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A Dialética da Liberdade em Locke

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Reitora L:Jgia Lt1111ina P11patto 
Vice-Reitor Eduardo D i Mauro 
eduel 
.C::::Ç::::::.- EdiroRA dA UNivrnsidAdE EsTAduAl dE LoNdRiNA 
Conselho Editorial 
Diretora 
Patrícia de Castro Santos (Presidente) 
Antonio Carlos Dourado 
Fernando Fernandes 
Francisca So11sa Mota e Pinheiro 
Fredenco A11g11sto Garcia Femandes 
João Batista B11zato 
José Eduardo de Siqueira 
Lttiz Carlos Bmschi 
Odilon Vidotto 
Rossana Lott Rodrigues 
Patrícia de Castro Santos 
Paulo Clinger de Souza 
1hialétj a 
Liberdade 
Dados de Catalogação na Publicação (ClP) Internacional 
S729p Souza, Paulo Clinger de 
A dialética da liberdade em Locke / Paulo Clinger 
de Souza. - Londrina : Eduel, 2003. 
xxii, 150 p.: il.; 23cm (Série Biblioteca Universitária) 
ISBN 85-7216-351-4 
1. Filosofia inglesa. 2. Liberdade. l. Título.
CDU 1(410.1) 
Direitos reservados a 
Editora da Universidade Estadual de Londrina 
Campus Universitário 
Caixa Postal 6001 
Fone/Fax: (43) 3371-4674 
86051-990 Londrina - PR 
E-mail: eduel@uel.br
www.uel.br/ editora
Impresso no Brasil / Printed in Brazil 
Depósito Legal na Biblioteca Nacional 
2003 
A meus pais (in memoriam): 
Antônio de Souza Pinto e Maria Bento Gonzaga 
A minha esposa e filhos: 
Maria Aparecida, Angela, Paulo, Ana e Alexandre. 
Pelo carinho, compreensão e apoio. 
"Você tem o direito de agarrar-se a um sonho para que o empurre 
para frente, mas nunca para que o afaste da realidade" 
M.Quoist 
SUMÁRIO 
APRESENTAÇÃO ................................................................................... xi 
PREFÁCIO .............................................................................................. xvii 
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 1 
1 DESENVOLVIMENTO DA IDÉIA DE LIBERDADE NA
FILOSOFIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA .......................... 9 
, 
 A NOVIDADE APRESENTADA PELA FILOSOFIA DA 
LIBERDADE DE LOCKE .............................................................. 19 
Evol11ção histórica da idéia de liberdade .................................................... 1 9 
A filosqfta da liberdade seg11ndo Locke ..................................................... 25 
3 CONHECIMENTO E A LIBERDADE EM LOCKE .............. 31 
No contexto das obras ............................ : ................................................. 32 
A influência da educação no conhecimento ................................................. 42 
A i,nportância da educação na idéia liberal de Locke ............................... 4 7 
4 A RELIGIÃO E A LIBERDADE EM LOCKE ......................... 61 
A influência da religião na idéia de liberdade de Locke ............................. 61 
A tolerância religiosa como base da idéia liberal de Locke ................... : .... 75 
5 LIBERDADE E SOCIEDADE POLÍTICA EM LOCKE ....... 81 
A s idéias de liberdade de Locke ................................................................ 82 
J_,iberdade e razão .................................................................................... 85 
Estado de natureza e estado de sociedade .................................................. 89 
Decisão por maioria ................................................................................. 98 
Constituição de uma sociedade política .................................................... 103 
O sentido federativo de uma sociedade ..................................................... 113 
A soberania popular .............................................................................. 116 
A organização política da Caro!ina ........................................................ 123 
Liberdade e propriedade em Locke ......................................................... 128 
CONCLUSÃO ........................................................................................ 133 
BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 147 
/ 
APRESENTAÇÃO 
A proteção da vida, da liberdade e da propriedade dos cidadãos nunca fora objeto de extrema preocupação das sociedades como nos tempos atuais. Na verdade, a 
discussão filosófica a respeito desses temas e da organização da 
sociedade política, com um governo democrático e representativo, 
foi introduzida pelo médico, filósofo e economista John Locke 
(1632-1704), na segunda metade do século XVII, na sua obra-
prima: S egundo tratado sobre o governo civil (1690). 
Quando eclodiu a guerra civil de 1642, entre os 
parlamentaristas e os partidários do rei Carlos I, Locke tinha apenas 
dez anos de idade. O episódio marcou sua infância e introduziu 
na sua mente sólidas concepções de defesa do Parlamento, pelo 
fato de sua familia ter lutado contra o rei, face as arbitrariedades 
cometidas pelo soberano. 
\prcsl'nt,u;ão 
Perseguida, a família de Locke enfrentou situações de 
dificuldades de sobrevivência, sendo amparada pelo coronel 
Alexandre Popham, que também escapou com vida da perseguição 
dos monarquistas. E m 1649, o rei Carlos I foi decapitado. Os 
parlamentaristas assumiram o comando político da Inglaterra e 
estabeleceram a Commonwealth, sob a liderança de Olivier Cromwell, 
que restabelece a ordem política, financeira e administrativa do 
país. Com a ascensão de Cromwell, o coronel Popham tornou-se 
membro influente do Parlamento. Usando da primazia do cargo, 
Popham agraciou John Locke a matricular-se na melhor escola do 
país, na época, a Westminster School, em Londres. Da convivência 
com alunos monarquistas e parlamentaristas Locke desenvolveu 
suas qualidades de tolerância e habilidades de acumular 
conhecimentos pela experiência. 
Mas foi na Universidade de Oxford, a partir de 1652, que 
Locke, embora estudando medicina, alargou seus conhecimentos 
sobre a política e sobre a filosofia, os quais demonstrados nos 
seus trabalhos desenvolvidos posteriormente, influenciaram 
profundamente na mudança do curso da ação política dos Estados 
Nacionais e no modo de pensar da humanidade. N o campo 
filosófico, as influências de Aristóteles e de Descartes foram 
primorosas na sua formação. Encantava-se com o conhecimento 
médico desenvolvido por Aristóteles e deslumbrava-se com a 
metodologia racional de Descartes. Mas o talento de Locke 
vislumbrava horizontes e caminhos diferentes. Afastando-se da 
metafísica e da política de Aristóteles e das idéias inatas de 
Descartes, torna-se um dos principais inspiradores da filosofia 
\ di 1lc ica da lihndadP l'lll l.och' 
X 1 
EMPIRISTA, segundo a qual o conhecimento humano tem 
como base a EXPERIÊNCIA. Os fundamentos desta filosofia 
estão delineados na sua grande obra: Ensaio acerca do entendimento 
humano (1690). 
N o campo político, se contrapõe ao autoritarismo de 
governo proposto por Hobbes, que na sua obra, O Leviatã (1651), 
subordina os interesses dos indivíduos a um sbberano, com poder 
para impor-lhes um modus-vivendi único, sob um Estado forte. 
Locke delineia e edifica suas idéias políticas a respeito da tolerância, 
direito à vida, à liberdade e à propriedade na sua obra: Segundo Tratado 
sobre o governo civil. Nesta obra, Locke planta as raízes para a 
instituição de um governo civil, de características democráticas, 
eleito por maioria, para gerir a vida dos cidadãos, através de leis 
aprovadas com o consentimento do povo, capazes de protegê-lo 
e não escravizá-lo. Estas idéias influíram na mudança do curso 
das políticas das nações e contribuíram na implantação das 
diferentes democracias em nosso planeta. 
Várias nações, inclusive o Brasil, vivem sob a égide de Locke 
e não se dão conta de divulgar para as gerações o legado desse 
extraordinário homem público e filósofo. A história atribui a 
Montesquieu (1689-1755) a primazia da separação dos poderes: 
Executivo, Legislativo e Judiciário, mas não faz justiça a Locke 
como o inspirador, o mentor e o teórico que deixou delineadas as 
bases e as diretrizes para a organização da sociedadepolítica, com 
a criação de um poder Executivo e um poder Legislativo, eleitos por 
maioria, para dirigir e proteger as aspirações individuais. Com 
relação ao Judicián"o, Locke indica as bases para a sua criação, quando 
Apresentação 
xiii 
sugere a nomeação de magistrados, por um ou outro poder, para 
dirimirem as controvérsias. 
Durante sua permanência no exílio, de 1683 a 1689, Locke 
revisa e conclui suas principais obras: Ensaio acerca da tolerância 
(1689), Segundo tramdo sobre o governo civil e Ensaio acerca do entendimento 
humano. Estas obras, sobretudo as duas primeiras, só puderam ser 
publicadas após a Revolução Gloriosa (1688), que conduziu o 
príncipe Guilherme ao poder e Locke pode voltar à Inglaterta, na 
esteira dessa revolução que o consagrou para a posteridade. 
Atribui-se a Locke a primazia de ser o teórico político que preparou 
o terreno da revolução, que segundo a história, irrompeu sem 
derramamento de sangue. N a verdade, a influência de Locke nos
destinos da política da Inglaterra, tem início na sua época de 
acadêmico e professor da Universidade de Oxford. A tolerância 
era um dos grandes temas debatidos na segunda metade do século
X V I I , face a intolerância obstinada entre católicos (monarquistas) 
e protestantes, que provocava desordem em todo o reino e impedia
a construção de consenso nas ações do Parlamento. Locke
dedicou-se profundamente à catequese da tolerância, opondo-se
a qualquer dogmatismo intransigente. Através da sua pregação, as 
dissensões, sobretudo no Parlamento, foram atenuadas, e seu 
projeto político de instauração de uma democracia liberal passou
a encontrar espaço para ser implementado.
N o período em que exerceu o cargo de Secretário do 
Conselho de Comércio e Agricultura, para o qual foi nomeado 
pelo chanceler Lord Shaftesbury, Locke foi um dos principais 
mentores pelo esboço da Constituição da Província de Carolina 
do Norte, em 1669. 
