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Objetivos 1. Caracterizar a hepatopatia crônica – utilizando o modelo da Cirrose, descrevendo: REFERÊNCIA: Tratado de Gastroenterologia A cirrose representa a via final comum de uma lesão hepática crônica e persistente em indivíduo geneticamente predisposto e que, independentemente da etiologia, acarretará fibrose e formação nodular difusas, com consequente desorganização da arquitetura lobular e vascular do órgão. Dessa maneira, a composição da matriz extracelular e a estrutura do fígado cirrótico são as mesmas, quer a lesão tenha sido causada por álcool, vírus, doença genética ou metabólica. REFERÊNCIA: Cecil Definição: A cirrose, que pode ser o estádio final de qualquer doença hepática crônica, é um processo difuso caracterizado por fibrose e pela conversão do parênquima normal em nódulos estruturalmente anormais. Esses nódulos regenerativos perdem a organização lobular normal e são circundados por tecido fibroso. O processo envolve o fígado de uma forma geral e é essencialmente irreversível. Embora a cirrose seja histopatologicamente um diagnóstico de “tudo ou nada”, ironicamente ela pode ser classificada como compensada ou descompensada. A cirrose descompensada é definida pela presença de ascite, sangramento/hemorragia varicosa, encefalopatia hepática ou icterícia, que são complicações resultantes das principais consequências da cirrose: hipertensão portal e insuficiência hepática. REFERÊNCIA: Harrison A cirrose é uma condição definida por sua histopatologia e que tem ampla variedade de manifestações clínicas e complicações, algumas delas podendo ameaçar a vida. No passado, acreditava-se que a cirrose não era reversível; contudo, ficou claro que, quando o insulto subjacente que causou a cirrose é removido, pode haver reversão da fibrose. Isso é mais evidente no tratamento bem-sucedido da hepatite C crônica; no entanto, a reversão da fibrose também é observada em pacientes com hemocromatose cujo tratamento foi bem-sucedido, assim como em pacientes com hepatopatia alcoólica que cessaram o uso de álcool. A, Imagem macroscópica de um fígado normal com superfície lisa e textura homogênea. B, microscopicamente, os sinusoides hepáticos estão organizados e as estruturas vasculares estão distribuídas normalmente. C, Imagem macroscópica de um fígado cirrótico. O fígado apresenta uma coloração amarelo-alaranjada com superfície irregular e textura nodular. D, microscopicamente, o parênquima está desorganizado e existem nódulos regenerativos circundados por tecido fibroso. Independentemente da causa da cirrose, as características patológicas consistem no desenvolvimento de fibrose até o ponto em que se observa distorção arquitetônica com formação de nódulos regenerativos. Isso resulta na diminuição da massa hepatocelular e, portanto, em sua função, assim como em uma alteração do fluxo sanguíneo. A indução da fibrose ocorre com a ativação de células estreladas hepáticas, resultando na formação de maior quantidade de colágeno e outros componentes da matriz extracelular. • ETIOLOGIA, HÁBITOS DE VIDA REFERÊNCIA: Tratado de Gastroenterologia Em decorrência dos avanços sorológicos e imunohistoquímicos, a cirrose tem sido classificada de acordo com sua etiologia. A antiga classificação morfológica em micronodular e macronodular (de acordo com o tamanho dos nódulos de regeneração e com a distribuição do tecido fibroso), embora ainda empregada por alguns, não auxilia na compreensão etiopatogênica da doença. Os principais agentes etiológicos causadores da cirrose podem ser classificados como: → Metabólicos: decorrentes de erros congênitos ou adquiridos do metabolismo e que acometem crianças ou adultos jovens, como na galactosemia, na tirosinemia, na doença de Wilson, ou pacientes de idade mais avançada, como na hemocromatose, deficiência de alfa 1-antitripsina e esteato-hepatite não alcoólica, entre outras. → Virais: ocasionadas pelos vírus B (associado ou não ao vírus D ou Delta) ou C da hepatite. → Alcoólico: principal agente etiológico entre pacientes adultos. Ocorre após período médio de 5 a 10 anos de ingestão de quantidade diária superior a 80 g de etanol para os homens e 60 g para as mulheres. → Induzida por fármacos: como metotrexato, isoniazida, oxifenisatina e alfametildopa, entre outras. → Autoimune: consequente à evolução da hepatite ou da colangiopatia autoimune, caracteristicamente afetando mulheres em idade jovem ou na pós-menopausa, com fenômenos autoimunes concomitantes. Atualmente, existem, pelo menos, três tipos de hepatite autoimune (HAI) bem caracterizados que podem ocasionar cirrose. → Biliares: enquanto a cirrose biliar primária representa entidade clínica definida, a cirrose biliar secundária é o processo final de doenças crônicas que acometem a árvore biliar com colangites de repetição, como na colangite esclerosante e na obstrução das vias biliares. → Obstrução do fluxo venoso hepático: causa anóxia congestiva do fígado, como ocorre na síndrome de Budd-Chiari, na doença veno-oclusiva e na pericardite constritiva. → Criptogênicas: a despeito de todo o progresso na identificação etiológica das cirroses, em torno de 5 a 10% delas permanecem com a etiologia indeterminada em todo o mundo. REFERÊNCIA: Harrison As complicações da cirrose são essencialmente as mesmas, independentemente da etiologia. No entanto, é útil classificar os pacientes em conformidade com a causa da doença hepática; os pacientes podem ser divididos em amplos grupos com cirrose alcoólica, cirrose decorrente de hepatite viral crônica, cirrose biliar e outras causas menos comuns, como cirrose cardíaca, cirrose criptogênica e outras. CIRROSE ALCOÓLICA: O uso crônico e excessivo de álcool pode causar vários tipos diferentes de hepatopatia crônica, incluindo esteatose hepática alcoólica, hepatite alcoólica e cirrose alcoólica. Além disso, a ingestão de quantidades excessivas de álcool pode contribuir para danos hepáticos em pacientes com outras hepatopatias como hepatite C e hemocromatose e esteatose hepática relacionada com a obesidade. A ingestão crônica de álcool pode produzir fibrose na ausência de inflamação associada e/ou necrose concomitante. A fibrose pode ser centrolobular, pericelular ou periportal. Quando a fibrose alcança um determinado grau, ocorre ruptura da arquitetura normal do fígado e substituição de células hepáticas por nódulos regenerativos. Na cirrose alcoólica, os nódulos têm em geral um diâmetro REFERÊNCIA: Cecil Qualquer doença hepática crônica pode evoluir para cirrose. A hepatite viral tipo C e a doença hepática alcoólica são as causas mais comuns de cirrose, seguidas pela doença hepática gordurosa não alcoólica e pela hepatite B crônica. No entanto, existem muitas outras causas de cirrose, que incluem doenças hepáticas autoimunes e colestáticas, como a cirrose biliar, colangite esclerosante primária, hepatites autoimunes e doenças metabólicas como a hemocromatose, doença de Wilson e deficiência de α1 -antitripsina. Quando todas as causas foram investigadas e descartadas, a cirrose é considerada como “criptogênica”. Acredita-se, atualmente, que muitos casos de cirrose criptogênica se devam à doença hepática gordurosa não alcoólica. • QUADRO CLINICO REFERÊNCIA: Harrison O diagnóstico de hepatopatia alcoólica exige uma anamnese minuciosa acerca tanto da duração quanto da quantidade de álcool consumida. Ospacientes com hepatopatia alcoólica podem apresentar-se com sintomas inespecíficos, como dor abdominal imprecisa no quadrante superior direito, febre, náuseas e vômitos, diarreia, anorexia e mal-estar. Alternativamente, podem apresentar-se com complicações mais específicas da hepatopatia crônica, incluindo ascite, edema ou hemorragia gastrintestinal (GI) alta. Muitos casos são reconhecidos incidentalmente por ocasião da necropsia ou de umacirurgia eletiva. As outras manifestações clínicas incluem o surgimento de icterícia ou encefalopatia. O início súbito de qualquer uma dessas complicações pode ser o primeiro evento que leva o paciente a procurar assistência médica. Outros pacientes podem ser identificados no transcorrer de uma avaliação de exames laboratoriais de rotina que se revelam anormais. Ao exame físico, o fígado e o baço podem estar aumentados de volume, com a borda do fígado sendo resistente e nodular. Outros achados frequentes incluem icterícia das escleróticas, eritema palmar (Fig. 365.1), angiomas aracniformes (Fig. 365.2), aumento de volume das parótidas, baqueteamento digital, atrofia muscular ou surgimento de edema e ascite. Os homens podem evidenciar redução dos pelos corporais e ginecomastia, assim como atrofia testicular, que pode ser consequência de anormalidades hormonais ou um efeito tóxico direto do álcool sobre os testículos. Nas mulheres com cirrose alcoólica em fase avançada, costumam ocorrer irregularidades menstruais, e algumas delas podem ter amenorreia. Com frequência, essas mudanças são reversíveis após a cessação do uso de álcool. Os exames de laboratório podem ser completamente normais nos pacientes com cirrose alcoólica inicial compensada. Já na hepatopatia avançada costumam existir muitas anormalidades. Os pacientes podem ser anêmicos seja em razão de perda sanguínea crônica por meio do trato GI, deficiências nutricionais ou hiperesplenismo relacionado com a hipertensão portal, ou como efeito supressivo direto do álcool sobre a medula óssea. Uma forma ímpar de anemia hemolítica (com hemácias espiculadas e acantócitos), denominada síndrome de Zieve, pode ocorrer nos pacientes com hepatite alcoólica grave. Com frequência, as contagens de plaquetas são reduzidas no início da doença, como um reflexo da hipertensão portal com hiperesplenismo. A bilirrubina sérica total pode ser normal ou estar elevada na doença em fase avançada. Existe muitas vezes uma ligeira