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A terapia de grupo ajuda os pacientes? De fa to, ajuda. Urn convincente corpus de pes- quisas sobre seus resultados demonstra de ma- neira inequfvoca q,-!~ a terapia de grUpo e uma forma bastante efetiva de psicoterapia e que ela e pelo menos igual a psicoterapia individual em sua capacidade de proporcionar beneficios significativos. l Como a terapia de grupo ajuda os pacien- tes? Uma questao ingenua, talvez, mas se pu- dermos responde-Ia com urn certo grau de pre- cisao e certeza, teremos a nossa disposi<;ao urn prindpio organizacional central com 0 qual po- deremos abordar os problemas mais provo can- tes e controversos da psicoterapia. Uma vez identificados, os aspectos cruciais do processo de mudan<;a constituirao uma base racional para o terapeuta selecionar as taticas e estrategias necessarias para moldar a experiencia de gru- po, de modo a maximizar sua potencia com di- ferentes pacientes e em diferentes cenarios. Acredito que a mudan<;a terapeutica seja urn processo enormemente complexo, que ocorre por uma intera<;ao intricada de experien- cias humanas, que chamarei de "fatores tera- peuticos". Existe uma vantagem consideravel em se abordar 0 complexo pelo simples, 0 fe- nomeno total por seus processos componentes basicos. Dessa forma, come<;o descrevendo e discutindo esses fatores elementares. • • • • • • • • • Os Jatores terapeuticos Segundo a minha perspectiva, linhas na- turais dividem a experiencia terapeutica em 11 fatores primarios: 1. Instila<;ao de esperan<;a 2. Universalidade 3. Compartilhamento de informa<;6es 4. Altrufsmo 5. Recapitula<;ao corretiva do grupo familiar primario 6. Desenvolvimento de tecnicas de sociali- za<;ao 7. Comportamento imitativo S. Aprendizagem interpes.s.oal 9. Coesao grupal 10. Catarse 11. Fatores existenciais No restante deste capftulo, discuto os pri- meiros sete fatores. Considero a aprendizagem interpessoal e a coesao grupal tao importantes e complexas que trato delas separadamente, nos dois capftulos seguintes. Os fatores exis- tenciais sao discutidos no Capftulo 4, onde sao mais bern compreendidosno contexte de ou- tros materiais apresentados. A catarse esta in- trinsecamente entremeada com outros fatores terapeuticos e tambem sera discutida no Ca- pftulo 4. 24 IRVIN D. YALOM As distinr;:oes entre esses fatores sao arbi- trarias. Embora eu os discuta individualmen- te, eles sao interdependentes e nenhum deles ocorre ou funciona separadamente. Alem dis- so, esses fatores podem representar diferentes partes do processo de mudanr;:a: alguns fato- 'res (por exemplo, a autocompreensao) atuam no myel da cognir;:ao; alguns (por exemplo, 0 desenvolvimento de tecnicas de socializar;:ao) atuam no myel da mudanr;:a comportamental; al~ms (por exemplo, a catarse) atuam no nf- vel da emor;:ao; e alguns (por exemplo, a coe- sao) podem ser mais bern descritos como precondir;:oes para a mudanr;:a.Y Embora os mesmos fatores terapeuticos operem em todos os tipos de grupos de terapia, sua interar;:ao e importancia diferencial podem variar muito de grupo para grupo. Alem disso, devido a dife- renr;:as individuais, os participantes de urn mes- mo grupo beneficiam-se com diferentes con- juntos de fatores terapeuticos.Y Tendo em mente que os fatores terapeu- ticos sao constructos arbitrarios, podemos con- siderar que eles proporcionam urn mapa cog- nitivo para 0 estudante-Ieitor. Esse agrupamen- to dos fatores terapeuticos nao e visto concreta- mente, e outros clinicos e pesquisadores chega- ram a grupos de fatores diferentes e tambem arbitrarios.2 Nenhum sistema explicativ~ pode abranger toda a terapia. Em seu nucleo, 0 pro- cesso terapeutico e infinitamente complexo e nao existe limite para 0 numero de caminhos atraves da experiencia. (Discutirei essas ques- toes de maneira mais ampla no Capftulo 4.) o inventario de fatores terapeuticos que proponho parte de minha experiencia clfnica, da experiencia de outros terapeutas, e de pes- quisas sistematicas relevantes. Entretanto, ne- nhuma dessas fontes esta livre de questiona- mento. Nenhum membro de grupo ou lfder de grupo e inteiramente objetivo, e nossa me- todologia de pesquisa muitas vezes e incipiente e inaplicavel. Com os terapeutas de grupo, obtemos urn inventario variado e internamente inconsisten- te de fatores terapeuticos (ver Capftulo 4). Os terapeutas, que de mane ira alguma sao obser- vadores desinteressados ou imparciais, inves- tern tempo e energia consideraveis para apren- der e dominar determinada abordagem tera- peutica, fazendo com que suas respostas se- jam estipuladas por sua escola de convicr;:ao. Mesmo entre terapeutas que compartilham da mesma ideologia e falam a mesma Ifngua pode nao haver consenso quanta as razoes pelas quais os pacientes melhoram. Na pesquisa so- bre grupos de encontro, meus colegas e eu aprendemos que muitos lfderes de grupos bem- sucedidos atribufram seu sucesso a fatores que eram irrelevantes para 0 processo de terapia. Por exemplo, a tecnica do hot-seat (desenvol- vida por Fritz Peds, fundador da terapia gestalt, na qual urn paciente senta-se no centro do dr- culo, enquanto 0 lfder e os outros membros do grupo concentram-se nele por urn longo perfo- do de tempo), ou exerdcios nao-verbais, ou 0 impacto direto da pessoa do terapeuta (ver Ca- pftulo 16).3 Mas isso nao nos surpreende. A historia da psicoterapia esta cheia de terapeutas que eram efetivos, mas nao pelas razoes que supunham. Em outras epocas, nos terapeutas jogamos as maos aos ceus em espanto. Quem nunca teve urn paciente que tenha tide vastas melhoras por razoes inteiramente obscuras? Ao final de uma terapia de grupo, os par- ticipantes podem fornecer dados sobre os fa- tores terapeuticos que consideravam mais e me- nos proveitosos. Ainda assim, sabemos que es- sas avaliar;:oes serao 'incompletas e sua preci- sao, limitada. Sera que os membros do grupo talvez nao se concentrem principalmente em fatores superficiais e omitam alguma forr;:a cu- rativa profunda que possa estar alem de sua consciencia? Sera que suas respostas nao se- rao influenciadas por uma variedade de fato- res diffceis de controlar? E inteiramente possf- vel, por exemplo, que suas visoes possam ser distorcidas pela natureza de sua relar;:ao com 0 terapeuta ou com 0 grupo. (Uma equipe de pesquisadores demonstrou que quando pacien- tes foram entrevistados quatro anos depois da conclusao da terapia, eles estavam muito mais aptos para comentar aspectos uteis ou preju- diciais de sua experiencia com 0 grupo do que quando entrevistados imediatamente apos a sUa conclUSaO.)4 A pesquisa tambem mostrou, por exemplo, que os fatores terapeuticos valo- rizados por membros do grupo pod em ser amplamente diferentes dos citados pelos seus terapeutas ou observadores do grupo,s uma observar;:ao feita tambem na psicoterapia indi- vidual. Alem disso, muitos fatores de conftlSaO influenciam a avaliar;:ao do paciente sobre os fatores terapeuticos: por exemplo, 0 tempo em tratamento e 0 nfvel de funcionamento do pa- ciente,6 0 tipo de grupo (ou seja, se externo, interno, hospital-dia, terapia breve),? a idade e 0 diagn6stico do paciente,8 e a ideologia do lfder do grupO.90utro fator que complica a busca por fatores terapeuticos comuns e 0 nf- vel em que diferentes membros do grupo per- cebem e experimentam 0 mesmo evento de diferentes rnaneiras. Y Deterrninada experien- cia pode ser importante ou proveitosa para al- guns e nao trazer conseqiiencias ou ate ser pre- judicial para outros. Apesar dessas limitar;:oes, os relatos dos pacientes sao uma fonte rica e relativamente intocada de informar;:oes. Afinal, e a sua expe- riencia, sua apenas, e quanto mais nos afasta- mos da experiencia dos pacientes, mais ilativas Sa9 as nossas conclusoes. Certamente, existem aspectos do processo de mudanr;:a que operam fora da consciencia do paciente, mas isso nao significa que devamos desconsiderar aquilo que os pacientes dizem. Existe uma artepara obter os relatos dos pacientes. Questionarios para preencher ou de escolha proporcionam dados facilmente, mas muitas vezes nao conseguem captar as nuances e a riqueza da experiencia dospacientes. Quan- to Illais 0 questionador puder entrar no mun- do de experiencias do paciente, mais lucido e significativo se torna 0 relato da experiencia da terapia. Ate onde consegue suprimir ten- dencias pessoais e evitar influenciar as respos- tas do paciente, 0 terapeuta se torna 0 questionador ideal: 0 terapeuta e confiavel e entende mais do que qualquer urn 0 mundo interne do paciente. AMm das visoes dos terapeutas e relatos dos pacientes, existe urn terceiro metoda im- portante de avaliar os fatores terapeuticos: a abordagem de pesquisa sistematica. A estra- tegia de pesquisa mais comum e correlacionar variaveis internas da terapia com 0 seu re- sultado. Descobrindo quais variaveis estao sig- nificativamente relacionadas com variaveis bem-sucedidas, pode-se estabelecer uma base razoavel para comer;:ar a delinear os fatores PSICOTERAPIA DE GRUPO ~5 terapeuticos. Todavia, existem muitos problc;-- mas inerentes a essa abordagem: a mensurar;:ao do resultado ja e uma confusao metodologica., e a seler;:ao e mensurar;:ao de variaveis internas da terapia sao igualmente problemaricas:lO Todos esses metodos derivaram os fato- res terapeuticos discutidos neste livro. Ainda. assim, nao considero essas conclus6es defini- tivas. Em vez disso, oferer;:o-as como diretrizes provisorias, que podem ser testadas e aprofun- dadas por outros pesquisadores clmicos. De minha parte, estou satisfeito de que eles sao derivados das melhores evidencias disponlveis no momenta e que constituem a base de uma abordagem efetiva a terapia. INSTlLACAo DE ESPERANCA A instilar;:ao e a manutenr;:ao da esperan- r;:a sao cruciais em qualquer psicoterapia. A es- peranr;:a nao apenas e necessaria para manter o paciente em terapia para que outros fatores terapeuticos passam ter efeito, como a fe em urn modo de tratamento pode ern si ja ser terapeuticamente efetiva. Diversos estudos demonstraram que uma expectativa elevada de ajuda antes de comer;:ar a terapia esta signifi- cativamente correlacionada com urn resultado positivo.l1 Considere tambem a quantidade de dados que documentam a eficacia da cura pela fe e 0 tratamento com placebo - terapias me- diadas inteiramente pela esperanr;:a e pela con- vicr;:ao. E mais provavel que a psicoterapia te- nha urn resultado positivo quando 0 paciente e 0 terapeuta tiverem ex.pectativas semelhan- . tes para 0 tratamento.12 0 poder das expecta- tivas estende-se aMm da imaginar;:ao apenas. * Podemos avaliar melhor os resultados da terapia de urn modo geral do que mensurando as relar;6es entre essas variaveis de processo e resultados. Kivlighan e colaboradores desenvolveram uma es- cala promissora, a Escala de Grupo de Ajuda de Irnpacto, que tenta capturar a totalidade do proces- so terapeutico de gropo de urn modo multidimensio- nal, que abranja tarefas terapeuticas e relar;6es te- rapeuticas, bern como variaveis relacionadas com 0 processo, 0 cliente e 0 lider do grupo. 