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Resenha - Direitos Humanos, Educação e Interculturalidade - As tensões entre igualdade e diferença O texto apresentado se inicia com a autora nos trazendo a problemática da igualdade e dos direitos humanos em um mundo denotado por um neoliberalismo excludente assim como questões relativas a um multiculturalismo em face de uma mundialização com caráter monocultural. Candou nos mostra que os direitos humanos como conhecemos são uma construção da modernidade, e que estão profundamente impregnados com os processos, valores e afirmações que a sociedade afirma e continua nos instigando a realizar, afirmando que pontos como justiça, redistribuição, superação das desigualdades e democratização das oportunidades e o reconhecimento de diferentes grupos culturais ampliam a visão individualista, política e social dos direitos humanos, trazendo para o debate as questões acerca dos direitos coletivos, ambientais e culturais. Desse modo, a autora diz que essa visão, pela ótica de muitos pesquisadores está em crise, pois o contexto da globalização acelerada aliada às novas tecnologias e uma construção nova da subjetividade e mentalidade humana, acabou por mudar o foco da igualdade da humanidade em relação às sua origens para a diferença essencial entre os seres humanos. Não de modo que neguemos a igualdade entre todos, mas que cada um possa afirmar suas diferenças. Utilizando a pesquisa de Santos (2006), Candou reafirma que diante da crise sobre os direitos humanos, que na visão do autor citado, apresenta uma forte tendência européia devido ao expansionismo europeu, que se via como portador da luz e da civilização, não sendo de fato cosmopolita e para que seja feito de forma a englobar as novas visões de mundo, deve-se ressignificar o próprio sentido dos direitos humanos. Para isso, Santos (2006) nos apresenta cinco fatores necessários para uma ressignificação dos direitos humanos, sendo eles: 1 - A superação do debate entre o universalismo e relativismo cultural, ou seja, superar a visão ultrapassada em que uma cultura se impõe sobre a outra como dominante e correta, assim como a visão em que todas as culturas são relativas e completas, negando o fato que tem de ser haver um diálogo sobre preocupações convergentes, ainda que expressas a partir de diversos universos culturais. 2 - Enxergar que todas as culturas possuem concepções da dignidade humana, mesmo que não explicitadas como direitos humanos e que temos que ter a sensibilidade para descobrir em cada microcosmo sociocultural sua ideia de dignidade. 3 - Devemos também assimilar que todas as culturas são incompletas e problemáticas nas concepções de dignidade humana, desenvolvendo a ideia de que não devemos trabalhar a cultura como algo único e universalizado, mas sim que há uma necessidade de interação entre todas elas, pois somente assim poderemos construir de fato uma visão emancipatória e multicultural dos direitos humanos. 4 - Entender que nenhuma cultura é monolítica e apresentam versões diferentes sobre a dignidade humana, algumas com maiores aberturas a outras culturas do que outras, pois os grupos culturais não são homogêneos e padronizados, mas devemos potencializar aquelas que apresentam maior abertura e diálogo de maneira geral. 5 - E por fim, que todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais em dois princípios competitivos, o princípio da igualdade e o princípio da diferença, sendo este último situado no âmago dos debates sobre a ressignificação dos direitos humanos. Assim Santos (2006) nos diz que devemos afirmar nossas diferenças na igualdade, o autor chama esta visão de novo imperativo transcultural, onde “temos os direito direito a ser iguais, sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”. No tópico seguinte, a autora nos traz as diferentes abordagens do multiculturalismo, neste ponto duas abordagens são fundamentais aqui: a descritiva e a prescritiva. As configurações multiculturais dependem de cada contexto particular, sendo enfatizadas, na abordagem descritiva, a descrição e compreensão de sua construção. Já a abordagem prescritiva, entende o multiculturalismo “não simplesmente como um dado da realidade, mas como uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social”. Ou seja, para esta perspectiva, existem parâmetros para a construção de uma sociedade multicultural, sendo necessárias políticas públicas que