elevação da bilirrubina direta nos pacientes com bilirrubina total normal, porém essa anormalidade progride com o agravamento da doença. Os tempos de protrombina são com frequência prolongados e, em geral, não respondem à administração de vitamina K parenteral. Os níveis séricos de sódio costumam estar normais, a não ser quando os pacientes apresentam ascite e, a seguir, podem ficar reduzidos, essencialmente em função da ingestão de quantidades excessivas de água pura. A alanina e a aspartato aminotransferases séricas (ALT, AST) estão elevadas, sobretudo nos pacientes que continuam a beber, com os níveis de AST sendo mais altos do que os níveis de ALT, habitualmente em uma relação de 2:1. REFERÊNCIA: Tratado de Gastroenterologia O diagnóstico da cirrose pode ser feito a partir das manifestações clínicas da doença, como icterícia, hemorragia digestiva e encefalopatia. Em alguns casos, ele é obtido em consequência do acompanhamento da doença de base (hepatite crônica viral, doença metabólica, alcoolismo etc.), mas, na maioria dos casos (cerca de 45%, em nossa casuística), o diagnóstico acaba sendo feito por exame clínico ou complementar solicitado em decorrência de sintoma não relacionado à hepatopatia. É o caso da elevação das aminotransferases séricas ou plaquetopenia, em exames rotineiros, do encontro de varizes esofágicas em endoscopia realizada para investigação dispéptica ou, ainda, do achado de sinais de hepatopatia em exame ultrassonográfco ou tomográfco, solicitados para investigação de outras lesões abdominais ou na propedêutica de dor abdominal. A julgar por alguns estudos de necrópsia, é possível que um contingente desconhecido desses pacientes possa ir a óbito sem que o diagnóstico tenha sido feito em vida. De acordo com as formas clínicas de apresentação, os pacientes cirróticos podem ser classificados em compensados ou descompensados (presença de ascite, encefalopatia e/ou icterícia) ou, ainda, por meio de critérios clínicos e laboratoriais. REFERÊNCIA: Cecil As manifestações clínicas da cirrose variam amplamente, dependendo do estádio da mesma, de um paciente assintomático sem sinais de doença hepática crônica a um paciente que se apresenta confuso e ictérico com emaciação muscular grave e ascite. A história natural da cirrose é caracterizada por uma fase inicial, denominada cirrose compensada, seguida por uma fase progressiva rápida marcada pelo desenvolvimento de complicações da hipertensão portal ou disfunção e hepática (ou ambas), denominada cirrose descompensada. Na fase descompensada, a pressão portal pode estar normal ou abaixo do nível limiar identificado para o desenvolvimento de varizes ou ascite. À medida que a doença progride, a pressão portal aumenta e a função hepática diminui, o que resulta, consequentemente, no desenvolvimento da ascite, sangramento gastrointestinal, encefalopatia e icterícia. O desenvolvimento de qualquer uma dessas complicações caracteriza a transição da fase compensada para a fase descompensada. A progressão para a morte pode ser acelerada em decorrência do desenvolvimento de outras complicações, como sangramento gastrointestinal recorrente, insuficiência renal (ascite refratária, síndrome hepatorrenal), síndrome hepatopulmonar e sepse (peritonite bacteriana espontânea). O desenvolvimento de carcinoma hepatocelular pode acelerar o curso da doença em qualquer estádio. A transição do estádio compensado para o descompensado ocorre em uma taxa de 5% a 7% por ano. A média de tempo para a descompensação, o tempo no qual metade dos pacientes com cirrose compensada torna-se descompensada, é de cerca de seis anos. CIRROSE COMPENSADA: Neste estádio, a cirrose é geralmente assintomática e é diagnosticada durante a avaliação da doença hepática crônica ou fortuitamente durante exame físico de rotina, testes bioquímicos, imageamento por outras razões, endoscopia mostrando varizes gastroesofágicas, ou cirurgia abdominal na qual o fígado nodular é detectado. Fadiga inespecífica, libido diminuída ou distúrbios do sono podem ser as únicas queixas. Cerca de 40% dos pacientes com cirrose compensada possuem varizes esofágicas. Varizes gastroesofágicas não hemorrágicas são assintomáticas e sua presença (sem sangramento) não denota descompensação. CIRROSE DESCOMPENSADA: Neste estádio, há sinais de descompensação: ascite, varizes hemorrágicas, icterícia, encefalopatia hepática ou qualquer combinação desses achados. A ascite, que é o sinal mais frequente de descompensação, está presente em 80% dos pacientes com cirrose descompensada. Hemorragia Varicosa: As varizes gastroesofágicas estão presentes em aproximadamente 50% dos pacientes com cirrose diagnosticada recentemente. A prevalência das varizes correlaciona-se à gravidade da doença hepática e varia de 40% em pacientes cirróticos Child A (Tabela 156-2) a 85% em pacientes Child C. Tanto o desenvolvimento como o crescimento de pequenas varizes ocorrem em uma proporção de 7% a 8% por ano. A incidência do primeiro episódio de hemorragia varicosa em pacientes com varizes pequenas é de cerca de 5% por ano, enquanto o sangramento de varizes médias e grandes ocorre em uma taxa de aproximadamente 15% por ano. As varizes grandes, a doença hepática grave e a presença de vergões vermelhos nas varizes são preditores independentes de hemorragia varicosa. O sangramento das varizes gastroesofágicas pode manifestar-se como uma hematêmese evidente ou melena, ou ambos. Ascite e Síndrome Hepatorrenal: A ascite é a causa mais comum de descompensação na cirrose e ocorre em uma proporção de 7% a 10% por ano. Os sintomas mais geralmente associados à ascite são circunferência abdominal aumentada — que é comumente descrita pelos pacientes como aumento da cintura ou que as roupas estão apertadas ao redor da cintura — e ganho de peso recente. A ascite pode ser identificadano exame físico, quando presente em quantidades pequenas ou moderadas, por um flanco protuberante, flanco macio e macicez móvel. A síndrome hepatorrenal é um tipo de lesão renal pré-renal que ocorre em pacientes com cirrose e ascite. Ela se divide em dois tipos com base em características clínicas e prognóstico. Síndrome hepatorrenal tipo 1 é uma lesão renal aguda rapidamente progressiva na qual o aumento da creatinina sérica ocorre dentro de um período de duas semanas. A síndrome hepatorrenal tipo 2 progride mais lentamente e está associada à ascite, que é refratária a diuréticos. Os pacientes com a síndrome hepatorrenal geralmente possuem ascite tensa que responde pouco aos diuréticos, mas nenhum sintoma ou sinal típico dessa entidade. Peritonite Bacteriana Espontânea: Cerca de um terço dos pacientes cirróticos são hospitalizados em decorrência de infecções bacterianas, ou as adquirem durante esta fase, das quais a mais comum é a peritonite bacteriana espontânea. Os dois preditores mais comuns do desenvolvimento de infecção bacteriana são a gravidade da doença hepática e o risco de hemorragia gastrointestinal. As manifestações clínicas mais frequentes da peritonite bacteriana espontânea são febre, icterícia e dor abdominal. No exame físico normalmente identifica-se dor abdominal, com ou sem piora à descompressão, ou ileal (ou ambos). No entanto, pacientes com peritonite bacteriana espontânea podem ter apenas encefalopatia, insuficiência renal aguda ou evidência de choque. Até um terço dos pacientes pode ser totalmente assintomático. Encefalopatia Hepática: A encefalopatia hepática, que é uma manifestação neuropsiquiátrica da cirrose, ocorre em uma proporção de aproximadamente 2% a 3% por ano. A encefalopatia hepática associada à cirrose é de início gradual e raramente fatal. Clinicamente, ela é caracterizada por alterações na consciência com variação comportamental de inversão do padrão de sono-vigília e transtornos de memória (estádio 1); confusão, comportamento bizarro e desorientação (estádio 2); letargia e desorientação profunda (estádio 3); coma (estádio 4). No exame físico, os estágios iniciais podem demonstrar somente um tremor distal, mas a marca registrada da encefalopatia hepática é a presença de asterixe. Além disso, os pacientes com encefalopatia hepática podem apresentar hálito com odor adocicado, uma característica denominada fetor hepaticus. Complicações Pulmonares: A síndrome hepatopulmonar está associada à dispneia de esforço, que pode levar à debilitação extrema. Pode-se observar no exame físico baqueteamento digital, cianose e aranhas vasculares. A síndrome hepatopulmonar está presente em aproximadamente 5% a 10% dos pacientes que esperam por transplante. Hipertensão portopulmonar manifesta-se com dispneia por esforço, síncope e dor torácica. No exame, acentuação da segunda bulha cardíaca e dilatação do ventrículo direito são proeminentes. REFERÊNCIA: MEDCURSO • DIAGNÓSTICO REFERÊNCIA: Tratado de Gastroenterologia O diagnóstico da cirrose é, antes de tudo, anatomopatológico; por esse motivo, a forma mais correta de fazê-lo seria por meio da biópsia do fígado, com agulha. Entretanto, em decorrência das alterações da coagulação que esses pacientes apresentam e pelas alterações vasculares hepáticas e peri-hepáticas, há elevado risco de complicações desse procedimento. Em vários pacientes, por outro lado, as alterações encontradas ao exame físico (como hepatoesplenomegalia, com fígado nodular, sinais periféricos de insuficiência hepática e/ou no exame de imagem (alteração da ecogenicidade e retração do parênquima com superfície nodular e os sinais de hipertensão portal) e exame endoscópico (varizes esofagogástricas) tornam a biópsia desnecessária e eticamente questionável. Nesses casos, apenas uma dúvida etiológica poderia justificar o emprego de uma biópsia por via laparoscópica ou transjugular. Em função dos riscos da biópsia, vários marcadores não invasivos têm sido empregados no estudo dos