26 IRVIN D. YAlOM Estudos recentes com imagem demonstram que o placebo nao e inativo, mas pode ter urn efei- to psicologico direto sobre 0 cerebro. I3 Os terapeutas de grupo podem capitali- zar esse fator; fazendo 0 que podem para au- mentar a cren~a e a confian~ dos pacientes na eficacia do modele de grupo. Essa tarefa inicia antes do grupo come~ar, na orienta~ao pre-grupo, na qual 0 te~apeuta refor~a expec- tativas positivas, corrige preconceitos negati- vos e apresenta uma explica~ao lucida e pode- rosa das propriedades curativas do grupo. (Ver Capitulo 10 para uma discussao completa do procedimento de prepara~ao pre-grupo.) A terapia de grupo nao apenas se baseia nos efeitos gerais das expectativas positivas sobre a melhora, como tambem se beneficia como uma Fonte de esperan~a que e unica do formato de grupo. Os grupos de terapia invaria- velmente contem individuos que estao em pon- tos diferentes ao longo de urn continuum de enfrentamento e colapso. Assim, cada membro tern urn contato consideravel com outros - muitas vezes individuos com problemas seme- lhantes - que melhoraram como resultado da terapia. Muitas vezes, ouvi pacientes comen- tarem ao final de sua terapia de grupo 0 quan- to foi irnportante para eles observar a melhora dos outros. Notavelmente, a esperan~a pode ser uma for~a poderosa, mesmo em grupos de individuos que combatem urn cancer avan~a do e que perdem membros estimados do gru- po para a doen~a. A esperan~a e flexivel - ela se redefine para se encaixar em parametros imediatos, tornando-se esperan~a de confor- to, de dignidade, de conexao com outros mem- bros ou de redu~ao do desconforto fisico. I4 Os terapeutas de grupo nao devem, de mane ira alguma, isentar-se de explorar esse fa- tor, chamando aten~ao periodicamente para as melhoras que os membros fizeram. Se eu rece- ber recados de membros que tiveram termino recente informando-me de suas melhoras con- tinuadas, fa~o questao de compartilhar isso com o grupo atual. Os membros antigos do grupo muitas vezes assumem essa fun~ao, oferecen- do testemunhos espontaneos a membros no- vos e ceticos. Pesquisas mostraram que tambem e vital que os terapeutas acreditem em si mesmos e na eficacia de seu grupO.IS SirIceramente, creio que sou capaz de ajudar cada paciente moti- vado que esteja disposto a trabalhar com 0 gru- po por pelo menDs seis meses. Em meus pri- meiros encontros individuais com os pacien- tes, compartilho essa convic~ao com eles e ten- to imbui-Ios de meu otimismo. Muitos dos grupos de auto-ajuda - por exemplo, para pais enlutados, homens que agri- dem, vitimas de irIcesto e pacientes de cirurgia cardiaca - enfatizam amplamente a instila~ao de esperan~a.I6 Uma parte irnportante dos en- contros do Recovery; Inc. (para pacientes psi- quiatricos atuais e passados) e do Alcoolicos Anonimos dedica-se a testemunhos. A cada en- contro, os membros do Recovery; Inc. contam incidentes potencialmente estressantes, nos quais evitam a tensao, aplicando seus meto- dos, e membros bem-sucedidos do Alcoolicos Anonimos contam suas historias de queda e resgate pelo AA. Urn dos pontos fortes do Al- coolicos Anonimos e 0 fato de que os lideres sao todos alcoolicos - inspira~ao viva para os outros. Os programas de tratamento para abuso de substancias geralmente mobilizam a espe- ran~a dos participantes, usando dependentes de drogas recuperados como lideres de grupo. Os membros recebem inspira~ao, levantando- se as expectativas, pelo contato com aqueles que ja percorreram 0 mesmo caminho e en- contraram 0 caminho de volta. Uma aborda- gem semelhante e us ada para irIdividuos com doen~as medicas cronicas, como artrite e doen- ~as cardiacas. Esses grupos de automanejo usam membros treinados para estimular os- outros membros a enfrentarem ativamente as suas condi~6es medicas. I7 A irIspira~ao que os participantes proporcionam aos seus pares re- sulta em melhoras substanciais em resultados medicos, reduz os custos do cuidado de saude, pro move 0 sentido de auto-eficacia do indivi- duo e muitas vezes torna as irIterven~6es de grupo superiores as terapias irIdividuais. I8 UNIVERSALIDADE Muitos individuos come~am a terapia com o pensamento perturbador de que sao singula- res em sua desgra~a, que apenas eles tern cer- tos problemas, pensamentos, impulsos e fan- tasias assustadores e irIaceitaveis. E claro que existe urn nucleo de verdade nessa no~ao, pois a maioria dos pacientes tern uma consteIa<;ao inusitada de estressores graves em suas vidas e periodicamente e irIundada por material apa- vorante que vazou de seu irIconsciente. Ate urn certo grau, isso e verdade para todos nos, mas muitos pacientes, devido ao seu isolamento social extremo, tern urn sentido ele- vado de singularidade. Suas dificuldades interpessoais impedem a possibilidade de uma intimidadeprofunda. Na vida cotidiana, eles nao aprendem sobre as experiencias e os sen- timentos anaIogos dos outros e nao se valem da oportunidade de confidenciar e finalmente ser validados e aceitos por outras pessoas. Na terapia de grupo, especialmente nos primeiros estagios, a invalida<;ao dos sentimen- tos de singularidade de urn paciente e uma po- derosa Fonte de alivio. Apos ouvir outros mem- bros revelarem preocupa<;6es semelhantes as suas, os pacientes relatam sentir-se mais em contato com 0 mundo e descrevem 0 processo como uma experiencia "bem-vinda,para a ra<;a humana". Colocado de forma simples, 0 feno- meno encontra expressao no cUche "estamos todos no mesmo barco" - ou talvez, de forma mais cetica, "a miseria adora companhia". Nao existe urn ato ou pensamento huma- no que esteja completamente fora da experien- cia das outras pessoas. Ja ouvi membros de grupos revelarem atos como incesto, tortura, roubo, peculato, homiddio, tentativa de suid- dio e fantasias de natureza ainda mais deses- perada. Invariavelmente, eu observava outros membros de grupos aceitarem esses mesmos atos como dentro dos limites de suas proprias possibilidades, muitas vezes seguindo pela por- ta da revela<;ao aberta pela confian<;a ou pela coragem de urn membro do grupo. Tempos atras, Freud observou que os tabus mais fir- mes (novamente incesto e parriddio) foram precisamente construidos porque esses mesmos impulsos fazem parte da natureza mais pro- funda do ser humano. E essa forma de ajuda nao se lirnita a te- rapia de grupo. A universalidade tambem de- sempenha urn pape! na terapia individual, PSICOTERAPIA DE GRUPO 27 embora, neste formato, haja menos oportuni- dade para valida<;ao consensual, a medida que os terapeutas decidem restrirIgir 0 seu grau de transparencia pessoal. Durante as 600 horas de minha propria analise, tive urn encontro pessoal marcante com o fator terapeutico da universalidade. Ele ocor- reu quando eu estava descrevendo meus senti- mentes extremamente ambivalentes com rela- <;ao a minha mae. Fiquei bastante perturbado com 0 fato de que, apesar de meus fortes sen- timentos positivos, tambem me senti acossado por sentimentos de morte por ela, assim como resisti a herdar parte do que era dela. Meu analista simplesmente respondeu "que parece ser a forma como nos construimos". Essa de- clara<;ao sincera nao apenas me trouxe cons i- deravel alivio, como possibilitou que eu explo- rasse minha ambivalencia em grande profun- didade. Apesar da complexidade dos problemas humanos, certos denominadores comuns .sao claramente evidentes entre os irIdividuos, e os membros de urn grupo terapeutico logo perce- bern suas semelhan~s. Urn exemplo e ilustra- tivo: por muitos anos, solicitei a membros de grupos-T (que nao sao pacientes - formados principalmente por estudantes de medicina, re- sidentes psiquiatricos, enfermeiros, tecnicos psiquiatricos e voluntarios da Peace Corps; ver Capitulo 16) para participarem de uma tarefa "secreta", na qual deveriam escrever, em uma tir:a de papel e de forma anonima, a coisa que estavam menDs inclinados a compartilhar com o grupo. Os segredos se mostravam notavel- mente semelhantes, com alguns temas impor- tantes predominando. 0 segredo mais comum era a convic~ao profunda de uma inadequa<;ao basica - urn sentimento de ser basicamente incompetente, de ter side urn blefe ao longo da vida. 0 proximo em freqii@ncia eum senti- do profundo de aliena~ao interpessoal- ou seja, apesar das aparencias, nao se deve, ou nao se pode, cuidar ou amar outra pessoa. A terce ira categoria mais freqiiente e alguma variedade de segredo sexual. Essas preocupa<;6es impor- tantes de nao-pacientes sao qualitativamente as mesmas em individuos que buscam ajuda pro fissional. Quase invariave!mente, nossos pa- cientes experimentam uma profunda preocu- 28 IRVIN D. YALOM pa<;ao com seu sentido de valor e sua capaci- dade de se relacionar com os outros.