso, as radiografias simples são capazes de identificar malformações que podem ter significado clí- nico específico, como na síndrome de Bertolotti. 86 Em estudo com pacientes urológicos, o achado de vértebra de transição esteve presente em 8,1 % dos indivíduos, en- quanto sua prevalência em indivíduos com dor lombar varia de 15 e 20%.92 Embora a tomografia computadorizada (TC) seja considerada o melhor exame para a investigação de doen- ças ósseas, seu papel na investigação de lombalgia é se- cund.ário, 103 tanto pela maior dificuldade de se identifi- car situações específicas quando comparada com a ressonância magnética (cada vez mais disponível), como pela emissão de radiação ionizante. Tem sua utilidade Tabela 2 Classificação da degeneração discai proposta por Pfirrmann84 Grau Estrutura Distinção ânulo x núcleo Branca, homogênea Nítida li Heterogênea com bandas horizontais Nítida 111 Heterogênea cinza Indefinida IV Heterogênea cinza a preta Perdida V Heterogênea preta Perdida para situações específicas, como estenose do canal lom- bar, alterações tróficas facetárias67 e em situações em que a ressonância não pode ser realizada (por exemplo, al- guns tipos de marca-passo). A ressonância magnética (RM) é o exame de escolha na suspeição de diagnósticos etiológicos específicos de lombalgia; não emite radiação ionizante e permite a aná- lise de tecidos moles melhor que qualquer outro méto- do.110 Entretanto, a correta padronização dos achados de imagem e a falta de evidência da real acurácia em se diag- nosticar dor lombar ou ciática exige uma interpretação criteriosa dos achados.110 A grande dificuldade é encon- trar uma correlação clara entre os sintomas apresenta- dos e os achados de imagem, dada a alta prevalência de alterações em pacientes assintomáticos. No clássico es- tudo de Jensen et al.,54 apenas 36% dos indivíduos tinham discos normais em todos os segmentos analisados (de Ll-L2 a L5-Sl). A prevalência de alterações degenerati- vas variou de acordo com a idade, sendo de cerca de 30% (dependendo do avaliador) entre 20 e 29 anos, e de 80% entre indivíduos acima de 60 anos; sexo e atividade físi- ca exercida não tiveram efeito na prevalência. Figura 5 Rad iograf ia em anteroposterior (A) e perfil (8) de- monstrando redução dos espaços discais L4-L5 e L5-S 1, além de osteófitos marginais (setas). Intensidade do sinal Altura do disco intervertebral Hiper (semelhante a liquor) Normal Hiper (semelhante a liquor) Normal Intermediária Normal a discretamente reduzida Intermediária a hipointensa Normal a moderadamente reduzida Hipointensa Goiabada Pfirrmann et al. 84 tentaram classificar a degeneração do disco intevertebral utilizando imagens de RM pon - deradas em T2, em cinco categorias (Tabela 2); poste- riormente, Griffin et al. propuseram modificar essa clas- sificação para 8 tipos, com ênfase na aplicação de indivíduos idosos (separando principalmente o grau de redução do espaço discal); entretanto, a classificação de Pfirrmann continua sendo utilizada, embora ainda não tenha havido comprovação de relevância clínica, exceto pela redução do espaço discal. A chamada "zona de hiperintensidade" (High Inten- sity Zone - HIZ) na região posterior do ânulo fibroso do disco intervertebral em sequência de RM ponderada em T2 (Figura 6) foi descrita em 19927 e foi inicialmente as- sociada a discopatia dolorosa. A análise histológica da região, retirada de indivíduos submetidos a discectomia, confirma não apenas o achado de ruptura do ânulo fi- broso, mas também neovascularização e tecido de gra- nulação vascularizado compatíveis com processo infla- matório em área potencialmente inervada. 