pacientes hepatopatas, e é exatamente nos cirróticos que eles têm encontrado sua melhor aplicação. MARCADORES NÃO INVASIVOS DE FIBROSE HEPÁTICA Existem dois tipos básicos de marcador de fibrose: → Biomarcadores diretos: aqueles envolvidos com a síntese e a degradação da matriz extra celular, como ácido hialurônico, pró-colágeno tipo III, metaloproteases etc. → Biomarcadores indiretos: compostos por parâmetros não diretamente relacionados à matriz, mas que refletem as alterações bioquímicas da fibrose, como os níveis de AST, ALT, bilirrubinas, proteínas e contagem de plaquetas. Utilizando vários modelos estatísticos e algoritmos matemáticos, esses parâmetros são selecionados, a partir de sua atuação na identificação, no estadiamento e na capacidade de graduação da fibrose hepática, podendo ser agrupados na forma de índices. Entre os marcadores diretos, os mais utilizados no estudo da fibrose hepática são: → colágenos: propeptídeo N-terminal do procolágeno tipo III (PIIINP) e o colágeno tipo IV; → glicoproteínas: laminina e fibronectina; → glicosaminoglicano; ácido hialurônico (AH); → proteínas envolvidas na degradação da matriz (TIMPs e metaloproteinases). Esses marcadores não são utilizados na prática médica. Os melhores resultados foram obtidos com a determinação sérica do ácido hialurônico. Trata-se de um glicosaminoglicano sintetizado principalmente pela célula estrelada e degradado pelas células endoteliais dos sinusóides hepáticos. Essa especificidade hepática de seu metabolismo provavelmente explica os resultados obtidos. Com a lesão cirrótica e a colagenização dos sinusóides, sua depuração hepática pelas células endoteliais fica comprometida. Novos métodos de imagem acoplados à ressonância magnética (RM) estão em desenvolvimento no estudo da fibrose hepática, como a elastografia por RM e a RM por difusão. A elastografia por RM teria a vantagem de avaliar a elasticidade de todo o parênquima hepático, e não de apenas uma área do fígado, como com os outros métodos de elastografia. REFERÊNCIA: Cecil O diagnóstico da cirrose deve ser considerado em qualquer paciente com doença hepática crônica. Em pacientes assintomáticos com cirrose compensada, os sinais típicos da cirrose podem não estar presentes e, para realização do diagnóstico, geralmente pode ser necessária uma confirmação histopatológica por meio da biópsia hepática, que é o “padrão-ouro” para o diagnóstico. No entanto, em pacientes com sintomas e sinais de doença hepática crônica, a presença da cirrose pode, muitas vezes, ser confirmada com exames por imagem não invasivos, sem a necessidade da biópsia hepática. Exame Físico: No exame físico, o sinal de cirrose consiste em atrofia muscular envolvendo principalmente as regiões musculares bitemporais e as eminências tenar e hipotenar; aranhas vasculares, mais habitualmente no tronco, face e membros superiores; e eritema palmar envolvendo as eminências tenar e hipotenar e as pontas dos dedos. Embora a atrofia muscular seja uma marca de insuficiência hepática, angiomas aracnóideos e eritema palmar são marcas de vasodilatação e circulação hiperdinâmica. Os homens podem ter perda de cabelo no peito e abdome, ginecomastia e atrofia testicular. Petéquias e equimoses podem estar presentes como resultado da trombocitopenia ou tempo de protrombina prolongado. A contratura de Dupuytren, que é um espessamento da fáscia palmar, ocorre mais comumente na cirrose alcoólica. Uma característica patognomônica da cirrose é o achado no exame físico de um lobo hepático direito menor, com extensão de menos de 7 cm na percussão, e o lobo esquerdo palpável, nodular, com consistência mais densa. A esplenomegalia também pode estar presente e é indicativa de hipertensão portal. A circulação colateral na parede abdominal (caput medusae ou cabeça de medusa) também pode desenvolver-se como consequência da hipertensãoportal. A ausência de qualquer achado físico anteriormente mencionado não exclui a cirrose. Testes Laboratoriais: Os resultados de testes laboratoriais sugestivos de cirrose abrangem desde níveis séricos de albumina ou bilirrubina anormais, bem como elevação do “índice de normalização internacional” (INR). O achado laboratorial mais sensível e específico sugestivo de cirrose no conjunto das doenças hepáticas crônicas é a contagem baixa de plaquetas (<150.000/mm3), que ocorre como resultado da hipertensão portal e hiperesplenismo. Outros marcadores séricos que ficam muitas vezes anormais incluem os níveis de aspartato aminotransferase, γ-glutamil transpeptidase, ácido hialurônico, α2- macroglobulina, haptoglobina, inibidor da metaloproteinase de tecido I e apolipoproteína A. Embora tenham sido feitas tentativas de utilizar combinações de tais marcadores para predizer a presença de cirrose, nenhum deles tem sensibilidade e especificidade suficientes para ser útil clinicamente. Estudo de Imagens: Os exames por imagem confirmatórios incluem a tomografia computadorizada, o ultrassom e a ressonância magnética. Os achados compatíveis com cirrose consistem em contorno hepático nodular, fígado diminuído com ou sem hipertrofia do lobo caudado ou esquerdo, esplenomegalia e, em particular, a identificação de vasos colaterais intraabdominais indicativos de hipertensão portal. Elastografia transitória, uma nova técnica não invasiva com base na propagação de ondas de ultrassom, mede a rigidez do fígado e parece ser útil no diagnóstico de cirrose. Achados típicos em qualquer desses estudos de imagem, juntamente com um quadro clínico compatível, são indicativos da presença de cirrose. Uma biópsia do fígado, então, não seria necessária, a menos que o grau de inflamação ou outras características requeiram investigação. Na cirrose descompensada, a detecção de ascite, sangramento varicoso ou encefalopatia em um quadro de doença hepática crônica essencialmente estabelece o diagnóstico de cirrose; uma biópsia hepática não é necessária para estabelecer o diagnóstico. Os pacientes com cirrose descompensada frequentemente exibem desnutrição, emaciação muscular grave, numerosas aranhas vasculares, hipotensão arterial e taquicardia resultantes do estado circulatório hiperdinâmico. Medição da Pressão Portal: As medições diretas da pressão portal implicam a cateterização da veia porta, são incômodas e podem estar associadas a complicações. A cateterização da veia hepática com a medição da pressão encunhada e livre é um método mais simples, mais seguro, reprodutível e mais amplamente utilizado para medir indiretamente a pressão portal. As medidas da pressão portal são expressadas como um gradiente de pressão venosa hepática: a diferença entre de valores de pressão entre a pressão venosa hepática ocluída, que é a medida da pressão sinusoidal, e a pressão da veia cava inferior ou hepática livre, que é utilizada como um ponto de referência zero interno. Em um paciente com evidência clínica de hipertensão portal (p. ex., varizes), o gradiente da pressão venosa hepática é útil para o diagnóstico diferencial da causa da hipertensão portal: ele estará normal (3 a 5 mm Hg) nas causas pré-hepáticas de hipertensão portal, como trombose venosa portal e nas intra-hepáticas, com exceção das causas pré- sinusoidais, como a esquistossomose, mas será anormal (≥6 mm Hg) nas causas sinusoidais da hipertensão portal, como a cirrose e em causas pós-sinusoidais, como a doença veno-oclusiva. Um gradiente de pressão venosa hepática de 10 mm Hg ou maior (hipertensão portal “clinicamente significativa”) prediz o desenvolvimento de complicações da hipertensão portal e sua redução com terapia farmacológica prediz um resultado favorável em pacientes com cirrose. • DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL REFERÊNCIA: Tratado de Gastroenterologia A relação AST/ALT é um dos biomarcadores indiretos mais conhecidos na prática clínica, mostrando-se útil na identificação não invasiva de cirrose hepática, particularmente quando essa relação apresenta valores > 1.31,32 Entretanto, além de poder ser influenciada pela ingestão de álcool, essa determinação, apesar da alta especificidade, apresenta baixa sensibilidade. Em nossa casuística, menos de 40% dos cirróticos por hepatite C apresentavam essa alteração. REFERÊNCIA: Harrison OUTROS TIPOS DE CIRROSE Existem várias outras causas comuns de doença hepática crônica que pode evoluir para cirrose. Elas incluem hepatopatias metabólicas hereditárias como hemocromatose, doença de Wilson, deficiência de α1- antitripsina (α1AT) e fibrose cística. Para todos esses distúrbios, as manifestações da cirrose são semelhantes, com algumas pequenas variações em relação àquelas observadas em outros pacientes com outras causas de cirrose. A hemocromatose é um distúrbio hereditário do metabolismo do ferro que resulta em um aumento progressivo da deposição de ferro hepático que, com o passar do tempo, pode evoluir para fibrose portal que progride para cirrose, insuficiência hepática e câncer hepatocelular. Enquanto a frequência de hemocromatose é relativamente comum, com a suscetibilidade genética ocorrendo em 1 em 250 indivíduos, a frequência de manifestações de estágio terminal devidas a essa doença é relativamente baixa, com menos de 5% dos pacientes genotipicamente suscetíveis acabando por desenvolver hepatopatia grave em razão da hemocromatose. O diagnóstico é feito com base em estudos do ferro sérico mostrando uma saturação elevada de transferrina e níveis elevados de ferritina, junto com anormalidades identificadas pela análise das mutações HFE. O tratamento é simples, com flebotomia terapêutica regular. A doença de Wilson é um distúrbio hereditário da homeostase do cobre, com incapacidade de excretar as quantidades excessivas de cobre, resultando em um acúmulo no fígado. Esse distúrbio é relativamente incomum, afetando 1 em 30.000 indivíduos. A doença de Wilson