A dial{•tica e.la liberdade em Locke 
XI\ 
N o Ensaio acerca do entendimento humano, Locke fundamentou 
e sedimentou suas idéias e concepções filosóficas sobre a 
epistemologia do conhecimento. Nesta apresentação, julgamos 
oportuno inserir o registro de Michaud (1986), como o mais 
relevante e de justiça a Locke: " Os conceitos do Ensaio constituíram a 
linguagem e a referência obrigatória de todo empreendimento filosófico ... Loc.ke 
foi o pensador mais importante, mais respeitável e Q mais na moda... Sob 
múltiplos aspectos, a filosofia de Loc.ke constituiu a linguagem do Século das 
Luzes, ... , todo mundo no século XVIII, leu ou queria dar a impressão de 
ter lido Locke'. Por estas considerações, diferentes autores visitados 
afirmam que as idéias de Locke influíram na Declaração de 
Independência e na Constituição dos Estados Unidos; na 
Revolução e na Constituição francesas; na Constituição Inglesa, e 
bem assim, a nosso ver, na existência e na constituição dos poderes 
Legislativo, Executivo e Judiciário do Brasil, tendo em vista ser o 
inspirador e o sedimentador dessa forma de governo. 
Na economia, suas considerações na coletânea de Severalpapers 
relating to monry, Interest na Trade (1696), deram inspiração para que 
mais tarde fosse formulada a chamada Teoria Quantitativa da 
Moeda. N a educação, através da obra Alguns pensamentos referentes à 
educação (1693), Locke mostra como a educação influi na formação 
das pessoas e da sociedade, na expressão: " a transmissão dos valores 
de uma sociedade alicerça-se na mação e educação dos joven!'. 
O autor é testemunha ocular dos efeitos da educação na 
formação da juventude. A o longo de quarenta anos como 
educador, pudemos constatar a evolução moral, ética, política e 
profissional de pessoas de diferentes origens. A liberdade individual 
bem orientada e estimulada por princípios e objetivos, pode 
Apresenta<;üo 
X\' 
produzir ações relevantes para a coletividade. Como participante, 
na condição de ex-aluno e ex-dirigente da C N E C - Campanha 
Nacional de Escolas da Comunidade, entidade criada pelo 
brasileiro Felipe Tiago Gomes (1922- 1996), para disseminar 
edt1eação para a juventude, através de Conselhos Comunitários, 
tivemos a oportunidade de compartilhar e observar como a 
mobilização das pessoas, em torno de projetos educativos, pode 
contribuir para a formação de indivíduos livres e plenos para o 
exercício da cidadania. A entidade chegou a ter mais de 1500 
escolas de todos os níveis, e cerca de 500.000 alunos, de 1970 a 
1980. Milhares de ex-alunos que tiveram sua base de formação 
pela entidade, exerceram ou estão exercendo funções relevantes 
por este país afora. Este relato tem a intenção de informar ao 
leitor que a vivência do autor em trabalhos comunitários, 
encontrou no Curso de Mestrado em Filosofia, da U F J F , 
motivações para resgatar os ideais de Locke para os dias atuais, 
quando a vida, a liberdade e a propriedade dos cidadãos estão 
carentes de leis e medidas protetoras. 
A o longo deste livro procuraremos mostrar que não 
concordamos na versão de que Locke tenha sido um dos 
representantes da burguesia inglesa, como rotulam algumas 
correntes, mas que o seu envolvimento neste ou noutro segmento, 
em determinadas circunstâncias, tinha o objetivo e a determinação 
da aprovação do seu projeto político. 
Paulo Clinger de Souza 
Juiz de Fora, 08 de maio de 2003. 
\ di<1h''litil da libcrdadt' em Lockl' 
\ \ 1 
PREFÁCIO 
E ste livro foi inicialmente concebido como dissertação de mestrado que Paulo Clinger de Souza elaborou no âmbito do programa de mestrado em filosofia da 
Universidade Federal de Juiz de Fora - U F J F e foi defendida em 
20 de agosto de 1999. O autor é graduado em Ciências Econômicas 
pela U F J F (1964), fez curso de aperfeiçoamento em Análise 
Econômica no Conselho Nacional de Economia (1966) e de 
Especialização em Teoria Econômica na Fundação Getúlio Vargas, RJ 
(1976 e 1977). Atualmente é Professor Adjunto N do Departamento de 
Análise Econômica da Faculdade de Economia da UFJF. 
Clinger começou o curso de mestrado preocupado com o 
sentido e as implicações da visão moderna de liberdade. Estava 
intrigado com o fato de que não havíamos, na América Latina, 
constituído o que ficou conhecido como moral social de tipo 
Prefút io 
\ ; \ i 
consensual, já que não nos preocupamos em formar empresários 
nem nos orgulhamos dos que existem. Pelo contrário, o sucesso e 
o enriquecimento são vistos com reserva pela maioria das pessoas. 
Moral social laica e consensual foi a forma de solução do problema
ético que propiciou a organização social e política da Inglaterra
no século X V I I I e também de boa parte das nações européias e
do norte da América na mesma ocasião. Junto a essa moralidade,
desenvolveu-se uma filosofia da liberdade que apostaya na 
autonomia e emancipação do homem e que foi a base do
liberalismo político e econômico.
A realidade latino-americana é outra desde sua incorporação 
ao mundo ocidental. A liberdade sofreu restrições em vários 
campos, do político ao religioso. As razões são conhecidas: o tipo 
de colonização a que foi submetida, o patrimonialismo ibérico, a 
moral contra-reformista e a presença de uma Igreja tradicional e 
vinculada ao Estado. C o m essas categorias, uma geração de 
filósofos e sociólogos vem se dedicando a entender o que se passa 
conosco. O resultado desse trabalho sugeriu a urgência de 
reconstituir o substrato moral de nossa cultura para entender as 
singularidades das tradições que nos formaram. Muitos estudiosos 
de prestígio dedicaram-se a essa tarefa: Ubiratan Macedo, Ricardo 
Vélez Rodríguez, Antônio Pairo, Simon Schartzman e Wanderlei 
Guilherme dos Santos, entre outros tantos. 
O que eles concluíram? Que o contra-reformismo ensinou 
que o homem está na Terra por simples castigo; neste mundo, 
cabe-lhe exclusivamente cuidar da salvação de sua alma, o que ele 
consegue, sobretudo, renunciando aos prazeres e à riqueza; e suacondição pessoal é a de um vil bicho da terra. 
,\ dialética ela libt>rcladc t'm l.ockl' 
:-;v11i 
N a análise de semelhante realidade, Antônio Pairo entende 
que a sobrevivência desses preceitos morais perpetuaram-se 
porque nunca foram submetidos a uma avaliação crítica e 
continuada, o que ele procura fazer. Para tanto, elabora uma 
profunda análise da situação histórica e religiosa do homem do 
antigo testamento, mostrando as razões pelas quais aos olhos de 
uma sociedade pobre, tecnicamente frágil, agr cola e sujeita a todo 
tipo de intempéries, era importante o perdão das dívidas depois 
de grandes catástrofes e o combate a avareza. Entende Pairo que 
embora a avareza e o ócio devam continuar merecendo 
condenação, vivemos hoje na sociedade da abundância e a 
conquista desses bens se faz, para a grande maioria, através do 
emprego. Aparece então a necessidade social dos empresários que, 
embora não diretamente preocupados com o bem-estar geral, 
desempenham papel importantíssimo porquanto geram um grande 
número de empregos. Assim, explica Pairo, uma espécie de rejeição 
cultural ao capitalismo como a preservação da moral contra-
reformista, corresponde a uma brutal distorção do espírito da lei 
moral que herdamos de nossos mais remotos ancestrais. 
Foi o que também procuramos mostrar no livro Caminhos da 
moral moderna, a experiência !uso-brasileira (1995), a crítica ao modelo 
moral que permaneceu entre nós. Paulo Clinger não enfrentou 
diretamente essa questão, mas cuidou de explicitar uma outra forma 
de ver o mundo e a vida, forma que prevaleceu nos tempos modernos. 
O conceito de liberdade interior fomentado pelo 
cristianismo não desembocou naturalmente na noção de liberdade 
política e econômica. A tradição contra-reformista não levou a 
tanto, já o dissemos. Clinger mostra-nos, no capítulo 2, como na 
Prefácio 
história humana a liberdade interior foi, várias vezes, admitida 
sob circunstâncias de absoluta intolerância religiosa e política. 
Explica ainda que a tradição liberal e democrática é apenas uma 
das possibilidades da tradição cristã. 
Como a questão da liberdade emergiu na modernidade? 
Nisso consiste o principal mérito do trabalho de Clinger. Ele revela 
que o problema esteve associado à discussão do fundamento do 
poder e da ação moral, que não mais se subordinavam à religião. 
A autonomia da ética e o entendimento de soberania popular eram 
contrários à antiga organização da sociedade, incluindo-se aí o 
poder absoluto dos reis. 
Thomas Hobbes defendera o absolutismo, rejeitando o 
caráter ético e racional da natureza humana. Ele opôs à visão de 
uma sociedade virtuosa e justa um espaço de disputa e conflito 
generalizado resultante da maldade e do egoísmo humanos. Para 
dar uma alternativa distinta à de Hobbes sem voltar à tradicional 
visão de homem, John Locke estabeleceu as bases de uma 
concepção individualista e contratualista da sociedade. Clinger 
explica como o filósofo fez isso e como compatibilizou a visão de 
homem com uma teoria ética, política, educacional e religiosa 
necessária a uma sociedade cada vez mais sensível ao progresso 
da ciência moderna e da organização eficiente e pragmática dos 
negócios públicos. A correta compreensão dos desafios da 
modernidade e a apropriação dos benefícios que ela trouxe foi o 
que procurou incorporar Locke na sua filosofia. 
Quem era John Locke? Filósofo e médico inglês que nasceu 
em Wrington, Somerset, no ano de 1632 e morreu em Oates, em 
1704. Passou parte da vida fora da Inglaterra, primeiro na França 
A dialétil'a da hherdadt l m Lockl 
\ ' (
e depois exilado na Holanda. Trabalhou para o Conde de 
Shafestbury, um dos opositores ao absolutismo monárquico. 
Depois da morte do Conde, Locke manteve-se junto aos líderes 
que desencadearam e levaram a termo a chamada Revolução 
Gloriosa. Somente então voltou a seu país com a coroação de 
Guilherme de Orange. É para atender os desafios daqueles dias 
que Locke escreveu o Segundo Tratado do Governo Civil, no qual 
organizou o sistema representativo. O Segundo Tratado e suas 
implicações foram tratados por Clinger no Capítulo V 
Depois do êxito da Revolução, Locke revisou as suas idéias 
sobre tolerância, idéias que Clinger descreve no capítulo IV Essas 
idéias foram completadas pela doutrina da representação dos 
interesses, que ainda hoje parece atual e valoriza o esforço do 
autor deste livro. Para Locke, a questão dos interesses não se 
restringe aos aspectos econômicos, mas inclui os morais e os 
religiosos. Solucionar tais disputas também era uma necessidade 
daqueles dias e a proposta de Locke, examinada por Clinger, 
mostrou-se eficiente. 