82 Estudos chegaram a demostrar concordância com dor durante discografia superior a 80%,9º·63 porém em outros estudos não esteve associado a nenhum padrão de dor.87 No es- tudo de Jensen et al. a prevalência de ruptura anular em indivíduos assintomáticos foi de 14%,54 porém pode ocor- rer em até 25%; além disso, a positividade da discogra- fia em indivíduos assintomáticos portadores do achado radiológico chega a 70%, o que torna o achado pouco es- pecífico para ser utilizado como dado isolado.17•1º9 Em 1988, Modic et al. descreveram o achado de al- terações das placas vertebrais adjacentes a um disco com sinais de degeneração. 73 Em seu estudo original, a des- crição de alterações em placas vertebrais hipointensas em Tl e hiperintensas em T2 eram chamadas de tipo 1, enquanto as hiperintensas tanto em Tl como em T2 eram Figura 6 Ressonância magnét ica ponderada em T2 com zona de hiperintensidade (seta). A, corte axial; B, corte sagital. 91 Lombalgia - diagnóstico e manejo terapêutico 963 chamadas de tipo 2. Estudos histológicos de pacientes daquele estudo mostraram fissuras nas placas vertebrais com tecido vascular de granulação (inflamatório) no tipo 1, e degeneração gordurosa da medula óssea adjacente no tipo 2. Posteriormente, alterações escleróticas foram chamadas de tipo 3. Apesar de acontecer em cerca de 6% dos indivíduos assintomáticos, a presença de alterações da placa vertebral aumenta em cerca de sete vezes o ris- co de um indivíduo ter lombalgia crônica;55 Toyone et al. observaram que 73% dos pacientes com alteração tipo 1 apresentavam dor lombar, 101 sendo esta, apesar de não específica, a alteração de imagem mais associada à pre- sença de dor lombar (Figura 7). A cintilografia é um exame útil na identificação de lesões hiperêmicas, como metástases (com exceção do mieloma múltiplo), infecções e fraturas.58 Na discopatia degenerativa isolada pode ser útil na diferenciação de es- pondilodiscite espontânea de alteração de Modic tipo 1. Diagnóstico invasivo Uma vez que os achados de imagem são frequente- mente inespecíficos, procedimentos invasivos para diag- nóstico podem ser utilizados na tentativa de se encon- trar a causa da dor lombar. A discografia com teste provocativo consiste na in- jeção de contraste radiopaco intradiscal sob pressão me- nor que 50 psi e análise das características da ruptura Figura 7 Ressonância magnética demonstrando alteração tipo 1 de Modic. A, sequência ponderada em T1 com sinal hi- pointenso do corpo de L5. B, T2 com sinal hiperintenso. 964 Tratado de Neurocirurgia anelar e, mais importante, avaliação da dor causada pela injeção (Figura 8). A dor deve ter intensidade maior que 6 (0-10), ter repercussão comportamental e reproduzir o sintoma habitual do doente para ser considerada po- sitiva15. Adicionalmente, pode ser realizada discografia em disco normal para controle; entretanto, após estudo prospectivodemonstrar risco de discopatia acelerada em indivíduos assintomáticos16, a discografia "controle" tem sido menos utilizada. De fato, diversos estudos criticam o valor da discografia com diagnóstico de dor "discogê- nicà' e possível indicador de tratamento cirúrgico, em especial em pacientes com algum fator psicológico en- volvido (altos índices de falsos positivos).14 Entretanto, quando associada a bloqueio discal teste (disc block- in- jeção intradiscal de anestésico), o valor preditor de su- cesso cirúrgico ultrapassa 80%, como será visto poste- riormente. Injeções intra-articulares podem ser utilizadas no auxílio diagnóstico de dores facetárias e sacroilíacas.26 Apesar de fraca evidência na literatura, a infiltração fa - cetária tem sido usada como preditor de sucesso de uma denervação facetária por radiofrequência. Apesar das diversas ferramentas diagnósticas, alcan - çar um diagnóstico específico da dor lombar frequente- mente não é possível. 