afeta adolescentes e adultos jovens. O diagnóstico imediato, antes de as manifestações em estágio terminal se tornarem irreversíveis, pode resultar em uma melhora clínica significativa. O diagnóstico depende da determinação dos níveis de ceruloplasmina, que são baixos; dos níveis urinários de cobre durante um período de 24 horas, que são elevados; de achados típicos ao exame físico, incluindo os anéis corneanos de Kayser-Fleischer; e dos achados característicos da biópsia hepática. O tratamento consiste em medicamentos quelantes do cobre. A deficiência de α1AT se origina de um distúrbio hereditário que acarreta a dobradura anormal da proteína α1AT, resultando em falha da secreção dessa proteína pelo fígado. Não se sabe de que maneira a proteína retida resulta em doença hepática. Os pacientes com deficiência de α1AT em maior risco de desenvolver hepatopatia crônica têm o fenótipo ZZ, porém apenas cerca de 10 a 20% desses indivíduos desenvolverão doença hepática crônica. O diagnóstico é feito pela determinação dos níveis de α1AT e do fenótipo. Glóbulos característicos ácido periódico de Schiff (PAS)-positivos e resistentes à diástase são visualizados na biópsia de fígado. O único tratamento efetivo é o transplante de fígado, que é curativo. A fibrose cística é um distúrbio hereditário incomum que afeta indivíduos brancos descendentes do norte da Europa. Pode ocorrer cirrose de tipo biliar, e alguns pacientes são beneficiados pelo uso crônico de AUDC. • COMPLICAÇÕES REFERÊNCIA: Cecil Varizes e Hemorragia Varicosa: A endoscopia do trato gastrointestinal superior permanece como o principal método para o diagnóstico de varizes e hemorragia varicosa. As varizes são classificadas como pequenas (veias minimamente elevadas acima da superfície mucosa esofágica, retas), médias (veias tortuosas ocupando menos do que um terço do lúmen esofagiano) ou grandes (que ocupam mais do que um terço do lúmen esofagiano).O diagnóstico de hemorragia varicosa é feito quando a esofagogastroduodenoscopia diagnóstica mostra um dos seguintes itens: sangramento ativo de uma variz, um “mamilo branco” sobrejacente à variz, coágulos sobrejacentes à variz, ou varizes sem outra fonte potencial de sangramento. Ascite: A causa mais comum de ascite é a cirrose, que responde por 80% dos casos. Malignidade peritoneal (p. ex., metástases peritoneais de tumores gastrointestinais ou câncer de ovário), insuficiência cardíaca e tuberculose peritoneal juntos respondem por outros 15% dos casos. O método inicial menos invasivo e de melhor relação custo-eficiência para confirmar a presença de ascite é a ultrassonografia abdominal. A paracentese diagnóstica é um procedimento seguro que pode ser realizado em todos os pacientes com ascite inicial, mesmo naqueles com coagulopatias. A orientação por ultrassom deve ser utilizada nos pacientes em que a percussão não consegue localizar a ascite ou naqueles em que uma primeira tentativa de paracentese não retira o líquido. O fluido em um paciente com ascite recém-estabelecida deve ter sempre os valores de albumina (com avaliação simultânea da albumina sérica), proteína total e contagem de células sanguíneas polimorfonucleares (PMN), estimados e avaliados por cultura bacteriológica e citologia. A contagem de células polimorfonucleares PMN e a cultura bacteriológica são úteis para a exclusão de infecção (peritonite bacteriana espontânea ou secundária) e a avaliação citológica é necessária se houver suspeita de carcinomatose peritoneal. Dependendo do quadro clínico, testes adicionais podem ser realizados no líquido: níveis de glicose e lactato desidrogenase (se houver suspeita de peritonite bacteriana secundária), esfregaço e cultura para bacilos ácido-álcool resistentes (se houver suspeita de tuberculose peritoneal) e nível de amilase (se houver suspeita de ascite pancreática). O gradiente soro-ascite de albumina e o nível de proteína no líquido ascítico são úteis para o diagnóstico diferencial da ascite. O gradiente soro-ascite de albumina correlaciona-se com a pressão sinusoidal e, portanto, estará elevado (>1,1 g/dL) em pacientes cuja fonte da ascite é o sinusoide hepático (p. ex., cirrose e ascite cardíaca). Os níveis proteicos no líquido ascítico são marcadores indiretos da integridade do sinusoide hepático: sinusoides normais são estruturas permeáveis que deixam “escapar” proteínas, enquanto os sinusoides cirróticos estão “capilarizados” e não perdem tantas proteínas. As três causas principais de ascite — cirrose, tumores malignos ou tuberculose peritoneal e insuficiência cardíaca — podem, facilmente, ser diferenciadas pela combinação dos resultados do gradiente soro-ascite de albumina e do conteúdo de proteína total no líquido ascítico. A ascite cirrótica normalmente apresenta gradiente soro-ascite de albumina alto e alto conteúdo de proteínas; e a ascite secundária a tumores malignos normalmente apresenta soro-ascite de albumina baixo e conteúdo proteico alto. Síndrome Hepatorrenal: A síndrome hepatorrenal representa o extremo dentro da variação das anormalidades que desencadeiam a ascite cirrótica e é caracterizada por vasodilatação periférica máxima, bem como ativação máxima de hormônios que causam retenção de sódio e água e vasoconstrição intensa das artérias renais. A ascite não responsiva aos diuréticos é universal e a hiponatremia dilucional quase sempre está presente. O diagnóstico da síndrome hepatorrenal, que é de exclusão, deve ser realizado somente após a interrupção do uso de diuréticos, expandindo o volume intravascular com albumina e excluindo ou tratando outra condição que desencadeie a piora do estado hemodinâmico do paciente cirrótico. O diagnóstico diferencial inclui as condições que pioram a vasodilatação, como a sepse, o uso de vasodilatadores e a paracentese de grande volume não acompanhada por infusão de albumina; condições que diminuem o volume de sangue arterial efetivo, como hemorragia gastrointestinal, diurese excessiva ou diarreia (muitas vezes, induzida pelo excesso de lactulose); condições que induzem vasoconstrição renal, como fármacos anti-inflamatórios não esteroides; e lesões nefrotóxicas, como as provocadas por aminoglicosídeos. Peritonite Bacteriana Espontânea: Índice alto de suspeita e diagnóstico precoce são essenciais no manejo da peritonite bacteriana espontânea. A paracentese diagnóstica deve ser realizada em qualquer paciente com sintomas ou sinais de peritonite bacteriana espontânea, incluindo encefalopatia sem causa explicada e disfunção renal. Como a peritonite bacteriana espontânea é, muitas vezes, assintomática e geralmente adquirida da comunidade, a paracentese diagnóstica deve ser realizada quando qualquer paciente cirrótico for hospitalizado, independentemente da causa da internação. O diagnóstico da peritonite bacteriana espontânea é estabelecido pela contagem de PMNs no líquido ascítico maior do que 250/mm3. A bactéria pode ser isolada do líquido ascítico em apenas 40% a 50% dos casos, mesmo com métodos sensíveis, como a inoculação diretamente na placa de cultura sanguínea. A peritonite bacteriana espontânea é, na maior parte das vezes, uma infecção monobacteriana, geralmente por organismos entéricos Gram-negativos. Micro-organismos anaeróbios e fungos raramente causam peritonite bacteriana espontânea; sua presença, bem como uma infecção polimicrobiana, deve levantar suspeita de uma peritonite bacteriana secundária. Encefalopatia Hepática: O diagnóstico da encefalopatia hepática é clínico e baseado na anamnese e no exame físico que evidenciam alterações de consciência e comportamento, bem como a presença de asterixe. Os níveis de amônia são fatores incertos e existe pouca correlação entre o estádio da encefalopatia hepática e os níveis sanguíneos de amônia. Além disso, as medidas da amônia não são úteis. Testes psicométricos e eletroencefalograma são normalmente utilizados em pesquisa, mas não são úteis para o diagnóstico clínico. A encefalopatia hepática mínima, chamada antigamente de encefalopatia hepática subclínica, que ocorre em cerca de 30% a 70% dos pacientes que têm cirrose sem encefalopatia hepática evidente, é detectada por testes psicométricos e neurofisiológicos de atenção (p. ex., teste de conexão de números, testes de símbolos digitais) e função psicomotora sozinha (p. ex., teste da prancha de pinos (grooved pegboard). No entanto, o rastreamento dos pacientes cirróticos para encefalopatia hepática assintomática não é recomendado, porque os testes diagnósticos não são padronizados e os benefícios do tratamento são desconhecidos. Síndrome Hepatopulmonar e Hipertensão Portopulmonar: Os critérios de diagnóstico para a síndrome hepatopulmonar consistem na hipoxemia arterial com PaO2 menor do que 80 mm Hg ou um gradiente alvéolo-arterial de oxigênio maior do que 15 mm Hg, juntamente com a evidência de shunt vascular pulmonar no ecocardiograma com contraste ou cintilografia com macroagregado de albumina marcada com 99mTc evidenciando derivação anormal de radioatividade para cérebro. A hipertensão portopulmonar é diagnosticada pela presença da pressão arterial pulmonar média maior do que 25 mm Hg na cateterização cardíaca direita, desde que a pressão encunhada dos capilares pulmonares seja menor do que 15 mm Hg. REFERÊNCIA: Harrison HIPERTENSÃO PORTAL A hipertensão portal é definida como a elevação do gradiente de pressão venosa hepática (GPVH) para >5 mmHg. A hipertensão portal é causada por uma combinação de dois processos hemodinâmicos que ocorrem de forma simultânea: (1) resistência intra-hepática aumentada à passagem do fluxo sanguíneo pelo fígado em função da cirrose e dos nódulos regenerativos e (2) fluxo sanguíneo esplâncnico aumentado secundário à vasodilatação dentro do leito vascular esplâncnico. A hipertensão portal é diretamente responsável pelas duasprincipais