Prévia do material em texto
F u n d a m e n to s d a E d u c a ç ã o P s ic o m o to ra Vanessa Gomes Lopes Teste 2 Fu nd am en to s da E du ca çã o Ps ic om ot or a Va ne ss a Go m es L op es Fundamentos da Educação Psicomotora Vanessa Gomes Lopes Curitiba 2010 FAEL Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Diretor Administrativo-Financeiro Cássio da Silveira Carneiro Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Vívian de Camargo Bastos Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Ana Cristina Gipiela Pienta Secretária Geral Dirlei Werle Fávaro SISTEMA EDUCACIONAL EADCON Diretor Executivo Julián Rizo Diretores Administrativo-Financeiros Armando Sakata Júlio César Algeri Diretora de Operações Cristiane Andrea Strenske Diretor de TI Juarez Poletto Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado EDITORA FAEL Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Thaisa Socher Revisão Silvia Milena Bernsdorf Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Diagramação Kátia Cristina Oliveira dos Santos Ilustração da capa Cristian Crescencio Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Siderly Almeida CRB9/1022 Lopes, Vanessa Gomes L864f Fundamentos da educação psicomotora / Vanessa Gomes Lopes. – Curitiba: Editora Fael, 2010. 138 p.: il. ISBN 85-64224-07-0 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação psicomotora. I. Título. CDD 155.41 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Capítulo apresentação Este livro apresenta as bases da educação psicomotora, a origem e a definição da psicomotricidade de acordo com diversos autores que veem o corpo e seu desenvolvimento com olhares diferentes. Os autores que Vanessa Gomes Lopes cita em seu livro falam de conceitos que afir- mam sabiamente que a psicomotricidade integra mente e corpo permi- tindo que o ser humano, mais especificamente a criança, perceba o seu corpo, domine os seus movimentos e melhore a sua expressão corporal. A autora, de forma muito perspicaz, diferencia as formas de atua- ção ou abordagens da ciência psicomotora em: reeducação psicomoto- ra, terapia psicomotora e educação psicomotora. Dessa forma, coloca a importância dessa ciência para o desenvolvimento infantil, fazendo com que o leitor amplie seus conhecimentos e desenvolva uma visão crítica a partir das diversas linhas de pensamento apresentadas. Na sociedade moderna, necessitamos de habilidades que vem se aperfeiçoando e se adaptando desde as sociedades primitivas, como ter bom domínio corporal, boa percepção auditiva e visual, lateralização bem definida e capacidade de simbolização, orientação espaço-temporal, concentração, percepção dos conceitos básicos, domínio da coordenação global e fina, bem como do equilíbrio. Essas habilidades formam um con- junto que se desenvolve concomitantemente com a linguagem, com as estruturas cognitivas e com a inteligência. É a interação existente entre o pensamento e o movimento efetuado com auxílio do sistema nervoso, é a conexão entre cognitivo, afetivo e motor. A autora, assim, esclarece que a dualidade mente e corpo na história do desenvolvimento da humanidade, hoje em dia, se faz apenas didaticamente. Assim, coloca-se a importância de entendermos que o movimento, o pensamento e a linguagem são uma unidade inseparável, são unísso- nos. Essa preocupação com o desenvolvimento psicomotor, os âmbitos de atuação, a relação entre a linguagem, a cognição, a inteligência e o apresentação sumário afeto interfere diretamente no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, frisando, então, a importância da educação psicomotora. Esta leitura destaca a importância do conhecimento conceitual de orien- tação espacial, temporal, ritmo e esquema corporal, que estão intimamente relacionados quando se estuda a compreensão do movimento humano. No universo da educação escolar, o educador deve preocupar-se em entender profundamente cada um desses aspectos na individualidade de conceitos e na totalidade do ser em desenvolvimento. O educador, ao ler o livro, percebe que ele apresenta a verdadeira importância das experiên cias psicomotoras proporcionadas aos educandos e que a in- fluência destas experiências iniciais já perfazem o letramento. Esse é o caminho que os educadores percorrem já muito precocemente com seus educandos para a aquisição da leitura e da escrita. O público-alvo deste livro são os profissionais que estão envolvidos com a educação. Esta obra visa ampliar a consciência de suas práticas e seus efeitos sobre os educandos sob sua responsabilidade. Talvez você, leitor, esteja com dúvidas em relação a possibilidade de este livro cumprir com seus objetivos. Posso afirmar que a qualidade científica do texto o recomenda, que as informações nele contidas e a di- versidade de autores citados mostram uma forma coerente de entender o desenvolvimento da educação psicomotora. Uma ótima leitura e que muitas aprendizagens ocorram no estudo da obra da professora Vanessa Gomes Lopes. Rita de Cássia Spréa Uhle* * Pós-graduada em Psicopedagogia, Neuropsicologia e Terapia Comportamental Cog- nitiva. É psicóloga, pesquisadora voluntária do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas do Paraná e professora de pós-graduação da Fael. apresentação apresentação sumário Prefácio....................................................................................... 7 1 Psicomotricidade: origens e definição ...................................... 9 2 Pressupostos básicos da psicomotricidade ............................ 23 3 Etapas do desenvolvimento psicomotor ................................. 37 4 Funções psicomotoras ............................................................. 57 5 Condutas psicomotoras neuromotoras ................................... 77 6 Condutas psicomotoras perceptomotoras ............................... 95 7 Importância da educação psicomotora para a aprendizagem da leitura e da escrita ................................... 119 Referências............................................................................. 135 sumário Capítulo 7 prefácio prefácio A psicomotricidade, inicialmente encarada como prescri- ção da medicina psiquiátrica – por Dupré, em 1920 –, atingiu com Wallon (1925; 1934; 1947) e Ajuriaguerra (1977; 1988) uma di- mensão teórico-prática, sobre o desenvolvimento humano, significa- tiva, educativa, reeducativa e psicoterapêutica. A psicomotricidade, em sua ação educativa, pretende atingir a organização psicomotora da noção do corpo como marco espaço-tem- poral do “eu” (concebido como unidade psicossomática). Esse marco é fundamental a qualquer processo de conduta ou de aprendizagem, pois, busca conhecer o corpo nas suas relações múltiplas: perceptiva, simbólica e conceitual, que constituem um esquema representacional e uma vivência indispensável à integração, à elaboração e à expressão de qualquer ato ou gesto intencional. No entanto, essa técnica não pretende realçar a automação, a eficácia, a destreza motora ou o ren- dimento motor. Pretende, na verdade, transformar o corpo em um instrumento de ação sobre o mundo e em um instrumento de relação e expressão com os outros. Por acreditar que a psicomotricidade auxilia e capacita melhor o aluno para uma melhor assimilação das aprendizagens escolares, buscou-se trazer seus recursos para a sala de aula, na modalidade da educação psicomotora. A educação psicomotora, aplicada na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é preponderante para o sucesso no processo de escolarização. Nesse estudo serãoressaltados alguns aspec- tos, sobretudo: a importância de o professor inteirar-se sobre o que a psicomotricidade trata; conhecer sua estrutura, o desenvolvimento 8 psicomotor, as implicações do sistema nervoso e a importância da ma- turação neurológica; compreender como ocorre o desenvolvimento in- fantil (etapas do desenvolvimento), as funções psicomotoras, o processo de leitura e escrita e as dificuldades de aprendizagem, para a organiza- ção, planejamento e encaminhamentos acadêmicos. O docente precisa saber se sua proposta de trabalho está de acordo com as necessidades dos alunos, que caminho deve seguir e aonde pretende chegar. Para que o ato de ler e escrever se processe adequadamente, é in- dispensável o domínio de habilidades a ele relacionadas, considerando que essas habilidades são manifestações psicomotoras fundamentais. Entretanto, para a aquisição de cada habilidade motora, deverá haver um momento específico (ou uma sequência de oportunidades) em que as condições para o aprendizado de tal habilidade sejam propícias. A prática psicomotora, portanto, deve ser compreendida como um processo de ajuda que acompanha a criança em seu próprio per- curso maturativo, que evolui desde a expressividade motora e do mo- vimento até o acesso à capacidade de autonomia, independência e aquisições mais elaboradas, como as intelectuais. A autora.