27 TRATAMENTO Uma vez que se considera a lombalgia como um sin- toma, e não uma entidade nosológica específica, o afo- risma clássico do tratamento de qualquer dor pode ser inicialmente utilizado: o melhor tratamento da lombal- gia é tratar sua causa. Considerando que na maioria das vezes sequer investigação será necessária, inicialmente será discutido o tratamento da lombalgia inespecífica. Figura 8 Discograf ia percutânea com extravasamento de contraste/ruptura anular e teste provocat ivo positivo em L4-L5 e L5-S1. Na ocasião foi realizado teste em nível controle, que foi negativo. Tratamento medicamentoso Cerca de 90% das lombalgias irão melhorar espon- taneamente sem qualquer intervenção específica em um período de trinta dias. 9 As medicações mais utilizadas na prática diárias são os anti-inflamatórios não esteroi- dais (AINEs). Estudos específicos para tratamento de lombalgia, em comparação com placebo, mostraram be- nefícios na utilização de inibidores da ciclo-oxigenase 2 como etoricoxib, 10 valdecoxib21 e rofecoxib;57 este último foi retirado posteriormente do mercado dada a preva- lência de efeitos adversos, servindo de alerta para a pres- crição indiscriminada da medicações por longo prazo em situações benignas - como a lombalgia. Uma revisão sistemática recente60 concluiu que os AINEs podem ser utilizados na fase aguda da lombalgia, sendo benéficos em relação ao placebo, apesar de evidência de baixa qua- lidade; além dissso, alerta para os efeitos colaterais. Em- bora utilizado rotineiramente para dores de diversas ori- gens e ser considerado primeira escolha na lombalgia aguda em alguns protocolos, 104 o paracetamol foi testa- do em estudo placebo-controlado no tratamento espe- cífico da lombalgia e não se mostrou melhor que place- bo.116 O uso de opioides, embora eficaz no manejo da dor, deve ser ponderado em relação aos efeitos colate- rais, em especial sedativos, urinários60 e disfunção eré- til. 30 Em pacientes com lesões relacionadas ao trabalho, um estudo norte-americano demostrou pequena melho- ra na dor e incapacidade com uso a longo prazo, e rela- ção entre maior dose prescrita (equivalência com mor- fina) no início dos sintomas e risco de abuso a longo prazo.41 O uso de miorrelaxantes, embora frequente na prática diária, 83 carece de estudos de melhor qualidade. 60 A glicosamina tem sido usada no tratamento de di- versos tipos de osteoartrite, em especial para joelhos e quadris, com eficácia moderada reportada na literatu- ra;64 uma tentativa de extrapolar esss resultados na doen- ça articular vertebral fez seu uso aumentar entre porta- dores de lombalgia crônica.114 Apesar de resultados inicialmente animadores no controle de dor lombar e qualidade de vida, 100 estudos controlados por placebo não demostraram a mesma eficácia em melhora de dor reportada ou qualidade de vida.114 Em revisão sistemá- tica de 2011, Sodha et al.98 concluíram que nem seu be- nefício, nem a ausência desse, podem ser confirmados. Em análise de subgrupo com achado de zona de hipe- rintesidade/ruptura anular ou alterações da placa verte- bral, a glicosamina não se mostrou melhor que o place- bo em um estudo.115 Como relatado anteriormente, a associação entre as alterações erosivas da placa vertebral (alterações de Mo- dic) e a lombalgia crônica ainda é discutível. Entretanto, diversos estudos com terapias medicamentosas visando especificamente a pacientes com lombalgia crônica e al- terações tipo Modic I têm sido realizados. Primeiramen- te, um estudo de discos de pacientes submetidos a mi- crodiscectomia por hernição discal lombar demostrou culturas positivas em 53% dos discos incubados por lon- go tempo em meio específico para anaeróbios; destes. 