· Alguns grupos especializados, compostos de individuos para os quais 0 segredo tern sido urn fator especialmente importante e de isola- mento, enfatizam particularmente a universa- lidade. Por exemplo, grupos estruturados de curta dura<;ao para pacientes bulimicos tern em seu protocolo uma forte exigencia de auto-reve- la<;ao, especialmente quanto a atitudes para com a imagem corporal e narrativas detalhadas dos rituais alimentares e praticas de purga de cada membro. Corn raras exce<;oes, os pacien- tes expressam grande alfvio ao descobrirem que nao estao sos, que os outros compartilham os mesmos dilemas e experiencias de vida.19 Os membros dos grupos de abuso sexual tambem se beneficiam consideravelmente com a experiencia de universalidade.20 Uma parte integral desses grupos e 0 compartilhamento fntimo, muitas vezes pela primeira vez na vida de cada membro, dos detalhes do abuso e da devasta<;ao intema que sofreram como conse- qiiencia. Os membros desses grupos podem encontrar outros que sofreram semelhantes viola<;oes quando crian<;as, que nao foram res- ponsaveis pelo que lhes aconteceu, e que tam- bern sofreram sentimentos profundos de ver- gonha, culpa, raiva e impureza. 0 sentido de universalidade muitas vezes e urn passo fun- damental na terapia de paCientes sobrecar- regados pela vergonha, estigma e culpa, por exemplo, pacientes corn HIV / AlDS ou aqueles que lidam com as conseqiiencias de urn sui- ddio.21 Os membros de grupos homogeneos 12.0- dem falar uns dos outros com uma autentici- • Existem diversos metodos para usar essas infor- ma~6es no trabalho do grupo. Uma tecnica efetiva e redistribuir os segredos anonimos aos membros, cada urn recebendo 0 segredo do outro. Cada mem- bro entao Ie 0 segredo em voz alta e revela como se sente ao guardar esse segredo. Esse metodo geral- mente se mostra uma demonstra~ao valiosa de uni- versalidade, empatia e da capacidade dos outros de entender. dade poderosa que vern de sua experiencia ern primeira mao, de maneiras que os terapeutas talvez nao consigam fazer. Por exemplo, uma vez, supervisionei urn terapeuta, de 3S anos, que estava liderando urn grupo de homens deprimidos na faixa entre os 70 e os 80 anos. Em urn certo ponto, urn homem de 77 anos, que havia perdido a esposa recentemente, ex- pressou sentimentos suicidas. 0 terapeuta he- sitou, temendo que qualquer coisa que pudes- se dizer parecesse ingenua. Entao, urn mem- bro do grupo de 91 anos falou e descreveu como havia perdido sua esposa apos 60 anos de casamento, e como havia mergulhado em urn desespero suicida e havia, finalmente, se recuperado e retomado a vida. Essa declara- <;30 teve repercussao profunda e nao foi igno- rada facilmente. Ern grupos multiculturais, talvez os tera- peutas necessitem prestar particular aten<;ao ao fator clfnieo da universalidade. Minorias culturais em urn grupo predominantemente branco podem sentir-se exclufdas por causa de atitudes culturais diferentes para com a reve- la<;3o, as intera<;ao e a expressao afetiva. Os terapeutas devem ajudar 0 grupo a ultrapas- sar 0 foco ern diferen<;as culturais concretas para respostas transculturais - ou seja, univer- sais - a situa<;oes e tragedias humanas.22 Ao mesmo tempo, os terapeutas devem estar agu- damente conscientes dos fatores culturais em jogo. Os profissionais da saude mental muitas vezes nao possuem 0 conhecimento dos fatos culturais da vida que sao necessarios para tra- balhar de maneira efetiva com membros cul- turalmente diversos. E imperativo que os te- rapeutas aprendam 0 maximo possfvel sobre as culturas dos pacientes, bern como de seu vinculo ou aliena<;ao com a sua cultura.23 A universalidade, como outros fatores terapeuticos, nao possui limites nftidos, mes- clando-se com outros fatores terapeuticos. A medida que os pacientes percebem sua seme- lhan<;a com os outros e compartilham suas mais profundas preocupa<;6es, eles se beneficiam ainda mais da catarse que acompanha a tera- pia e da aceita<;ao dos outros membros (ver Capftulo3 sobre a coesao grupal). COMPARTILHAMENTO DE INFORMA~iiES Na categoria geral do compartilhamento de informa<;6es, incluo a instru<;ao didatiea sobre a saude mental, doen<;as mentais e a psieodinfunica geral fomecida pelos terapeutas, bern como 0 aconselhamento, as sugestoes ou a orienta<;ao direta do terapeuta ou outros membros do grupo. Instrut;iio diiJcitica A maioria dos partieipantes, na conclu- sao de uma terapia de grupo interacional bem- sucedida, aprende muito sobre 0 funcionamen- to psfquico, 0 significado dos sintomas, a dina- mica interpessoal e de grupo e 0 processo da psieoterapia. De urn modo geral, 0 processo educacional e implfcito. A maioria dos tera- peutas de grupo nao bferece ip.stru<;ao dida.ti- ca explfcita ern terapia de grupo interacional. Todavia, ao longo da ultima decada, muitas abordagens de terapia de grupo fizeram da ins- tru<;ao formal, ou psieoeduca<;ao, uma parte importante do programa. Urn dos precedentes historicos mais po- derosos para a psicoeduca<;ao pode ser encon- trado na obra de MaxWell Jones, que, em seu trabalho corn grupos grandes na decada de 1940, palestrava para seus pacientes por tres horas por semana a respeito da estrutura, do funcionamento e da relevancia do sistema ner- voso para os sintomas psiquiatricos e a defi- ciencia.24 Marsh, que escreveu na decada de 1930, tambem acreditava na importancia da psicoe- duca<;ao e de aulas organizadas para seus pa- cientes, completadas corn palestras, tarefas de casa e notas.2S o Recovery, Inc., 0 mais antigo e maior programa de auto-ajuda do pais para pacien- tes psiquiatricos atuais e ex-pacientes, e orga- nizado basicamente ao longo de linhas dida.ti- cas.26 Fundada em 1937 por Abraham Low, essa organiza<;ao tern mais de 700 grupos operan- do hojeY A participa<;ao e voluntaria e os lfde- res nascem dos membros. E~bora nao haja PSICOTERAPIA DE GRUPO 29 orienta<;ao pro fissional formal, a condu<;3o dos encontros foi altamente estruturada pelo Dr. Low. Partes de seu livro, Mental Health Through Will Training,28 sao lidas em voz alta e discuti- das a cada reuniao. A doen<;a psieologica e explicada com base ern alguns prindpios sim- ples, que os membros memorizam - por exem- plo, 0 valor de "identificar" comportamentos problematieos e autodestrutivos; que os sinto- mas neuroticos sao perturbadores, mas nao perigosos; que a tensao intensifica e mantem 0 sintoma e deve ser evitada; que 0 usa do livre arbftrio do individuo e a solu<;ao para os dile- mas do paciente nervoso. Muitos outros grupos de auto-ajuda enfatizam 0 compartilhamento de informa<;oes. Grupos como os para adultos sobreviventes ao incesto, pais anonimos, jogadores anonimos, apoio aos pacientes com cancer, para pais sem parceiros e para pessoas solitarias estimulam a troca de informa<;oes entre os membros e fre- qiientemente convidam especialistas para fa- lar ao grupO.29 0 ambiente do grupo onde a aprendizagem ocorre e importante. 0 contex- to ideal e de parceria e colabora<;ao, ao inves de prescri<;ao e subordina<;ao. A literatura recente da terapia de grupo tern descri<;6es abundantes de grupos especiali- zados para individuos que tern algum trans- tomo espedfico au que enfrentam alguma cri- se decisiva em suas vidas - por exemplo, trans- tomo de panico, 30 obesidade,31 bulimia,32 adap- ta<;ao apos 0 divorcio,33 herpes,34 doen<;a coronariana,35 pais de crian<;as que sofreram abuso sexual,36 homens violentos,37Iuto,38 HIV / AIDS,39 disfun<;i5es sexuais,40 estupro,41 adap- ta<;ao a auto-imagem apos mastectomia,42 dor cronica,43 trans plante de orgaos44 e preven<;ao de recafdas da depressao.45 Alem de oferecerem apoio mutuo, esses grupos geralmente envolverri. urn componente psieoeducacional, oferecendo instru<;ao explici- ta sabre a natureza da doen<;a ou do problema do paciente e examinando as concep<;6es erra- neas e respostas autodestrutivas a sua doen<;a. Por exemplo, as lfderes de urn grupo para pa- cientes com transtomo de panieo descrevem a causa fisiologica dos ataques de panico, expli- 30 IRVIN D. Y ALOM cando que 0 estresse e a excita~ao aumentam o fluxo de adrenalina, que pode resultar em hiperventila~ao, falta de ar e tontura. 0 pacien- te interpreta os sintomas incorretamente, de maneira que apenas os exacerba ("estou mor- rendo" ou "estou enlouquecendo"), perpetuan- do assim urn drculo vicioso. Os terapeutas dis- cutem a natureza benigna dos ataques de pa- nico e of ere cern instru<;:ao sobre como produ- zir urn ataque leve e como preveni-Io. Eles for- necem instru~oes detalhadas sobre tecnicas de respiraC;ao adequada e relaxamento muscular progressivo. Os grupos muitas vezes sao cenarios ade- quados para se ensinarem novas abordagens de redw;:ao do estresse baseadas em medita- ~ao e concentrac;ao. Aplicando urn foco discipli- nado, os membros aprendem a se tomar obser- vadores esdarecidos, receptivos e imparciais de seus pensamentos e sentimentos e a redu- zir 0 estresse, a ansiedade e a vulnerabilidade a depressao.46 Os lfderes de grupos para pacientes HIV- positivo frequentemente fomecem informac;6es medicas consideraveis relacionadas com as doen~as e ajudam a corrigir os temores irracio- nais e as concep~oes erroneas dos membros sobre a infec~ao. Eles tambem podem aconse- lhar os outros membros com rela~ao a meta- dos para informar outras pessoas sobre sua condi~ao e moldar urn estilo de vida que pro- voque menos culpa. Os lfderes de grupos para 0 luto podem proporcionar informa~6es sobre 0 cido natu- ral do luto, para ajudar os membros a enten- der que existe uma seqiiencia de dor, pela qual estao progredindo, e que a sua perturba~ao tera uma redu~ao natural e quase inevitavel, a me- dida que avan~arem atraves dos estagios des- sa sequencia. Os Hderes podem ajudar os pa- cientes a preyer, por exemplo, a anglistia agu- da que sentem a cada data importante (feria- dos, aniversarios e outras comemora~oes) du- rante 0 primeiro ana de