Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
INTRODUÇÃO 1. Conceito Doença hepática com lesões idênticas às promovidas pelo uso excessivo de álcool: esteatose macrovesicular + inflamação lobular e necrose hepato celular ± corpúsculos de Mallory. No entanto, acomete pessoas não etilistas, mas que, na maioria das vezes, possuem síndrome metabólica. No geral, indica acúmulo excessivo de lipídeos, já sendo caracterizada como esteatose se 5% dos hepatócitos. 2. Epidemiologia É considerada a hepatopatia crônica mais comum do mundo. Sua prevalência varia de acordo com etnia, mas atinge ambos os sexos com a mesma frequência, preferencialmente dos 40 aos 60 anos. 3. Etiologia Apesar da maioria dos pacientes que possuem DHGNA terem a síndrome metabólica como etiologia, ainda se estima que até 3% da população desenvolve a doença por meio de outras origens, de forma que podem ser por resistência a insulina ou alterações no metabolismo lipídico. • Desnutrição proteicocalórica Comum em crianças de países pobres. O tecido adiposo mobiliza suas reservas lipídicas, porem a síntese proteica está comprometida, reduzindo a quantidade de lipoproteínas secretadas. Com isso, os ácidos graxos são liberados e se acumulam no fígado, lesando os hepatócitos. • Cirurgias para obesidade mórbida Atualmente utiliza-se métodos que conjugam componentes restritivos e mal-absortivos, já que se o último fosse usado isoladamente, promoveria uma hiperproliferação bacteriana, resultando em intoxicação hepática por LPS. • Perda ponderal rápida Dietas com menos de 600Kcl/dia induzem à lipólise periférica exagerada, de modo que o fígado não da de conta de metabolizar a quantidade de ácido graxo. Por isso, é definido que pacientes obesos devem, no máximo, ter uma perda de 1,5Kg/semana se adultos ou 500g/semana se crianças. • Nutrição parenteral total Grande quantidade de gorduras infundida pode ultrapassar a capacidade hepática de metabolizar lipídeos, então se acumulam no parênquima hepático. • Drogas Alguns medicamentos podem causar infiltração gordurosa hepática, porque ocorre interferência no metabolismo lipídico – inibição da betaoxidação mitocondrial. ✓ Corticoides ✓ Antirretrovirais ✓ Nifedipina ✓ Cloroquina ✓ L-Asparginase ✓ Tetraciclina ✓ AINES ✓ Estrogênios, metotrexate ✓ Ácido valproico ✓ Amiodaona ✓ Hidrazina ✓ Dilitazem, bleomicina • Intoxicações Exposição às toxinas como DDt, tetracloreto de metila, fósforo amarelo, produtos petroquímicos, antimônio, sais de bário, entre outros, de forma que pode ser revertida com o afastamento do trabalho, que é o local que oferece maior risco de contaminação. • Gravidez Complicação tardia – terceiro trimestre – que pode ser fatal, derivada da deficiência de 3-hidroxiacil-CoA-desidrogenase, uma enzima mitocondrial do sistema de betaoxidação, que é tratado com a remoção imediata do feto. • Síndrome de vômitos da Jamaica Ingestão de frutas da região da Jamaica que possuem a toxina Hipoglicina A, que atua inibindo a betaoxidação mitocondrial. • Infecções O genótipo 3 do vírus da hepatite C está associado ao desenvolvimento da esteatose hepática, havendo correlação entre a carga viral e a intensidade da infiltração gordurosa. • Miscelânea Hipotireoidismo, síndrome de Cushing, diverticulose do delgado com supercrescimento bacteriano, doença inflamatória intestinal, entre outras. • Síndrome metabólica Critérios que definem a síndrome metabólica Glicemia de jejum > 100mg/dL ou tratamento hipoglicemiante HDL <40mg/dL (homens) ou <50md/dL (mulheres) ou tratamento para HDL baixo Triglicerídeos >150mg/dL ou tratamentos para triglicerídeos alto Obesidade central com cintura >102cm (homens) e >88cm (mulheres) PA > 130x85mmHg ou tratamento para HAS A origem da síndrome metabólica deriva da resistência à insulina, de modo que pode ser dividida em duas etapas a EHNA: ✓ Acúmulo de gordura na célula Resultado do desequilíbrio da entrada e saída de lipídeos no fígado, de modo que a resistência à insulina induz o aumento da lipólise, aumenta a captação hepática de lipídios, promove Doença hepática gordurosa não alcoólica