complicações da cirrose, a hemorragia por varizes e a ascite. A hemorragia por varizes é um problema imediato e ameaçador com taxa de mortalidade associada de 20 a 30% a cada episódio de sangramento. O sistema venoso portal drena normalmente o sangue proveniente do estômago, dos intestinos, do baço, do pâncreas e da vesícula biliar, com a veia portal sendo formada pela confluência das veias mesentérica superior e esplênica. O sangue desoxigenado proveniente do intestino delgado drena para dentro da veia mesentérica superior junto com o sangue proveniente da cabeça do pâncreas, do cólon ascendente e de parte do cólon transverso. Inversamente, a veia esplênica drena o baço e o pâncreas e se conecta com a veia mesentérica inferior, que traz sangue proveniente dos cólons transverso e descendente assim como dos dois terços superiores do reto. Assim sendo, a veia portal recebe normalmente sangue proveniente de quase todo o trato GI. As causas de hipertensão portal costumam ser subclassificadas como pré-hepáticas, intra-hepáticas e pós- hepáticas. As causas pré-hepáticas de hipertensão portal são aquelas que afetam o sistema venoso portal antes de penetrar no fígado; elas incluem trombose da veia porta e trombose da veia esplênica. As causas pós-hepáticas englobam aquelas que afetam as veias hepáticas e a drenagem venosa para o coração; elas incluem SBC, doença venoclusiva e congestão cardíaca crônica do lado direito. As causas intra-hepáticas são responsáveis por mais de 95% dos casos de hipertensão portal e são representadas pelas principais formas de cirrose. As causas intra-hepáticas de hipertensão portal podem ser subdivididas em causas pré- sinusoidais, sinusoidais e pós-sinusoidais. As causas pós-sinusoidais incluem doença venoclusiva, enquanto as causas pré-sinusoidais incluem fibrose hepática congênita e esquistossomose. As causas sinusoidais estão relacionadas com a cirrose de várias causas. Os distúrbios da coagulação que podem resultar no surgimento de trombose da veia porta incluem policitemia vera; trombocitose essencial; deficiências de proteína C, proteína S, antitrombina 3 e fator V de Leiden; e anormalidades do gene que regula a produção de protrombina. Alguns pacientes podem ter um distúrbio mieloproliferativo subclínico. • TRATAMENTO REFERÊNCIA: Cecil O tratamento da cirrose idealmente deve visar à interrupção ou à reversão da fibrose. No entanto, fármacos antifibróticos não mostraram reverter a fibrose consistentemente ou melhorar resultados em pacientes cirróticos. Atualmente, o tratamento da cirrose compensada está direcionado para a prevenção do desenvolvimento da descompensação por (1) tratar a doença hepática subjacente (p. ex., terapia antiviral para hepatite C ou B) para reduzir a fibrose e evitar a descompensação; (2) evitar fatores que possam piorar a doença hepática, como o álcool e fármacos hepatotóxicos; e (3) fazer um rastreamento para detectar varizes (para prevenir hemorragia varicosa) e carcinoma hepatocelular (para que o tratamento seja realizado no estádio inicial). O tratamento da cirrose descompensada se concentra em eventos descompensatórios específicos e na opção de transplante de fígado. Varizes e Sangramento Varicoso: Reduzindo a pressão portal há a diminuição do risco do desenvolvimento de varizes e hemorragia varicosa, bem como do risco de ascite e óbito. Os β-bloqueadores adrenérgicos não seletivos (propanolol, nadolol) reduzem a pressão portal produzindo vasoconstrição esplâncnica e diminuindo o fluxo venoso portal. Em pacientes com cirrose e varizes médias ou grandes que nunca sangraram, β-bloqueadores não seletivos reduzem significativamente o risco de uma primeira hemorragia varicosa. 1 Propranolol é iniciado a uma dose de 20 mg oralmente duas vezes ao dia, enquanto o nadolol é iniciado a uma dose de 20 mg oralmente todos os dias. A dose deve ser titulada para produzir uma taxa de frequência cardíaca de cerca de 50 a 55 batimentos por minuto. A ligadura elástica endoscópica, uma terapia que visa obliterar as varizes por meio da colocação de anéis de borracha nas colunas varicosas, é tão útil quanto β-bloqueadores não seletivos para prevenir uma primeira hemorragia varicosa. Em função de a ligadura ser uma terapia local que não tem efeito sobre a pressão portal e que pode levar à hemorragia das úlceras induzidas por ligadura, uma abordagem racional é iniciar a terapia com β-bloqueadores e usar a ligadura em pacientes que não consigam tolerar ou que tenham contraindicações aos β-bloqueadores. Em pacientes sem varizes, os β-bloqueadores não seletivos não evitam o desenvolvimento de varizes e estão associados a muitos efeitos colaterais. Em pacientes com varizes finas, os dados são insuficientes para recomendar o tratamento com β-bloqueadores não seletivos. A endoscopia deve ser repetida a cada dois ou três anos nos pacientes sem varizes e a cada um ou dois anos no pacientes com varizes finas e o quanto antes em pacientes com doença descompensada, para que uma terapia efetiva possa ser instituída antes das varizes aumentarem de tamanho e sangrarem. Pacientes com cirrose e hemorragia varicosa necessitam de ressuscitação em uma unidade de tratamento intensivo. No entanto, transfusão excessiva deve ser evitada porque pode precipitar ressangramento. Os valores de hemoglobina deverão ser mantidas em cerca de 7-8 g/dL. Antibióticos profiláticos devem ser usados nesse quadro clínico, não somente para prevenir infecções bacterianas como também para diminuir a chance de um ressangramento e óbito. O antibiótico recomendado é a norfloxacina oral a uma dose de 400 mg duas vezes ao dia por cinco a sete dias, embora a ceftriaxona intravenosa na dose de 1 g/dia por cinco a sete dias seja preferível em pacientes com doença hepática avançada (desnutrição, ascite, encefalopatia e icterícia) ou naqueles já em profilaxia com norfloxacina. A terapia específica mais eficaz para o controle da hemorragia varicosa ativa é a combinação de um vasoconstritor com a terapia endoscópica. Vasoconstritores seguros incluem terlipressina, somatostatina e os análogos da somatostatina, octreotídeo e vapreotídeo; eles podem ser iniciados na admissão ao hospital e continuados durante dois a cinco dias. Atualmente, o vasoconstritor disponível nos Estados Unidos é o octreotídeo, que é utilizado como um bolus intravenoso de 50 µg seguido de uma infusão de 50 µg/hora. Após o controle da hemorragia, a recorrência da hemorragia sem tratamento em um ano é muito alta, cerca de 60%. Além disso, o tratamento para prevenir um ressangramento deve ser instituído antes de o paciente receber alta. Taxas de ressangramento mais baixas (cerca de 10%) são observadas em pacientes que conseguem uma redução significativa no gradiente de pressão venosa hepática com tratamento farmacológico (β-bloqueadores na mesma dosagem recomendada para a prevenção da primeira hemorragia, com ou sem mononitrato de isossorbida em doses graduais, iniciando com 20 mg/dia e aumentando conforme o tolerado até 40 mg, duas vezes ao dia); no entanto, como as medidas do gradiente de pressão venosa hepática não são amplamente utilizadas, o segundo protocolo com melhor resultado (taxas de ressangramento de cerca de 22%) é obtido com a combinação de β-bloqueadores não seletivos (propanolol ou nadolol), com ou sem mononitrato de isossorbida e a ligadura elástica endoscópica. A dose dos β- bloqueadores deve ser a dose máxima tolerada e a ligadura elástica endoscópica deve ser repetida a cada duas ou quatro semanas, a menos que as varizes sejam obliteradas. A terapia de derivação, cirúrgica ou através de anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS, na sigla em inglês), deve ser usada em pacientes com sangramento varicoso persistente ou recidivante apesar da terapia farmacológica e endoscópica. Ambos os tipos de shuntssão igualmente eficazes, 8 e a escolha dependerá da habilidade local. Apesar dos stents não revestidos utilizados para TIPS frequentemente ocluírem, stents mais recentes revestidos com politetrafluoretileno estão associados a taxas menores de oclusão e taxas menores de encefalopatia hepática. Ascite: O eixo principal da conduta para ascite consiste na restrição de sal e o uso de diuréticos. A ingestão de sódio a partir da alimentação deve ser restrita a 2 g/dia. Uma dieta mais restritiva não é recomendada e pode comprometer o estado nutricional do paciente. A restrição hídrica não é necessária a menos que a concentração de sódio sérico esteja abaixo de 130 mEq/L. A espironolactona, que é mais eficiente que os diuréticos de alça, deve ser iniciada em doses de 100 mg/dia (uma vez ao dia, pela manhã). A dose deve ser ajustada a cada três ou quatro dias até a dose efetiva máxima de 400 mg/dia. Furosemida, em uma dose escalonada de 40 a 160 mg/dia, pode ser iniciada simultaneamente à espironolactona se a perda de peso for inadequada ou se hipercalemia se desenvolver durante terapia isolada com espironolactona. A meta é a perda de peso de 1 kg na primeira semana e 2 kg por semana, subsequentemente. No entanto, o uso dos diuréticos deve ser reduzido se a taxa de perda de peso for maior do que 0,5 kg/dia ou maior do que 1 kg/dia em pacientes com edema periférico. Os efeitos colaterais do tratamento com diuréticos incluem anormalidades eletrolíticas, disfunção renal, encefalopatia e ginecomastia dolorosa (com a espirolactona). Nos 10% a 20% dos pacientes com ascite refratária aos diuréticos, a paracentese de grande volume, com objetivo de remover todo ou quase todo o líquido, com infusão de albumina em doses intravenosas de 6 a 8 g por litro de ascite removido (particularmente quando mais de 5 L são removidos de uma só vez) é uma abordagem recomendável. A frequência da paracentese de grande volume é ditada pela rapidez com que a ascite se acumula novamente. O TIPS com stents