O filósofo britânico defendeu a liberdade política, mas teve 
também que elaborar uma severa crítica ao racionalismo de René 
Descartes para derrubar o inatismo e oferecer uma nova visão do 
conhecimento humano e do ato educativo. A teoria do 
conhecimento é um aspecto importante do projeto filosófico de 
Locke, pois a liberdade intelectual é necessária para a participação 
responsável na sociedade civil, conforme revela Clinger no capítulo 
III. Ele mostra como Locke, no primeiro livro do Ensaio acerca do 
entendimento humano, combate a existência de idéias inatas, rompendo
com a tradição cartesiana e com os neoplatônicos de Cambridge.
l'refal IO 
\XI 
Esses últimos combatiam o empirismo, lembremos que Ralph 
Cudworth defende a objetividade a];)soluta das idéias de bem e de 
mal e Henry More proclama princípios absolutos na moral. Ao 
contrário, Locke afirma que todo conhecimento humano tem 
origem na experiência que, através das sensações, forma as idéias 
simples. A atividade do intelecto e a sua capacidade de abstrair e 
combinar dá origem às idéias compostas de substância, modo e 
relação, que não têm valor objetivo. Em outras palavras, válidas 
são as idéias simples no tanto que estiverem subordinadas às 
sensações. Tal forma de abordar o entendimento humano 
desemboca numa teoria nominalista da ciência, na qual leis e teorias 
gerais são somente nomes sem correspondência fatual. O valor 
dos enunciados científicos é unicamente prático, explica o filósofo. 
Sem todas essas considerações não haveria como levar 
adiante nem a política liberal nem o entendimento de que a 
tolerância é a grande virtude a ser estimulada na vida social, muito 
menos a noção de que o homem está no mundo para trabalhar, 
ideal protestante que era caro a nosso filósofo. Locke é o ponto 
de referência da moderna defesa do Estado de Direito e da 
cidadania responsável e por isso é um pensador que merece ser 
um interlocutor dos homens de hoje, como fez Clinger neste seu 
livro. Ao examinar as idéias do filósofo e sobretudo como elas 
resolveram os impasses de uma sociedade livre e democrática, 
notamos quão distantes ainda estamos dos ideais modernos. 
José Maurício de Carvalho 
Departamento de Filosofia da 
Universidade Federal de São João - UFSJ 
\ diak'lirn da lihl'rcladl' cm Loekl' 
\ \ 1 1 
INTRODUÇÃO 
A reflexão sobre a história dos povos, suas tradições e vultos, que se destacaram em todos os campos de atividades, só é possível graças à capacidade humana 
de trazer ao presente aquilo que em outros tempos existiu. Além 
disso, o homem é capaz de observar, conhecer e ter a sensibilidade 
para produzir e divulgar conhecimento para a posteridade, pois é, 
ele próprio, o centro da história, construtor, partícipe e propagador 
de idéias, valores e promotor de mudanças. Pensar sobre questões 
suscitadas pela filosofia em outras épocas é uma boa oportunidade 
de revisitar problemas, dando-lhes uma nova vida. 
Neste trabalho, examinamos o problema da liberdade na 
filosofia de Locke. A importância de discutir-se o tema é a 
necessidade de atribuir alguma qualidade ao uso pleno da liberdade, 
na busca de aprimorar o entrosamento entre os homens, sobretudo, 
lntroduçüo 
agora que aprendemos com autores contemporâneos a distinguir 
os dois conceitosde liberdade: a liber ade negativa, como a ausência 
de coerção, e a liberdade positiva, como a autonomia ou desejo de 
governar a si próprio. 
O tema sempre mereceu tratamento especial dos filósofos, 
pois a liberdade faz parte do modo humano de ser. O assunto 
não se esgotou com Locke e continuará sendo objeto de estudos 
por todo o tempo: a razão e o fato de estar o homem sempre à 
procura da melhor maneira de exercitar sua liberdade, em favor 
da própria sobrevivência e do convívio em sociedade. Entender o 
homem como sujeito livre é uma questão que ganha, a cada dia, 
novas implicações, quando, num plano ôntico, ou seja, do ente humano, 
conceito moderno de natureza humana, a idéia de liberdade se 
assenta na responsabilidade, autonomia e respeito pelo homem, 
como um fim em si mesmo. 
O propósito deste trabalho é estudar as implicações que a 
idéia de liberdade suscitou como agente de promoção do Estado 
de Direito. Nesse estado de direito, admite-se a existência de um 
sistema de regras ou leis capazes de coerção, pois, do contrário, 
seria impossível pensar a liberdade humana. N o Estado de Direito, 
os direitos individuais são reconhecidos em lei e devidamente 
respeitados. Este fato coloca os indivíduos a salvo das ambições 
pessoais ou de grupos, respondendo aos anseios da sociedade por 
paz e justiça e respeitando a dignidade humana, com um sistema de 
segurança, saúde e educação adequado às necessidades dos cidadãos. 
J o h n Locke, ao discutir a liberdade como uma das 
propriedades do homem, procurou ampliar o conceito cristão de 
\ dialética da liberdade ('tn Lockl' 
2 
liberdade, englobando o direito de cada indivíduo governar a si próprio, 
num ambiente social, sem interferir no ig u al direito de terceiros. 
Como entender a contribuição de Locke, no que se refere ao 
tratamento da liberdade? A esse governar a si próprio; locomover-se 
no meio social; expressar-se; buscar subsistência; enfim, agir em 
qualquer direção que o pensamento determinar, foi entendido, 
desde Locke, como liberdade política ou exterior,.por estar submetida 
a certas regras estabelecidas por um pacto acordado entre os 
indivíduos. Pacto esse, cuja formalização discutida por Locke, para 
a defesa da liberdade, guardando estreita consonância com a 
liberdade filosófica ou interior, mas a ela não se limitava. 
Para a preservação da vida, da liberdade e das propriedades, 
Locke propôs a organização de uma sociedade civil, administrada 
por um corpo político com regras a que todos deveriam submeter-
se. É de acordo com essas regras ou leis que se pretende discutir 
a liberdade como um atributo da razão humana, garantindo ao 
indivíduo o direito a ter um mínimo de propriedades que lhe 
assegurem a própria sobrevivência e forneçam os benefícios de 
uma vida a salvo de atribulações materiais. 
Locke discute a liberdade social e civil e a deriva da liberdade 
perante Deus (interior), segundo a qual o homem só é livre a 
partir da plena entrega à religião, renunciando às coisas materiais. 
Essa idéia de liberdade interior, desvinculada do contexto sócio-
político, será defendida pela tradição cristã e examinada no Capítulo 
II. O sentido da liberdade para Locke não podia ser esse. A
liberdade não tinha como ser separada da vida em grupo.
As conseqüências de um conceito de liberdade, tal como 
Locke o propôs, tornaram-se a base para o estabelecimento de 
lntrodw,;áo 
uma sociedade moderna e pluralista. Nossa discussão revelará 
adicionalmente gue a filosofia de Locke contribuiu para elaborar 
o conceito moderno de tolerância e de liberdade civil.
C o m o se dá a conquista da liberdade civil? Para o filósofo, 
este é o objetivo da vida humana, que só se concretiza a partir de 
certa idade, quando tomamos conhecimento do mundo exterior 
e da existência de outros seres. N o momento em que começamos 
a pensar, r e fletir e a tomar conhecimento da existência de outros 
seres, é que tomamos consciência das coisas que nos afetam. Este 
período da infância humana, que se estende do nascimento às 
primeiras percepções captadas pela nossa mente a respeito do ser 
real que somos e das coisas que nos cercam, é o que Locke teria 
desig n ado como o estado da tábula rasa. Durante tal período, não
se pode pretender qualquer ato consciente de uma criança, já que 
suas faculdades de pensar, refletir e raciocinar ainda não evoluíram 
o bastante para o discernimento. Daí a ação dos pais é fundamental
para a criança, orientando-a e despertando-a para o conhecimento
das coisas da vida. Assim, o entendimento infantil sobre as coisas
que nos cercam, tem início quando ela começa a associar sua
existência à idéia de liberdade. Idéia que será exercitada com base
nas informações recebidas e nas ações que forem desenvolvidas,
segundo a natureza de cada um. Logo, a liberdade é uma faculdade
própria do ser humano. A idéia de liberdade estava, pois, vinculada
à intuição essencial da existência. A partir da prova de nossa
existência, pela intuição, Locke demonstra a existência de Deus
como um Ser eterno e mais poderoso: por nos ter dotado de
sentidos, percepção e razão, que nos permitem usar da liberdade
de pensar, refletir e ter conhecimento da existência daquilo que
\ diall'li< ,t da lilwrdadP l'lll Lork(' 
nos afeta. Sendo Deus um Ser onipotente, eterno, inacessível e 
inatingível, do qual é impossível termos experiência sensível, Locke 
chega a sua existência, a partir do conhecimento indubitável que temos 
de nossa própria existência. 
A idéia de liberdade surge em cada indivíduo, no momento 
em que este inicia a reflexão e a tomada 1e conhecimento da
existência de outros seres no universo e a acreditar na existência 
de Deus, demonstrada pela grandeza e maravilhas encontradas 
neste mundo. N a medida que temos liberdade para desenvolver nossas 
faculdades de pensar, observar, realizar operações e experiências com 
os objetos, estamos adquirindo e ampliando conhecimento. 
Estas considerações preliminares preparam nosso modo de 
desenvolver a questão. N o capítulo 1, discutiremos como alguns 
pensadores contemporâneos abordam o problema da liberdade e 
sua vinculação com o ente-humano. Pois, só ele sente; só ele a 
experimenta; só ele precisa dela para produzir e ampliar 
conhecimento. O s demais seres, exceto Deus, que é onipotente, 
precisam da ação do homem para sofrer transformações. Logo, a 
liberdade não existe fora da natureza humana e divina, mas 
integram-na de modo inseparável. 
