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Trauma Raquimedular Introdução Trauma raquimedular ocorre em até 5% dos politraumas, muitos que desenvolvem sequelas sensório-motoras temporárias (praxias) ou permanentes (tmeses) após chegar ao departamento de emergência, seja pela piora de uma lesão secundária (edema medular após fratura ou isquemia) ou atendimento inadequado. Logo, deve-se estabilizar adequadamente e restringir os movimentos do paciente, o que não implica em aumento do tempo sobre a prancha, que leva a lesões como úlceras e escaras. Epidemiologia: o trauma raquimedular pode gerar sequelas motoras, sensitivas e/ou autonômicas. As vértebras mais acometidas são as cervicais, seguidas das torácicas, lombares e sacrais. As causas mais comuns desse tipo de trauma são acidentes automobilísticos, quedas de altura, mergulho em águas rasas, ferimentos por arma de fogo e acidentes esportivos. Anátomo-Fisiologia A coluna vertebral é composta por vértebras que se dividem nas regiões cervical, torácica, lombar, sacral e o cóccix. As vértebras são compostas por um corpo, são sobrepostas e separadas por discos intervertebrais, tendo um processo espinhoso posterior e uma faceta articular que limita os movimentos. Além disso, os ligamentos longitudinais anterior e posterior, bem como o ligamento supra-espinal ajudam a limitar o movimento. Topografia: a região cervical, por sua mobilidade e localização, é a mais suscetível, sendo que em traumas cervicais altos (acima de C3), pode haver comprometimento do nervo frênico e morte ainda na cena. Por outro lado, nos traumas mais baixos pode não haver manifestações até chegar ao centro de trauma, sendo importante avaliação minuciosa. Já a torácica, é muito mais estável pela caixa torácica, embora, caso ocorra, resulte em lesão quase completa. Por fim, a região toracolombar é outro importante sítio de lesão, pois há transição de zona pouco móvel para uma móvel. Medula Espinal: a medula espinal é a estrutura do sistema nervoso central que se inicia em nível do forame magno e se encerra até L1-L2, sendo importante por distribuir nervos sensitivos e motores para o tronco e os membros. Ela se divide funcionalmente nos dermátomos (áreas inervadas por cada raiz espinal) e os miótomos (músculos inervados por cada raiz), sendo importante saber que por ela passam os tratos corticoespinais (motores), espinotalâmicos (sensibilidade a dor e temperatura) e da coluna dorsal (batiestesia e propriocepção), devendo eles ser avaliados. Os principais pontos de referências para os dermátomos são T4 (mamilo), T7 (umbigo) e L1 (prega inguinal). Choque neurogênico e espinal: também se destaca que uma lesão alta (acima de T6 ou cervical) pode resultar em perda do tônus simpático e choque neurogênico, condição de manejo que exige vasopressores e em que a hipervolemia pode ser maléfica. Além disso, esse deve ser diferenciado do choque espinal, que é a flacidez motora e perda de reflexos seguida de espasticidade que ocorre imediatamente após uma lesão medular. Mecanismos de Trauma Muitos dos traumas, em especial na coluna cervical, derivam de traumas cervicais, pois a região do pescoço está exposta a contusões, entorses, fraturas e lesões nervosas. Assim, é importante revisar esses mecanismos. Carga axial: podem ocorrer em quedas de moto ou mergulhos em águas rasas, quando o pescoço funciona como sustentação para todo o esqueleto pela posição em que a cabeça se encontra. Isso promove grande pressão sobre a coluna cervical, podendo resultar em fraturas complexas por compressão e deslocamento da vértebra. Flexão e rotação: a flexão associada com rotação do pescoço promove lesão ligamentar, que está associada com a fratura e/ou deslizamento (espondilolistese) da Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Trauma Raquimedular coluna para anterior, podendo lesionar a medula espinal devido a instabilidade. Esse tipo de lesão pode promover de modo precoce a retificação da coluna cervical (que fisiologicamente apresenta uma lordose). Extensão: pode ocorrer em colisões posteriores de automóveis, gerando os movimentos em chicote que podem lesionar a estrutura ligamentar e a cervical. Distensão: ocorre em movimentos abruptos que promovem angulação da cabeça, rotação e depressão do ombro, resultando no estiramento das raízes do plexo braquial que são denunciados pela postura de supinação com dor em queimação que irradia para o braço. Abordagem do Trauma Raquimedular Na atenção pré-hospitalar, é indispensável estabilizar a coluna cervical e não mover o paciente exceto em monobloco, pois isso poderia implicar em deslocamento de uma possível fratura ou lesão ocorrida na cervical ou outros segmentos. Deve-se considerar que qualquer paciente inconsciente é portador de trauma raquimedular até que hajam provas do contrário. Em seguida, deve-se reavaliar os sinais vitais e seguir a abordagem sistemática do ABCDE do trauma. Exame Neurológico: a escala de coma de Glasgow leva em consideração a reatividade pupilar (0, -1, -2), a resposta verbal (1-5), a abertura ocular (1-4) e a resposta motora (1-6), sendo importante realizá-la durante a avaliação primária e reavaliá-la na avaliação secundária. Também é importante observar o estado de consciência e orientação têmporo-espacial do doente de modo rápido. Avaliação secundária: com a coluna ainda estabilizada, deve-se realizar um interrogatório direcionado, questionando sobre presença de dor, queixas como pinçamento, queimação e cefaléia, lembrando que os traumas cranioencefálicos podem estar associados. Reavaliação neurológica: deve-se aferir a orientação