luto. Grupos psicoedu- cacionais para mulheres com cancer de mama primario fomecem aos membros informac;oes sobre a sua doen~a, op~oes de tratamento e riscos futuros, bern como recomendac;6es para urn estilo de vida mais saudavel. A avalia~ao do resultado desses grupos mostra que os par- ticipantes apresentam beneficios psicossociais significativos e duradouros.47 A maioria dos terapeutas de grupo usa alguma forma de orienta~ao antecipatoria para os pacientes que iniciam a situac;ao assustado- ra do grupo de psicoterapia, como uma sessao preparatoria, visando esclarecer importantes razoes para disfunc;oes psicologicas e propor- cionar instru~oes em metodos de auto-ex- plora~ao.48 Prevendo os medos dos pacientes, proporcionando-lhes uma estrutura cognitiva, ajudamo-os a enfrentar de forma mais efetiva o choque cultural que podem encontrar quan- do entram para 0 grupo de terapia (ver Ca- pitulo 10). Dessa forma, a instru~ao didatica e em- pregada de varias maneiras na terapia de gru- po: para transferir informac;oes, alterar padroes de pensamento destrutivos, estruturar 0 gru- po, expIicar 0 processo da doenc;a. Essa instru- ~ao muitas vezes funciona como a for~a de Ii- gac;ao inicial para 0 grupo, ate que outros fato- res terapeuticos entrem em operac;ao. Contu- do, a expIica<;ao e 0 esclarecimento ja funcio- nam em parte como agentes terapeuticos. Os seres humanos sempre abominaram a incerte- za e, atraves das eras, tentaram organizar 0 Universo, fornece'ndo explicac;oes, principal- mente reIigiosas ou cientfficas. A expIica~ao de urn fenomeno e 0 primeiro passo para 0 seu controle. Se uma erup~ao vulcanica e causada por urn deus descontente, entao, pelo menos, existe esperanc;a de agradar ao deus. Frieda Fromm-Reichman enfatiza 0 pa- pel que a incerteza tern de produzir ansieda- de. A consciencia de nao ser 0 proprio piloto, afrrma ela, de que as proprias percep~6es e comportamentos sao controlados por for~as irracionais, e uma fonte comum e fundamen- tal de ansiedade.49Em nosso mundo contemporaneo, somos for~ados a confrontar 0 medo e a ansiedade com frequencia. Em particular, os eventos de 11 de setembro de 2001 colocaram essas emo~oes perturbadoras em primeiro plano de forma mais clara na vida das pessoas. E extremamente im- portante confrontar ansiedades u'aurmiticas com urn enfrentamento ativo (por exemplo, envol- vendo-se na vida, falando abertamente e pro- porcionando apoio mutuo), ao contrario de ce- der a urn retraimento desmoraIizado. Nao ape- nas essas respostas agradam ao nosso senso co- mum, mas, como demonstra a pesquisa neuro- biologica contemponlnea, essas formas de enfrentamento ativo estimulam importantes cir- cuitos neurais no cerebro que ajudam a regular as reac;6es de estresse do COrpO.50 E e isso que ocorre com os pacientes em psicoterapia: 0 medo e a ansiedade que pro- vern da incerteza da fonte, do significado e da gravidade dos sintomas psiquiatricos podem causar uma disforia tao grande que a explora- ~ao efetiva se torna muito mais dificil. A ins- truc;ao didarica, por proporcionar estrutura e explica~ao, tern valor intrinseco e merece urn lugar em nosso repertorio de instrumentos terapeuticos (ver Capitulo 5). Aconselhamento direto Ao contrario da instruc;ao didatica expH- cita do terapeuta, 0 aconselhamento direto dos membros ocorre sem exce~ao elfl cada grupo de terapia. Em grupos de terapia interacional dinamica, ela invariavelmente ffiz parte da vida inicial do grupo e ocorre com tal regularidade que po de ser usada para se estimar a idade do grupo. Se observo ou ou~o uma gravac;ao de urn grupo no qual os pacientes, com uma certa regularidade, dizem coisas como: "acho que voce deveria ... " ou ''voce deve fazer ... " ou "por que voce nao ... ?", posso ter uma certeza razoa- vel de que e urn grupo novo ou que e urn gru .. po antigo com alguma dificuldade que impe- diu 0 seu desenvolvimento ou produziu uma regressao temporaria. Em outras palavras, 0 aconselhamento pode refletir uma resistencia a urn envolvimento mais intimo, com os mem- bros tentando administrar os relacionamentos, em vez de se conectarem. Embora 0 aconselha- mento seja comum no come~o da terapia de grupo interacional, e raro que conselhos espe- dficos beneficiem qualquer paciente direta- mente. Todavia, de maneira indireta, 0 acon- selhamento serve a urn proposito. 0 processo de aconselhar, ao inves do conteudo do conse- PSICOTERAPIA DE GRUPO 31 lho, pode ser benefico, implicando e transmi- tindo interesse e cuidado mutuos, como real- mente e verdade. o comportamento de dar ou pedir con- selhos muitas vezes e uma pista importante na elucida<;iio de patologias interpessoais. 0 pa- ciente que, por exemplo, pede conselhos e su- gest6es continuamente para outras pes so as, para depois rejeita-Ios e frustrar os outros, e bastante conhecido dos terapeutas de grupo, como 0 paciente "queixoso que rejeita ajuda" ou 0 paciente "sim ... mas" (ver Capitulo 13).51 Alguns membros de grupos podem buscar aten- ~ao e carinho, pedindo sugest6es sobre urn pro- blema que seja insoluvel ou que ja tenha sido resolvido. Outros absorvem conselhos com uma sede insaciavel, mas nunca agem de forma re- dproca com pessoas que tambem estejam ne- cessitadas. Alguns membros de grupos estao tao interessados em manter urn status superior no grupo ou uma fachada de auto-suficiencia . tranqiiila que nunca pedem ajuda diretamen- te, outros sao tao ansiosos para agradar que nunca pedem nada para si mesmos, outros ain- da sao excessivamente efusivos em sua grati- dao, e outros nunca reconhecem 0 presente, mas levam-no para casa, como urn osso, para roe-Io em particular. Outros tipos de grupos mais estruturados que nao ~ concentram nas interac;oes entre os membros fazem uso explfcito e efetivo de su- gestoes e conselhos diretos. Por exemplo, gru- pos para moldar 0 comportamento, grupos de transic;ao e planejamento da alta hospitalar, grupos de habilidades para a vida, grupos de habilidades de comunicac;ao, 0 Recovery; Inc. e 0 Alcoolicos Anonimos, todos proferem uma quantidade consideravel de conselhos diretos. Urn grupo de habilidades de comunica~ao para pacientes com doen~as psiquiatricas cronicas relata resultados excelentes com urn progra- rna de grupo e'struturado que inclui feedback focado, reprodu~ao de gravac;oes e projetos de resolu~ao de problemas. 52 0 AA usa conselhos e slogans. Por exemplo, os membros devem permanecer em abstinencia apenas pelas pro- ximas 24 horas - "urn dia de cad a vez". 0 Recovery; Inc. ensina os membros a identificar sintomas neuroticos, a apagar e reescrever, a t f f' .l! 32 IRVIN D. YALOM ensaiar e inverter e mostra como aplicar a for- C;a de vontade de maneira efetiva. Existem conselhos melhores que os ou- tros? Os pesquisadores que estudaram urn gru- po para moldar 0 comportamento de agressores sexuais do sexo masculino observaram que 0 aconselhamento era comum e era proveitoso para diferentes membros em graus variados. A forma menos efetiva de conselho era a suges- tao direta, e a mais efetiva era uma serie de sugest6es altemativas sobre como chegar a urn objetivo desejado.S3 A psicoeducac;ao com re- lac;ao ao impacto da depressao sobre relacio- namentos fami!iares e muito mais efetiva quan- do os participantes examinam, em urn nfvel direto e emocional, a maneira como a depres- sao esta afetando suas vidas e seus relaciona- mentos familiares. As mesmas informac;6es apresentadas de mane ira intelectualizada e desconectada sao muito menos valiosas.S4 ALTRUiSMO Existe uma antiga historia hassfdica de urn rabino que teve uma conversa com Deus sobre 0 Ceu e 0 Inferno. "Eu the mostrarei 0 Inferno", disse Deus, e conduziu 0 rabino ate uma sala com urn grupo de pessoas desespera- das e famintas, sentadas ao redor de uma gran- de mesa circular. No centro da mesa, estava urn grande prato de came ensopada, mais do que 0 suficiente para todos. 0 cheiro do enso- pado era entao delicioso que deixou 0 rabino com agua na boca. Ainda assim, ninguem co- rnia. Cada pessoa ao redor da mesa tinha na mao uma colher com urn longo cabo - longo 0 suficiente para alcanc;ar 0 prato e tirar uma co- lherada de ensopado, mas longa demais para chegar a propria boca. 0 rabino viu que 0 so- frimento realmente era terrivel e sacudiu a ca- bec;a em compaixao. '~gora, eu the mostrarei o ceu", disse Deus, enquanto entravam em outra sala, identica a primeira - a mesma gran- de mesa redonda, 0 mesmo grande prato de ensopado, as mesmas colheres de cabo longo. Ainda assim, havia alegria no ar. Todos pare- ciam bem-nutridos, rechonchudos e exuberan- tes. 0 rabino nao conseguia entender e olhou para Deus. "E simples", disse Deus, "mas exige certa habilidade. Veja, as pessoas desta sala aprenderam a se alimentar umas as outras!"