N o capítulo 2, será explicado de que modo a liberdade 
interior foi, na perspectiva tradicional, afastada do problema da 
organização civil da sociedade. A tradição cristã tratou a liberdade 
como um movimento interior, descuidando-se de constituir uma 
sociedade democrática, na qual a participação e o consenso são 
essenciais à harmonia da convivência coletiva. 
Introdut:ún 
A contribuição da teoria do conhecimento de Locke ao 
entendimento do valor da liberdade f:, muito importante para seu 
projeto político, tendo em vista preparar o homem para o exercício 
da cidadania, necessário à organização da sociedade. Este assunto 
será tratado no capítulo 3. 
Ao discutir a religião, como manifestação exterior do culto, 
Locke introduziu a preocupação com a tolerância política. A defesa 
da liberdade religiosa antecede a defesa das liberdades ci;is. A 
liberdade religiosa exigia como pré-requisito a tolerância, através 
da qual, todos os homens e todas as facções deveriam respeitar-se 
mutuamente. Cada indivíduo tem, pela lei da natureza, o direito à 
liberdade de escolher a maneira que lhe é mais afeiçoada para orar 
a Deus e confortar a sua alma. Escolha esta que consistia em 
deixar a cada pessoa, segundo a opinião de Locke, a opção para o 
ingresso na Igreja que melhor atendesse suas convicções e, na 
qual cada indivíduo pudesse buscar em Deus a libertação da alma 
e desarmar o espírito para a participação no pacto social. Como,para Locke, a igreja é uma sociedade voluntária, cuja participação 
depende da disposição pessoal de cada um em particular, a 
tolerância para a prática de cultos diferentes constitui a preparação 
dos espíritos para o exercício político da prática democrática. O 
Parlamento é uma instituição política em que o respeito às 
divergências de opiniões e o acatamento das decisões da maioria 
constituiriam no equilíbrio do funcionamento de uma sociedade 
civil com a preservação das liberdades individuais. N o capítulo 4, 
analisaremos como Locke abordou o problema da liberdade sob 
a ótica da religião. 
Liberdade e sociedade civil constituem o fundamento de 
toda a discussão do capítulo 5. Segundo Locke, a sociedade política 
tem como fim a preservação dos direitos civis, destacando-se a 
vida, a liberdade e as posses como propriedades pessoais, como 
razão que leva os homens a formarem uma comunidade. Por outro 
lado, o conhecimento adquirido, através da experiência e da 
observação, é fundamental à compreensão da idéia de liberdade e 
dos valores a ela associados. A liberdade deixou de ser apenas 0
fundamento de uma experiência interior para se tornar o cimento 
de u m a f o r m a de organização social pactuada. Mas 0
conhecimento só é ampliado através do processo da educação 
que eleva o nível de instrução das pessoas. Assim, quanto maior 0
número de pessoas que tiver acesso aos diferentes níveis de 
educação, maior será o alargamento do processo de conhecer e ' 
portanto, mais preparada e criativa será a sociedade que, no 
contexto geral, buscará o aperfeiçoamento e a evolução. Assim, 
conhecimento e educação somam-se para fortalecer O sentimento 
de liberdade de cada cidadão, e este procurará defender seus 
direitos pessoais, comuns a toda coletividade. Nesse sentido foi ' 
muito importante a fundamentação de Locke para justificar a 
liberdade, a tolerância e a democracia na sociedade civil tendo ' 
em vista a formação do homem virtuoso e capaz de gerir os 
negócios, que dizem respeito a si e a sociedade de que faz parte. 
Portanto, o que promove a evolução das sociedades é a existência ' 
também, de um ambiente de liberdade com responsabilidade, na 
busca do bem comum. A propriedade resultante da posse e 
domínios de bens adquiridos por esforço pessoal e que não tenham 
causado danos a terceiros é lícita: premia o laborioso e estimula 0
lntrodrn,iio 
progresso. Locke não admitia a usurpação, a avareza, o 
perdularismo e a ociosidade. Portanto, seu liberalismo tem um 
significado ético para a vida dos grupos, na medida em que 
enfatizava serem os governantes os administradores da comunidade, 
cuja missão consis e em assegurar o bem-estar e a prosperidade. 
Iremos discutir as idéias de Locke preocupados com os 
problemas de nossos dias. A liberdade permite dialogar com os 
mestres do passado, enquanto pensam-se as circunstâncias que 
nos desafiam em nosso próprio tempo. A questão da liberdade é 
muito importante em nosso ambiente cultural, pois ele ainda não 
distingue o sentido exato da liberdade como experiência de 
convívio social. Esse equívoco favorece as ações truculentas e 
radicais de democratismo, cuja base de sustentação política é o 
apelo às massas. O u seja, espalha a falsa tese de que seremos uma 
sociedade moderna, rica e democrática, deixando de lado os 
princípios de uma filosofia da liberdade. O que fica desta lição de 
Locke é que a liberdade é a base da organização social, ainda que 
hoje em dia o liberalismo não tenha assumido a verdadeira 
concepção do exercício democrático. 
A dial{•tica da liberdade em Locke 
8 
DESENVOLVIMENTO DA IDÉIA 
DE LIBERDADE NA FILOSOFIA 1 
POLÍTICA CONTEMPORÂNEA 
U m a das principais preocupações d o pensamento moderno e contemporâneo foi entender o significado da liberdade. A liberdade política, uma das faces da 
liberdade do homem, desenvolveu-se com a tolerância religiosa. 
Segundo a tradição cristã ocidental, o homem virtuoso deveria 
renunciar às coisas terrenas e dedicar-se a uma vida contemplativa 
de entrega a Deus, para a obtenção da paz interior após a morte. 
Sua liberdade era para a escolha do bem e visava a garantia desta 
felicidade posterior. Esse comportamento foi denominado de ética 
da salvação. O modelo ético preconiza que a conquista da paz 
interior seria alcançada mediante a libertação da alma com a plena 
entrega à religião cristã, o que resultaria na liberdade de espírito 
ou liberdade interior para o alcance da vida eterna. A salvação eterna 
deveria constituir-se na busca permanente da conquista do Céu e 
Desenrnlvimento da idéia de' liberdade na filosofia politiea 1·ontt>mporfüwa 
9 
no repúdio aos prazeres da vida, segundo a filosofia sistematizada 
por Santo Tomás de Aquino (1224-1275). Esse rúvel do exercício 
da liberdade é muito restrito, como se verifica pela citação que se 
segue: ''A moral tomista organizou os valores de modo que a ação 
humana não se reduzia à experiência da cidadania, mas à humilde 
submissão à vontade de Deus" (CARVALHO, 1995, p. 51). 
A idéia de liberdade, segundo os princípios da tolerância 
religiosa, começa a ser debatida durante o século XVI, com a 
eclosão das guerras religiosas. O tema tolerância religiosa surge do 
objetivo de atenuar o caráter dramático das guerras e da 
necessidade de se criar uma consciência de concórdia, para tolerar 
as posições discordantes dos dogmas da Igreja Católica, que eram 
impostos até então. Com o advento da Reforma, no século XVI, 
a moral social passa a ganhar maior significado, em detrimento da 
moral individual defendida pela Igreja. N o bojo da moral social, o 
homem começava a ser destacado, como tendo personalidade 
própria, capaz de exercer experiências de cidadania sem se afastar da 
religião, como relata Paul Hazard sobre Bayle (1647-1707): "Bayle 
chega ao termo de sua demonstração: religião e moralidade, longe 
de serem indissociáveis, são independentes; pode-se ser religioso 
sem ser moral; pode ser moral sem ser religioso".(apud PAIM; 
PROTA; VÉLEZ RODRÍGUEZ, 1997, p.15). Assim, a idéia de 
liberdade, no cerne da discussão a respeito da moral social, surgia 
a necessidade de se respeitar a individualidade de cada um e se 
estabelecer um consenso para as posições discordantes. Com a 
publicação da Carta Acerca da Tolerância (1685), de John Locke, a 
idéia da liberdade humana deveria ser deixada a cada indivíduo ou 
grupo para expressar suas opiniões; viver de acordo com as suas 
A dialética da libcrdadc cm Locke 
( { ) 
convicções e pertencer à seita ou religião que mais agradasse a 
seu espírito, respeitando as posições contrárias. As idéias de Locke 
muito contribuíram para a noção de liberdade exterior, ou política, 
e exerceram muita influência na organização do sistema 
representativo. 
Emmanuel Kant (1724-1804), inspirado nas idéias de Locke, 
reconhecendo que o homem pertence a dois 'mundos: no campo 
espiritual, como ser temporal e empírico; e no campo real, como 
ser inteligível e racional, livre para praticar e assumir seus atos; 
tenta compatibilizar a moral espiritual com as exigências da razão 
humana, cujo princípio é o da obediência às leis criadas pelo 
próprio homem; e para as quais a razão prática, relacionando a 
imortalidade da alma com a existência de Deus, tenta garantir o 
compromisso com o bem. O caráter reformista de Kant é o de 
que as leis passariam a regular as ações individuais para estc'lbelecer 
a harmonia da vida social. E o indivíduo assume o caráter de 
cidadão, respondendo por seus atos segundo o princípio de ig u aldade 
da lei, perante à sociedade e ao Estado por ela constituído. 
N o Brasil, a discussão sobre a liberdade política foi 
introduzida e defendida por Ferreira (1767-1846). Sendo adepto 
de Locke e Condillac, "tenta promover a adesão do pensamento 
luso-brasileiro à filosofia moderna" (PAIM, 1987b, p. 254). 
Adversário dos liberais, os contra-reformistas consideram 
a liberdade como garantia dasvirtudes cristãs e da salvação da 
alma. Essa corrente de pensadores, tentando preservar uma certa 
interpretação da filosofia cristã, segundo a qual a liberdade humana 
só é encontrada em Deus, procurou anular qualquer avanço da 
Desenrnhimento da idéia de liberdade na filosofia política rnntcmporânea 
11 
filosofia humanista que permitisse ao homem pensar e refletir 
sobre os seus atos. O con t r a - r e fo rmismo a l imentou o 
tradicionalismo lusitano do qual Freire (1738-1798) é considerado 
o fundador. As características básicas deste tradicionalismo
consistiram "na organização da estrutura jurídica, preservando
os valores herdados da Contra-Reforma, dando-lhes uma base
legal" (CARVALHO, 1995, p. 39).