não revestidos é mais eficiente que a paracentese de grande volume com albumina na prevenção da ascite recorrente, mas está associado a uma taxa mais alta de encefalopatia sem uma melhora significativa na sobrevida. Em pacientes que necessitam de paracentese de grande volume frequentemente (mais do que duas vezes por mês), os stents revestidos com politetrafluoretileno devem ser considerados. A derivação peritônio-venosa, utilizando um cateter de silicone subcutâneo que transfere a ascite da cavidade peritoneal para a circulação sistêmica, pode ser empregada em pacientes que não são candidatos ao TIPS ou ao transplante hepático. Síndrome Hepatorrenal: Como a síndrome hepatorrenal é uma lesão renal funcional que resulta de anormalidades hemodinâmicas secundárias ao estádio final da doença hepática e de hipertensão portal grave, o eixo principal da terapia é o transplante de fígado. Os tratamentos que têm sido utilizados para conduzir um paciente para o transplante incluem o uso de vasoconstritores (terlipressina, noradrenalina, octreotídeo mais midodrina) juntamente com albumina, TIPS e diálise extracorpórea de albumina, que é um método de diálise de hemofiltração experimental que utiliza dialisado de albumina. A experiência mais amplamente conhecida é com o uso de terlipressina, a uma dose de 0,5 a 2,0 mg por via intravenosa a cada quatro a seis horas leva a uma maior taxa de reversão da síndrome hepatorrenal em comparação ao placebo. Em função de a terlipressina ainda não estar disponível nos Estados Unidos, a combinação mais usada é octreotídeo (100 a 200 µg por via subcutânea três vezes ao dia) mais midodrina (7,5 to 12,5 mg por via oral três vezes ao dia), com a dose ajustada para obtenção de um aumento de pelo menos 15 mm Hg na pressão arterial média. Melhora notável pode ser observada clinicamente em sete dias. Peritonite Bacteriana Espontânea: Uma antibioticoterapia empírica com cefalosporina de terceira geração intravenosa (p. ex., cefotaxima, 2 g intravenosamente a cada 12 horas, ou ceftriaxona, 1 a 2 g intravenosamente a cada 24 horas) ou ácido amoxicilina-clavulanato (1 g/0,5 g intravenosamente, a cada 8 horas) deve ser iniciada assim que o diagnóstico estiver estabelecido e antes que o resultado da cultura esteja disponível; a duração mínima do tratamento deve ser de cinco dias. Os aminoglicosídeos devem ser evitados por causa da alta incidência de toxicidade renal em pacientes com cirrose. A paracentese deve ser repetida dois dias após o início dos antibióticos, tempo no qual o número de neutrófilos PMN no líquido ascítico deve ter diminuído para menos do que 25% dos valores de referência. A falta de resposta deve ser investigada para excluir uma peritonite secundária. A disfunção renal associada à peritonite bacteriana espontânea pode ser evitada por meio da administração intravenosa de albumina, particularmente nos pacientes que possuem alguma evidência de disfunção renal (nitrogênio ureico sanguíneo maior do que >30 mg/dL ou creatinina >1 mg/dL, ou ambos) ou bilirrubina sérica maior do que 4 mg/dL no momento do diagnóstico. A albumina tem sido utilizada em uma dosagem de 1,5 g/kg de peso corporal no diagnóstico, sendo repetida no terceiro dia uma dose intravenosa de 1 g/kg de peso corporal. No entanto, essa dosagem é empírica e provavelmente não deve exceder 100 g por dose. A administração de antibióticos não absorvíveis (ou pouco absorvíveis) pode evitar o desenvolvimento da peritonite bacteriana espontânea e outras infecções na cirrose e eliminar seletivamente micro-organismos Gram-negativos do intestino. No entanto, o uso disseminado de norfloxacina profilática está associado à alta taxa de infecções por micro-organismos resistentes a antibióticos. A profilaxia antibiótica de longo prazo com norfloxacina oral a uma dose de 400 mg/dia justifica-se somente em dois grupos: pacientes que se recuperaram de um episódio anterior de peritonite bacteriana espontânea e pacientes que têm um nível de proteína ascítica menor que 1 g/L com disfunção hepática e circulatória avançada conforme evidenciado pela presença de icterícia, hiponatremia ou disfunção renal. Encefalopatia Hepática: O tratamento da encefalopatia hepática envolve a identificação e o tratamento do fator precipitante e a redução do nível de amônia. Os fatores precipitantes incluem infecções, diurese excessiva, sangramento gastrointestinal, ingestão de alta carga proteica e constipação. Narcóticos e sedativos contribuem para a encefalopatia hepática por deprimir diretamente a função cerebral. TIPS é um precipitante comum de encefalopatia hepática e redução do diâmetro da derivação ou oclusão pode ser necessária. Agentes que visam diminuir a produção de amônia no intestino são a lactulose (15 a 30 mL, oral, duas vezes por dia, ajustada para obter duas ou três evacuações por dia) ou antibióticos não absorvíveis administrados oralmente, como a neomicina (500 mg a 1 g, três vezes por dia), metronidazol (250 mg, duas a quatro vezes por dia) ou rifaximina (550 mg, duas vezes por dia). A L-ornitina, o L-aspartato e o benzoato podem aumentar a fixação de amônia no fígado. A substituição da proteína animal na dieta por proteína vegetal pode ser benéfica, mas a restrição proteica não é necessária e não deve ser estabelecida por longo prazo. Complicações Pulmonares: A síndrome hepatopulmonar raramente se resolve espontaneamente, e a terapia medicamentosa é desapontadora. O TIPS geralmente não é recomendado. O tratamento unicamente eficaz é o transplante de fígado. Comparativamente, a hipertensão portopulmonar não é uma indicação para o transplante de fígado. Na verdade, uma pressão arterial pulmonar média maior do que 50 mm Hg é uma contraindicação absoluta para o transplante hepático. TERAPIA CIRÚRGICA Transplante Hepático: O transplante hepático ortotópico, que é um tratamento definitivo para a cirrose, éindicado quando o risco de morte por doença hepática é maior do que o risco de morte pelo transplante, como determinado pela pontuação de Child-Pugh de 7 ou maior ou uma pontuação de acordo com o Modelo para Doença Hepática Terminal (MELD) de 15 ou mais. O MELD, que é um modelo matemático que estima o risco de mortalidade dentro de três meses, é utilizado para determinar a prioridade para o transplante hepático. O número disponível de doadores de órgãos é menor do que o número de pacientes que esperam pelo transplante; dessa forma, 15% a 20% dos pacientes que esperam pelo transplante de fígado nos Estados Unidos morrem antes de o órgão estar disponível. PREVENÇÃO PRIMÁRIA O tratamento da doença hepática subjacente, bem antes do desenvolvimento da cirrose, é uma estratégia primária de prevenção. Como as causas principais da cirrose estão relacionadas a escolhas no estilo de vida — como o uso de drogas injetáveis, consumo de álcool e sexo sem proteção — os programas de prevenção primária que enfocam a abstinência alcoólica, a redução de comportamento de alto risco para a infecção com os vírus da hepatite e a vacinação contra hepatite B ainda são as melhores estratégias de prevenção. PROGNÓSTICO O resultado da cirrose depende do estádio do paciente. Os pacientes com cirrose compensada morrem de doença hepática somente após a passagem para o estádio de descompensação. A taxa de sobrevida dentro de dez anos de pacientes que permanecem no estádio compensado é de aproximadamente 90%, enquanto a dos pacientes descompensados é de 50%. Estudos de coorte iniciais de pacientes com cirrose compensada mostram uma média de sobrevida de cerca de dez anos de todos os pacientes, incluindo aqueles nos quais a descompensação se desenvolveu com o passar do tempo, enquanto a sobrevida média após a descompensação é em torno de dois anos. Quatro estádios clínicos da cirrose foram recentemente identificados, cada um deles com um prognóstico diferente. Em pacientes no estádio 1 sem varizes ou ascite, a taxa de mortalidade é de cerca de 1% ao ano. Os pacientes no estádio 2, ou aqueles com varizes, mas sem ascite ou sangramento, apresentam uma taxa de mortalidade de cerca de 4% por ano. Nos pacientes em estádio 3, que têm ascite com ou sem varizes esofágicas sem nenhum sangramento, a taxa de mortalidade, enquanto eles permanecem nesse estádio, é de 20% por ano. Os pacientes no estádio 4, ou aqueles com sangramento gastrointestinal hipertensivo portal com ou sem ascite, apresentam uma taxa de mortalidade de 57% em um ano, com aproximadamente metade dessas mortes ocorrendo nas primeiras seis semanas após o episódio inicial de sangramento. Os estádios 1 e 2 correspondem à cirrose compensada, enquanto os estágios 3 e 4 à cirrose descompensada. O carcinoma hepatocelular desenvolve-se em uma taxa regular de 3% ao ano e está associado a um prognóstico pior em qualquer estádio em que se desenvolva. Os preditores da sobrevida são diferentes nos pacientes compensados e descompensados, com os parâmetros de hipertensão portal (varizes, esplenomegalia, contagem de plaquetas, γ-globulina) assumindo grande importância nos pacientes compensados, enquanto a disfunção renal, hemorragia e carcinoma hepatocelular são preditores importantes em pacientes com cirrose descompensada. Na prática clínica, a classificação de Child-Pugh é aplicável para todos os pacientes cirróticos, e a classificação de MELD é utilizada nos pacientes descompensados para determinar a prioridade para o transplante hepático. 