· Nos grupos de terapia, bern como no ceu e no inferno imaginados da historia, os mem- bros ganham por darem, nao apenas por rece- berem ajuda como parte da seqiiencia redpro- ca de dar e receber, mas tambem por se bene- ficiarem com algo que e intrinseco ao ato de dar. Muitos pacientes psiquiatricos que come- c;am a terapia estao desmoralizados e possu- em urn sentido profundo de nao ter nada de valor para oferecer aos outros. Eles ha muito se consideram urn fardo, e a experiencia de descobrir que podem ser importantes para ou- tras pessoas e renovadora e aumenta sua auto- esrima. A terapia de grupo e peculiar por ser a unica que oferece aos pacientes a oportunida- de debeneficiar outras pessoas, e tambem es- rimula a versatilidade de papeis, exigindo que os pacientes se altemem nos papeis de receber e dar qjuda. ss E, e claro, os pacientes sao imensamente uteis uns para os outros no processo terapeutico de grupo. Eles proporcionam apoio, tranqiii- lizac;ao, sugest6es, insight e compartilham pro- blemas semelhantes entre si. Com freqiiencia, e muito mais faci! que os membros do grupo aceitem observac;6es de outro membro do que do terapeuta. Para muitospacientes, 0 terapeu- ta permanece sendo 0 profissional pago. Os ou- tros membros representam 0 mundo real, e pode-se contar com suas reac;6es e seus comen- tarios espontaneos e verdadeiros. Observando o curso da terapia retrospectivamente, quase • Em 1973, uma participante abriu 0 primeiro en· contro do prirneiro grupo para pacientes de dincer avan<;ado distribuindo essa parabola para os outros membros do grupo. Essa mulher (sobre a qual ja escrevi antes, referindo-me a elacomo Paula West; ver I. Yalom, Momma and the Meaning of Life [New York: Basic Books, 1999]) esteve envolvida comigo desde 0 principio em conceituar e organizar esse grupo (ver tanlbem 0 Capitulo 15). Sua parabola mostrou-se presciente, pois muitos membros se be- neficiaram com 0 fator terapeutico do altrufsmo. todos os membros creditam importancia aos outros membros em sua melhora. As vezes, eles ciram seu apoio e conselhos expHcitos; em ou- tras, referem-se ao simples fato de estarem pre- sentes e permitirem que outras pessoas cres- c;am como resultado de urn relacionamento facilitador e solidario. Com a experiencia do altruismo, os membros do grupo aprendem em primeira mao que tern obrigac;6es para com aqueles de quem desejam receber carinho_ Uma interac;ao entre dois membros de urn grupo e ilustrativa. Derek, urn homem na faixa de 40 anos, cronicamente ansioso e isolado e que recentemente entrou para 0 grupo, irritou os outros membros, rejeitando seus comenta- rios e sua preocupac;ao. Em resposta, Kathy; uma mulher de 3S anos com depressao croni- ca e problemas com abuso de substancias, di- vidiu com ele uma lic;ao fundamental em sua experiencia com 0 <grupo. Durante meses, ela rejeitou a preocupac;ao de todos porque sentia que nao merecia. Posteriormente, depois que outros membros disseram que a sua rejeic;ao os agredia, ela tomou a decisao consciente de ser mais receptiva aos presentes que the ofereciam e logo observou, para sua surpresa, que havia comec;ado a se sentir muito melhor. Em outras palavras, ela nao apenas se 'beneficiou com 0 apoio recebido, como tambem por poder aju- dar 2!' outros a sentir que tinham algo de valor para oferecer. Ela esperava que Derek conside- rasse essas possibilidades para si mesmo. o altrufsmo e urn fator terapeutico vene- ravel em outros sistemas de cura. Em culturas primitivas, por exemplo, costuma-se atribuir a uma pessoa com problemas a tarefa de prepa- rar urn banquete ou realizar algum tipo de ser- vic;o para a comunidade.56 0 altrufsmo desem- penha uma parte importante no processo de cura em santuarios catolicos, como 0 de Lourdes, onde os doentes rezam nao apenas para si mesmos, mas para outras pessoas. As pessoas precisam sentir que sao necessarias e uteis. E comum alcoolistas manterem seus con- tatos do M por anos apos terem alcanc;ado sobriedade totaL Muitos membros relatam sua historia de queda e recuperac;ao pelo menos mil vezes e continuam a desfrutar da satisfa- c;ao de oferecer ajuda aos outros. PSICOTERAPIA DE GRUPO 33 No come<;o, os membros neofitos de gru- pos nao gostam do irnpacto curativo dos ou- tros membros. De fato, muitos possfveis candi- datos resistem a qualquer sugestao de terapia de grupo com a questao: "como pode urn cego conduzir outro cego?" ou "0 que posso ganhar com outras pessoas que estao tao confusas quanta eu? Acabaremos nos afundando uns ao outros". Essa resistencia e mais bern resolvida explorando-se a auto-avaliac;ao critica do pa- ciente. De urn modo geral, urn individuo que rejeita a perspectiva de obter ajuda de outros membros do grupo na verdade esta dizendo: "eu nao tenho nada de valor para oferecer". Existe outro beneficio mais suti! inerente ao ate altruista. Muitos pacientes que se quei- xam de falta de significado estao imersos em uma auto-absorc;ao morbida, que assume a for- rna de uma introspecc;ao obsessiva ou de urn esforc;o resoluto para se cumprir. Concordo com Victor Franld, de que 0 sentido de significado na vida pode ser 0 resultado, mas que ele nao deve ser deliberadamente perseguido: 0 signi- ficado na vida sempre e urn fenomeno deriva- do, que se materializa quando transcendemos nos mesmos, quando esquecemos de nos mes- mos enos absorvemos em outra pessoa (ou algo) fora de nos mesmosY 0 foco no signifi- cado da vida e no altruismo e componente par- ticularmente importante das psicoterapias de grupo para pacientes que enfrentam doenc;as medicas fatais, como 0 cancer e a AIDS.YsS A RECAPITULA~AO CORRETIVA DO GRUPO FAMILIAR PRIMARIO A grande maioria dos pacientes que en- tram para grupos de terapia - com exce<;ao dos que sofrem de transtorno de estresse pos-trau- matico ou de algum estresse medico ou am- biental - terri urn historico de uma experiencia extremamente insatisfatoria em seu primeiro e mais importante grupo: a familia primaria. o grupo de terapia se parece com uma familia em muitos aspectos: existem figuras de autori- dade/parentais, figuras de irmaos/fraternas, revelac;6es pessoais profundas, emoc;6es fortes e uma intimidade profunda, bern como senti- 34 IRVIN D. YALOM mentos hostis e competitivos. De fato, os gru- pos de terapia muitas vezes sao liderados por uma equipe de homens e mulheres terapeutas em urn esforc;:o deliberado de estimular a con- figura<;ao parental ao maximo possiveL Quan- do 0 desconforto inicial e superado, e inevirn- vel que, mais cedo ou mais tarde, os membros interajam com os !ideres e com outros mem- bros de forma semelhante a suas intera<;oes com seus pais e irmaos. Se os !ideres de grupos forem vistos como figuras parentais, eles produzirao rea<;oes as- sociadas a figuras parentais/de autoridade: al- guns membros se tomarao desesperadamente dependentes dos lideres, a quem imbuem co- nhecimento e poder irreais, outros desafiarao os lideres cegamente, po is percebem-nos como controladores e infantilizadores, outros ainda terao medo deles, pois acreditam que querem privar os membros de sua individualidade. Al- guns membros tentam dividir os co-terapeutas, na tentativa de incitar discordancias e rivali- dades parentais, alguns se revelam mais quan- do urn dos co-terapeutas esta ausente, e ou- tros competem amargamente corn os outros membros, esperando acumular unidades de aten<;ao e carinho dos terapeutas. Alguns sen- tern inveja quando a aten<;ao do !ider se volta para outras pessoas, outros gastam sua ener- gia em busca de aJiados entre ~ outros mem- bros para derrubar os terapeutas, enquanto outros negligenciam seus proprios interesses em uma tentativa aparentemente abnegada de satisfazer os lideres e os outros membros. Obviamente, fenomenos semelhantes ocorrem na terapia individual, mas 0 grupo proporciona urn numero e uma variedade bas- tante maiores de possibilidades de recapitu- la<;ao. Em urn dos me us grupos, Betty, uma participante que havia pass ado dois encontros amuada, reclamou de nao estar em terapia in- dividual. Ela disse que se sentia inibida por- que sabia que 0 grupo nao poderia satisfazer as suas necessidades, e que conseguiria falar Jivremente sobre seus problemas ern uma con- versa particular corn 0 terapeuta ou com qual- quer urn dos membros do grupo. Quando pres- sionada, Betty expressou sua irrita<;ao por achar que os outros eram favorecidos no gru- po. Por exemplo, 0 grupo havia recentemente recebido bern outro membro que retomava de ferias, ao passo que 0 seu retorno das ferias havia passado despercebido pelo grupo. Alem disso, outro membro do grupo foi elogiado por dar uma importante interpreta<;ao para urn membro, ao passo que ela havia feito urn comentario semelhante algumas semanas an- tes e ninguem havia notado. Ha algum tem- po, ela tambem vinha mencionando sua in- digna<;ao crescente por ter que dividir 0 tem- po corn 0 grupo, sentindo-se impaciente quan- do precisasse esperar a sua vez e irritada sem- pre que a aten<;ao se afastava dela. Sera que Betty estava certa? Sera que a terapia de grupo era 0 tratamento errado para ela?Absolutamente nao! Essas mesmas criti- cas - que tinham raizes ern seus relacionamen- tos corn seus irmaos - nao constituem obje<;oes validas para a terapia de grupo. Pelo contra- rio, 0 formata de grupo era particularmente vaJioso para ela, pois perrnitia que a sua inveja e seu desejo por aten<;ao viessem a tona. Na terapia individual - onde os terapeutas pres- tam aten<;ao a cada palavra e preocupa<;ao do paciente e se espera que 0 individuo use todo o tempodisponivel - esses conflitos especifi- cos poderiam emergir so mente tard~ demais, ou nunca. Todavia, 0 importante nao e apenas que conflitos familiares precoces sejam revividos, mas que sejam revividos de maneira corretiva. A nova exposi<;ao sem reparo apenas torna pior uma situa<;ao que ja era ruim. Nao se deve per- mitir que padroes de relacionamento que ini- bern 0 crescimento se congelem no sistema ri- gido e impenetravel que caracteriza muitas estruturas familiares. Pelo contrario, devem-se explorar e desafiar continuamente os papeis fixos, estabelecendo regras basicas que incen- tivem a investiga<;ao de relacionamentos e 0 teste de novos comportarnentos. Para muitos membros de grupos, discutir problemas com terapeutas e outros membros do grupo tam- bern e resolver negocios inacabados de ha muito tempo. (0 grau ern que 0 trabalho com o pass ado deve ser explicito e uma questao complexa e controversa, a qual abordarei no Capitulo 5.) DESENVOLVIMENTO DE TECNICAS DE SOCIAUZA~Ao A aprendizagem social - 0 desenvolvi- mento de habilidades sociais basicas - e urn fator terapeutico que opera em todos os gru- pos de terapia, embora a natureza das habili- dades ensinadas e 0 grau ern que 0 processo e exp!icito variem muito, dependendo do tipo de terapia de grupo. Pode haver uma enfase ex- plicita no desenvolvimento de habilidades so- ciais ern, por exemplo, grupos que pr~param pacientes hospitalizados para a alta ou grupos de adolescentes. Os membros do grupo podem ter que dr<lmatizar