É com Freire que o pensamento tradicional cristão ganha 
consistência jurídica no solo português. A liberdade humana, 
admitida como transcendência da entrega da alma a Deus, não 
pe rmanece mais n o p l eno i so lamento d o indivíduo. O s 
costumes tradicionais são traduzidos em leis, patrocinadas pelo 
Estado português, regendo o relacionamento entre as pessoas, 
e destas com o corpo coletivo. A lei passa, então, a ser o 
instrumento da razão humana, capaz de relacionar a mensagem 
d iv ina c o m as ações d o s ind iv íduos n o c a m p o social 
intermediadas pelo Estado. O exemplo mais característico e 
singular dessa transição dos costumes para as leis é a instituição 
do casamento civil. Mantém-se o vínculo com a tradição cristã 
de consagração matrimonial, a fim de que o casal encontre em 
Deus a felicidade eterna, mas também limita as ações livres dos 
cônjuges que possam prejudicar o próprio casal, a prole e a 
terceiros, no âmbito do corpo social. 
A cultura brasileira, a respeito da idéia de liberdade, foi 
influenciada por duas vertentes de grande significação. De um 
lado, pelo pensamento liberal, através de Silvestre Pinheiro Ferreira, 
representando a corrente reformista; e, do outro, o tradicionalismo, 
A dialética da liberdade rm Lockc 
12 
através da moral edificada pelo Visconde de Cairu. A respeito da 
primeira, registra Paim: 
Cabe assinalar que tanto a doutrina liberal de Silvestre 
Pinheiro Ferreira, como a filosofia de Victor Cousin ' 
desempenharam nesse processo papel de primeiro plano, 
a primeira facultando o adequado entendimento da idéia 
liberal, [ ... ] e a segunda, difundindo numa fundamentação 
da liberdade humana em plena consonância com o espírito 
do tempo e atribuindo dignidade teórica à conciliação, de 
que tanto carecia nossa elite no desempenho da árdua 
missão de incorporar-nos, finalmente, à Época Moderna 
(PAIM, 1987b, p. 91). 
Tentar-se-á, na seqüência, discutir o entendimento da idéia 
liberal, através de autores contemporâneos, indicando em quais 
aspectos valem-se da intuição essencial de Locke. O problema da 
liberdade não se esgota com sua consonância com espírito da 
Época Moderna, como aponta o próprio Paim, pois ele é perene 
e imanente à natureza humana. 
Alg u ns pensadores contemporâneos discutiram o problema 
da l iberdade sob di ferentes a rgumentos , sem c o n t u d o 
apresentarem uma solução para o divórcio entre a idéia de liberdade 
interior, segundo a tradição cristã, e a idéia de liberdade exterior 
ou política, de acordo com o pensamento moderno. A observação 
a seguir é muito pert inente: "A liberdade política é u m a 
conseqüência da liberdade interior estudada na filosofia. Sua 
conceituação pode e até deve ser diversa, mas sua existência 
depende da outra" (MACEDO, 1997, p. 18). 
Como a idéia de liberdade política encontra em Locke uma 
das principais fontes de inspiração, o presente trabalho objetiva 
Dcs,•nvoh imento da idéia de li herdade na filosofia política contemporúnca 
l:{ 
aprofundar a tentativa de solução elaborada pelo pensador, para 
essa interação da liberdade interior co1:1 a liberdade exterior, tendo 
em vista que diferentes correntes têm deixado o assunto aberto à 
discussão; pelo fato de inexistir, no sentido político, uma finitude 
de p opósitos que estabeleçam a convergência de conceitos para 
um ideal comum a respeito do problema da liberdade. A posição 
de alg u ns pensadores dá uma idéia da diversidade dos pensamentos 
sobre o tema. Para Hayek (1899-1992): 
A liberdade é o estado no qual um homem não está sujeito à 
coerção pela vontade arbitrária do outro; a sociedade liberal 
ou livre [ ... ] é uma sociedade na qual a submissão dos 
indivíduos à vontade dos outros e o uso da coerção são 
minimizados ( H A Y E K , 1983, p. 73). 
Hayek assume uma postura radical na defesa da liberdade 
individual e da sociedade liberal. Para ele, nada deve tolher a 
capacidade criativa do indivíduo, pois o padrão social que ele cria 
tem relação direta com seu comportamento. A coerção, tolhendo 
os indivíduos, bloqueia as iniciativas particulares e a sociedade, 
como um todo, perde, no entender de Hayek. Ele defende a tese 
de um mercado livre, para o funcionamento da economia, com o 
argumento de que o mercado constitui um sistema auto-regulador, 
não necessitando, portanto, de qualquer intervenção exógena. Por 
esse motivo, "recusa frontalmente o sistema representativo", 
conforme observou Paim (199 5). Mas essa posição de Hayek 
confronta com a herança deixada por Locke, pois dá uma indicação 
de que a vida social não tem outros problemas pela recusa do 
sistema representativo. Locke propunha exatamente o contrário, 
como forma de garantir as liberdades e os direitos individuais e 
das minorias divergentes. 
A dialética da liberdade Pm Locke 
Arendt, que se notabilizou com a obra Origens do Totalitarismo 
(1951), argumenta que a idéia de liberdade é um conceito político 
e, como tal, está inserida num mundo politicamente organizado. 
Isso a fez herdeira do conceito de Locke. Para a autora, como a 
liberdade faz parte da vida cotidiana dos indivíduos, seu âmbito 
natural, para o desenvolvimento das capacidades e das 
potencialidades da vida humana, é o âmbito da política. Entendeu 
a autora que a "liberdade é o verdadeiro motivo pelo qual os 
homens convivem politicamente organizados" (ARENDT, 1979, 
p. 192). Argumentou que, sendo a pessoa o fundamento da vida
social organizada, a idéia da liberdade filosófica, no sentido da
tradição cristã, não poderia ficar alheia à concepção da liberdade
política, exortada para a sustentação do convívio em sociedade.
Segundo Arendt, os homens, imbuídos apenas da concepção de
libertar a alma para a vida eterna, constituíam-se como "indivíduos
isolados, atomizados e desenraizados", sendo presas fáceis para
movimentos ou lideranças totalitárias. Logo, a difusão e a defesa
de liberdade política revestia-se de fundamental importância para
a garantia do sistema representativo de organização da sociedade
e preservação dos interesses civis, tal como idealizado por Locke.
Outro autor que examina a importância da liberdade política 
é Roque Spencer Maciel de Barros em O Fenômeno Totalitário (1990). 
Além de enaltecer o sistema de representação política, apresenta 
os atos humanos, numa sociedade livre, como condição para o 
devir do progresso da humanidade. Assim argumenta: 
Somos, até certo ponto, senhores dos nossos atos, à medida 
que nos caracterizamos precisamente pela condição de 
1 >l .,,. l\ o\ 1•1wnto d,1 idei:1 d( libl·rcbde na f losofi.i polítH a co11ternpora11e.1 
SERES LIVRES; não somos nunca, entretanto, senhores 
das conseqüências de nossos atos, que se entrecruzam com 
outros atos da mesma forma livres [ ... ]. Porém, a vontade 
dos homens, a sua liberdade, significa sempre um novo 
começo, que é sempre ameaçador para a inelutabilidade do 
movimento (totalitário) (BARROS, 1990, p. 134-165). 
Rogue Spencer, ao concordar com Arendt, para quem os 
indivíduos despreparados e isolados tornam-se presas fáceis para 
movimentos demagógicos e totalitários, argumenta ainda que as 
sociedades totalitárias apostam na "dissolução do indivíduo, do 
ser pessoal e moral" (1990, p. 68). Para Arendt,o despreparo limita 
a capacidade do homem de sentir, de pensar, de criar e de se 
defender. Portanto, isola o homem da esfera política, impedindo-
º de agir e de usufruir da sua liberdade. A autora, ao fazer distinção 
entre o isolamento e a solidão, afirmou: " o isolamento se refere 
apenas ao terreno da política da vida; a solidão se refere à vida 
humana como um todo" (ARENDT, 1989, p.527). O isolamento 
destrói as capacidades políticas dos indivíduos, embora mantenha 
a integridade de suas capacidades físicas. A solidão destrói o 
homem, por dentro, afetando sua liberdade interior. Para a autora, a 
solidão pode manifestar-se até mesmo na companhia de outras 
pessoas, pois trata-se de um estado de espírito, que se manifesta 
no homem, quando se sente não pertencente a este mundo. Assim, 
o isolamento pode levar multidões à solidão e, portanto, impedidas
de exercerem sua liberdade na esfera política da vida social. Sua
crença na liberdade responsável coloca o homem no centro das
ações e da criatividade para renovar o mundo, na medida em que
cada pessoa assuma os seus próprios atos, sem pôr em risco sua
própria liberdade e concorrendo para o fortalecimento da
A dialética da lihcrdade em Lockc 
16 
harmonia e do equilíbrio do corpo coletivo. Porém, quando as 
ações individuais, decorrentes do uso irresponsável da liberdade, 
entrecruzam-se num ambiente de movimento de massa, as 
conseqüências são, na verdade, imprevisíveis. 
Rogue Spencer argumenta ainda: "se o pensamento histórico 
liberar o homem da sujeição divina, esta liberação exige dele a 
mais absoluta submissão ao devir" (BARROS, 1990, p. 94). Essa 
liberação consistiria em desligar o homem da tradição cristã de 
buscar em Deus a liberdade interior. E o homem descompromissado 
de Deus ficaria exposto ao que o devir lhe reservasse, ou seja, 
usando a liberdade para o bem ou para o mal, segundo as 
circunstâncias e ideologias prevalecentes. Essa posição encontra 
respaldo significativo na idéia de liberdade defendida por Locke. 