* * Vanessa Gomes Lopes é especialista em Psicomotricidade, Educação Especial e Ciên- cia do Movimento Humano. É professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensi- no de Curitiba – atuando na Educação Especial –, da Faculdade Educacional de Araucária (Facear) e da Fael, atuando no curso de Pedagogia nas modalidades presencial e a distância. prefácio prefácio 9 Ao dar início a um estudo sobre a psicomotricidade, torna-se importante a exposição de alguns aspectos que permitam a elaboração de um referencial histórico sobre o assunto. O corpo e a psicomotricidade Ao longo da sua história, o corpo foi marcado por significações diver- sas, atribuídas pela ciência em sua evolução constante, pela cultura de dife- rentes povos e épocas ou pelo social, carregado de suas crenças e mitos. O corpo foi alvo de questionamentos entre povos orientais e ocidentais através do pensamento filosófico, Platão o ressaltava como “o lugar de transição da existência no mundo de uma alma imortal” (COSTE, 1978, p. 10). A preocupação em compreender as bases dos movimentos do cor- po humano se apresenta desde a Grécia Antiga, quando a educação privilegiava a beleza física e a agilidade do ser humano. O estudo do corpo humano foi colocado, muitas vezes, em segundo plano. O corpo interessou apenas nos aspectos descritivos, em suas funções físicas e anatômicas, e era considerado objeto do homem, justificando-o na sua existência. O homem era apenas um corpo de carne e osso, não eram levados em conta os aspectos psíquicos. A partir da necessidade de perceber como os movimentos se proces- sam e de como eles se desenvolvem, surgiu a psicomotricidade. Os estu- dos dessa área se destacaram em 1920, quando o termo psicomotricida- de foi utilizado pela primeira vez na França, por Dupré, para evidenciar um entrelaçamento entre o movimento e o pensamento. Desde 1909, Dupré chamava a atenção de seus alunos sobre o desequilíbrio motor, Psicomotricidade: origens e definição 1prefácio Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 10 denominando o quadro de debilidade motriz. Verificou que existia uma estreita relação entre as anomalias psicológicas e as anomalias motrizes, o que levou a formular o termo psicomotricidade, identificado, conforme Ajuriaguerra (1983, p. 232), pelas seguintes características: Um estado patológico, congênito, do movimento em geral hereditário e familiar, caracterizado pela exaltação dos reflexos tendinosos, perturbação do reflexo plantar, sincinesias, inépcia dos movimentos voluntários intencionais, que chegam à impos- sibilidade de realizar voluntariamente a resolução muscular. A psicomotricidade, em seus primórdios, estudava o corpo nos as- pectos neurofisiológicos, anatômicos e locomotores. Os estudiosos se preocupavam com o fato de alguns seres vivos não apresentarem movi- mentos coordenados, simétricos e sincronizados no espaço e no tempo. Em uma primeira fase, a pesquisa teórica fixou-se, sobretudo, no desenvolvimento motor e no atraso intelectual da criança. Então, seguiram-se estudos sobre o desenvolvimento da habilidade manual e aptidões motoras em função da idade. Atualmente, o estudo ultrapassa os problemas motores. Há pes- quisas sobre as ligações com a lateralidade, com o esquema-corporal, com a estruturação espacial e com a orientação temporal de um lado e, de outro, sobre as dificuldades escolares de crianças com desenvolvi- mento psicomotor normal. Fonseca (1988) afirma que a psicomotricidade integra mente e corpo, de modo a permitir que a criança perceba o seu corpo, domine os seus movimentos e melhore a sua expressão corporal. Elevada atualmente ao nível de ciência, a psicomotricidade possui crescente importância nos trabalhos que se relacionam com o desenvol- vimento infantil, tanto na fase da pré-escola quanto nas fases posterio- res. Os três principais campos de atuação, ou formas de abordagem, da psicomotricidade estão descritos a seguir. ● Reeducação psicomotora: ocupa-se do atendimento individual ou em pequenos grupos, de crianças, adolescentes e adultos por- tadores de sintomas de ordem psicomotora, como: debilidade motora; atraso e instabilidade psicomotora; dispraxias; distúrbios do tônus da postura, do equilíbrio e da coordenação; deficiên - cias perceptivo-motoras. Barreto (1982) destaca o fato de que Capítulo 1 Fundamentos da Educação Psicomotora 11 inúmeras vezes os distúrbios não se apresentam sozinhos, mas em um contexto global, em que problemas de nível mental, proble- mas psiquiátricos e neurológicos podem estar presentes. Em um mesmo enfoque, Morizot (1979) destaca que, geralmente, deter- minados sintomas desencadeiam outros distúrbios secundários, caracterizados como relacionais e afetivos. Após a realização de um exame psicomotor e, quando possí- vel, analisados os resultados dos exames clínico, psicológico, neurológico etc., o reeducador procurará trabalhar sobre o sintoma que foi diagnosticado. Poderá, então, optar por um trabalho diretivo, em que traça e orienta as atividades de cada sessão, podendo fazer uso de técnicas de condicionamento ou adotar a não diretividade, deixando que a criança tome deci- sões quanto ao encaminhamento das ações. Segundo Barreto (1982), nessa última linha, o reeducador deixará à disposição da criança um amplo conjunto de materiais e ela decidirá o que fazer, podendo ou não abordar o sintoma de forma mais direta e imediata junto ao profissional. ● Terapia psicomotora: Lapierre e Aucouturier (1980) indicam a terapia psicomotora especialmente às crianças com grandes perturbações e cuja adaptação é de ordem patológica. Por isso, o terapeuta deve possuir uma vasta formação prática, técnica e teórica que lhe permita interpretar atitudes corporais, reações tônico-afetivas e emocionais. Embora o trabalho com crianças seja mais frequente, a terapia psicomotora pode atender também a adolescentes e adultos, individualmente ou em pequenos grupos. Na terapia, é de fundamental importância o vivido corpo- ral (as experiências vivenciadas) com relação à realidade e à fantasia, com a respectiva carga afetiva, emocional, sensual, sexual, etc. Aspectos desse vivido corporal são passados du- rante a terapia psicomotora, através da relação da criança com o seu próprio corpo, com o terapeuta e com outras pessoas que a cercam. Ao terapeuta cabe entender o que está sendo expressado e responder, às vezes através do seu corpo, num plano tambémsimbólico. Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 12 ● Educação psicomotora: dirigida às crianças consideradas “normais”, atua como parte integrante da Educação Básica durante a fase pré-escolar e escolar. Inúmeros autores interessam-se pela corrente educativa da psicomotricidade. Destacam-se entre eles o professor Jean Le Boulch, que, nos anos 60 do século XX, buscando o reconheci- mento dos valores da educação psicomotora, influenciou na de- cisão ministerial de incluí-las nos cursos primários da França. Outros pesquisadores realizaram estudos na área da educação psicomotora, entre eles André Lapierre, Bernard Aucoutu- rier, Pierre Vayer, Georges Lagrange, Dalila M. Costallat, J. Guillarme, Germaine Rossel e Jean-Cloude Coste. Seus traba- lhos, às vezes tratando simultaneamnete de reeducação e/ou terapia psicomotora, permitem aos educadores se aprofundar nos Fundamentos Teóricos da Educação Psicomotora e estru- turar seus planos de atuação com maior segurança. Uma definição de educação psicomotora que parece resguar- dar as diferentes características abordadas pelos referidos au- tores foi citada por Morizot (1979, p. 16): Uma atividade através do movimento, visando um desen- volvimento de capacidades básicas – sensoriais, perceptivas e motoras – propiciando uma organização adequada de ati- tudes adaptativas, atuando como agente profilático de distúr- bios da aprendizagem. A importância da psicomotricidade Muito se tem escrito sobre o significado e a importância da psi- comotricidade. Nesse tópico serão citados, de maneira esclarecedora, alguns autores que têm estudado esse assunto, embora pertençam a linhas de pensamento diferentes entre si. Gesell (1962), com a ajuda de vários colaboradores, foi responsá- vel, ao final dos anos 30 do século XX, pela elaboração de uma escala de desenvolvimento infantil, na qual relacionava: características motrizes, conduta adaptativa, linguagem e conduta pessoal-social, a cada ano de idade completado pelas crianças observadas. Capítulo 1 Fundamentos da Educação Psicomotora 13 Harrow (1972) fez uma análise sobre o homem primitivo, ressal- tando como o desafio de sua sobrevivência estava ligado ao desenvol- vimento psicomotor. As atividades básicas consistiam em caça, pesca e colheita de alimentos e, para isto, os objetivos psicomotores eram essenciais para a continuação da existência do grupo. Necessitavam de agilidade, força, velocidade e coordenação. A recreação, os ritos cerimo- niais, as danças em exaltação aos deuses e a criação de objetos de arte também eram atividades desenvolvidas por eles. Tiveram que estruturar suas experiências de movimentos em formas utilitárias mais precisas. Hoje, o homem também necessita dessas habilidades, embora te- nha se aperfeiçoado mais para uma melhor adaptação ao meio em que vive. Necessita ter um bom domínio corporal, boa percepção auditiva e visual, uma lateralização bem definida, faculdade de simbolização, orientação espaço-temporal, poder de concentração, percepção de for- ma, tamanho, número, domínio dos diferentes comandos psicomoto- res (como coordenação fina e global) e equilíbrio. Harrow (1972) citou, ainda, os sete movimentos ou modelos de movimentos básicos inerentes ao homem, que são: correr, saltar, escalar, levantar peso, carregar (sentido de transportar), pendurar e arremessar. Como exemplo disso, podemos observar crianças quando estão envolvi- das em alguma atividade durante o dia. Possuem movimentos naturais porque são inerentes ao organismo humano, não necessitam ser ensinadas e representam a necessidade de se tornarem ativas. A função do educador, então, seria modelar e tornar eficiente a execução desses movimentos. Piaget (1987), estudando as estruturas cognitivas, descreveu a im- portância do período sensório-motor e da motricidade, principalmente antes da aquisição da linguagem, no desenvolvimento da inteligência. O desenvolvimento mental se constrói, paulatinamente; é uma equili- bração progressiva, uma passagem contínua, de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. Como exemplo, tem-se o desafio do meio, que pode levar a pertur- bações e provocar um desequilíbrio. Em resposta, a pessoa vai procurar novas formas de equilíbrio no sentido de uma maior adaptação ao meio e, com isto, atinge um maior desenvolvimento mental. A inteligência, portanto, é uma adaptação ao meio ambiente, e, para que isso possa ocorrer, necessita inicialmente da manipulação, pelo indi- víduo, dos objetos do meio com a modificação dos reflexos primários. Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 14 A adaptação se dá na interação com o meio e se faz por intermédio de dois processos complementares de incorporação dos objetos e infor- mações às estruturas mentais já existentes. A acomodação, significando a transformação dessas estruturas mentais, se dá a partir das informa- ções sobre os objetos. É claro que o desenvolvimento da inteligência não se esgota nesses aspectos, mas é importante lembrar que ela se rela- ciona com a psicomotricidade. Quando uma criança percebe os estímulos do meio através de seus sentidos, suas sensações e seus sentimentos, e quando age sobre o mun- do e sobre os objetos que o compõem através do movimento de seu corpo, está experienciando, ampliando e desenvolvendo suas funções intelectivas. Por outro lado, para que a psicomotricidade se desenvolva, também é necessário que a criança tenha um nível de inteligência sufi- ciente para fazê-la desejar experienciar, comparar, classificar, distinguir objetos. Brandão (1984, p. 61) a esse respeito afirma: Mesmo após o início da prática dos movimentos voluntários, é somente após a criança ser capaz de representar mentalmente os objetos, de simbolizar, de poder fazer abstrações e generali- zações, que poderá fazer a “invenção” de novos meios de ação. As manifestações da inteligência prática aparecem pelos 8 ou 9 meses, quando as condutas da criança demonstram que ela é capaz de combinar duas ou mais ações usando-as como meios para vencer as situações que a impedem de executar um ato desejado como, por exemplo, afastar primeiro um obstáculo interposto entre a sua mão e o brinquedo que quer manipular e só então aproximar a mão do objeto e segurá-lo. Para conseguir o nível de inteligência que permita assim pro- ceder, uma longa preparação, através das experiências vividas pela criança, deve ter acontecido. Wallon (1979, p. 17-33), um dos pioneiros nos estudos de psi- comotricidade, salienta a importância do aspecto afetivo como ante- rior a qualquer tipo de comportamento. Existe, para ele, uma evolução corporal chamada de diálogo corporal e que constitui “o prelúdio da comunicação verbal”. Este diálogo corporal é fundamental na gênese psicomotora, pois “a ação desempenha o papel fundamental de estrutu- ração cortical e está na base da representação”. O movimento, portanto, assume uma grande significação. Inicial- mente a criança apresenta uma agitação orgânica e uma hipertonicida- Capítulo 1 Fundamentos da Educação Psicomotora 15 de corporal, ocasionando uma relação com o meio ambiente de forma difusa e desorganizada. Pouco a pouco, começa a se expressar através dos gestos que estão ligados à esfera afetiva e que são, portanto, o escape das emoções vividas. Esse mundo das emoções, mais tarde, dará origem ao mundo da representação. O movimento, como um elemento básico de reflexão humana, aparece depois, como um fundamento sociocultu- ral e dependente de um contexto histórico e dialético. Wallon (1979, p. 17) afirma que é “sempre a ação motriz que re- gula o aparecimento e o desenvolvimento das formações mentais”. Na evolução da criança, portanto, a motricidade, a afetividade e a inteli- gência estão relacionadas. A criança exprime-se por gestos e por palavrase são essas aquisi- ções que encaminham-na para sua autonomia. A esse respeito, Fonseca (1987, p. 32) afirma que “a significação da palavra evolui com a ma- turidade motora e com a corticalização progressiva. É pelo movimento que a criança integra a relação significativa das primeiras formas da linguagem (simbolismo)”. Há duas frases de Wallon (apud FONSECA, 1987, p. 30) que traduzem seu pensamento sobre o que é o movimento: “Movimento (ação), pensamento e linguagem são uma unidade inseparável. O mo- vimento é o pensamento em ato”. A educação psicomotora, no entender de Lagrange (1982, p. 470), “não é o treino destinado à automatização, à robotização da criança”. Ele cita Vayer para reforçar sua opinião: Trata-se de uma educação global que, associando os potenciais intelectuais, afetivos, sociais e psicomotores da criança, lhe dá segurança, equilíbrio, e permite o seu desenvolvimento, orga- nizando corretamente as suas relações com os diferentes meios com os quais tem de evoluir (VAYER apud LAGRANGE, 1982, p. 470). Entretanto, Ajuriaguerra (1980, p. 211) afirma ser um erro estu- dar a psicomotricidade apenas sob o plano motor, dedicando-se [...] exclusivamente ao estudo de um “homem motor”. Isto conduziria a considerar a motricidade como uma simples fun- ção instrumental de valor puramente efetuador e dependente da mobilização de sistemas por uma força estranha a eles, quer seja exterior ou interior ao indivíduo, despersonalizando, as- sim, completamente a função motora. Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 16 O autor faz uma comparação entre a evolução da criança e a evo- lução da sensório-motricidade: É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mun- do dos objetos, e é manipulando-os que ela descobre o mun- do; porém esta descoberta a partir dos objetos só será verda- deiramente frutífera quando a criança for capaz de segurar e largar, quando ela tiver adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que ela manipula, quando o objeto não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada (AJURIAGUERRA, 1980, p. 210). Defontaine (1980, p. 17-18) declara que só poderemos entender a psicomotricidade através de uma “triangulação corpo, espaço e tempo”. A psicomotricidade é um caminho, é o “desejo de fazer, de querer fazer; o saber fazer e o poder fazer”. Defontaine (1980) define os dois componentes da palavra psico- motricidade: psico, significando os elementos do espírito sensitivo, e motricidade traduzindo-se pelo movimento, pela mudança no espaço em função do tempo e em relação a um sistema de referência. Já Fonseca (1988, p. 332) afirma que se deve tentar evitar uma análise desse tipo para não cair no erro de enxergar dois componentes distintos: o psíquico e o motor, pois ambos são a mesma coisa. Defendemos, através da nossa concepção psicopedagógica, a inseparabilidade do movimento e da vida mental (do ato ao pensamento), estruturas que representam o resultado das ex- periências adquiridas, traduzidas numa evolução progressiva da inteligência, só possível por uma motricidade cada vez mais organizada e consciencializada. Ele vê o movimento como realização intencional, como expressão da personalidade e que, portanto, deve ser observado não tanto por aquilo que se vê e se executa, mas também por aquilo que representa e origina. A psicomotricidade, para ele, não é exclusiva de um novo método, ou de uma escola ou de uma corrente de pensamento, nem constitui uma técnica, um processo, mas visa a fins educativos pelo emprego do movimento humano. Le Boulch (1984, p. 21-25) também acredita que a atitude em psicomotricidade deve ter sua própria identidade, e que não se deve relacionar necessariamente sua metodologia a uma outra corrente. Ele afirma que a psicomotricidade recebe contribuições da psicanálise, no Capítulo 1 Fundamentos da Educação Psicomotora 17 tocante a importância do afeto no desenvolvimento e da concepção comportamental, no sentido de valorizar o instrumento para um maior desempenho do indivíduo. Ele apresenta o objetivo da educação psicomotora proposta pela comissão de renovação pedagógica para o 1º grau na França: A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares; leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a domi- nar seu tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação psicomotora deve ser prati- cada desde a mais tenra idade; conduzida com perseverança, permite previnir inadaptações difíceis de corrigir quando já estruturadas (LE BOULCH, 1984, p. 24). Lapierre e Aucouturier (1986) e Le Boulch (1984) têm a mesma posição quando afirmam que a educação psicomotora deve ser uma formação de base indispensável a toda criança. A psicomotricidade se propõe a permitir ao homem sentir-se bem na sua pele, permitir que se assuma como realidade corporal, possibili- tando-lhe a livre expressão de seu ser. Não se pretende aqui considerá-la como um coringa que vá resolver todos os problemas encontrados em sala de aula. Ela é apenas um meio de auxiliar a criança a superar as dificuldades e prevenir possíveis inadaptações. Ela procura proporcionar ao aluno algumas condições mínimas a um bom desempenho escolar. Pretende aumentar seu potencial motor dando-lhe recursos para que se saia bem na escola. O indivíduo não é feito de uma só vez, mas se constrói, através da interação com o meio e de suas próprias realizações. A psicomotrici- dade desempenha aí um papel fundamental, pois o movimento é um suporte que ajuda a criança a adquirir o conhecimento de mundo que a rodeia através de seu corpo, de suas percepções e sensações. A educação psicomotora pode ser vista como preventiva, na medida em que dá condições à criança desenvolver melhor em seu ambiente. É vista também como reeducativa quando trata de indivíduos que apresentam desde o mais leve retardo motor até problemas mais sérios. É um meio de imprevisíveis recursos para combater a inadaptação escolar (FONSECA, 1988, p. 368). Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 18 Tanto dentro da ação educativa como reeducativa, adotaremos a visão proposta por Le Boulch (1984) de que se una o aspecto funcional ao afetivo, pois os dois têm que caminhar lado a lado. Por meio do vínculo afetivo ou relacional podemos entender a relação da criança com o adulto, com o ambiente físico e com as outras crianças. A maneira como o educador penetra no universo da criança assume aqui um aspecto essencial. É muito importante que o professor demonstre carinho e aceitação integral do aluno para que este passe a confiar mais em si mesmo e consiga expandir-se e equilibrar-se. A boa evolução da afetividade é expressa através da postura, das atividades e do comportamento. Uma criança muito fechada em si mesma possui falta de espontaneidade, tem a tendência de fechar tam- bém seu corpo, isto é, tende a encolher-se e a trabalhar com o tônus muito tenso, muito esticado. Piaget (1987) consolida bem a relação entre afetividade e psicomotri- cidade, quando postula que a afetividade pode ser o motor ou o freio da inteligência. Com relação ao aspecto funcional, estamos entendendo a forma como o indivíduo reage e se modifica diante dos estímulos do meio. Um bom educador psicomotor, com sua disponibilidade e competên- cia técnica, pode ajudar muito o aluno. Ele pode induzir situações que obriguem esse aluno a agir corretamente no ambiente, visando a um maior desenvolvimento funcional, pode auxiliar seu aluno a tomar consciência de seus próprios bloqueios e procurar suas origens e, prin- cipalmente, realizar exercícios adequados para um bom desempenho de seu esquema corporal. Um educador, apartir de um bom conhecimento do desenvolvimento do aluno, poderá estimulá-lo de maneira que as áreas motricidade, cognição, afetividade e linguagem estejam interligadas. Capítulo 1 Fundamentos da Educação Psicomotora 19 O aluno irá se sentir bem na medida em que se desenvolver integralmente através de suas próprias experiências, da manipulação adequada e constan- te dos materiais que o cercam e também das oportunidades de descobrir-se. E isso será mais fácil de conseguir se estiverem satisfeitas suas necessidades afetivas, sem bloqueios e sem desequilíbrios tônico-emocionais. Nesse sen- tido, pode-se afirmar o cuidado especial que se deve tomar com as crianças em seus primeiros anos de escolaridade. Mediante o processo de ensino-aprendizagem é muito importante que os educadores, principalmente os de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, tenham conhecimento sobre o desenvolvimen- to infantil para que os conteúdos acadêmicos a serem trabalhados este- jam de acordo com as necessidades psicomotoras daquela faixa-etária. Nesse sentido, uma crítica faz-se necessária: em uma tentativa de desenvolver a motricidade de seus alunos, os professores solicitam o preenchimento de folhas e mais folhas mimeografadas de riscos à direi- ta, à esquerda, verticais, horizontais, bolinhas e ondas. Esses mesmos professores, quando pretendem ensinar conceitos dentro-fora, por exemplo, pedem a seus alunos para colarem bolinhas de papéis coloridos, fazerem cruzes ou desenharem dentro ou fora de um quadrado, círculo ou de qualquer desenho. Ao final, acham que as crianças assimilaram corretamente esses termos e passam para outros itens que serão treinados da mesma maneira. Na realidade, estão desenvolvendo a aquisição de gestos automá- ticos e técnicas sem se preocupar com a vivência corporal, isto é, as percepções que lhe dão o conhecimento do mundo que o rodeia. Oli- veira (1997, p. 38) acrescenta: “os exercícios psicomotores, através do movimento e dos gestos, não devem ser realizados de forma mecânica, devem ser associados com as estruturas cognitivas e afetivas”. Muitas dificuldades podem surgir com uma aprendizagem falha na escola. Está certo que algumas habilidades motoras começam a ser desenvolvidas na família, mas não se pode negar a importância dos primeiros anos de escolaridade. Por outro lado, também há alunos que já vão para a escola com problemas motores que prejudicam seu Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 20 aprendizado e que não são sanados em momento algum, acarretando em uma maior dificuldade para adaptar-se à escola. Existem alguns pré-requisitos, do ponto de vista psicomotor, para que uma criança tenha uma aprendizagem significativa em sala de aula. É necessário que, como condição mínima, ela possua um bom domínio do gesto e do instrumento. Isso significa que precisará usar as mãos para escrever e, portanto, deverá ter uma boa coordenação fina. Ela terá mais habilidade para manipular os objetos de sala de aula, como lápis, borracha, régua, se estiver ciente de suas mãos como parte de seu corpo e tiver desenvolvido padrões específicos de movimentos. Deverá aprender a controlar seu tônus muscular de forma a saber dominar seus gestos, ou seja, imprimir a força adequada no lápis sobre o papel. É importante, também, que ela tenha uma boa coordenação global, saindo-se bem ao se deslocar, transportar objetos e se movimentar em sala de aula e no recreio. Muitos dos jogos e brincadeiras, realizados nos pá- tios das escolas, são, na verdade, uma preparação para uma aprendizagem posterior. Com eles, a criança pode adquirir noções de localização, latera- lidade, dominância e, consequentemente, orientação espaço-temporal. Um fator importante para a educação escolar é o desenvolvimento do sentido de espaço e tempo. Uma boa orientação espacial poderá capacitá-la a orientar-se no meio com desenvoltura. Do movimento que transcorre surgem as noções de tempo, duração de intervalos, sequência, ordenação e ritmo. Outro elemento importante, também como pré-requisito para uma boa aprendizagem, é a acuidade auditiva e visual, mas só é possível propiciar estes estímulos se eles estiverem integrados e bem orientados. Resumo Resumo Resumo ResumoResumo Resumo Resumo Resumo O termo psicomotricidade apareceu pela primeira vez com Dupré, em 1920, para evidenciar o paralelismo entre o desenvolvimento motor e o desenvolvimento intelectual em pessoas com deficiência intelectual. As primeiras teorias de psicomotricidade privilegiaram o fun- cionamento corporal e utilizaram-se de técnicas de reeducação ins- trumental. Essas técnicas desenvolviam aspectos específicos, como: Capítulo 1 Fundamentos da Educação Psicomotora 21 o tônus, a organização espacial e o esquema corporal. Era dada maior ênfase ao desempenho, principalmente no contexto escolar. Os aspectos psicológi- cos, afetivos e emocionais eram abordados apenas quando a criança apresentava um maior comprometimento. Posteriormente, inúmeros pesquisadores realizaram impor- tantes estudos que se refletem até os momentos atuais no âmbito da psicomotricidade, como: Gesell, Harrow, Piaget, Wallon, Lagrange, Vayer, Ajuriaguerra, Defontaine, Le Boulch, Lapierre, Fonseca, entre outros autores, alguns com publicações mais recentes. A preocupação com o desenvolvimento psicomotor infantil e o processo de aprendizagem da leitura e da escrita desencadeou, ao longo dos anos, todo um processo evolutivo da psicomotricidade no âmbito da educação. Por isso, foi denominada de educação psicomotora. Os estudos demonstram que a noção do espaço gráfico, por estar pautada no espaço vivido, demanda, no educando, a necessidade de já possuir no seu repertório alguns componentes psicomotores, sem os quais não alcançaria o sucesso no mundo letrado. Entretanto, para organizar o espaço gráfico a criança deve ter internalizado anteriormen- te o espaço vivido, isto é, a descoberta corporal e noções de espaço e tempo. O trabalho das funções psicomotoras mediante a aprendizagem significativa é fundamental para o desenvolvimento progressivo e equi- librado dos educandos. Assim, a psicomotricidade conquistou uma expressão significativa no universo da educação escolar, por desvendar o complexo fenômeno da leitura e da escrita a partir da compreensão e junção entre cognitivo, afetivo e motor. O espaço gráfico compreende o processo de escrita. São as atividades de coordenação mo- tora fina (visuo-motora) realizadas no papel. Espaço vivido é a capacidade de orientar-se, situar-se e movimentar-se no espaço, tendo como referência o próprio corpo. Consistem nas atividades de coordenação motora ampla (corpo-espaço) realizadas no processo de interação da criança com o meio. Saiba mais 23 Para entender melhor a educação psicomotora é necessário de- finir alguns de seus elementos. Primeiramente, serão compreendidas as teorias sobre o desenvolvimento humano que comportam estudos de processos evolutivos nas perspectivas filo e ontogenética, e, poste- riormente, o significado e a importância da estrutura e do desenvolvi- mento psicomotor. Da filogênese à ontogênese A concepção filogenética de evolução das espécies favorece a com- preensão do desenvolvimento dos seres humanos, a partir da análise da árvore filogenética correspondente. Na bifurcação que, ao cabo de vários milhões de anos, nos conduz até os orangotangos – a mais antiga espécie que originou –, gorilas e chimpanzés, de um lado, e os homens, de outro. A filogenia, que nos leva a compreender a base biológica do desenvolvimento orgânico do in- divíduo, todavia, não é suficiente para justificar as especificidades do desenvolvimento psíquico, típicas do ser humano, isto é, o pensa- mento, a linguagem, os modos de fazer as coisase a personalidade. Para tanto, devemos nos apoiar na concepção ontogenética, pois essa