como abordar urn possivel empregador ou convidar alguem para sair. Ern outros grupos, a aprendizagem social e mais indireta. Os membros de grupos de te- rapia dinamicos, que tern regras basicas que estimulam comentarios abertos, podem obter inforrna<;oes consideraveis sobre comportamen- tos sociais mal-adaptativos.Um membro pode, por exemplo, descobrir que tern uma tenden- cia desconcertante de evitar olhar para a pes- soa corn quem esta conversando, conhecer as impress6es dos outros sobre a sua atitude ar- rogante e orgulhosa ou uma v~riedade de ha- bitos sociais que, sem a pessoa notar, tern atra- palhado os seus relacionamentos. Para indivi- duos que nao tern relacionamentos intimos, 0 grupo muitas vezes representa a primeira opor- tunidade para urn feedback interpessoal preci- so. Muitos lamentam sua inexplicavel solidao; e a terapia de grupo proporciona uma rica opor- tunidade para que os membros aprendam so- " bre como contribuem para 0 seu proprio isola- mento e solidao. S9 Urn homem, por exemplo, que ha anos estava ciente de que os outros evitavam conta- tas sociais com ele, descobriu na terapia de grupo que a sua inclusao obsessiva de detalhes minimos e irrelevantes ern suas conversas era desconcertante. Anos depois, ele me contou que urn dos eventos mais importantes de sua vida foi quando urn membro do grupo (cujo nome ele havia esquecido ha tempos) the disse: "Quando voce fala dos seus sentimentos, gosto de voce e quero me aproximar, mas quando voce come<;a a falar de fatos e detalhes, eu quero fugir da sala!". PSICOTERAPIA DE GRUPO 35 Nao quero simplificar demais. A terapia e urn processo complexo e obviamente envolve muito mais do que 0 simples reconhecimento e a altera<;ao deliberada e consciente do comporta- mento social. Contudo, como mostrarei no Capi- tulo 3, esses ganhos sao muito mais do que bene- ficios extras, eles muitas vezes sao instrumentais nas fases iniciais da mudan<;a terapeutica. Eles perrnitem que os pacientes entendam que exis- te uma discrepancia enorme entre sua inten<;ao eo seu impacto verdadeiro sobre os outros.Y Frequentemente, membros antigos de gru- pos de terapia adquirem habilidades sociais so- fisticadas: sintonizarn-se com 0 processo (ver Capitulo 6), aprendem como responder de for- ma util aos outros, adquirem metodos de reso- lu<;ao de conflitos, sao menos provaveis de jul- gar e mais capazes de experimentar e expressar empatia. Essas habilidades ajudam esses pacien- tes em intera<;oes sociais futuras, e constituem as bases da inteligencia emocional.60 COMPORTAMENTO IMITATIVO Durante a psicoterapia individual, os pa- cientes podem sentar, caminhar, falar e ate pen- sar como seus terapeutas. Existem evidencias consideraveis de que os terapeutas influenci- am os padroes de comunica<;ao ern seus gru- pos, modelando certos comportamentos, por exemplo, revela<;6es pessoais ou apoio.61 Nos grupos, 0 processo de imita<;ao e mais difuso: os pacientes podem modelar-se a partir de as- pectos dos outros membros do grupo e do terapeuta.62 Os membros do grupo aprendem observando os outros a lidarem corn seus pro- blemas. Isso pode ser particularmente forte em grupos homogeneos que se concentram em problemas compartilhados - por exemplo, urn grupo cognitivo-comportamental que ensina estrategias a pacientes psicoticos para reduzir a intensidade de suas alucina<;6es auditivas.63 E diflcil medir a importancia do compor- tamento imitativo no processo terapeutico, mas a pesquisa social-psicologica sugere que os terapeutas podem te-lo subestimado. Bandura, que ha muito afirmou que a aprendizagem so- cial nao po de ser expJicada adequadamente 36 IRVIN D. YALOM com base no refon;o direto, demonstrou de forma experimental que a imita<;ao e uma for- <;a terapeutica efetiva.y64 Na terapia de grupo, nao e incomum que urn membro se beneficie observando a terapia de outro membro com uma constela<;ao de problemas semelhante - urn fenomeno geralmente chamado de terapia vicaria ou por espectador. 65 o comportamento imitativo geralmente desempenha urn papel mais importante nos pri- meiros estagios de urn grupo, a medida que os membros se identificam com os membros an- tigos ou com os terapeutas.66 Mesmo que 0 comportamento imitativo seja, em si, efemero, ele pode ajudar a descongelar 0 individuo 0 suficiente para que ele experimente com 0 novo comportamento, 0 que pode dar inicio a urn espiral adaptativo ever Capitulo 4). De fato, nao e incomum que, ao longo da terapia, os pacientes "experimentem" partes e aspectos de outras pessoas e os rejeitem por nao se encaixa- rem neles. Esse processo pode ter urn impacto terapeutico solido. Descobrir 0 que nao somos e progredir rumo a descobrir 0 que somos. A aprendizagem interpessoal, como eu a defino, e urn fator terapeutico amplo e com- plexo. Ela e 0 analogo na terapia degrupo de importantes fatores rerapeuticos da terapia in- dividual, como 0 insight, a resolu<;;ao da trans- ferencia e a experiencia emocional corretiva. Porem, ela tambem representa processos uni- cos do cenario "de grupo, que somente se des- dobram como resultado do trabalho especifico do terapeuta. Para definir 0 com:eito de apren- dizagem interpes'soal e descrever 0 mecanis- mo pelo qual ela medeia a mJdan<;;a terapeuti- ca no individuo, devo antes discutir tres ou- tros conceitos: 1. A importancia de relacionamentos inter- pessoais 2. A experiencia emocional corretiva 3. 0 grupo como micro cosmo social A IMPORTANCIA DE RELACIONAMENTOS INTERPESSOAIS Qualquer perspectiva pela qual se estude a sociedade humana - se examinarmos a his- toria da evolu<;;ao da humanidade ou 0 de- senvolvimento de urn unico individuo - sem- pre nos obriga a considerar 0 ser humane na matriz de seus relacionamentos interpessoais. Existem dados convincentes do estudo de pri- matas nao-humanos, culturas humanas primi- tivas e da sociedade contemporiinea de que os seres humanos sempre viveram em grupos que • • • • • • •• • Aprendizagem interpessoal se caracterizaram por relacionamentos intensos e persistentes entre os membros e que a necessi- dade de fazer parte e uma motiva<;ao poderosa, fundamental e global. l A rela<;ao interpessoal foi claramente adaptativa no sentido evolucio- nista: sem vinculos interpessoais profundos, positiv~s e reciprocos, nao seria possivel a so- brevivencia individual ou da especie. John Bowlby, a partir de seus estudos do relacionamento entre mae e mho, nao apenas concrui que 0 comportamento de apego e ne- cessario para a sobrevivencia, mas tambem que ele e essencial, intrinseco e geneticamente pro- gramado.2 Se a mae e 0 bebe forem separados, ambos experimentam uma grande ansiedade concomitante com a sua busca pelo objeto per- '. dido. Se a separa<;ao for prolongada, as con- seqiiencias para 0 bebe serao profundas. Winnicott tambem observou que: "0 bebe nao existe, 0 que existe e urn par de mae e bebe".3 Vivemos em uma "matriz relacional", segundo Mitchell: "A pessoa somente e compreensivel dentro dessa rede de relacionamentos passa- dos e presentes".4 De manejra semelhaIi.te, urn seculo atras, o grande psicologo-filosofo norte-americano William James disse: Nao apenas somos animais gregarios que gos- tarn de estar it vista de seus arnigos, como te- mos uma propensao inata a nos fazermos no- tad os, e notados de maneira favoravel, por nossa especie. Nao se poderia imaginar puni- ~ao mais cruel, se isso fosse fisicamente possi- 38 IRVIN D. Y ALDM vel, do que uma pessoa ser largada na socie- dade e ser absolutamente ignorada por todos os membros dali em diante.s De fato, as especula<;oes de James foram corroboradas muitas vezes pela pesquisa con- temporanea, que documenta a dor e as conse- qiiencias adversas da solidao. Por exemplo, existem evidencias convincentes de que a taxa de quase todas as causas de morte importan- tes e significativamente maior para os solita- rios, os solteir~s, os divorciados e os viuvos.6 o isolamento social e tanto urn fator de risco para a mortalidade precoce quanta fatores de risco fisico obvio, como 0 tabagismo e a obesi- dade.7 0 inverso tambem e verdadeiro: a co- nexao e a integra<;ao sociais tern urn impacto positiv~ sobre 0 curso de doen<;as serias, como o cancer e a AIDS. B Reconhecendo a primazia do relaciona- mento e do apego, os modelos contemporaneos da psicoterapia dinamica evoluiram de uma psi- cologia freudiana individual e baseada no im- pulso para uma psicologia relacional de duas pessoas, que coloca a experiencia interpessoal do paciente no centro da psicoterapia efetiva. YJ A psicoterapia contemporanea emprega urn "modelo relacional, segundo 0 qual se acredi- ta que a mente nasce de configura<;6es intera- cionais do self em rela<;ao aos outroS".IO Com base nas contribuic;,:6es de Harry Stack Sullivan e sua teoria interpessoal da psiquia- tria,l1 os modelos interpessoais de psicoterapia passaram a predominar.12 Embora 0 trabalho de Sullivan tenha tido importancia seminal, as gerac;,:oes contemporaneas de terapeutas rara- mente 0 leem. Em primeiro lugar, sua lingua- gem muitas vezes e obscura (embora existam excelentes interpretac;,:oes de seu trabalho em ingles simples) .13 Em segundo lugar, seu traba- Iho tanto permeou 0 pensamento psicotera- peutico contemporaneo que suas obras origi- nais parecem familiares ou obvias. Entretanto, com 0 recente foco na integra<;il.o de aborda- gens cognitivas e interpessoais na terapia indi- vidual e na terapia de grupo, ressurgiu 0 inte- resse em suas contribui<;oes.14 Kiesler de fato argumenta que 0 arcabou<;o interpessoal e 0 modele mais apropriado para que os terapeutas possam sintetizar as abordagens cognitivas, comportamentais e psicodinamicas de manei- ra significativa - e a mais abrangente das psico- terapias integrativas.yls As formula<;oes de Sullivan sao muito importantes para se entender 0 processo terapeutico de grupo. Embora uma discussao abrangente da teoria interpessoal esteja aMm dos