Dos autores contemporâneos que pesquisamos, o que 
oferece melhores indicações para relacionar a idéia de liberdade 
em Locke com a idéia da tradição filosófica cristã, é o f ilósofo 
brasileiro Paim. Segundo o pensador: 
Desde que se instaurou a tolerância religiosa, as questões 
morais foram sendo decididas por consenso [ ... ]. Os valores 
da nossa civilização provêm do ideal de pessoa humana que 
nos foi legado pelo cristianismo, sendo essa base comum 
capaz de assegurar a superação de divergências secundárias[ ... ] 
O sistema representativo repousa na convicção de que todos 
os interesses humanos são legítimos[ ... ] A educação liberal 
tem ainda outro componente: o compromisso com a 
preservação da tradição humanista ... E ainda apud Ralf 
Dahrendorf. O liberalismo e a Europa (1979) o mais 
importante para o pensamento liberal é começar a ponderar, 
em termos novos, como a vida humana está estruturada na 
sociedade (PAIM, 1987a, p. 28-128-136). 
Drs(•nvolvinwnto d.t idéia dr liberdade na tilosofia política l'Ontl'mporiull'a 
1 '
As indicações precedentes, ainda que muito simplificadas, 
mostram que o problema da liberdade humana, em geral, e da 
liberdade política são assuntos importantíssimos. E Locke é ainda 
um interlocutor significativo para os autores contemporâneos. 
A dialética da libPrdade ('m Locke 
A NOVIDADE APRESENTADA 
PELA FILOSOFIA DA 2 
LIBERDADE DE LOCKE 
N , , 
EVOLUÇAO HISTORICA DA IDEIA DE 
LIBERDADE 
T omás de Aquino, segundo Urbano Zilles (apud,CARVALHO, 1995), aprofundou a discussão a respeitoda definição de Boécio (480-524), de que "o indivíduo
era uma substância de natureza racional". Tomás de Aquino 
atribuiu ao homem status ontológico, considerando-o inviolável, 
insubstituível e dotado de razão para pensar e refletir a respeito 
da natureza na qual está inserido. Surge, então, na Idade Média, o 
conceito de pessoa. Coube a Tomás de Aquino, a primazia de 
estabelecer a diferença entre homem-individuo e homem-pessoa. Embora 
Boécio tenha valorizado o conceito de homem-indivíduo, procurando 
A nov1da(h aprPsentada pela filosoth da liberdadP dt• Lol'kt' 
19 
explicar o EU, o homem refletindo a imagem de Deus e concebido 
como substância individual e de natureza racional, poderia alcançar 
a felicidade eterna, através da contemplação a Deus e à alma. O 
encontro com Deus resultaria na obtenção da paz interior, 
necessária para o al_cance do ideal ético e da suprema racionalidade. 
Essa natureza racional do homem confere-lhe o atributo de um 
ente completo, cuja vida pessoal, fechada em si mesmo, torna-o 
invulnerável a outros entes. Urbano Zilles (apud CARVALHO, 
1995) argumenta, então, que Tomás de Aquino, ao conferir ao 
homem o status de pessoa, reconheceu-o com singularidade e 
dignidade próprias. Dizia Aquino: "pessoa significa o que há de 
mais perfeito em toda a natureza" (apud CARVALHO et ai., 1998). 
Assim, o conceito de pessoa, cuja singularidade confere ao homem 
a liberdade de praticar ou não todas as virtudes terrenas, seja em 
conjunto com outros homens, ou isoladamente, é uma herança 
da Idade Média, que encontrou no seio do cristianismo um espaço 
para o homem desenvolver a purificação da alma na busca da 
felicidade e libertação interior. 
A tradição tomista, na esteira de São Tomás de Aquino, 
defendia a tese de que a liberdade interior do homem assentava-
se na plena entrega aos desígnios de Deus. Para tanto, o indivíduo 
teria de renunciar a tudo o que se relacionasse com o mundo 
material, apegando-se ao espírito da pureza, da prudência, da 
justiça, do amor a Deus, da humildade, da pobreza, da castidade, 
e assim por diante. Só a dedicação a esses preceitos aproximaria o 
homem da ordem divina e das virtudes da salvação, para buscar 
em Deus o supremo bem; o reino dos céus. Só o apego a Deus 
libertaria o homem dos pecados terrenos e o conduziria à vida 
,\ clialét1ra lh liberdaclL' c•m Loc ke 
20 
eterna, à imortalidade da alma. A moral e a ética individual 
precisavam de paradig mas para conter a impulsão do homem ao 
mal. O temor ao desconhecido, após a morte , induzia as 
consciências humanas a seguir as pegadas do Salvador, na busca 
da felicidade interior. Felicidade esta que se materializava no interior 
das igrejas com a contemplação ao Cristo, salvador de todas as 
almas. O apego à religião, como único caminho da salvação, 
despertava no homem um sentimento de estar na trilha do bem e 
sob a proteção de Deus. Essa opção teria de ser unicamente 
individual, tendo em vista que a Igreja não aceitava qualquer pacto 
coletivo de reflexão religiosa. O relato a seguir é muito oportuno: 
A Igreja entendeu-se intérprete da mensagem divina, 
repudiando as novas bases do pacto social. Insistiu que o 
objetivo da vida social é estabelecer uma ordem justa, 
atribuindo os problemas sociais ao desvio do caráter e às 
injustiças engendradas no coração humano (CARVALHO, 
1995, p. 33). 
Assim, o coração do homem só estaria propenso à prática 
do bem, na medida em que sua alma estivesse livre para a salvação 
eterna. Essa liberdade interior era a tônica da filosofia tomista. 
Era uma espécie de introversão da liberdade humana. Só a 
contemplação do bem era o requisito da felicidade. Uma vez que 
cada homem estivesse voltado para as coisas divinas, a paz social 
estaria assegurada, pois os bens terrenos só deveriam ser "buscados 
em si mesmos para tornar a vida contemplativa mais digna" 
(CARVALHO, 1995, p. 52), interpretação do autor, para o 
pensamento aristotélico. Mas a postura filosófica tomista 
desconsiderava a natureza humana, por não levar em conta as 
,-\ novidaclP aprespntad.i pela filosofi,1 da libc nl.tdl' ele• 1 oekt• 
21 
aspirações individuais, os interesses e a capacidade de trabaJho de 
cada indivíduo. A natureza humana teria de seguir os seus desígnios. 
O homem não poderia continuar fechado em si mesmo. A 
sustentação da felicidadeinterior teria de estar atrelada às virtudes da 
liberdade exterior que transforma o homem de indivíduo para cidadão 
na construção do mundo exterior. Assim, a vida em sociedade tornar-
se-ia mais plena, em decorrência da troca de experiências e proteção 
mútua que se constituiriam através do pacto. 
A natureza gregária do homem estabeleceu a necessidade 
do relacionamento de uns com os outros. A prática diuturna desse 
relacionamento despertava em cada indivíduo a consciência da 
necessidade de se estabelecer limites para as palavras e para as 
ações, que deveriam sustentar o entendimento das pessoas na busca 
de maior aproximação entre elas. Como o homem cuida de seus 
interesses, as desavenças eram constantes e mais freqüentes, 
rompendo qualquer tipo de limite e submetendo as pessoas ou 
grupos aos caprichos de outros que se julgavam mais fortes e 
donos de "sua" verdade. 
O tomismo dava a esse debate uma caracterização específica, 
voltada para seus preceitos de libertação, segundo os quais o reino 
dos céus e a liberdade eterna só seriam alcançados pelos "puros", 
cuja alma deveria ser entregue a Deus, através da renúncia, da 
prudência, da humildade. Tentava, sem sucesso, converter todos 
os indivíduos à resignação das necessidades da vida terrena. Ao 
buscar a liberdade interior, tinha-se em vista que a ordem social 
estaria automaticamente implantada. Mas a resignação apenas 
capacitava o homem a estar em estado de espírito livre para alcançar 
A dialetin da lt])( rdacle em Locke 
o reino dos céus, mas não livre para negociar seus interesses com
os seus iguais na vida terrena, tendo em vista que a integridade
física, a locomoção na busca de víveres e outras necessidades eram
sentidas como importantes para todos.
A necessidade de relacionamento, nascida da condição social 
da vida humana, passou a demandar limites para as palavras e 
para as ações, criando uma consciência de liberdade, que buscava 
garantir o estreitamento das relações pessoais. Através do pacto, 
os indivíduos passavam a "tolerar", a "respeitar", a "limitar", a 
"punir" as ações individuais que poderiam ser objeto de risco 
para outras pessoas. Nasce, então, a idéia de liberdade exterior, 
entendida como aquela que se tornou o sustentáculo da razão 
humana do direito à vida, uso da palavra e da locomoção para 
sobreviver. Essa idéia de liberdade exterior herdada de Locke foi, 
em nossos dias, entendida por Arendt como sendo um conceito 
essencialmente político, brotado da necessidade de organização da vida 
em sociedade. Embora a autora tenha questionado o sentido da 
política para relacionar-se com a liberdade, sua argumentação 
indicou que o objetivo da política vai além da preservação da vida 
da humanidade. O espaço criado pelas condições modernas para 
a existência de um Estado de Direito é absolutamente necessário 
para preservar, também, a liberdade de agir do homem, para que 
novas iniciativas sejam desencadeadas e o processo da evolução 
histórica dos povos siga a sua trajetória normal, "porque os 
homens, enquanto puderem agir, são aptos a realizar o improvável 
e o imprevisível" (ARENDT, 1993, p.122). A autora, ao discutir a 
liberdade cristã e a liberdade política, apontou a existência de um 
relativo divórcio entre a liberdade interior, preconizada pela metafísica 
A novidade apresentada pela filosofia da liberdade de I.ocke 
medieval e a liberdade exterior, pela concepção política, pelo fato de 
a tradição filosófica, desde Agostinho, insistir no distanciamento 
da vida contemplativa com a vida o mundo exterior. Segundo 
sua percepção, a idéia de liberdade foi enfatizada no final da Idade 
Média, sobretudo, com a formação dos estados nacionais, mas 
num sentido muito restrito. A liberdade interior ficou preservada 
na discussão moral e teológica. A Igreja não aceitava a transposição 
da idéia de liberdade do plano espiritual para o plano temporal. 
Essa dicotomia provocava dissensões e intolerância entre aqueles 
que divergiam por concepções religiosas e que recrudesciam na 
esfera política. 
Thomas Hobbes (1588-1679) foi um dos primeiros a 
teorizar sobre a necessidade de limite para as liberdades individuais. 