84% tiveram crescimento de Propionibacterium acnes. Albert et al. então teorizaram sobre a possibilidade de que uma infecção bacteriana de baixa virulência após uma fissura anular pudesse levar ao agravamento da dis- copatia degenerativa até o estado de lombalgia crônica com alteração da placa vertebral.5 Após estudo piloto não controlado demostrando resultados animadores, os au- tores conduziram estudo prospectivo randomizado du- plo-cego comparando terapia com antimicrobiano (amo- xacilina associada a clavulanato, 500/125 mg em três doses diárias por 100 dias) com grupo controlado com placebo.4 O grupo tratado com antibióticos mostrou-se melhor em todos os critérios avaliados, tanto aos 100 dias de tratamento como após um ano, levando a gran- des discussões em todo o mundo sobre uma possível nova tendência no tratamento da dor lombar crônica.1,11 Entretanto, 67,5% dos pacientes ainda tinham dor lom- bar após um ano de seguimento, com escala verbal ana- lógica média de 3,7 (média pré-tratamento de 6,7). Os resultados foram questionados por diversos autores, tan- to por uma possível expectativa realista de "curà' da lom- balgia propagada79 como por um suposto envolvimento de autores com a indústria farmacêutica, gerando gran- de polêmica no periódico onde foi publicado.2'4,25 Já a teoria de uma causa nutricional levou a um estudo com o pamidronato, um bisfosfonado endovenoso com ação no turnover ósseo; o medicamento foi avaliado em um estudo piloto envolvendo apenas pacientes com altera- ção tipo Modic I. 85 Dos dez pacientes avaliados, oito re- latavam resultados bons ou excelentes com um ano de seguimento. Um novo estudo prospectivo, randomiza- do, placebo-controlado está atualmente em and.amento, com previsão de publicação em 2015.18 Medicações antidepressivas estão entre as mais uti- lizadas no tratamento da lombalgia crônica inespecífica, associada ou não a depressão. O efeito de antidepressi- vos tricíclicos ou tetracíclicos tende a ser moderado do controle de dor, e este efeito parece ser independente do estado depressivo. 99 Entretanto, uma revisão sistemática publicada em 201160 não encontrou comprovação do be- nefício dos antidepressivos quando o desfecho primário analisado foi a dor isoladamente. Um estudo de melhor qualidade, controlado por placebo, mostrou benefício no uso da nortriptilina, um antidepressivo tricíclico, no controle da dor lombar crônica.8 Antidepressivos inibi- 91 Lombalgia - diagnóstico e manejo terapêutico 965 dores seletivos da recaptação da serotonina não parecem ser eficazes. 99 Recentemente, a duloxetina, um antide- pressivo dual (atuando em receptores noradrenérgicos e serotoninérgicos) foi testado em estudo prospectivo, ran- domizado, duplo-cego, placebo-controlado,97 demostran- do ser superior ao placebo na redução de dor e melhora funcional. Entretanto, a análise dos escores de dor mos- tra que apenas 53% dos pacientes melhoraram mais que 30% das dores, em comparação com 40% dos indivíduos tratados com placebo. Além disso, a melhora em relação a questionários de incapacidade não foi maior que adi- ferença clinicamente relevante, sendo o real benefício dessa terapia questionável.28 Terapias físicas A recomendação de repouso na fase aguda deve ser desencorajada, e ospacientes devem ser orientados a manter suas atividades rotineiras, o que leva a recupera- ção mais rápida e menor incapacidade a longo prazo.59,70 Entretanto, foi demostrado em estudo prospectivo ran- domizado que uma intervenção precoce com terapia de manipulação (técnica de manipulação de Maintland51) e intervenção educacional (segundo o The Back Book89 ) individualizada gerou maior melhora na qualidade de vida, incapacidade, humor e dor que a simples orienta- ção de permanecerem ativos em seguimento de 6 sema- nas; apesar de dor e incapacidade terem sido semelhan- tes no seguimento de longo prazo, os demais parâmetros avaliados permaneceram melhores no grupo com inter- venção precoce. Em estudo multicêntrico realizado na Espanha, 3 o mesmo tipo de intervenção educacional as- sociado a fisioterapia na fase aguda demostrou resulta- dos discretamente melhores, porém mantidos a longo prazo, que fisioterapia isolada. Há moderada evidência para o uso de massagens, em especial se associado a exer- cícios e educação postural.45 Lombalgia é o sintoma mais comumente tratado por fisioterapeutas62 