complementa e justifica as Pressupostos básicos da psicomotricidade 2 Filogenia: desenvolvimento das espécies que existem no mundo. O homem é a única espécie que se apresenta na posição ereta e pode, com as mãos, produ- zir movimentos de coordenação motora fina. Para saber mais sobre filogênese e ontogê- nese, uma sugestão é o livro: FONSECA,V. da. Psicomotricidade: perspectivas multidisciplina- res. Porto Alegre: Artmed, 2004. Saiba mais Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 24 características da espécie humana, ou seja, do homo sapiens. O significado do controle postu- ral para o ser humano é extrema- mente relevante, pois se trata de um produto final de inumeráveis adaptações filogenéticas e uma dis- posição ontogenética fundamental em todos os processos de apren- dizagem e de adaptação (AYRES apud FONSECA 2008, p. 66). Por consequência, a postura é es- sencial à aprendizagem, sem ela se- ria impossível ter uma perspectiva de transição da evolução biológica para a evolução cultural. Filogenia da organização neurológica na evolução da espécie ● Insetos: é a espécie que possui a menor organização neuro- lógica. Possuem dois gânglios, por isso apresentam somente duas funções motoras. ● Vertebrados (tubarões e arraias): apresentam dois gânglios e a medula espinhal. Executam movimentos de ondulações e possuem mandíbula móvel. ● Anfíbios (sapos e salamandras): o cérebro do anfíbio apre- senta medula espinhal, protuberância anular, mesencéfalo, hemisférios cerebrais (direito e esquerdo) e lobos olfativos. Movimentos de andar, pular e nadar. ● Répteis (lagarto, tartaruga e jacaré): possuem medula, pro- tuberância anular, cerebelo, lobo ótico, lobo olfativo, nervo olfativo e hemisférios cerebrais (direito e esquerdo). Movi- mentos de andar e nadar. ● Mamíferos: dividem-se em três grupos. • Primatas: são os lemuroides. Possuem medula espinhal, mesencéfalo, visão bilateral, têm quatro dedos e usam a Fonte: Fonseca (2004, p. 65). Capítulo 2 Fundamentos da Educação Psicomotora 25 cauda como o quinto dedo. É a única espécie no mundo que não envelhece. • Tarsioides: têm como característica os cinco dedos. • Antropoides: são os macacos. Sua consti- tuição neurológica é muito próxima do ser humano. Nesse processo filogenético existem dois fatores que diferenciam o homem de outras espécies e principalmente do macaco, que são a motricidade e a linguagem. A grande contribuição do homem ao processo filogenético foi de função e não de estrutura. Isso quer dizer que a espécie humana foi, cada vez mais, aperfeiçoando os seus movimentos e, consequentemente, os objetos. O ho- mem começou a perceber a funcionalidade dos objetos. Conforme Fonseca (2004, p. 42), o homem é, eminentemente, um ser práxico e comunicativo, educável e sociável, não obstante sua biologia seja insuficiente para explicar o que fez, o que faz ou venha fazer, uma vez que está condenado a ser, simultaneamente, agente e produto da cultura. Em síntese, a evolução revela que, nos seres hu- manos, a sua motricidade e a sua linguagem, concomitantemente com o cérebro e os sistemas funcionais, desenvolvem-se em conjunto. Segundo a perspectiva ontogenética, o que caracterizará o desen- volvimento da espécie e da criança é a internalização de aquisições filoge- néticas e, com elas, a apropriação da experiência sócio-histórica, ou, em outras palavras, da transmissão cultural, passadas de geração a geração. Assim, a ontogenética se preocupa em compreender as nuances do desenvolvimento do ser humano e o estuda de forma horizontal, desde o período pré-natal até a velhice. Preocupa-se, também, com a Fonte: Fonseca (2004, p. 41). Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 26 integração dos processos já elucidados previamente nessa evolução. Já o estudo sobre o pensamento, a linguagem, a atenção, a percepção, o físico, o desenvolvimento psicomotor, o afetivo, o neurológico, ou das funções psíquicas superiores do ser humano é realizado de forma ver- tical, além de analisar as capacidades em si, contrapondo-se nas várias etapas da vida. É nessa perspectiva que a espécie, na sua evolução, e a criança, no seu desenvolvimento intraindividual, são concebidas como seres sociais em relação a um dado contexto social e cultural, primeiramente com a mãe e a família e, posteriormente, com outros sujeitos e contextos sociais, o que lhes permitirá ascender a uma espécie de reassimilação sócio-histórica e biocultural. Isso quer dizer que, em termos dialógicos, a espécie humana e a criança não estão meramente submetidas às leis biológicas, mas tam- bém às novas leis culturais adquiridas pelo homem através dos tempos. A evolução da espécie e da criança depende, assim, não só de leis bioló- gicas, mas de leis socioculturais. Em outras palavras, a evolução da espécie e da criança, isto é, seus desenvolvimentos psicomotores intrínsecos, realizam-se entre dois fato- res dialeticamente dependentes: o biológico e o social, ou, por analogia, o corporal e o cultural. Estrutura e desenvolvimento psicomotor Para entender melhor a psicomotricidade é necessário definir al- guns elementos. Primeiramente, buscaremos compreender o signifi- cado dos termos estrutura e desenvolvimento, propriamente ditos. É bom que tenhamos clareza da relação existente entre a estrutura de um sujeito e os processos de seu desenvolvimento, para, mais tarde, podermos compreender algumas causas da obtenção do sucesso ou do fracasso escolar. Estrutura psicomotora A estrutura psicomotora engloba todos os mecanismos responsá- veis pelo deslocamento ou locomoção do indivíduo, além de todo e qualquer movimento produzido por qualquer parte do seu corpo. Capítulo 2 Fundamentos da Educação Psicomotora 27 Essa estrutura é a base para o desenvolvimento em todos os aspec- tos, de toda ordem e natureza do ser humano. Possibilita em todos os níveis o desenvolvimento psicomotor. É como se ela fosse o solo fértil para a germinação do alimento dos seres vivos do planeta. É por isso que, quando falamos em psicomotricidade, a noção de globalidade se generaliza, pois a impressão que temos é a de que se considerará o ser humano como um todo integrado, e não fragmentado em pequenas partes. As estruturas psicomotoras são as unidades básicas de movimento, que abrangem a capacidade de equilíbrio e asseguram as posições estáti- cas. Essas unidades básicas são aquelas que oportunizam ao sujeito: ● locomover-se; ● manipular objetos; ● equilibrar seu tônus corporal (que interage com a organização espaço temporal); ● desenvolver e adequar sua coordenação óculo-manual, seu equilíbrio, sua lateralidade, seu ritmo e seu relaxamento. As unidades básicas são responsáveis pelos movimentos naturais, como: andar, correr, pular, saltar, rolar, rastejar, engatinhar, lançar, subir e descer. Desenvolvimento psicomotor O termo desenvolvimento psicomotor diz respeito à interação existente entre o pensamento, consciente ou não, e o movimento efe- tuado pelos músculos, com auxílio do sistema nervoso. Estudar o de- senvolvimento psicomotor implica em compreender as transformações contínuas que ocorrem por meio da interação dos indivíduos entre si e com o meio em que vivem. A meta do desenvolvimento psicomotor é o controle do pró- prio corpo até ser capaz de tirar dele todas as possibilidades de ação e expressão possíveis. Esse desenvolvimento envolve um componente externo ou prático (a ação), mas também um Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 28 componente interno ou simbólico (a representação do corpo e suas possibilidades de ação) (COLL et al., 2004, p. 68). Essa citação expõeduas características fundamentais do desenvol- vimento psicomotor: ● possibilitar ao nosso corpo agir e expressar-se de forma ade- quada, a partir da interação de componentes externos, que é o próprio movimento. ● possibilitar-nos ações e expressões adequadas, a partir da in- teração de componentes internos, que são todos os processos neurológicos e orgânicos que executamos para agir. Tem-se evidenciado que todo movimento humano envolve pro- cessos neurológicos específicos, que ocorrem desde a percepção do es- tímulo até a efetivação da resposta. São eles que possibilitam ao sujeito agir e aprender. O movimento, as ações, enfim, a integração do homem às condições do meio ambiente está na dependência de um sistema muito especial chamado de sistema nervoso. O sistema nervoso coordena e controla todas as atividades do orga- nismo, desde as contrações musculares e o funcionamento de órgãos até a velocidade de secreção das glândulas endócrinas. Integra sensações e ideias, opera fenômenos de consciência, interpreta os estímulos advin- dos da superfície do corpo, das vísceras e de todas as funções orgânicas e é responsável pelas respostas adequadas a cada um destes estímulos. Muitas dessas informações são selecionadas e às vezes eliminadas pelo cérebro como não significativas. Por exemplo: pode-se não tomar co- nhecimento da pressão do corpo com as roupas, da visão de algum objeto em sala de aula, de um barulho constante. Muitas vezes, essas informações se tornam completamente irrele- vantes. Uma das funções do sistema nervoso é selecionar e processar as informações e canalizá-las para as regiões motoras correspondentes do cérebro, para depois emitir respostas adequadas de acordo com a vivên- cia e a experiência de cada indivíduo. Desde a nossa concepção, a maturação do sistema nervoso nos possi- bilita a aprendizagem progressiva de habilidades de forma que sempre Capítulo 2 Fundamentos da Educação Psicomotora 29 que uma determinada área cerebral amadurece, exibimos os movimentos e comportamentos