Clínica Integrada de Gastroenterologia – aula 14 Nicole Sarmento Queiroga redução da betaoxidação mitocondrial e aumenta a biossíntese de triglicerídeos. ✓ Desenvolvimento de inflamação O desenvolvimento da inflamação é dado pelo excesso de ácidos graxos livres, que funcionam como toxinas. A sobrecarga hepática ativa sistemas enzimáticos, como a via da IKK-beta, que fosforila e ativa fator de transcrição NFkB, sintetizando TNF-alfa e interleucina-6. É importante lembrar que já havia excesso de TNF-alfa devido à resistência à insulina, produzida pelo tecido adiposo. No momento em que a esteatose hepática atinge nível crítico, ocorre o aumento da produção de TNF-alfa pelo próprio tecido hepático. Os hepatócitos sofrem com a disfunção de suas mitocôndrias, que deixam de realizar betaoxidação e realizam perioxidação dos ácidos graxos, que se tornam espécies reativas de oxigênio (ERO), cuja existência promove estresse oxidativo responsável pelo desenvolvimento da esteato- hepatite. As ERO interrompem, na mitocôndria, o processo de respiração celular, promovendo depleção de ATP e induz a entrada de sódio e água secundária à falência das bombas de Na-K (balonização dos hepatócitos). Além disso, o excesso de TNF-alfa atrai leucócitos para o parênquima hepático por quimiotaxia. Ainda, o lipopolissacarídeo bacteriano (LPS) pode derivar da proliferação excessiva de bactérias no tubo digestório, juntamente com o oxido nítrico, atuando com potentes indutores da síntese de TNF-alfa. É importante ressaltar que nem todos os indivíduos vão progredir para a cirrose, isso porque alguns indivíduos possuem um reparo hepático mais eficaz que outros, assim como alguns possuem uma maior predisposição ao desenvolvimento de fibrose. 4. Quadro clínico • Esteatose – assintomática • Esteato-hepatite – queixas vagas e inespecíficas ✓ Fraqueza ✓ Mal-estar • Cirrose – sinais e sintomas inerentes à síndrome Ao exame físico, o achado mais frequente é a hepatomegalia firme e indolor. Quando o paciente que busca ajuda médica é cirrótico, já se apresentam estigmas de hipertensão portal e insuficiência hepática crônica. 5. Exames laboratoriais • Esteatose hepática ✓ AST/ATL < 1 sugere origem não alcoólica ✓ AST/ATL > 1 sugere origem alcoólica ✓ Gama-GT geralmente alterado (não ultrapassa 4x o limite superior) ✓ Fosfatase alcalina geralmente normal (níveis entre 1,5-3x o valor de referência) ✓ Função hepática (TP e albumina) ✓ Analisar o perfil o metabólico (colesterol total e frações, triglicerídeos, glicemia em jejum, hemoglobina glicada, ácido úrico, TOT, HOMA) • Esteato-hepatite ✓ Alteração enzimática hepática ✓ Busca por marcadores de fibrose, em caso de apresentar baixo risco faz a repetição após 2 anos, mas se apresentar médio/alto risco, avaliação da biópsia o NAFLD ou NFS: AST/ALT, IMC, DM, idade, plaquetas, albumina o FIB-A: AST/ALT, idade, plaquetas o BARD: AST/ALT, IMC, idade o APRI: AST, plaquetas o RELAÇÃO AST/ALT o Fibrotest o Fibrometre • Relação AST/ALT invertida e > 2 em caso de cirrose • Presença de autoanticorpos em baixos títulos (para diferenciar da hepatite autoimune deve ser feita a biópsia – esteatose macrovesicular + inflamação lobular + corpúsculos de Mallory) • Presença de marcadores virais positivos (biópsia para diferenciar as lesões centrolobulares da esteato- hepatite das lesões periportais da hepatite viral) • Elevação da ferritina e da saturação de transferrina (investigar alterações genéticas – gene HFE – da hemocromatose) O hepatograma não é utilizado para diagnóstico específico de infiltração gordurosa, mas serve paraestimar a gravidade geral da doença. 