N a obra O Leviatã (1651), explicou que os homens deveriam 
renunciar a alguns direitos individuais do estado de natureZfl, em 
benefício do Estado. O fiador da ordem era o soberano que não 
tinha qualquer dever para com os súditos, tendo em vista que o 
Estado estava acima das posições pessoais. Hobbes também 
escreveu um tratado com o título específico Da liberdade e da 
necessidade, n o qual p r o c u r o u discut i r a cont rovérs ia da 
predestinação, mérito, livre arbítrio e reprovação, dentre os temas 
mais evidentes na época. Mas sua proposta de relacionar os deveres 
e as liberdades individuais para com o Estado é considerada, por 
seus críticos, como de natureza absolutista. É com John Locke 
(1632-1704), como veremos, que o divórcio apontado por Arendt, 
entre a liberdade inten·or, da tradição filosófica cristã, e a liberdade 
exterior ( entendida como liberdade política) rompe-se e ganha uma 
ou outra conotação, segundo as concepções individuais. 
A dial{)tica da liberdade cm Loeke 
24 
A FILOSOFIA DA LIBERDADE 
SEGUNDO LOCK.E 
O ponto de partida de John Locke, para estabelecer uma relaçã . entre ª. liberd de interior e a liberdade exterior ou polzttca, que 1mpuls1ona as aç.ões humanas, pode 
ser entendido a partir dos fundamentos morais, éticos e cristãos 
desenvolvidos na Carta sobre a tolerância (1685). A liberdade inten·or, 
como meta a ser buscada, no plano cristão, consistia no abandono, 
pelo indivíduo, das coisas terrenas e na aproximação do homem a 
Deus. Os valores terrenos ordinariamente eram vistos como 
obstáculos para a aquisição dos valores mais altos. Quanto mais o 
homem aprofundasse a busca da paz interior, livrando-se das 
necessidades materiais, mais próximo estaria do Bem, alcançando 
a pureza da alma e a virtude cristã. O caminho para essa felicidade 
seria trilhado segundo o autocontrole, tal requisito, ao proporcionar 
a paz interior, também conduzia a consciência individual à busca 
do convívio livre com Deus. " O caminho para Deus era o da 
mais completa anulação do indivíduo" (CARVALHO, 1995, p. 
54). Nisso consistia a essência filosófica do sentido da liberdade 
interior, tal como foi entendida pelos neotomistas do século XVII. 
A liberdade interior era, apesar dos problemas gerados no 
neotomismo, um valor. Com base nele, Macedo afirma: "A 
liberdade interior, do ponto de vista humano, é a primeira e o 
fundamento necessário das outras" (1997, p. 19). 
Mas, em nome e em defesa dessa tradição, a Igreja se 
colocava como a principal guardiã da moralidade. Quem quer que 
A noddadP apresPntacla pela filosofia da liberdade de Locke 
•,e ... ,) 
se pusesse a refletir sobre uma nova ordem de conduta humana 
era considerado herege pelos seguidores da tradição. John Locke, 
percebendo que havia uma profunda contradição entre alguns 
setores da Igreja, em que muitos praticavam ações destituídas da 
virtude e do senti.do humanitário, ao discutir a organização da 
sociedade civil para a preservação da vida, da liberdade e dos bens 
dos indivíduos, tentou despertar as consciências dos homens, 
sobretudo, de seu tempo e de seu país, para uma mudança da 
concepção de liberdade interior, no desenvolvimento da idéia de 
liberdade relacionada com a convivência em comunidade. 
Na Carta sobre a tolerância, Locke estabeleceu as bases para a 
discussão acerca do problema da liberdade exterior. A designação e 
o fundamento da tolerância residiu na constatação cotidiana da
intolerância reinante no seio da Igreja para com aqueles que
discordavam da ortodoxia praticada em defesa da fé. Ortodoxia
esta que, revestida de pompas, mais se caracterizava pela luta pelo
poder e pela dominação dos contrários do gue pela defesa dos
preceitos da Igreja de Cristo. A tolerânciadeveria constituir-se no
principal sinal característico da Igreja de Cristo. Pois:
A verdadeira religião não é instituída para a pompa externa, 
ou para a obtenção de dominação eclesiástica, ou ainda para 
o exercício de força compulsiva, mas para a regulamentação
das vidas dos homens, segundo as regras da VIRTUDE e da 
PIEDADE (LOCKE, 1994, p. 239). 
O apelo de Locke para os aspectos da caridade, mansidão, 
piedade, virtude, boa vontade, traziam como resultado a tolerância. 
Em Locke, os preceitos cristãos deveriam ser exortados para fora; 
para fundamentar o relacionamento de uns com os outros. E para 
A dialetiea ela lilwrdadL' em Lockc 
a prática da tolerância, tão necessária para a organização da vida 
social, assunto que viria a constituir-se em seu principal projeto, 
delineado no Segundo Tratado sobre o Governo (1690). A prática da 
tolerância, desenvolvida através da virtude, da piedade, da 
mansidão, da conversação, do respeito às idéias contrárias, estava 
muito mais amparada pelas mensagens do Evangelho de Cristo, 
do que as ações praticadas pela intolerância em nome da ortodoxia 
da fé e da Igreja. Intolerância que chegava aos requintes de crueldade, 
submetendo os discordantes à mingüa, pela fraude, prostituição e 
privação de seus bens, além da perseguição com o fogo e com a 
espada, chegando mesmo a ceifar suas vidas, com o pretexto da 
transformação dos homens em cristãos, da busca pela salvação. 
Tais fatos, argumenta Locke, "são contrários à Glória de 
Deus, à pureza da Igreja e à salvação da alma" (LOCKE, 1994, p. 
240). Para converter os discordantes, todos deveriam seguir o 
exemplo deixado pelo príncipe da p a z que, ao invés de armar seus 
mensageiros com a espada e com o estigma da perseguição, 
colocou em suas mãos o Evangelho da p a z e os instruiu com a 
"santidade exemplar de sua conversação' a fim de converter as nações 
para sua Igreja. Segundo Locke: 
A tolerância para com os defensores de opiniões opostas 
em questões de religião está tão de acordo com o Evangelho 
de Jesus Cristo e com a razão pura da humanidade, que 
parece monstruoso que os homens sejam tão cegos a ponto 
de não perceberem a necessidade e a vantagem disso diante 
de uma luz tão clara (1994, p. 242) (grifo nosso). 
A razão humana, na opinião de Locke, é a principal 
característica do entendimento entre as pessoas. Se ela for 
A no,idadc apresentada pela filosofia da liberdade de l .ockc 
27 
aperfeiçoada, através da tolerância nas dissensões, como uma 
necessidade para o pacto de preservação, a vantagem para todo o 
corpo social não tem limites. O u seja, quanto mais se praticar o 
espírito da tolerância, maior será o crescimento e a maturidade do 
corpo social, tend.o em vista que as opiniões divergentes, além de 
enriquecerem a conversação, dão luz para o equacionamento e 
solução de diferentes assuntos e problemas. Portanto, as 
discordâncias entre as pessoas facultam a elas, necessariamente, a 
LIBERDADE D E ESCOLHA, deixando a critério de cada 
homem a opção para associar-se à seita que, a seu juízo, melhor 
atenda às necessidades de seu espírito, tanto para a salvação da 
alma quanto para unir-se a um corpo social, através de um pacto, 
que vise "a preservar sua LIBERDADE e sua energia, buscando 
assistência mútua e força conjunta, como forma de assegurar um 
ao outro seus bens e sua integridade física". Assim, segundo Locke, 
Deus não instituiu a sociedade civil, mas ensinou aos homens como, 
pela fé e pelas boas ações, eles podem obter a vida eterna, vê-se a 
necessidade de organizar a comunidade civil, com um governo e 
leis por ela estabelecidas e que digam respeito apenas aos interesses 
civis dos homens, relacionados com as coisas deste mundo, nada 
tendo a ver com o futuro da alma. Para dirimir as controvérsias 
entre os homens, no cumprimento das leis civis, seria desig n ado 
um magistrado para ensinar, instruir e corrigir os erros, através da 
razão, não cabendo a ele, o cuidado da salvação das almas. Pois, 
segundo Locke: 
Os eclesiásticos, além de se absterem da violência e de todos 
os modos de perseguição, [ ... ], deveriam também com zelo 
exortar a todos os homens (simples e magistrados), à caridade, 
A dialética da liberdade em T ,ocke 
28 
à humildade e à tolerância, e diligentemente se esforçar para 
aliviar e abrandar todo aquele ardor de relutância excessiva 
do espírito, que decorrem tanto do fervor entusiasmado de 
um homem para com sua própria seita como da astúcia de 
outros contra os dissidentes (LOCKE, 1994, p. 254). 
Assim, o sentimento da tolerância exortado por Locke, que 
traz com seu significado o apelo à razão, à benevolência, à 
humildade enfim ao entendimento entre os homens e ao respeito' ' 
às opiniões contrárias, constitui-se na ponte que liga a liberdade 
interior do homem, segundo a tradição cristã, com a liberdade 
exterior, que diz respeito a todas as coisas relacionadas às ações 
humanas, na conivência de uns com os outros, cujos limites, 
segundo Locke, "são estabelecidos por leis pelo poder legislativo 
(supremo) para toda a comunidade" (LOCK.E, 1994, p. 274), 
outorgando-as aos cuidados do magistrado civil. 
E o próprio Locke afirma: 
É fácil entender os fins que devem ser buscados pelo poder 
legislativo e as medidas que devem regulamentá-lo; estes são 
os bens temporais e a prosperidade externa da sociedade, a 
única razão por que o homem entra em sociedade e a única 
coisa que nela busca e deseja. Também é evidente que a 
LIBERDADE DO HOMEM permanece RELACIONADA 
com a sua SALVAÇÃO ETERNA, e que todos devem fazer 
o que sua consciência está convencida de que será aceito
pelo Todo-Poderoso, de cuja boa vontade e aceitação
depende sua felicidade eterna. Porque se deve, antes de tudo,
obediência a Deus, depois às leis (LOCKE, 1994 p. 275) 
(grifo nosso).
A novidade apresentada pela filosofia da libcr<lad0 de Locke 
29 
Apreende-se das palavras de Locke sua intenção de 
aproximar a liberdade interior com a liberdade política, exaltando 
as virtudes dos princípios sociais de convivência. A tolerância é a 
ponte que liga uma à outra. 