correspondentes. É muito importante termos algumas noções sobre o sistema ner- voso, para que possamos compreender melhor o que se passa no orga- nismo das crianças e assim termos mais condições de agir no sentido de propiciar-lhes um desenvolvimento equilibrado e progressivo. Ao nascer, o ser humano apresenta algumas estruturas já prontas, definidas, como a cor dos olhos, dos cabelos, o sexo. Outras ainda estão por se desenvolver. Nesse último caso encontra-se a parte do sistema nervoso, que precisa de condições favoráveis para o seu pleno funciona- mento e desenvolvimento. O córtex cerebral, substância cinzenta que reveste o cérebro e onde estão localizadas as funções superiores, está presente no nascimento de forma ainda muito rudimentar. As células do sistema nervoso são chamadas de neurônios. O neu- rônio é uma célula diferenciada e tem as funções de receber e conduzir os estímulos. O córtex cerebral é o centro em que são avaliadas as infor- mações e processadas as instruções ao organismo. Para que haja uma transmissão de informações, o córtex cerebral necessita de impulsos que lhe chegam dos receptores exteroceptivos (pele, retina, ouvido interno, olfato, paladar), proprioceptivos (múscu- los, tendões e articulações) e interoceptivos (vísceras). A condução dos impulsos advindos desses receptores aos centros nervosos se faz por meio das fibras nervosas sensitivas ou aferentes e a transmissão aos músculos do comando dos centros nervosos é efetuada pelas fibras eferentes ou motoras. A velocidade dos impulsos nervosos se faz através do revestimento da bainha de mielina encontrada nas fibras nervosas e que é composta por colesterol, fosfatídeos e açucares. Essa bainha possui a função não só de condução como também de isolante. Fonseca e Mendes (1987, p. 118), estudando a mielinização das fibras nervosas, afirmam que “a criança nasce e chega ao mundo Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 30 com a sua mielinização por fazer, isto é, com o seu sistema nervoso por (e para) acabar”. A bainha de mielina desempenha um importante papel na trans- missão de informações. Existe maior velocidade nas fibras mielínicas do que nas amielínicas. Como conclusão, Fonseca e Mendes (1987, p. 118) mostram que: Ora, torna-se assim evidente como esta maior velocidade de comunicação entre os centros de decisão e os centros de execu- ção é duma importância decisiva para a coordenação e respec- tivo controle muscular em qualquer aprendizagem, incluindo naturalmente todas as aprendizagens escolares. O grau de mie- linização acaba mesmo por ser um índice de crescimento da própria criança (e da sua inteligência). O período mais crítico para a mielinização e o desenvolvimento neuronal se dá entre o 6º mês de gestação até os seis anos de idade da criança. As células nervosas vão se desenvolver bastante nessa fase e para que isso ocorra necessitam de energia (açúcares e gorduras) e de proteí- nas. Das proteínas transmitidas pelo sangue da mãe para alimentar o feto, 80% vão para o cérebro. Uma gestante com condições nutricionais baixas vai influir bastan- te nos neurônios da criança. Uma desnutrição ocorrida nessa fase leva a criança a ter prejuízos enormes em seus neurônios. Ela terá menos neurônios e não chegará a ter o número adequado de células nervosas, mesmo que seja bem alimentada depois. Após o nascimento, a alimentação continua sendo essencial para que o sistema nervoso se torne diferenciado. As substâncias necessárias para uma boa formação do sistema nervoso, portanto, têm que estar presentes não só na vida intrauterina, mas também após o nascimento. Contudo, não só a nutrição é importante para um bom desenvol- vimento da criança. A estimulação do ambiente também. Quanto mais estimulamos uma criança, mais provocamos nela reações e respostas que se traduzem em um número maior de sinapses. A sinapse é uma conexão entre os neurônios na qual um neurônio estimula o seguinte através da liberação de uma substancia chamada de neurotransmissor, propagando-se, assim, os impulsos nervosos e trans- mitindo as informações. Capítulo 2 Fundamentos da Educação Psicomotora 31 A palavra informações, nesse contexto, pode significar muitas coi- sas, como fatos, lembranças, conhecimentos, valores, intensidade de dor, temperatura, luz ou qualquer outro fato significante. O cérebro vai transmitir a informação de um ponto a outro de um modo que se torne significativo para a mente. As sinapses são numerosas, várias centenas para um mesmo neu- rônio. Cada neurônio é submetido a diversos estímulos, uns agindo no sentido da facilitação e outros, no sentido da inibição. Eles ocorrem em grande número e uns atuam mais que os outros devido ao hábito. Existem sinapses que nunca usamos e que nunca usaremos. Aprender, neurologicamente falando, significa usar sinapses nor- malmente não usadas. O uso, portanto, de maior ou menor número de sinapses é o que condiciona uma aprendizagem no sentido neurológico. Dessa maneira, um educador com atitude estimuladora estará ajudan- do seu aluno a diferenciar seu sistema nervoso, ampliando seu número de sinapses. Embora tenhamos salientado a necessidade de uma boa estimula- ção do meio ambiente, temos que tomar cuidado para não nos exceder- mos, pois isso, além de provocar ansiedade na criança, não irá apressar o processo de maturação do sistema nervoso. O sistema nervoso não se desenvolve de uma só vez e obedece a uma sequên- cia. É preciso pedir para a criança o que ela é capaz de realizar, levando em consideração seu processo de maturação (OLIVEIRA, 1997, p. 20). A importância da maturação nervosa para a aprendizagem tem merecido muitas discussões por parte de diversos autores. Lourenço Filho (1964, p. 35) comenta: A aprendizagem supõeum mínimo de maturidade de onde possa partir qualquer que seja o comportamento consi- derado. Para que o exercício de uma atividade complexa como a leitura possa integrar-se, exigir-se-á a fartiori, de- terminado nível de maturidade anterior. Sem ele, será inú- til iniciar a aprendizagem. Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 32 Brandão (1984, p. 41) também ressalta a importância da maturi- dade para o desenvolvimento da aprendizagem. A aprendizagem não poderá proporcionar um desenvolvi- mento superior à capacidade de organização das estruturas do sistema nervoso do indivíduo; uma criança não poderá apren- der das experiências vividas, conhecimentos para os quais não tenha adquirido, ainda, uma suficiente maturidade. A maturi- dade é, no entanto, dependente, em parte, do que foi herdado, e, em parte, do que foi adquirido pelas experiências vividas. Para ele, portanto, a maturidade está sempre em desenvolvimento e nunca estaciona. Condemarín, Cladwick e Militic (1986, p. 4-5) acreditam que se pode construir a maturidade de forma progressiva contando com a in- teração de fatores internos e externos. Acreditam que, para isto, devem ser proporcionadas “condições nutricionais, afetivas e estimulação que são indispensáveis”. Elas fazem uma distinção entre maturidade escolar e prontidão. Prontidão, para elas, implica “[...] em uma disposição, um ‘estar pronto para’ determinada aprendizagem [...] a definição do termo in- clui as atividades ou experiências destinadas a preparar a criança para enfrentar as distintas tarefas que a aprendizagem escolar exige”. Maturidade escolar implicaria em um “conceito globalizador que incluiria estados múltiplos de prontidão”. Assim, para as autoras, ma- turidade é “a possibilidade de que a criança possua, no momento de ingressar no sistema escolar, um nível de desenvolvimento físico, psico- lógico e social que lhe permita enfrentar adequadamente uma situação e suas exigências”. Jean Piaget (1974) aponta a maturação nervosa como um dos fa- tores relevantes do desenvolvimento mental. Embora ele acredite que não se conhecem bem as condições de maturação e a relação entre as operações intelectuais e o cérebro, reconhece sua influência, o que Jean-Marie Dolle (apud CONDEMARÍN; CHADWICK; MILITIC, 1986, p. 4) confirma: [...] constata-se, simplesmente, que a maturação abre possi- bilidades; que aparece, portanto, como uma condição neces- sária para a aparição de certas condutas, mas que não é sua condição suficiente, pois deve se reforçar pelo exercício e pelo Capítulo 2 Fundamentos da Educação Psicomotora 33 funcionamento. Ademais, se o cérebro contém conexões he- reditárias, ele contém um número sempre crescente de cone- xões, das quais a maioria é adquirida pelo exercício. [...] A maturação é um fator, certamente necessário na gênese, mas que não explica todo o desenvolvimento. A maturação desempenha um papel muito importante no desen- volvimento mental, porém, tem-se que levar em consideração outros fatores, como a transmissão social e a interação do indivíduo com o meio, através de exercícios e de experimentação em um processo de autorregulação. Ajuriaguerra (1980) tem a mesma opinião de Piaget, quando afir- ma que a maturação é uma condição necessária, mas não suficiente para explicar o comportamento. O desenvolvimento motor é afetado pela oportunidade de praticar e pelas variações ambientais mais importantes. O processo de matura- ção, sem dúvida, estabelece alguns limites sobre o ritmo de crescimento físico e desenvolvimento motor, mas o ritmo pode ser retardado pela ausência de práticas ou experiências adequadas. Enfim, conforme os estudos desenvolvidos até aqui, é importante evidenciar como a psicomotricidade pode auxiliar o aluno a alcançar um desenvolvimento mais integral que o preparará para uma aprendi- zagem mais satisfatória. Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo As teorias sobre o desenvolvimento humano comportam estudos de processos nas perspectivas filo e ontogenética. Atualmente, sabe-se que todos os organismos vivos compartilham caracteres básicos. A concepção filogenética se preocupa em desvendar os caminhos percorridos pelos seres vivos, para se constituírem enquanto espécie, enquanto raça, enfim, enquanto uma unidade ímpar de caracteres que se multiplica e se reproduz de forma específica. A ontogenética mostra que a diferença entre os homens e os demais seres vivos está no desenvolvimento das funções psíquicas Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 34 superiores, sendo que algumas delas só se efetivam adequadamente em processos coletivos de sobrevivência, a partir de uma base socio- cultural. Ela estuda o homem de forma horizontal, desde o período pré-natal até a velhice. A estrutura psicomotora constitui os mecanismos responsáveis pelo deslocamento ou locomoção. Em se tratando de desenvolvimento psico- motor, podemos traduzi-lo enquanto desdobramento, “desenrolamento” em diferentes momentos, de diversas formas e em graus diversificados, do corpo de um indivíduo. Temos que entender que nenhum ser huma- no cresce ou se desenvolve da mesma maneira que outro. É a interação existente entre o pensamento e o movimento efetuado com auxílio do sistema nervoso, é a conexão entre cognitivo, afetivo e motor. O processo de maturação ocorre no axônio ao ser envolto numa camada de gordura e proteína denominada mielina. O processo de mielinização ocorre em épocas distintas, em diferentes neurônios. Esse fenômeno depende das condições ambientais e do desenvolvimento do organismo. Maturação é o desenvolvimento das estruturas corporais, neurológicas e orgânicas, compreendendo padrões de comportamento que são resultado da atuação de mecanismos internos. Ela orienta o desenvolvimento potencial do organismo. O desenvolvimento psicomotor depende do processo de mielini- zação (maturação nervosa) e ganha características significativas a cada momento. Ele está sujeito a uma série de leis biológicas relacionadas, em sua maioria, ao processo maturativo. A aquisição e/ou o apareci- mento de novos movimentos se repercute em todo desenvolvimento global da criança, pois esta novidade depende do movimento anterior para se estabelecer, tanto no domínio mental como no motor, por meio de experiências e interações com o meio. Contudo, destaca-se a importância das experiências motoras no processo de maturação e sabe-se que uma experiência pobre pode retar- dar essa maturação. Toma-se como exemplo crianças que residem em lugares desprovidos de espaço para recreação e que acabam limitando as experiências motoras, resultando em desvantagens em seu desenvol- vimento global. A esse respeito, deve-se desmistificar o conceito de que só o pobre é prejudicado pela falta de oportunidade de se exercitar. Muitos meni- Capítulo 2 Fundamentos da Educação Psicomotora 35 nos “de rua” têm uma coordenação motora global superior à criança de classe média, sempre protegida pelos medos e ansiedades dos pais. Outro exemplo que se pode citar é o de crianças criadas em creches e orfanatos, em que se verifica uma estimulação muito pobre do meio ambiente e, consequentemente, poucas respostas são solicitadas. Sabe-se que a qualidade e a abrangência dessas práticas condicio- nam o desenvolvimento futuro da criança. Daí a urgência de se efetivar reestruturações no espaço escolar público e privado, bem como orien- tações às famílias. Incluem-se nesse processo estudos reflexivos da teoria e da prática da psicomotricidade, em especial, o conhecimento sobre a maturação nervosa e o desenvolvimento, para consolidar na criança uma evolução psicomotora harmoniosa, plena e completa. 37 As teorias sobre o processo do desenvolvimento humano, em ge- ral, estabelecem-no em fases ou etapas, estágiosou períodos, dependendo da abordagem desenvolvimentista do teórico. As fases ou etapas repre- sentam um conjunto de aquisições mais complexas, mais significativas e pontuais para o processo de desenvolvimento global do indivíduo. O que se considera essencial é compreender o desenvolvimento emocional das crianças no processo educativo desde a tenra idade, que é a base primordial de todo o seu desenvolvimento psicomotor. Dentre as teorias desenvolvimentistas, o estudioso que mais opor- tunizou essa compreensão foi Henri Wallon (1984), pois, em suas teorias, ele evidenciou o caráter afetivo das relações pessoais, princi- palmente em crianças na faixa etária de zero a três anos, a base do desenvolvimento infantil. A psicogenética walloniana propõe uma perspectiva do desenvol- vimento da pessoa completa, na qual o motor, o afetivo e o cognitivo se interligam ao longo da ontogênese. Ao todo multifuncional de atitu- des (tendências, predisposições ou ações em potencial) e de atividades (ações expressas observáveis e produtoras de efeitos), esse autor confere a noção de função psíquica, que paralelamente encerra uma multiplici- dade de direções, de formas, de níveis de organização e de extensão. Nesse pressuposto, a noção de vida psíquica, em Wallon, traduz a integração de percepções, ações, afetos, sentimentos, pensamentos e etc. Primeiro os de ordem emocional e afetiva, naturalmente, pelos quais a personalidade começa e, mais tarde, outros de natureza mo- tora e cognitiva. Etapas do desenvolvimento psicomotor 3 Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 38 Estágio impulsivo (recém-nascido) Os movimentos e os reflexos nesse estágio são simples descargas de energia muscular, em que as rea- ções tônicas e clônicas se apre- sentam sob a forma de espasmos descoordenados sem significado ou intenção, como as pedaladas e as braçadas nos primeiros meses. A ação, no entanto, já é portadora de uma carga afetiva que alterna entre o bem-estar e o mal-estar condições somáticas que, neces- sariamente, na fase inicial irão se manifestar através de descargas motoras indiferenciadas. A atividade do bebê está totalmente monopolizada pelas suas necessi- dades vegetativas primárias, isto é, necessidades de sobrevivência, de respi- ração, de alimentação, de eliminação, de sono, de afeto, de segurança, etc. As reações tônicas abruptas já são um dado da consciência e consti- tuem, portanto, verdadeiras pré-representações ou representações mentais compartilhadas e em gestação. Paulatinamente, as necessidades do bebê dei- xam de ser respondidas em termos automáticos, como na vida intrauterina e nas primeiras semanas. Agora sua satisfação envolve momentos de espera, de ansiedade, de desconforto, de insegurança gravitacional, o que gera des- cargas motoras impulsivas, abruptas, descontínuas e desequilibradoras. A característica psíquica do comportamento do bebê nesse es- tágio é a fusão tônico-corporal com os outros, especialmente a mãe, e, progressivamente, as outras figuras familiares, das quais a criança depende totalmente. Como o recém-nascido é incapaz de autonomamente prover as suas necessidades de sobrevivência e de segurança mais ele- mentares, o meio social envolvente terá de interpretar e dar significado a seus sinais, ao mesmo tempo em que terá de Ac er vo d a au to ra . Capítulo 3 Fundamentos da Educação Psicomotora 39 produzir respostas motoras relacionais que os satisfaçam. A tonicidade e a motricidade experiente do adulto atingem, as- sim, por essa capacidade de relação e de resolução corporal a que o bebê imaturo ainda não pode chegar, um cunho afetivo e uma natureza emocional verdadeiramente transcendentes (FONSECA, 2008, p. 22). O bebê é concebido por Wallon (1984) como um ser social, por ser incapaz de sobreviver sem a ajuda de alguém mais experiente, in- terligando assim o biológico com o social. Não dispondo de outros recursos se não o seu corpo e a sua sensibilidade interoceptiva, visceral e íntima, o bebê expressa seu bem-estar ou seu mal-estar pela sua toni- cidade e gestualidade. Fonseca (2008, p. 22) mostra que O corpo assume, então, neste estágio, o núcleo crucial e pre- ferencial de onde emanam todos os processos de comunicação não verbal, uma complexa linguagem corporal infraestrutural, de onde mais tarde vão emergir os gestos simbólicos e, depois, as palavras. Com o tempo, a interação criança-meio, mediatizada pela a ção intencional dos outros, assume um poder de comuni- cação original. Ao responder em termos de motricidade afe- tiva e tônico-emocional às rea- ções do bebê, o adulto acaba por desenvolver um repertório comunicativo de reciprocidade afetiva, pois, ao cuidá-lo, assisti-lo, agarrá-lo, suportá-lo e manipu- lá-lo, os seus movimentos acabam por atingir um relevante signifi- cado relacional. O recém-nascido é levado por suas necessidades a se movi- mentar e seus movimentos acabam se constituindo como sinais para as pessoas que o cercam. Os primeiros gestos expressivos são fundamentalmente emocionais e capaci- tam a criança a se relacionar de um modo mais intencional com as pessoas, através da contínua troca de significados estabelecidos entre ela e o seu meio ambiente (BASTOS, 1995, p. 39). Aspecto clônico: é responsável pelo alonga- mento e encolhimento dos músculos, ligados ao movimento corporal propriamente dito. Aspecto tônico: é responsável pela regulação da tensão muscular e posturas que darão ao músculo um grau de consistência e formas determinadas. Saiba mais Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 40 A motricidade do outro e a que emana de si próprio acabam por materiali- zar todas as formas de expressão, de compreensão, de intencionalidade, de significação e de transcendência interativa. Elas acabam sendo um palco