6. Exames de imagem Os métodos possuem capacidade de detectar a esteatose, mas não conseguem definir a existência de esteato-hepatite (inflamação do parênquima). • TC de abdome Menos sensível, melhor indicador de presença de esteatose pela analise dos coeficientes de atenuação fígado e baço. Na situação normal, os coeficientes são muito parecidos, mas no fígado esteatótico não ocorre a absorção de raios X de forma tão intensa, o que o torna mais “escuro” que o baço. • USG de abdome Mais utilizado, sendo útil para identificar a presença de esteatose, sendo diagnosticada quando ocorre mais de 20% de acometimento do fígado, pela presença de gotículas esbranquiçados, não sendo capaz de identificar fibrose. Figura 1. Evolução da DHGNA. Figura 2. USG de abdome identificando esteatose hepática. • Ressonância nuclear magnética Mais acurado para avaliar a esteatose hepática, o emprego espectroscopia no estudo ajuda a identificar e quantificar a fibrose. • Elastografia hepática por fibroscan Método não invasivo capaz de identificar a presença de fibrose no fígado. Em que é definido de acordo com a progressão da fibrose, sendo F0 indicativo de ausência de fibrose, F1 ainda não é conclusivo, F2 indica sinais leves de fibrose, F3 representa sinais moderados de fibrose, F4 é a fibrose acentuada e F5 indica estabelecimento de fibrose acentuada e de cirrose. 7. Biópsia Método de escolha para solucionar dúvidas diagnósticas, confirmar esteato-hepatite e estratificar o grau de cirrose. Estadiamento histopatológico da DHGNA Estádio 1 Esteatose isolada Estádio 2 Esteatose + inflamação Estádio 3 Esteatose + inflamação + hepatócitos balonizados Estádio 4 Todos acima + corpúsculos de Mallory ± fibrose Método que auxilia no diagnóstico diferencial da doença de Nash e de outras doenças do fígado. O corpúsculo de Mallory são acúmulos intracitoplasmáticos de material eosinofílico, não apresentando papel direto no dano hepático, mas são consequências da lesão. Muitos casos de cirrose criptogênica provavelmente deriva de uma EHNA que passou despercebida, porque a gordura pode “abandonar” o parênquima hepático porque ocorre o desenvolvimento de um estado hipercatabólico. Em relação às pistas que a biópsia oferece, a principal é a localização do acúmulo inicial do colágeno quando analisados pacientes com cirrose moderada. Na DHGNA o comprometimento ocorre nas regiões centrolobulares ou perivenulares, ao passo que cirroses por outras etiologias geralmente tem a fibrose inicial em regiões periportais. Indicações para biópsia: • Idade > 45 anos, principalmente se houver obesidade e/ou diabetes mellitus • Estigmas de cirrose hepática (sinais e sintomas de falência hepatocelular e/ou hipertensão portal) • AST/ALT > 1 8. Tratamento A base terapêutica é a eliminação dos fatores desencadeantes, em particular a perda de peso, que deve ser idealmente obtida pela dieta + atividade física regular, sendo 5-7% do peso a meta de perda. No entanto, alguns pacientes não conseguem alcançar ou quando alcançam, não conseguem manter, sendo o uso do orlistat (inibidor reversível da lipase do tubo digestivo) uma alternativa para a perda de peso. Alguns pacientes podem ser referendados para a cirurgia bariátrica por possuírem obesidade mórbida. Como a resistência à insulina é uma das gêneses da doença, uma alternativa é o uso de drogas que aumentam a sensibilidade à insulina, como a pioglitazona e a rosiglitazona, melhorando os exames laboratoriais e revertendo alterações histopatológicas, mas aumentando o peso e promove perda óssea em mulheres menopausadas, além de oferecer riscos de neoplasia de bexiga. A liraglutia entra como uma alternativa porque promovem perda de peso e estimula a maior secreção de insulina, resolvendo a esteato-hepatite e promovendo uma menor progressão para a fibrose. A suplementação com 800UI/dia de vitamina E é uma estratégia para reduzir o fenômeno de estresse oxidativo, indicada em fibrose avançada em não diabéticos e portadores de doença coronariana, capaz de melhorar as enzimas e a histologia, e uso a longo prazo aumenta a mortalidade com risco maior de AVEH e doença coronariana, risco de neoplasia prostática. Por fim, pacientes que evoluem para cirrose podem ser submetidos ao transplante ortotópico de fígado. Para tratamento farmacológico, o paciente deve ser biopsiado e a última deve indicar presença de esteato-hepatite ou cirosse com fibrose de grau > 2. Figura 3. Fluxograma de diagnóstico da esteato-hepatite. Figura 4. Recomendação da perda de peso para pacientes com DHGNA.
Compartilhar