tanto no Brasil como nos Estados Uni- dos. Apesar de parte importante do tratamento multi- disciplinar, diretrizes monodisciplinares são carentes na literatura,62 e diversas técnicas com objetivos diferentes são frequentemente utilizadas para situações semelhan- tes. A terapia de McKenzie utiliza como filosofia postu- ras e exercícios inversos aos que geram dor, predominan- do exercícios de extensão lombar, enquanto nos exercícios de Williams predomina um regime de flexão. McKenzie parece ser mais efetiva que terapia passiva no manejo da dor lombar aguda, porém a evidência em lombalgia crô- nica é limitada. 69 De forma contrária, exercícios de esta- bilização espinal e pélvica são mais efetivos que trata- mento usual no manejo da lombalgia crônica, porém não 966 Tratado de Neurocirurgia na aguda; a adição de exercícios de estabilização não acrescenta efeito significativo a programa convencional de fisioterapia.39 Já os exercícios de Pilates envolvem con- trole de movimento, postura e respiração para se desen- volver estabilidade axial, força e flexibilidade. 112 Há evi- dências de que gerem ganho funcional e menos dor quando comparados com atividade física e tratamentos genéricos em curto prazo; a longo prazo, o ganho pare- ce ser semelhante ao de outras formas de exercício, 113 po- rém superior a tratamento medicamentoso sem outra in- tervenção. 76 Apesar de estudos com metodologia variada, há evidência de que a ioga como terapia adjuvante no tratamento da dor lombar seja efetiva tanto na fase agu- da como crônica, sendo a evidência maior na primei- ra. 22•52 Estudos comparativos entre as diversas técnicas são necessários para se ditar possíveis protocolos; fato é que todas, individualmente, são superiores de alguma forma a nenhuma terapia física, sendo exercícios super- visionados terapias de primeira linha no manejo da lom- balgia crônica. Injeções espinais Injeções locais com anestésicos para dores miofas- ciais são utilizadas em serviços de tratamento de dor crô- nica. Estudo prospectivos placebo-controlados existem apenas com vitamina Bl2 e toxina botulínica,50 com re- sultados similares aos do placebo. Acredita-se que o efei- to possa ser mais do traumatismo produzido pela agulha em um ponto (fuso) muscular que da medicação em si. Injeções epidurais são utilizadas tanto para dores lombares como radiculares; para estas, preferimos a in- jeção transforaminal perirradicular, reservando a anal- gesia epidural translaminar para os casos de lombalgia refratária. Estudos prospectivos não revelam resultados consistentes a longo prazo, 50 porém o efeito de curto pra- zo pode ser benéfico. Embora sejam utilizadas mais como testes diagnós- ticos que terapêuticos, as injeções intrarticulares (face- tária ou sacroilíaca) são úteis no curto prazo pra contro- le das dores. 50 Tratamento cirúrgico O papel do tratamento cirúrgico no tratamento da dor lombar é secundário (ou até terciário), visto que a grande maioria dos pacientes melhora antes de se pen- sar em qualquer terapia mais agressiva. Entretanto, pa- cientes com lombalgia crônica refratária ou recidivantes são rotina no consultório do neurocirurgião/ cirurgião de coluna e a condução ideal desses casos envolve a ten- tativa de conhecer melhor a causa das dores, entender o que já foi realizado dentro do manejo conservador, e o conhecimento dos fatores envolvidos na chance de uma terapia cirúrgica ter resultado positivo. Uma vez identificada uma possível causa para a dor lombar, ela deve ter seu tratamento proposto. Na síndro- me de Bertolotti, por exemplo, após um bloqueio-teste da neoarticulação sendo positivo, neurotomia da mesma ou até ressecação da megapófise podem ser realizadas. 