limites deste livro, descreverei aqui alguns conceitos fundamentais. Sullivan afirma que a personalidade e quase inteiramente produto da interac;,:ao com outros seres humanos significa- tivos. A necessidade de se relacionar intima- mente com outras pessoas e tao basica quanta qualquer necessidade biologica e, a luz do pro- longado perfodo de impotencia da primeira infancia, e igualmente necessaria para a sobre- vivencia. A crian<;a em desenvolvimento, na busca por seguranc;,:a, tende a cultivar e enfatizar os tra<;os e aspectos do self que tern aprova<;ao e silenciar ou negar aqueles que sao desaprovados. Finalmente, 0 individuo desen- volve urn conceito de self com base em sua per- cepc;,:ao das avalia<;oes de outras pessoas impor- tantes. Pode-se dizer que 0 self e feito de avalia<;6es refletidas. Se elas forem principalmente ne- gativas, como no caso de uma crian,<;3 indese- jada que nunca foi amada ou de uma crian<;a que caiu nas maos de pais adotivos que nao tern interesse real nela como crian<;a; como costumo dizer, se 0 dinamismo do self for prin· cipalmente formado por experiencias negati- vas, ele facilitara. avalia<;6es depreciativas de outras pessoas e produzini avalia<;6es depre- ciativas e hostis de si mesmo.l6 . Esse processo de construir nossa auto-es- tima com base em avalia<;oes refletidas que le- mos nos olhos de pessoas importantes continua, e claro, ao longo do ciclo evolutivo. Grunebaum e Solomon, em seu estudo com adolescentes, enfatizaram que relacionamentos satisfatorios com amigos e a auto-estima sao conceitos inseparaveisY 0 mesmo e verdadeiro para os idosos - nunca ultrapassamos a necessidade de urn relacionamento significativo.IB Sullivan usava 0 termo "distorc;,:oes parata- xicas" para descrever a propensao dos indivi- duos a distorcer suas percepc;,:oes dos outros. Uma distorc;,:ao paratcixica ocorre em uma situa- c;,:ao interpessoal quando uma pessoa nao se relaciona com outra com base em atributos realistas da outra, mas com base em uma per- sonificac;,:ao que existe principalmente na fan- tasia da pessoa. Embora a distor<;ao parataxica se assemelhe ao conceito de transferencia, ela difere em duas maneiras importantes. Em pri- meiro lugar, seu alcance e mais amplo, referin- do-se nao apenas a visao distorcida de urn in- dividuo sobre 0 terapeuta, mas a todos os rela- cionamentos interpessoais (incluindo, e claro, relacionamentos distorcidos entre membros do grupo). Em segundo lugar, a teoria de origem e mais arripla: a distorc;,:ao parataxica nao se constitui apenas na simples transferencia de atitudes para com figuras do passado para re- lacionamentos contemporaneos, mas na dis- tor<;ao da realidade interpessoal em resposta a necessidades intrapessoais. Usarei os dois ter- mos de forma intercambiavel. Apesar das dife- ren<;as de origem, a' transferencia e a distor<;ao parataxica podem ser consideradas identicas . no sentido operacional. Alem disso, muitos terapeutas atualmente utilizam 0 termo "trans- ferencia" referindo-se a todas as distor<;oes in- terpessoais, em vez de confinaI:'em seu uso ao relacionamento entre 0 paciente e 0 terapeuta (ver Capitulo 7). As distor<;oes da transferencia surgem a partir de urn con junto de memorias p.£.ofunda- mente distorcidas de experiencias de interac;,:oes antigas. 19 Essas memorias contribuem para a constru<;ao de urn modele de trabalho interne que moIda os padroes de apego do individuo ao longo de sua vida.20 Esse modelo de trabalho interno, tambem conhecido como esquema,21 consiste nas crenc;,:as do individuo sobre si mes- mo, na maneira como ele entende pistas de re- lacionamentos e no comportamento interpessoal que se segue - nao apenas 0 seu, mas 0 tipo de comportamento que ele evoca em outras pes- soas.22 Por exemplo, e provavel que umajovem, ao crescer com pais depressiv~s e sobrecarrega- dos, sinta que deve manter-se conectada e ape- gada aos outros, que nao deve fazer exigencias e que deve suprimira sua independencia e su- bordinar-se as necessidades emocionais das ou- tras pessoas. Y A psicoterapia pode representar a prinleira oportunidade para rejeitar esse mapa interpessoal rigido e linIitante. PSICOTERAPIA DE GRUPO 39 As distorc;,:6es interpessoais (ou sejam, parataxicas) tendem a se autoperpetuar. Por exemplo, urn individuo com uma auto-imagem negativa e degradada pode, por proje<;§o ou desatenc;,:ao seletiva, perceber incorretamente que outra pessoa 0 trata de forma severa e 0 rejeita. AMm disso, 0 processo ocorre porque esse individuo pode gradualmente desenvol- ver maneirismos e trac;,:os comportamentais - por exemplo, servilismo, antagonismo defen- sivo ou condescendencia - que acabam fazen- do com que os outros, na realidade, sejam se- veros e 0 rejeitem. Essa seqiiencia costuma ser chamada de "profecia auto-realizavel" - 0 in- dividuo preve que os outros responderao de uma dada maneira e entao, de maneira involuntaria, se comporta de modo a fazer com que isso aconte<;a. Em outras palavras, a cau- salidade nos relacionamentos e circular, nao linear. A pesquisa interpessoal corrobora essa tese, demonstrando que as cren<;as interpes- soais do indivfduo expressam-se em compor- tamentos que tem um impacto previsfvel so- bre as outras pessoas.23 As distorc;,:oes interpessoais, na visao de Sullivan, sao principalmente modificaveis por valida<;ao consensual - ou seja, comparando- se as avalia<;oes interpessoais do indivfduo com a de outras pessoas. A valida<;ao consensual e urn conceito particularmente importante na terapia de grupo. Com uma certa freqiiencia, urn membro do grupo altera suas distor<;6es ap6s compara-las com as visoes dos outros membros sobre algum incidente importante. Isso nos traz a visao de Sullivan do pro- cesso terapeutico. Ele sugere que 0 foco ade- quado de pesquisa em saude mental e 0 estu- do de processos que ocorrem entre as pessoas ou que as envolvem.24 0 transtorno mental, ou a sintomatologia psiquiatrica em todas as suas manifesta<;6es variadas, deve ser traduzido em termos interpessoais e tratado dessa forma. 2S As psicoterapias atuais para muitos trans tor- nos enfatizam esse principio.Y 0 "transtorno mental" tambem consiste em processos inter- pessoais que sao inadequados a situac;,:ao so- cial ou excessivamente complexos porque 0 in- dividuo esta se relacionando com as outras pessoas, nao apenas como sao, mas em termos de imagens distorcidas baseadas em quem re- 40 IRVIN D. YAlOM presentam do passado. 0 comportamento interpessoal mal-adaptativo pode ser tambem definido por sua rigidez, extremismo, diston;ao, circularidade e sua aparente inescapabili- dade.26 Dessa forma, 0 tratamento psiquiatrico deve ser voltado para a corre~ao de diston;:5es interpessoais, possibilitando assim que 0 indi- viduo leve uma vida mais abundante, partid- pe e trabalhe em con junto com outras pessoas, obtenha satisfa<;ao interpessoal no contexto de reladonamentos interpessoais realistas e mu- tuamente satisfatorios: "0 individuo atinge a saude mental ate 0 nivel em que esta ciente dos proprios relacionamentos interpessoais".27 A cura psiquiMrica e a "expansao do self ate urn efeito tao decisive que 0 paciente, como ele se conhece, seja a mesma pessoa que se relaciona com os outroS".28 Embora suas cren- <;as negativas basicas sobre si mesmo nao de- sapare<;am totalmente com 0 tratamento, 0 tra- tamento efetivo gera uma capacidade de do- minio interpessoal,29 de modo que 0 paciente possa responder com urn repertorio ampliado, flexivel, empatico e mais adaptativo de com- portamentos, substituindo ciclos viciosos com ciclos construtivos. Melhorar a comunica~ao interpessoal e 0 foco de uma variedade de interven~5es psicoterapeuticas de grupos de pais e filhos que abordam transtomos de conduta e 0 compor- tamento anti-social na infancia. A falta de co- munica~ao das necessidades da crian<;a e das expectativas dos pais produz sentimentos de desamparo e falta de efetividade pessoal em crian~as e pais, levando a comportamentos de atua~ao por parte das crian<;as, bern como a respostas parentais que muitas vezes sao hos- tis, depreciativas e inadvertidamente provoca- doras.30 Nesses grupos, pais e filhos aprendem a reconhecer e corrigir cidos interpessoais mal- adaptativos, pelo uso de psicoeduca~ao, reso- lu~ao de problemas, treinamento em habilida- des interpessoais, dramatiza~ao de papeis e feedback. Essas ideias - que a terapia e amplamen- te interpessoal, tanto em seus objetivos quan- to em seus meios - sao muito pertinentes na terapia de grupo. Isso nao significa que todos ou a maioria dos pacientes que entram em uma terapia de grupo pe~am explicitamente por aju- da em seus relacionamentos interpessoais. Ain- da assim, observei que os objetivos terapeuticos dos pacientes muitas vezes passam por uma mudan~a apos algumas sess5es. Seu objetivo inicial, 0 alivio do sofrimento, e modificado e finalmente substituido por novos objetivos, geralmente de natureza interpessoal. Por exem- plo, os objetivos em buscar alivio da ansiedade ou da depressao podem ser modificados em aprender a se comunicar com os outros, ser mais confiavel e honesto com os outros, apren- der a amar. Nas terapias de grupo breves, tal- vez essa tradu~ao de preocupa~5es e aspira- <;5es dos pacientes para quest5es interpessoais deva ocorrer mais cedo, na fase de avaliac;ao e prepara~ao ever Capitulo 10).31 A mudan~ de objetivos do alivio do so- frimento para a mudan~a no funcionamento interpessoal e urn passo inicial essencial no processo terapeutico dinamico, sendo tambem importante no pensamento do terapeuta. 