2. Fisiopatologia e as manifestações clínicas da: • ENCEFALOPATIA HEPÁTICA REFERÊNCIA: ENCEFALOPATIA HEPÁTICA PORTO-SISTÉMICA – TCC - FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA A encefalopatia hepática (EH) é uma desordem grave e progressiva, com um abrangente espectro de anormalidades neuropsiquiátricas e alterações motoras que podem ir desde uma alteração mínima da cognição e função motora até coma e morte. É uma das principais complicações da doença hepática grave e/ou Shunt porto-sistémico do sangue proveniente do sistema gastrointestinal. Apesar de variados subgrupos terem sido identificados, as definições desta enfermidade têm sido alvo de grande discussão no mundo médico. Uma conferência realizada em Viena em 1998, desenvolveu uma classificação com o objetivo de estandardizar as diferentes subclasses de EH. De acordo com essa classificação, EH é catalogada e dividida em 3 tipos; A, B e C. O tipo A refere-se à EH associado com a Insuficiência Hepática aguda. O tipo B tem como principal etiologia a presença de um shunt porto-sistémico sem doença hepática intrínseca associada. O tipo C ocorre em pacientes com cirrose e hipertensão portal ou shunt porto-sistémico. Em complemento, tendo em conta a duração e as características da EH, esta foi classificada em episódica, persistente e em EH subclínica. A EH episódica é a forma mais comum de EH clínica apresentando-se com curtos períodos de alterações da consciência que podem ir de horas a dias, geralmente regredindo ao estado mental normal com o tratamento. Estes episódios de EH geralmente têm como precipitantes condições clínicas reversíveis relacionadas com complicações da doença hepática, como hemorragia gastrointestinal e infecção ou efeitos adversos da terapia, como por exemplo a desidratação e a hipocaliémia. EH recorrente é referida como uma forma de EH caracterizada pela ocorrência de 2 episódios de EH espontânea ou precipitada ocorrendo num ano. Na EH persistente, apesar de flutuações no estado de consciência, os pacientes não regressam à normalidade. Na clínica, é geralmente mais utilizada uma classificação mais simples e prática, classificação baseada nos “West Haven criteria for semi-quantitative grading of mental status”, abrangendo o nível de déficit da autonomia, alterações da consciência, função intelectual, comportamento e a dependência na terapia, (tabela 1), contudo é uma classificação sujeita a uma grande subjetividade e a viéses de observação. O termo EH subclínica refere-se a pacientes com cirrose sem alterações clinicamente evidentes, mas que em estudos neuropsicológicos são encontrados défices cognitivos. A EH subclínica tem um grande impacto na qualidade de vida dos pacientes, dado que afeta as suas aptidões sociais, produtividade no trabalho e nas atividades como a condução segura. FISIOPATOLOGIA O mecanismo exato da EH no paciente com doença hepática crónica permanece ainda pouco compreendido. É muito provável que seja multifatorial, e as suas variáveis interdependentes. Neuropatologicamente, a EH é caracterizada por alterações dos astrócitos em vez de neuronais. Estudos neuropatológicos de secções do cérebro de pacientes cirróticos que morreram em coma hepático, mostram a presença de alterações nos astrócitos conhecidas como Alzheimer tipo II astrocitose em que os astrócitos ficam edemaciados, com um núcleo pálido aumentado, um nucléolo proeminente e marginalização do padrão da cromatina. Estudos utilizando técnicas não invasivas continuam a dar importantes pistas para a patogênese da EH. Por exemplo, estudos utilizando a PET, usando a 18F-fluorodeoxiglicose, revelam uma diminuição significativa da utilização de glicose no córtex cerebral com aumentos concomitantes no tálamo, núcleo caudado e cerebelo de pacientes cirróticos. A glicose cerebral está particularmente diminuída no giro cingulado destes mesmos pacientes, uma observação de grande interesse após o conhecimento de que lesões bilaterais desta estrutura resultavam em confusão desorientação e perda de memória. O fígado normal é o responsável pela metabolização e “clearance” de substâncias proteicas neurotóxicas de origem intestinal. Essas substâncias em consequência da redução da massa de hepatócitos funcionantes como ocorre na cirrose e /ou existência de anastomoses porto sistémicas, circulam livremente, ultrapassando a barreirahematoencefálica causando alterações cerebrais. A amónia continua como o factor mais importante na patogênese da EH, e a maioria das terapias atuais baseiam-se na modulação da concentração desta toxina. Distúrbios na neurotransmissão devidos ao aumento do ácido gamaaminobutírico (GABA), aumentando a neuroinibição, redução do glutamato, reduzindo a neuroexcitação e aumento de benzodiazepinas e neuroesteroides, têm-se mostrado importantes na procura de explicar a fisiopatologia da EH. Contudo, há ainda um longo caminho a ser percorrido, antes de ser esclarecida toda a patogenia da EH. Hipóteses surgem e desaparecem sendo logo substituídas por outras. Em seguida, irão ser abordadas algumas das teorias mais importantes na fisiopatologia da EH: TEORIA DA AMÔNIA A hipótese mais popular para a fisiopatologia da EH é a teoria da amônia. Para melhor perceber essa hipótese, é necessário conhecer o papel da amónia no organismo, principalmente em relação ao fígado. Um dos papéis do fígado é sintetizar ureia a partir de amônia e outras substâncias azotadas. A amônia por si só aumenta a partir da mucosa intestinal através da ação da glutaminase sobre a glutamina, pelo catabolismo de proteínas no lúmen intestinal, a partir da atividade de bactérias da flora intestinal e a partir da desaminação da glutamina nos rins. A amônia restante pode ser detoxificada por outros órgãos como o cérebro e os músculos, contudo, estes órgãos, não têm um ciclo da ureia e dependem apenas da formação de glutamina para detoxificar a amônia. Infelizmente como este é um processo cíclico, a glutamina, criada a partir da amónia, é novamente convertida pela mucosa intestinal e rins em amônia. A hipótese da amónia teoriza que na insuficiência hepática, o fígado já não é capaz de destoxificar a amónia resultando em hiperamônemia. Concentrações elevadas de amónia no cérebro, consequentemente levam a disfunção do SNC e encefalopatia. A amónia acumula-se a níveis tóxicos no cérebro aumentando durante condições hiperamônemicas, verificadas em grande número de patologias incluindo insuficiência hepática e erros congénitos do ciclo da ureia. A amónia como um gás (NH3) é solúvel em lípideos, entrando no cérebro por difusão, contudo sob a forma de ion NH4+, tem propriedades muito semelhantes ao K+, permitindo ao NH4+ competir com o K+ nos canais de K+. O excesso de amónia é tóxico para o SNC pois o cérebro não produz ureia a partir de amónia, a sua excreção baseia-se exclusivamente na glutamina sintetase, basicamente 8 localizada nos astrócitos. Tem sido demonstrado em vários estudos que os ions de amónia participam ativamente na interação metabólica neurónio-astrócito, especificamente no funcionamento do ciclo glutamato/glutamina seguida por distúrbios osmóticos no cérebro, disfunção mitocondrial com stress oxidativo e alterações do metabolismo da glicose. Os efeitos tóxicos da amónia atuam inibindo as enzimas do ciclo do ácido tricarboxílico, cetoglutarato hidrogenase e estímulo de enzimas glicolíticas no tecido cerebral. A amônia inibe potenciais pós sinápticos produzindo consequentemente uma depressão generalizada do SNC. Estudos identificaram a oxidação de RNA cerebral como uma consequência ainda não conhecida da intoxicação aguda por amónia. A oxidação de RNA pode afetar a expressão de genes e síntese local de proteínas, podendo assim adicionar uma relação entre os efeitos da amónia e as espécies reativas de O2. Bai, propôs que a amónia induz uma permeabilidade mitocondrial em astrócitos em cultura, que pode ser um factor contributivo na disfunção mitocondrial associado à EH. TEORIA DO MANGANÉSIO Imagens de ressonância magnética constantemente mostram uma hiperintensidade no globus pallidus em T1 em aproximadamente 80% dos pacientes cirróticos, compatível com deposição de manganésio. O manganésio é excretado por via hepatobiliar. Concentrações sanguíneas de manganésio estão aumentadas durante a fase ativa de hepatite aguda, assim como na cirrose, existindo uma relação significativa entre manganésio sanguíneo e atividade de enzimas hepáticas em pacientes com cirrose. Medições diretas em amostras do globus pallidus obtidas em pacientes cirróticos que morreram em coma hepático, revelou um aumento várias vezes superior ao normal da concentração de Manganésio. Estudos recentes, têm mostrado que a exposição a manganésio, diminui a recaptação do glutamato em culturas de astrócitos e aumenta a expressão de enzimas glicolíticas, sugerindo que este metal pode influenciar tanto o sistema glutaminérgico como o metabolismo cerebral na EH. A grande capacidade dos astrócitos para acumulação de manganésio sugere que a sua deposição nestas células pode ter um papel importante no desenvolvimento dos astrócitos tipo II, a marca neuropatológica da EH. Em adição a este conceito, a intoxicação por manganésio em primatas resultou na formação de astrócitos tipo II, indicando que a exposição a manganésio pode em adição à amónia, contribuir para as mudanças na função e morfologia dos astrócitos, características da EH. Apesar de não haver relação entre a concentração plasmática de manganésio e a EH, a similaridade entre as manifestações clínicas da intoxicação por manganésio e os sinais extrapiramidais presentes em alguns pacientes com EH sugere que estes podem dever-se à acumulação de manganésio. Contudo, considerando que a regressão da EH acontece muito mais rapidamente que a clearance do manganésio do parênquima cerebral, representado pela diminuição do sinal na RM após a transplantação de fígado, a deposição de manganésio não parece ser a causa principal da EH. TEORIA DAS ALTERAÇÕES NOS NEUROTRANSMISSORES A EH tal como outras patologias metabólicas e degenerativas é caracterizada por alterações de vários neurotransmissores. Estudos em autópsias demonstram alterações dos mecanismos glutamatérgicos, serotonérgicos e GABAérgicos entre outros. GLUTAMATO