13•23 Procedimentos percutâneos Uma vez considerando-se o diagnóstico de dor fa- cetária, procedimento de neurotomia do ramo medial pode ser proposto. A neurotomia por radiofrequência alcançou melhora de 90% das dores em 60% dos pacien- tes em um estudo,35 sendo que até 87% dos pacientes al- cançaram melhora de pelo menos 60% das dores. Boa parte dos pacientes apresenta retomo das dores entre 6 e 12 meses, mas o procedimento pode ser repetido com sucesso em até 85% das vezes, com duração média de 10,5 meses.91 De posse do conhecimento do papel da raiz L2 na condução da dor oriunda dos discos intervertebrais, di- versas terapias com esse alvo têm sido tentadas. A infil- tração da raiz produziu efeito parcial e de curta duração em um estudo;74 resultados parciais têm sido obtidos com radiofrequência95 e até mesmo com secção laparoscópi- ca, 88 porém mais estudos são necessários para conclu- sões melhores. Procedimentos intradiscais Considerando-se as terminações nervosas livres do ânulo fibroso como fontes de dor, terapias intradiscais com esse alvo foram desenvolvidas. A mais estudada foi a terapia eletrotérmica intradiscal (IntraDiscal Electro- thermal Therapy - IDET). Consiste na termoablação do ânulo fibroso através de colocação do eletrodo guiada por radioscopia. Após um primeiro estudo com resultados animadores,81 o IDET tornou-se uma das terapias mais utilizadas no mundo no tratamento da dor discogênica. Entretanto, um estudo prospectivo randomizado duplo- -cego (com grupo sham) com critérios de sucesso tera- pêutico mais rigososos concluiu que o efeito do IDET não foi superior ao do placebo,42 estando esse tratamento em desuso, apesar de ainda ser utilizado em alguns centros. Outras terapias intradiscais, como nucleoplastia, hidro- discectomia e discectomia percutânea, entre outras, fo- ram desenvolvidas para o tratamento da dor radicular, e não parecem ter efeito na lombalgia crônica. Mais recen- temente, a radiofrequência pulsada intradiscal tem sido utilizada com resultados semelhantes aos do IDET.44 Fusão para tratamento de lombalgia crônica Provavelmente o mais estudado dos tratamentos ci- rúrgicos da lombalgia por degeneração discal é artrode- se do segmento envolvido. O racional para o tratamen- to seria a remoção de toda a "fonte de dor"(através de discectomia ampla)15 associada a substituição anatômi- ca do disco e estabilização do segmento vertebral. A ar- trodese intersomática pode ser realizada com a coloca- ção do enxerto ósseo (com ou sem um espaçador ou cage) através de via anterior (ALIF - Anterior Lumbar Inter- body Fusion), posterior (PLIF - Posterior Lumbar Inter- bordy Fusion) ou transforaminal (TLIF - Transforaminal Lumbar Interbody Fusion), entre outras de menor rele- vância para essa situação específica. Embora seja a via mais natural para o neurocirur- gião, o PLIF acaba por apresentar algumas desvantagens em relação ao TLIF, como maior manipulação de raiz nervosa, maior tempo cirúrgico e maior sangramento. Já o ALIF tem as vantagens de não manipular a muscu- latura paravertebral (possivelmente gerando menos atro- fia e dor) ou o tecido nervoso,dando um acesso direto ao disco intervertebral. Entretanto, qualquer necessida- de de descompressão se torna inviável, e a via de acesso não é a habitual do cirurgião de coluna. Para dores lom- bares puras, essa tem sido a técnica de preferência do au- tor (Figura 9). Cabe constatar que estudos comparativos Figura 9 Radiografias pré (A e B) e pós-operatórias imediatas (C e D) de art rodese L5-S1 por via anterior (A LIF) . 