0 terapeuta nao pode, por exemplo, tratar a de- pressao em si: a depressao nao sugere urn ins- trumento terapeutico efetivo, uma base racio- nal para. se examinarem os relacionamentos interpessoais, que, como espero dernpnstrar, e a chave para 0 poder terapeutico do grupo de terapia. Ii necessario, em primeiro lugar, tradu- zir a depressao em termos interpessoais e entao tratar a patologia interpessoal subjacente. As- sim, 0 terapeuta traduz a depressao em suas quest5es interpessoais - por exemplo, depen- dencia pass iva, isolamento, subserviencia, in- capacidade de expressar raiva, hipersensibili- dade a separa~ao - e entao aborda essas ques- toes interpessoais na terapia. A dedara~ao de Sullivan sobre 0 proces- so geral e os objetivos da terapia individual e profundamente condizente com os objetivos da terapia de grupo interacional. Esse foco inter- pessoal e relacional e urn dos pontos fortes que definem a terapia de grupo.! A enfase em 0 paciente compreender 0 pass ado, 0 desenvol- vimento genetico de posturas interpessoais mal- adaptativas, pode ser menos crucial na terapia de grupo do que no cenario individual em que Sullivan trabalhava ever Capitulo 6). A teoria dos relacionamentos interpes- soais tomou-se uma parte tao integral do teci- do do pensamento psiquiatrico que nao preci- sa ser mais enfatizada. As pessoas necessitam de pessoas - para sua sobrevivencia inicial e continua, para a socializa~ao, para a busca da satisfa~ao. Ninguem - nem os moribundos, nem os exdufdos, nem os poderosos - transcende a necessidade de contato humano. Durante os muitos anos em que conduzi grupos de individuos com alguma forma avan- ~ada de d\.ncer,32 observei repetidamente que, diante da morte, nao tememos tanto 0 nada ou 0 nao 'ser, mas a completa solidao que os acompanha. Os pacientes terminais podem ser assombrados por preocupa~oes interpessoais - quanta a ser abandonados, por exemplo, e ate exduidos pelo mundo dos vivos. Uma mulher, por exemplo, planejou urn grande evento so- cial e descobriu na manha anterior que 0 seu cancer, ate entao"supostamente controlado, havia desenvolvido metastases. Ela manteve a informa~ao em segredo e deu a festa, todo 0 tempo com 0 horrfvel pensamento de que a dor de sua doen~a se tomaria tao insuportavel que ela se tomaria menos humana e, finalmen- te, inaceitavelpara os outros. o isolamento dos mon'bundos muitas ve- zes e uma faca de dois gumes. Os proprios pa- cientes costumam evitar as pessoas de quem mais gostam, temendo que iraQ arras tar seus familiares e amigos para 0 pantano de seu de- sespero. Assim, evitam conversas morbidas" desenvolvem uma fachada alegre e animada e guardam seus temores para si mesmos. Seus amigos e sua familia contribugm para 0 isola- mento retraindo-se, nao sabendo como falar com urn moribundo, nao querendo incomoda- 10 ou se incomodarem. Concordo com Elizabeth Kubler-Ross, quando diz que a questao nao e se, mas como contar ao paciente, de maneira aberta e honesta, sobre sua doen~a fatal. 0 paciente sempre e informado de forma dissi- mulada que esta morrendo, por meio da atitu- de e pelo afastamento dos viVOS.33 Os medicos muitas vezes aumentam 0 iso- lamento, mantendo pacientes com cancer avan- ~ado a uma distfmcia psicologica consideravel- talvez para evitar sua sensac;ao de fracasso e PSICOTERAPIA DE GRUPO 41 futilidade, talvez tambem para evitar 0 medo de sua propria morte. Eles cometem 0 erro de conduir que, afinal, nao ha nada que possam fazer. Ainda assim, do ponto de vista do pacien- te, esse e exatamente 0 momento em que 0 medico e mais necessario, nao por sua ajuda tecnica, mas pela simples presen~a humana. 0 paciente precisa fazer contato, ser capaz de tocar outras pessoas, falar abertamente de suas preocupa~5es, ser lembrado de que nao esta apenas a parte, mas que tambem faz parte. As abordagens psicoterapeuticas estao come~an do a tratar dessas quest5es especificas dos doentes terminais - seu medo do isolamento e seu desejo de manter a dignidade em seus re- lacionamentos.! Considere os individuos pros- critos - individuos considerados tao acostuma- dos com a rejei~ao que suas necessidades inter- pessoais tomaram-se quase insensiveis. Pois esses individuos tambem tern necessidades so- dais. Uma vez, tive uma experiencia em uma prisao que me proporcionou urn lembrete for- ~ado da natureza ubiqua dessa necessidade humana. Urn tecnico psiquiatrico sem forma- ~ao consultou-me a respeito de seu grupo de terapia, composto de 12 prisioneiros. Os mem- bros do grupo eram todos reincidentes, cujas agress5es variavam de abuso sexual violento de urn menor a assassinato. 0 grupo, confor- me ele se queixava, era lento e continuava se concentrando em material insignificante e ex- temo. Concordei em observar 0 grupo e sugeri que, antes, obtivessemos algumas infonna~5es sociometricas, solicitando em particular que cada membro classificasse os outros membros do grupo quanta a sua popularidade gera!. (Eu esperava que a discussao dessa tarefa induzis- se 0 grupo a voltar a aten~ao para si mesmo). Embora tivessemos planejado discutir os resul- tados antes da sessao seguinte, circunstancias inesperadas nos for~ararri a cancelar nossa reu- niao antes da sessao do grupo. Durante a proxima reuniao do grupo, 0 terapeuta, entusiasmado, mas profissionalmen- te inexperiente e insensfvel as necessidades interpessoais, anunciou que leria os resultados da pesquisa de popularidade. Ao ouvirem isso, os rnembros do grupo ficaram agitados e te- merosos. Eles deixaram claro que nao queriam 42 IRVIN D. YALOM saber os resultados. Varios membros falaram de forma tao veemente da devastadora possi- bilidade de que pudessem aparecer no final da Iista que 0 terapeuta abandonou, nipida e per- manentemente, 0 seu plano de ler a lista em voz alta. Sugeri urn plano alternativo para 0 pro- ximo encontro: cada membro indicaria aquele ctljo voto mais Ihe interessasse e depois explica- ria a sua escolha. Esse instrumento tambem foi amea~ador demais, e apenas urn ter~o dos membros aventurou-se a apresentar a sua es- colha. Entretanto, 0 grupo mudou para urn ni- vel de intera~ao e desenvolveu urn grau de ten- sao, envolvimento e alegria antes desconheci- do. Esses homens haviam recebido a mensagem de rejei~ao final da sociedade como urn todo: eles foram aprisionados, segregados e explicita- mente rotulados como proscritos. Para urn ob- servador casual, eles pareciam endurecidos, indiferentes as sutilezas da aprova<;ao e desa- prova~ao interpessoais. Mesmo assim, eles se importavam, e se importavam profundamente. A necessidade de aceita~ao e intera~o com outras pessoas nao e diferente entre pessoas no polo oposto do destino humane - aquelas que ocupam os dominios do poder, do renome ou da riqueza. Vma vez, trabalhei com uma pacien- te muito rica por tres anos. As principais ques- toes giravam_em tomo do abismo que 0 dinhei- ro criava entre ela e os outros. Sera que alguem a valorizava por si mesma, em vez de seu di- nheiro? Sera que as pessoas a estavam explo- rando? A quem ela poderia se queixar do fardo de uma fortuna de 90 milhoes de dolares? 0 segredo de sua riqueza a mantinha isolada das outras pessoas. E os presentes! 'Como poderia ela dar presentes adequados, sem que os outros se sentissem decepcionados ou impressionados? Nao ha necessidade de se perder tempo nesse assunto, a solidao dos que sao muito privilegia- dos e conhecimento comum. (A solidao, inci- dentalmente, nao e irrelevante para 0 terapeuta de grupo. No Capitulo 7, discutiremos a solidao inerente ao papel de lider do grupo.) Todo terapeuta de grupo, estou certo dis- so, ja encontrou membros que professem sen- tir indiferen<;a ou desapego pelo grupo. E1es proclamam: "Nao me importo com 0 que di- zem ou pensam. Eles nao significam nada para mim. Nao tenho respeito pelos outros mem- bros", ou palavras do tipo. Minha experiencia tern sido de que se eu puder manter esses pa- cientes no grupo por tempo suficiente, seus de- sejos por contato inevitavelmente acabarao vin- do a tona. Eles se preocupam com 0 grupo em urn nfvel muito profundo. Vma participante que manteve sua postura indiferente por muitos meses foi convidada a contar 0 seu segredo para o grupo, a questao que ela mais desejasse co- locar diante do grupo. Para perplexidade de to dos, essa mulher aparentemente distante e desapegada colocou a seguinte questao: "Como voces conseguem me agiientar?" Muitos pacientes esperam pelas reunioes com muita avidez ou ansiedade. Alguns tam- bern se sentem abalados demais para conse- guirem voltar para casa dirigindo ou dormir naquela noite. Muitos tern conversas imagina- rias com 0 grupo durante a semana. Alem dis- so, esse envolvimento com outros membros costuma ser prolongado. Conhe~o muitos pa- cientes que pensam e sonham com 0 grupo por meses, ate anos, apos 0 grupo ter acabado. Resumindo, as pessoas nao se sentem in- diferentes para com os outros membros do gru- po por muito tempo. E os pacientes nao aban- donam grupos de terapia porque estao,entedia- dos. Acredite em desprezo, raiva, medo, falta de estimulo, vergonha, panico, odio! Acredite em qualquer uma dessas op~oes, mas nunca acredite em indiferen~a! Em sintese, revisei alguns aspectos do desenvolvimento da personalidade, do funcio- namento maduro, do psicopatologia e do trata- mento psiquiatrico do ponto de vista da teo ria interpessoal. Muitas das questoes que levantei tern uma influencia vital no processo terapeu- tico da terapia de grupo: 0 conceito de que a doen<;a mental emana de relacionamentos in- terpessoais perturbados, 0 papel da vaJida<;ao consensual na modifica~ao de distor<;oes inter- pessoais, a defini<;ao do processo terapeutico como uma modifica<;ao adaptativa para relacio- namentos interpessoais, e a natureza duradou- ra e a for<;a das necessidades sociais dos seres humanos. Voltemo-nos agora para a experien- cia emocional corretiva, 0 segundo dos tres con- ceitos necessarios para se compreender 0 fator terapeutico da aprendizagem interpessoal. A EXPERIENCIA EMOCIONAL CORRETIVA Em 1946, Franz Alexander, ao descrever o mecanisme da cura psicanalitica, introduziu o conceito da "experiencia emocional correti- va". 0 principio basico do tratamento, disse, "e expor 0 paciente, sob circunstancias mais favoraveis,