original, em que vão desenhar-se os primeiros vínculos e as primeiras redes de intimidade emocional e relacional do bebê. A gênese do eu surge a partir do outro, daí a importância da intera- ção precoce que o adulto tem com o recém-nascido, quase toda ela ba- seada em processos corporais, interativos, mímico-gestuais e motores, que dão expressão à sua intencionalidade afetiva e relacional. O outro é, portanto, um construtor do eu (daí o papel da díade mãe-filho), na medida em que ele vai sendo progressiva- mente internalizado e incorporado como parceiro permanen- te. O eu e o outro, em relação dialética, dão lugar aos primór- dios da vida psíquica, a ação de um dá lugar à formação da vida psíquica no outro, em uma realidade interna antagônica a partir da qual a singularidade se constrói e co-constrói. O ou- tro assume-se, assim, como um estranho essencial à formação do eu (FONSECA, 2008, p. 23). Verificamos aqui a importância do vínculo estabelecido na relação mãe-filho, em que é através da troca afetiva que a afirmação da identi- dade do “eu” busca no “outro” a sua afirmação. Autor da sua própria ação e objeto da ação do outro, o bebê progride de uma indiferencia- ção corporal para uma identidade de si, a partir das interações motoras com os adultos, que acabam por modelar o seu eu, consubstanciando a formação da sua consciência individual, que vai emergindo de uma consciência social e coletiva. É nesse sentido que o pensamento wallo- niano considera o recém-nascido um ser intimamente social. É social em consequência de uma necessidade interior e intrassomática, isto é, genética, biológica e neurológica. O bem-estar do bebê é consequência das sensações dos órgãos inter- nos que fazem chegar ao seu cérebro as excitações que vem das suas vísceras, como as sensações de fome ou de sede, por exemplo. Uma vez satisfeitas pela motricidade do outro, e não pela sua autolocomoção, ainda exógena, vão provocar reações tonicamente gratificantes, que acabam porse trans- formar em sensações afetivas progressivamente mais diferenciadas. Capítulo 3 Fundamentos da Educação Psicomotora 41 De uma motricidade exó- gena que tende a uma motrici- dade autógena, a atividade do bebê, também assegurada pela maturação, começa a ser mais dependente da sensibilidade proprioceptiva que já está mais rela- cionada com a motricidade vertebrada e com as competências ou aquisições mais elementares de locomoção, como a reptação e qua- drupedia, que estarão implicadas na conquista do espaço do próprio corpo e do envoltório da pele (egocêntricas) e, depois, do espaço à volta do corpo (alocêntricas). As terminações sensitivas, cada vez mais integradas, já não brotam das vísceras. Com o advento da motricidade autógena, as terminações que geram informações sensoriais localizam-se nos músculos, nos ten- dões e nas articulações. A motricidade vai começar a ser, então, o centro de interesse do bebê e do seu bem-estar. Com a motricidade autógena mais organizada em termos de se- gurança equilibratória e de sustentação tônica da cabeça e do tronco, o conhecimento e exploração do mundo exterior vão dar ori- gem a outro tipo de sensibili- dade exteroceptiva, baseada em descargas motoras que vão sen- do sucessivamente reduzidas e reguladas. De uma imperícia motora exógena, dependente e sobrevivente, a criança passa a uma motricidade cada vez mais autógena, independente e sinergética. Até o terceiro mês o bebê só responde impulsivamente às estimulações de ordem mais in- terna que externa. Com a maturação orgânica e os estímulos externos, ele passa a elaborar os seus recursos de comunicação, tornando-os mais intencionais, e abre espaço para uma nova fase: a emocional. Exógena: motricidade do outro. Autógena: motricidade do bebê. Saiba mais Reptações: arrastando o corpo no solo, de onde recebe inúmeras sensações. Quadrupedia: a locomoção já com o corpo elevado acima do solo, por efeito dos apoios dinâmicos das mãos (ex.: engatinhar). Proprioceptivo: sistema sensorial resultante da atividade de receptores localizados no mús- culo, no tendão, nas cápsulas articulares e no labirinto (sistema vestibular), que fornecem informações referentes à posição e ao movi- mento dos membros do corpo. Saiba mais Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 42 Estágio tônico-emocional (dos 6 aos 12 meses) A partir da descoordenação e inquietação motriz, o bebê esboça as suas primeiras aquisições que, embora ainda confusas, anunciam a chegada do movimento para al- guma coisa e para algum fim. Conforme Fonseca (2008, p. 24), “o movimento surge como uma das principais formas de comunicação da vida psíquica do bebe, pois é com ele e através dele que se vai relacionando e interagindo com o envolvimen- to exterior, quer das coisas, quer das pessoas”. Comunicando-se por meio de gestos e de mímica, ainda não verbalmente, a criança utiliza o seu corpo e os seus gestos como realizações mentais, exatamente porque acabam por testemunhar o significado intrínseco da sua ativida- de interiorizada, antes que ela seja exteriorizada e expressa. Partindo de movimentos de equilíbrio e de reações de compensação gravitacional, in- tegradas sensorialmente pela tonicidade, pelo sentido tátil- cinestésico e pela pele, a crian- ça evolui da postura deitada à postura sentada e à locomoções quadrúpedes (engatinhar). Por meio dessa evolução motora vertebrada, a conquista do es- paço começa a ser uma aventura fascinante para a criança, que, obviamente, revela condições excepcionais para o surgimento de multifacetadas mudanças. Ac er vo d a au to ra . Ac er vo d a au to ra . Capítulo 3 Fundamentos da Educação Psicomotora 43 É essencial que a criança, nessa fase do desenvolvimento, respeite to- das as etapas sequenciais e evolutivas do movimento. O fato de a criança engatinhar é fundamental, pois é o primeiro deslocamento do corpo em exploração com o espaço. Aqui podemos afirmar que se inicia todo um preparo para a organização espacial, elemento fundamental que, conse- quentemente, prepara para o gesto mais importante, que é a escrita. A terceira fase dessa organização motora vai caracterizar-se por reações expressivas e mímicas. A característica principal do estágio tô- nico-emocional é a transformação das descargas motoras em forma de comunicação. Por meio das respostas obtidas, o bebê vai associando rea ções, interpretando situações e elaborando sua atuação no grupo so- cial em que está inserido, mas, ainda, de forma bem rudimentar. Efetivamente, são os adultos a fonte primordial da afetividade (ZAZZO apud FONSECA, 2008, p. 26), são eles que acabam por dar significados aos gestos, posturas e choros das crianças, manifestações corporais que possuem um potente efeito de contágio emocional e que acabam por produzir entre eles vínculos muito importantes e essenciais ao desenvolvimento psicomotor. O bebê é uma espécie de perito em afetividade, porque a sua atividade acaba por afetar a atividade dos outros que o rodeiam. Ele afeta o adulto porque o contagia e solicita que satisfaça as suas necessidades. O bebê obtém, por meio dessa estratégia interativa, respostas para satisfazer às suas necessidades. Aos seis meses de vida, o bebê será capaz de repetir intencional- mente alguns gestos, com o objetivo de explorar seus efeitos e, também, suas variações, o que recebe o nome de atividades circulares. Em outro aspecto, mais relacionado com a constituição do esquema corporal, a criança recorre também às atividades circulares quando experimenta e estimula zonas erógenas de seu corpo, desde a mão e os pés na boca até as explorações com os órgãos genitais, etc. Essas atividades circulares o capacitam a promover seu processo cognitivo, pois elas necessitam de organização mental para a realização de exercícios sensório-motores, que passam a se intensificar mais a par- tir desta idade. Fundamentos da Educação Psicomotora FAEL 44 A profunda relação entre a função tônica e a emoção é encarada por Wallon (1970) como crucial neste estágio de desenvolvimento psicomotor, por isso a tonicidade é um dos alicerces da teoria original da psicomotricidade. O aumento do tônus (hipertonicidade) e o seu escoamento ou redução (hipotonicidade) refletem nuances da vida afetiva da crian- ça, traçam a sua história singular e, nas palavras de Wallon (apud FONSECA, 2008, p. 26), vão esculpindo o corpo. Nos primeiros estágios do desenvolvimento psicomotor do bebê, gradualmente, o ato motor se transforma em um instrumento essen- cial para a sua exploração. Graças ao contato com o outro e aos efeitos conseguidos, seus movimentos diversificam-se e ganham precisão, sua atenção é aguçada e suas manifestações emotivas transformadas em uma atividade intencional e representativa, que favorece a construção de imagens. Estágio sensório-motor (dos 12 aos 24 meses) Nesse estágio, as relações da criança com o seu ambiente multipli- cam-se e aumentam. Portanto, a maturidade na organização das suas sensações, ações e emoções, do estágio anterior impulsivo e dependente do outro, passa a novos encadeamentos de causa e efeito, provocando no outro novas disposições para satisfazer às suas necessidades. A crian- ça passa a ser agora um continente a descobrir, a explorar e a manusear, não só em termos motores, mas em termos psíquicos também. Fonseca (2008, p. 27) comenta que “a expressão da psicomotrici- dade começa, então, a ter mais sentido e significado, e é aqui que se dá uma das passagens mais relevantes do biológico ao psicológico e, deste, ao social”. Antes que surjam os esboços de uma linguagem falada, uma lin- guagem corporal complexa já está em pleno desenvolvimento, e dá suporte àquela. A