Há uma evidência cada vez maior para as alterações das funções do glutamato, estarem envolvidas na patogênese da EH. O glutamato é um importante metabolito do SNC e um neurotransmissor excitatório major no cérebro dos mamíferos. O glutamato libertado na fenda sináptica, através da estimulação dos terminais pré sinápticos, ativa os receptores do glutamato (metabotrópicos, NMDA e não-NMDA), no neurónio pós-sinático. A recaptação do glutamato é mediada pelos transportadores do glutamato. A libertação do glutamato pelo terminal nervoso pré-sináptico é inativada principalmente pela recaptação nos astrócitos, onde é transformado em glutamina pela ação da glutamina sintetase, utilizando a amónia. A glutamina é libertada e volta aos neurónios, onde o glutamato é regenerado. Os passos chave para a síntese, libertação e inativação do glutamato estão representados na fig 4. A concentração total de glutamato num paciente com insuficiência hepática está diminuída. Esta diminuição é presumivelmente devida à formação da glutamina durante o processo de destoxificação da amónia. Em contraste, a concentração extracelular de glutamato está elevada na EH. Este efeito pode ser devido à libertação excessiva de glutamato dos neurónios despolarizados pela amónia ou por recaptação alterada pelos neurónios e células da glia. Smicht et al. estudaram hipocampos de pacientes cirróticos que morreram em coma hepático e descobriram que estes pacientes apresentavam alterações na recaptação do glutamato, aumentando a atividade do mesmo. Vários mecanismos estão envolvidos na recaptação do glutamato, Suarez et al. reportou que anastomose porto-cava em ratos diminuiu a expressão de vários transportadores de glutamato EAAT1, EAAT2, EAAT3 e EAAC. Também, Bender e Noremberg mostraram que a exposição de amónia em culturas de astrócitos, produziu uma diminuição da recaptação de glutamato. Usando diferentes modelos de lesão hepática, a concentração de glutamatofoi encontrada aumentada no tecido cerebral e no líquido cefaloraquidiano. Curiosamente hipotermia moderada em ratos, preveniu iniciação de encefalopatia e edema cerebral com uma diminuição de glutamato extracelular. A alteração no metabolismo do glutamato resulta em alterações neurológicas, especialmente aquelas encontradas em doenças neurodegenerativas, o efeito tóxico do glutamato produz dano cerebral como acontece na isquemia cerebral, anóxia ou trauma. SEROTONINA Muitos dos sintomas neuropsiquiátricos iniciais da EH, como alterações do padrão do sono, são sintomas, que classicamente têm sido atribuídos às modificações na neuroquímica da serotonina. A concentração no LCR de L-triptofano está aumentada em pacientes cirróticos, em coma e concentrações aumentadas do metabolito da serotonina, ácido 5 hidroxi- indolacético (5-HIAA), têm sido constantemente descritas tanto no LCR, como também no tecido cerebral de pacientes e animais com EH severa. Mais recentemente, estudos em autópsias revelaram atividade aumentada da enzima metabolizadora da serotonina MAO-A, sugerindo o aumento da oxidação da serotonina em vez do aumento do turnover da serotonina, o que pode ser a explicação para concentrações aumentadas de (5-HIAA) na EH. Contudo, estudos sobre agonistas ou antagonistas da serotonina na evolução da EH, não suportam o papel fisiopatológico da serotonina na EH. BENZODIAZEPINAS ENDÓGENAS No início dos anos 80, foi introduzido o conceito que sugeria que efeitos neuro inibitórios aumentados provocados pelo GABA, tinham um importante papel na função motora alterada e estado de alerta diminuído que são características da EH. Nesta hipótese considera-se que o GABA com origem intestinal, em virtude da sua remoção diminuída a nível hepático e a sua consequente entrada no cérebro podia contribuir para uma inibição neural característica da EH. Contudo estudos em humanos não suportavam esta hipótese. Não foram encontradas alterações significativas do GABA ou enzimas relacionadas com o GABA nos pacientes com EH. Contudo por outro lado a possibilidade de agonistas dos receptores benzodiazepínicos centrais, componentes do GABBAA, poderem potencializar os efeitos do GABA, atuando como benzodiazepinas endógenas, ganhou atenção. Isso levou ao isolamento e caracterização parcial de substâncias de extratos cerebrais de humanos e animais experimentais com insuficiência hepática crónica ou aguda. Com base nessas descobertas, seria esperado que, com a administração de antagonistas benzodiazepínicos, a redução do efeito GABAérgico aumentado, observado na EH. Num estudo subsequente sobre a ação do flumazenil em pacientes com EH de grau IV, um subgrupo de pacientes manifestou melhoria dos sintomas neurológicos, contudo, não há relação entre resposta clínica do flumazenil e a presença de benzodiazepinas no sangue destes pacientes, sugerindo que o efeito benéfico não foi o resultado da inibição de substâncias com características benzodiazepínicas. Em adição o efeito do flumazenil foi transitório e incompleto, sugerindo que outros fatores também contribuam para a patogênese da EH. Atualmente o mecanismo preciso, responsável pelo efeito benéfico do flumazenil ainda não foi estabelecido. SISTEMA OPIÓIDE O sistema opioide endógeno do cérebro pode também estar implicado na mediação de alguns efeitos neuropsiquiátricos da doença hepática crónica na função do SNC. Pacientes cirróticos são hipersensíveis à morfina, concentrações aumentadas do opioide endógeno, metencefalina, têm sido reportadas em pacientes com cirrose, e extratos cerebrais obtidos a partir de animais experimentais com doença hepática crónica provocada, contêm concentrações anormais de B endorfina, um peptídio opioide endógeno, com propriedades analgésicas potentes, que é sintetizado principalmente em neurónios do núcleo arqueado do hipotálamo com axónios projetados para várias partes do cérebro, incluindo núcleos envolvidos na modulação da dor e memória. REFERÊNCIA: Harrison A encefalopatia portossistêmica é uma complicação grave da doença hepática crônica, sendo definida amplamente como uma alteração do estado mental e da função cognitiva que ocorre na presença de insuficiência hepática. Na lesão hepática aguda com insuficiência hepática fulminante, a instalação da encefalopatia constitui uma exigência para que o diagnóstico de insuficiência fulminante possa ser feito. A encefalopatia é observada muito mais comumente nos pacientes com doença hepática crônica. As neurotoxinas que derivam do intestino e que não são removidas pelo fígado em razão de um shunt vascular e da massa hepática reduzida chegam ao cérebro e produzem os sintomas que conhecemos como encefalopatia hepática. Os níveis de amônia estão elevados nos pacientes com encefalopatia hepática, porém a correlação entre a gravidade da doença hepática e a intensidade dos níveis de amônia costuma ser precária, razão pela qual a maioria dos hepatologistas não confia nos níveis de amônia para fazer o diagnóstico. Outros compostos e metabólicos que podem contribuir para a instalação da encefalopatia incluem alguns falsos neurotransmissores e mercaptanos. Características clínicas - Na insuficiência hepática aguda, as mudanças no estado mental podem ocorrer dentro de semanas a meses. O edema cerebral pode ser observado nesses pacientes, com encefalopatia grave associada à tumefação da substância cinzenta. A herniação cerebral é uma complicação temida do edema cerebral na insuficiência hepática aguda, e o tratamento tem por finalidade reduzir o edema com manitol e o uso criterioso de líquidos intravenosos. Nos pacientes com cirrose, a encefalopatia é observada com frequência como resultado de certos eventos desencadeantes, como hipopotassemia, infecção, carga aumentada de proteínas dietéticas ou distúrbios eletrolíticos. Os pacientes podem estar confusos ou exibir uma mudança na personalidade. Na verdade, podem ficar bastante violentos e difíceis de controlar; ou, ao contrário, podem ficar muito sonolentos e difíceis de despertar. Já que os eventos desencadeantes são encontrados com tanta frequência, eles devem ser procurados com extremo cuidado. Se os pacientes apresentam ascite, esta deve ser puncionada para excluir a possível presença de infecção. Deverá ser pesquisada a evidência de hemorragia digestiva, e os pacientes devem receber hidratação apropriada. Os eletrólitos devem ser medidos e as anormalidades, corrigidas. Nos pacientes com encefalopatia, o asterixe com frequência está presente. O asterixe pode ser evidenciado pedindo-se que os pacientes realizem a extensão de seus braços e dobrem seus punhos para trás. Nessa manobra, os pacientes com encefalopatia exibem o flapping – um movimento súbito do punho para frente. Para tanto, os pacientes precisam ser capazes de cooperar com o examinador e, obviamente, tal manobra não poderá ser induzida nos pacientes com encefalopatia profunda ou em coma hepático. O diagnóstico de encefalopatia hepática é clínico e exige um médico experiente capaz de reconhecer e juntar todas essas várias características. Muitas vezes, quando os pacientes apresentam encefalopatia pela primeira vez, não estão cientes do que está acontecendo, porém, após passarem por essa primeira experiência, poderão identifica-la quando estiver se manifestando nas situações subsequentes e com frequência poderão se automedicar para impedir o desenvolvimento ou o agravamento da encefalopatia. Referência: CECIL A amônia, uma toxina normalmente removida pelo fígado, desempenha um papel essencial na patogênese da encefalopatia hepática. Na cirrose, a amônia acumula-se na circulação sistêmica por causa do desvio de sangue realizado pelos colaterais portossistêmicos e do metabolismo hepático diminuído (p. ex., insuficiência hepática). A presença de grandes quantidades de amônia no cérebro danifica as células cerebrais de suporte