caminhem nesta direção, além de uma distinção clara entre as diversas concepções que podem inspirá-la: multiculturalismo assimilacionista, multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo, ou interculturalidade. As duas primeiras são as mais comuns, quase sempre convivendo de maneira tensa e conflitiva. Temos no multiculturalismo assimilacionista, um sistema onde nem todos têm as mesmas oportunidades e acesso aos direitos fundamentais, favorecendo assim a integração geral, todavia visa uma incorporação dos grupos marginalizados à cultura hegemônica já dominante. Desse modo, não há alterações na matriz da sociedade, e “um pré-requisito para juntar-se à turma é desnudar-se, desracializar-se, e despir-se de sua própria cultura”. Já a segunda concepção abordada, o multiculturalismo diferencialista, propõe colocar ênfase no reconhecimento da diferença, garantindo, inclusive, espaços para sua expressão. Este ponto de vista pode, no entanto, representar também uma visão estática e essencialista da formação das identidades culturais, terminando por favorecer a criação de apartheids socioculturais. Candou no entanto, se põe em uma terceira abordagem, a intercultural, um multiculturalismo aberto e interativo, articulando políticas de igualdade com políticas de identidade e onde as culturas são percebidas em contínuo processo de elaboração e construção. Esta abordagem busca promover a interrelação entre os diferentes grupos presentes, divergindo do essencialismo, ao evitar fixar indivíduos num determinado padrão cultural. A autora continua nos apresentando algumas das características da interculturalidade, sendo a primeira explicitada a inter-relação entre diferentes grupos culturais em uma determinada sociedade, confrontando as visões diferencialistas que favorecem um processo radical de afirmação cultural assim como também confronta as ideias assimilacionistas que não apresenta um grande valor para a diversidade cultural. Outro ponto importante que Candou destaca é o processo de hibridização cultural, cada vez mais intenso e mobilizadores de construções de identidades abertas, rompendo com a visão de cultura como algo puro, assim como é necessário entendermos que as relações culturais não se apresentam de forma romântica, sendo marcada por relações de poder e subjugação de diversos grupos. Em contrapartida, nos é mostrado que trabalhar com este conceito de interculturalidade não é algo simples, Candou neste artigo em questão, tenta identificar os desafios a serem superados para alcançar de forma uma educação intercultural. O primeiro ponto apresentado é a desconstrução, sendo necessário entendermos os preconceitos e discriminações que permeiam a maioria das relações humanas, para que possamos selecionar e justificar os conteúdos escolares. No segundo ponto se refere a articulação entre a igualdade e diferenças no nível de políticas educativas, assim como das práticas pedagógicas, essa articulação supõe o reconhecimento e a valorização das diferenças culturais, dos diversos saberes e práticas e a afirmação de sua relação com o direito à educação de todos. Devemos então reconstruir o que consideramos “‘comum” a todos, garantindo que nele os diferentes sujeitos socioculturais se reconheçam, assegurando que a igualdade se explicite nas diferenças que são assumidas como referência comum, rompendo, dessa forma, com o caráter monocultural da cultura escolar. Quanto ao terceiro ponto, ele nos mostra o resgate dos processos de construção das identidades culturais, tanto no nívelpessoal como coletivo, sendo de extrema importância que histórias pessoais e coletivas possam ser compartilhadas no meio escolar, com ênfase nos aspectos relativos a hibridização cultural e formação da identidade. Por último, o quarto ponto tem como eixo fundamental promover experiências de interação sistemática com o próximo, de modo que sejamos capazes de relativizar nossa própria maneira de nos situarmos diante do mundo e atribuir sentido a ele. Concluindo, podemos perceber que a ressignificação dos direitos humanos é uma tarefa complexa quando analisamos de forma a inserir o conceito real de interculturalidade, mas extremamente necessária nos dias atuais em que temos um mundo cada vez mais próximo de nós, sendo preciso expandir nossos próprios conceitos a respeito do que é cultura e como enxergá-la em uma sociedade plural.
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