A dialética da liberdade em Locke 
30 
CONHECIMENTO E A 
LIBERDADE EM LOCKE 
O s trabalhos de Locke e as obras de comentadores de renome utilizados na pesquisa como Guilhermo Fraile, J . W Gough, James L. Axtell, Ives Michaud, 
André e Louis Leroy, Antônio Paim, não estabelecem com clareza 
uma relação da epistemologia de Locke com sua teoria política. 
Mas, através de vários pontos e indícios, pode-se constatar que a 
teoria do conhecimento não é uma parte isolada e dissociada da 
teoria política. A ponte para essa relação pode ser estabelecida 
através de A(guns Pensamentos sobre a Educação 1693 {apud A X T E L L , 
1968) e Conduta do Entendimento (1697), bem como através de outros 
tópicos que serão apresentados neste capítulo. 
Conhecimento e a liberdade em Locke 
: 1 
3 
NO CONTEXTO DAS OBRAS 
Ensaio Acerca do Entendimento Humano e o Segundo Tratado 
sobre o Governo foram publicado s quase que ao mesmo o temp , co nf orme o relato de Axtell, no inverno de 
1689/90, o que deu tempo para Lo cke preparar seus Alguns 
pensamentos sobre a educação, publicado s em 1693. Tanto no nsaio 
quanto no Se g undo Tratado, vários aspectos podem ser apreciado s 
co mo indicad o res da preparação da mentalidade inglesa para o 
co nvívio em so ciedade so b um go verno po lítico po r ela co nsti tuído . 
N o Capítul o III do Ensaio, a r espeitada Teoria do 
Co nhecimento , quando Lo cke trata da extensão do conhecimento 
humano , abo rda que "há mentes e seres pensantes em o utro s 
ho mens do mesmo mo do que em si mesmo s, que to do homem 
tem uma razão , em virtude de suas palavras e ações" (LOCKE, 
1978c, p. 284). Observa-se o peso que é atr ibuído às palavras e, 
po r co nseqüência, às ações humanas. Na discussão so bre o uso 
adequado das palavras, observo u-se a impo rtância atribuída ao s 
acerto s e desacerto s, quantoao emprego das mesmas para a 
designação das co isas. Não send o usadas co nvenientemente, 
po dem co nduzir à interpretações desastrosas. Assim, a razão de 
cada ho mem po de ser o bservada, talvez deduzida pelas palavras 
que ele articula ou pelas ações po r ele praticadas. Vale, entretanto , 
o bservar que o uso adequado das palavras e as qualificações de
suas designações estão intimamente ligadas à educação e ao
conhecimento adquirido . Po r outro lado , "apenas o co nhecimento
das coisas a ser capturado ; unicamente este valoriza nossos
A dialética da liberdade t'm Locke 
raciocínio s e mo stra o predomínio de um ho mem sobre o outr o , 
dizendo a respeito das co isas co mo realmente são " (1978c, P· 287). 
O entendimento dessa afirmação só fica assegurado na 
medida em que O individuo se prepara para as coisas da vida, como 
dizia O próprio Lo cke. O co nhecimento aumenta o po der de 
raciocínio dos ho mens e cria condições para ampliar a capacidade 
de discernimento so bre o que o afeta no dia--a-dia. E "as palavras 
são encaradas co mo grandes co nduto r es da verdade e do 
co nhecimento , [ ... ], e as verdades gerais são encaradas pela mente 
co mo as que mais ampliam no sso conhecimento " (1978c, p.293). 
Mas tudo isso só foi po ssível, e também o desenvo lvimento da 
reunião das palavras, graças às "Escolas que fizeram do s debates a 
pedra de to que da habilidade do s ho mens" (1978c, P· 302), 
privilegiando a palavr a final daquele que produzisse o melhor 
argumento . Denota-se aqui a introdução da Esco la co mo sendo o 
ambiente natural para o desenvolvimento da criatividade das pessoas, 
bem co mo para O entendimento das "leis civis ou regras estabelecidas 
pela co munidade co m respeito às ações de seus co mponentes" (1978c, 
p.216), assim co mo das r elações que devem prevalece r no 
cumprimento das o brigações e dos vário s deveres entre o s homens. 
Nesse sentido , fica evidente a relação de causa e efeito desenvo lvida po r 
Locke, co m a Esco la, o ferecendo educação e aumentando no s ho mens 
a sua capacidade de relacionar-se no convívio so cial; pelo fato de que, 
"em lugares em que ho mens em so ciedade já estabeleceram uma 
linguagem entre eles" (1978c, p. 248), a co municação do s pensamento s 
e das idéias, por meio das palavras, mantém um nível elevado da 
conve r sa e do intercâmbio co tidianos "acerca dos assunto s e 
conveniências da vida civil" (1978c, p. 251). 
Conhecimento e a liberdade Pm Locke 
N o Seg11ndo Tratado, quando Locke desenvolve a Teoria do 
Pátrio Poder, no Capítulo V I , ele indica que os pais têm uma 
espécie de governo e jurisdição sobre os filhos, quando estes vêm 
ao mundo e durante um certo tempo. N o entanto, na proporção 
em que os filhos ç:rescem, pouco a pouco, vão-se liberando da 
tutela paterna até se tornarem homens livres. A liberdade, estava, 
no sentir do filósofo, diretamente vinculada à utilização da razão. 
Durante a menoridade que, segundo Locke, era o estado 
próprio dos menores de 21 anos, a alimentação e a educação dos 
filhos são incumbências tão forçosas aos pais, para o bem dos 
filhos, que nada pode eximi-los disso. Numa época em que se 
discutia a formação das sociedades, as poucas escolas existentes 
eram eclesiásticas e a atuação dos pais considerada imprescindível. 
Não havia escolas públicas na difusão hoje concebida, razão pela 
qual Locke enfatizava a obrigação dos pais com a educação dos 
filhos, recomendando, inclusive, a adoção de tutores e preceptores 
para o acompanhamento dos jovens. Depois dessa fase, tanto os 
pais quanto os filhos, tutores e preceptores estavam ig u almente 
livres e sujeitos a mesma lei. O entendimento do pacto estabelecido 
requeria um certo nível de instrução para o convívio social, tendo 
em vista que "a liberdade do homem e a liberdade de ação, [ ... ], 
baseiam-se em ter ele razão capaz de instruí-lo na lei pela qual 
terá de governar-se" ( L O C K E , 1978b, p. 40). Pode-se admitir 
que a idade de 21 anos, sugerida por Locke e introduzida no 
corpo da lei, para atribuir aos jovens responsabilidade civil, 
vem perdurando através dos tempos, ainda que pese a tendência 
atual de reduzi-la. 
A dialética da Jilwrcfadl' t'm Locke 
'14 
Em seguida, Locke passa a examinar a distinção entre o 
poder paterno e o poder político. Defende que os dois poderes 
"estão perfeitamente separados, baseando-se em razões tão 
diversas e destinando-se a fins tão diferentes" (1978b, p. 44), que 
tanto o súdito quanto o príncipe, que são pais, estão obrigados a 
obedecer as regras da sociedade na qual estão incorporados. Assim, 
os filhos de qualquer indivíduo, estando unid9s aos pais por laços 
de filiação até a maioridade, ficam na obrigação de respeitá-los e 
prestar-lhes obediência até a idade capaz para o exercício da vida 
civil. A partir daí, embora os filhos continuem prestando reverência 
aos pais, eles adquirem igualdade de condições para o exercício 
da liberdade e da escolha da sociedade a que tenham de se unir; 
ou a comunidade à qual vão se submeter, aceitando as regras 
estabelecidas e sujeitando-se ao pacto já instalado, ou instituindo 
novo pacto, no caso de iniciação de nova comunidade. 
Uma vez entendido que o homem, a partir de certo 
momento, tem de agir por conta própria, assumindo suas 
responsabilidades e sujeitando-se a este ou àquele poder político, 
Locke prepara a inserção social do indivíduo com o argumento 
de que "as próprias comunidades observam e concordam que há 
uma ocasião em que os homens estão prontos para começar a agir 
como homens livres" (1978b, p. 40). E a partir dessa ocasião, quando 
cessa a responsabilidade paterna e o indivíduo passa a responder por 
seus próprios atos perante as leis da comunidade da qual faz parte, 
inicia-se a fase política do homem, de submissão a um poder como 
cidadão ou no exercício de uma atividade pública. 
Assim, tendo o indivíduo adquirido maioridade e liberdade 
para seguir sua própria vontade, segundo a lei da natureza, mas 
C onht>l'llllPnto e a liberdade Plll I ,m'l\l' 
tomando as diretrizes que lhe são possíveis, segundo as regras 
estabelecidas por um corpo social, Locke inicia a discussão da 
formação da sociedade civil ou política. Partindo da sociedade 
conjugal, considerada a primeira forma de vida em comum entre 
duas pessoas, atribwu-se aos pais a responsabilidade pela formação 
moral e virtuosa dos jovens, para tornarem-se cidadãos livres e 
para entenderem que "a liberdade do homem em sociedade não 
deve ficar sujeita a qualquer outro poder legislativo, senão o que 
se estabelece por consenso na comunidade" (1978b, p. 17), Locke 
tece considerações que merecem ser examinadas, no que toca a 
sua concepção de liberdade humana, segundo o estado de natureza 
e segundo as leis que regem a comunidade. 
O problema da liberdade humana é complexo e tem muitas 
implicações na vida social e política das sociedades. Com respeito 
à comunidade e sociedade, no sentido genérico das palavras, Locke 
não fez uma distinção mais profunda dos termos, quando diz "a 
comunidade parece-me ser uma sociedade de homens constituída 
somente para a preservação e progresso de seus próprios interesses 
civis" (1978b, p. 5). Todavia, quando qualifica em comunidade política, 
a distinção fica mais clara com a afirmação: "porquanto pode haver 
comunidades subordinadas num governo" ( LO CKE , 1978b, p. 
77). Assim, pode-se entender como comunidades os habitantes 
de vários bairros de uma cidade, subordinadas ao governo de um 
Município; as comunidades de várias cidades, subordinadas ao 
governo de um Estado; e as comunidades estaduais, subordinadas 
ao governo central de uma nação. Tomando como exemplo as 
nações federadas modernas, poderíamos falar de comunidades e 
sociedade municipal; comunidades municipais e sociedade estadual 
A dialétiea da liberdade em Loeke 
e comunidades estaduais e sociedade federativa, considerando que 
a melhor caracterização de sociedade é a

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