91 Lombalgia - diagnóstico e manejo terapêutico 967 entre as técnicas não demostraram significativas diferen- ças na evolução clínica pós-operatória. Estudos comparando fusão lombar com tratamento clínico mostram resultados diferentes dependendo do tipo de tratamento clínico realizado. Quando compara- da a tratamento "convencional" (sem especificação), a artrodese lombar se mostrou superior ao grupo contro- le em um estudo prospectivo randomizado. Já em estu- do comparando artrodese com intervenção cognitiva e exercícios não houve diferença entre os dois grupos. Em revisão sistemática dos ensaios randomizados, Joaquim et al. (ANDREI) concluíram que a fusão não deve ser in- cluída no tratamento rotineiro da lombalgia crônica por discopatia degenerativa. Entretanto, alguns estudos re- lacionam fatores preditivos de sucesso cirúrgico. Pacien- tes com redução significativa do espaço discal, 33 altera- ções de placa vertebral12,49 e discografia com bloqueio discal positivo80 têm uma maior tendência a sucesso ci- rúrgico, sendo as melhores indicações. Em recente gui- deline publicado, Eck et al. comentam sobre a dificulda- de de acesso a programas bem estruturados de reabilitação, com terapia cognitiva e exercícios, e reco- mendam fusão para pacientes refratários a tratamento conservador. 37 Uma melhor identificação de fatores de sucesso cirúrgico é necessária para uma proposta de al- goritmo de tratamento. Técnicas de preservação de movimento Uma das preocupações em se realizar uma fusão seg- mentar na coluna lombar é o desenvolvimento de sobre- carga do segmentos adjacentes com consequente sinto- matologia de incapacidade a longo prazo. Entretando, recente publicação com seguimento de longo prazo (mé- dia 13 anos) dos estudos randomizados acima citados demonstrou que os indivíduos submetidos a fusão têm maior possibilidade de desenvolver degeneração (redu- ção do espaço discal) que os acompanhados clinicamen- te sem tratamento cirúrgico, mas que nos questionários de autoavaliação (dor e incapacidade) não havia relevân- cia clínica. Essa discussão levou ao desenvolvimento de técnicas de preservação de movimento, como a estabili- zação dinâmica pedicular, os dispositivos interespinho- sos e as próteses discais. Destes, apenas as próteses fo- ram desenvolvidas para o tratamento específico da dor lombar crônica (Figura 10). A artroplastia lombar produz resultados semelhan- tes aos da artrodese, tanto a curto quanto a médio pra- zo, havendo pequena diferença quanto à degeneração acelerada do segmento adjacente. 53 Entretanto, as com- parações são com fusões em geral, e não há estudos com- parando com ALIF, que utiliza a mesma via de acesso. A 968 Tratado de Neurocirurgia Figura 10 Radiografias dinâmicas de pós-operatório tardio (paciente da f igura 8) de artrodese via anterior L5 e S1, e art roplastia em L4-L5. Note-se a manutenção do movimento após 7 anos de cirurgia. manipulação tanto muscular como da faceta superior ocorre, em maior ou menor grau, durante uma artrode- se com acesso posterior, seja TLIF seja PLIF, e a influên- cia de uma possível desestabilização parcial iatrogênica é desconhecida. Estudos comparando ALIF com artro- plastia deverão ser publicados em breve e parte dessas questões deverá ser respondida. CONCLUSÃO Lombalgia é um sintoma e não uma entidade noso- lógica em si. A prevalência na população supera de longe qualquer outra situação na neurocirurgia. Com ou sem tratamento, a maioria dos pacientes vai melhorar, ficando um grupo menor a ser investigado. Os achados de exames de imagem são frequentemente inespecíficos e correlação clínico-radiológica pode ser difícil. O tratamento-padrão é conservador, não havendo claro benefício entre uma téc- nica de terapia física e outra. Pacientes que apresentam re- fratariedade a tratamento conservador podem ser candi- datos a tratamentos cirúrgicos, sendo a fusão o mais estudado e com resultados mais concretos. Entretanto, o resultado cirúrgico é pouco previsível, e diversos fatores complicadores devem ser analisados. A seleção criteriosa e rigorosa de candidatos a intervenção cirúrgica é man- datória, não devendo a cirurgia ser indicada como rotina. REFERtjNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aebi M. Is low back pain after disc herniation with Modic Type 1 changes a low grade infection. Eur Spine J 2013; 22: 689. 2. 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