têmporo-espacial, exame das pupilas, visualizar por epistaxe ou liquorréia, e abrasões. É importante realizar um exame neurológico que teste a sensibilidade e motricidade dos membros, pedindo para que o paciente aperte as mãos (verificar a força) e questionar se sente náuseas ou cefaléia com esses movimentos. Podem-se procurar sinais como o do guaxinim ou de battle, bem como realizar testes como o calcanhar-joelho e marcha. Avaliação dos dermátomos e miótomos: os dermátomos devem ser avaliados quanto aos tipos de sensibilidade, devendo-se topografar o nível sensitivo (abaixo do qual há lesão) e correlacioná-lo com a vértebra lesionada, já que nem sempre os nervos saem pelo forame da mesma vértebra lesada. É importante também avaliar miótomos, sendo os principais C3-C4 (elevação do ombro), C5 (abdução do ombro), C6 a flexão do cotovelo, C7 sua extensão, C8 o movimento do polegar e T1 a adução dos dedos. No membro inferior, L1-L2 são flexão do quadril, L3 extensão da canela, L4 dorsiflexão, L5 movimento do hálux, S1 flexão plantar e S2 a flexão da canela. Sinais Neurológicos Nem toda lesão raquimedular manifesta imediatamente sinais neurológicos, de forma que a ausência destes não implica necessariamente ausência de comprometimento da medula. Porém, a presença de paresia ou plegia, parestesias ou alodínia e reflexos alterados deve chamar atenção. A atrofia muscular é um sinal tardio e não deve ser considerado no contexto do trauma, assim como a dor, que é inespecífica dos sinais neurológicos. Só se deve liberar o paciente da imobilização caso haja certeza da integridade de sua coluna vertebral. Traumas Espinais Específicos Alguns tipos de lesões raquimedulares merecem maior destaque já que apresentam mecanismos próprios e podem representar preocupações específicas. Deslocamento atlanto-occipital: ocorre em lesões com distração e flexão intensas, sendo de elevada gravidade por conta de uma possível lesão do tronco encefálico ou do nervo frênico, sendo uma das principais causas de morte da síndrome do bebê sacudido. Subluxação do atlas: a subluxação rotatória é comum em crianças, pessoas com infecção de vias aéreas superiores ou artrite reumatóide, manifestando-se com torcicolo que não deve ser forçado e pede terapia especializada. Fratura de atlas: essa vértebra tem anel ósseo delgado e representa 5% das lesões cervicais agudas, podendo se associar a fratura de áxis. O mecanismo dessas fraturas Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Trauma Raquimedular (deJefferson) é por carga, colocando-se peso sobre a região. Essas fraturas não costumam lesar a medula, mas são instáveis de forma que o paciente deve ser estabilizado e avaliado pelo especialista. Fratura de áxis: essa vértebra é atípica e a mais larga da coluna cervical, sendo suscetível a fraturas a depender da direção e força do impacto. A maioria dessas fraturas envolve o processo odontóide, podendo ser de tipo I (quando envolvem a ponta do áxis), tipo II (quando envolve a base, sendo mais comuns) e tipo III (quando ocorre da base ao corpo de forma oblíqua). A fratura posterior do áxis (de Hangman) se dá em lesões por extensão como no enforcamento, sendo instável e por isso exigindo intervenções especializadas. Outras fraturas cervicais: as lesões mais comuns são entre C5-C6 pela maior mobilidade, sendo também o local mais comum de fraturas, subluxações e deslocamentos. Quanto mais instável a fratura, maior tende a ser a lesão espinal. Fraturas da coluna torácica: essas fraturas são incomuns, já que a caixa torácica oferece uma fixação adicional para a coluna. Porém, elas podem ser fraturas com listese anterior, fraturas causadas por compressão vertical; fraturas transversas do corpo vertebral por flexão em um eixo anterior à coluna, como o cinto de segurança mal posicionado (fraturas de Chance). ou ainda as fraturas deslocadas que ocorrem quando há ruptura de estruturas posteriores, sendo comum a lesão da medula já que o canal vertebral é bastante estreito. Fraturas toracolombares: ocorrem na transição de T11-L1, sendo comuns pela junção de uma área pouco móvel com uma mais móvel. Em geral, decorrem de flexão e rotação, sendo instáveis, sendo associadas com quedas de grande altura ou acidentes automobilísticos. A lesão em nível de L1 pode gerar sintomas sensoriais, motores e autonômicos como retenção urinária e fecal, Fraturas lombares: em geral, são menos graves, já que como apenas a cauda equina está envolvida, costuma não haver déficit motor completo das extremidades. Traumas penetrantes: em geral há comprometimento neurovascular decorrente de facadas ou projéteis, sendo estáveis a menos que haja explosão daquele projétil. Lesões contusas de artérias: o trauma contuso no pescoço pode resultar em comprometimento das artérias vertebrais ou das carótidas, sendo preciso reconhecer sinais precoces para evitar isquemia cerebral. Solicitação Avaliação Radiográfica O Trauma Raquimedular é suspeito se mecanismo sugestivo mesmo sem sintomas, nos politraumatizados, inconscientes ou com dor em qualquer região da coluna, trauma facial ou craniano, parestesia ou história de mergulho em águas rasas. Porém, mesmo nos traumas sem parestesia, mecanismos de risco ou em idade avançada, a ausência de alguma habilidade como sentar ou rotacionar o pescoço ou alguma deformidade, edema, incontinência ou laceração já pode indicar um estudo radiográfico ou tomográfico do segmento suspeito, verificando o ABC’s: Alinhamento, Bones (integridade óssea), Cartilagem (discos intervertebrais) e Soft tissue (tecidos moles, visíveis apenas patologicamente). Topografia Lesional As lesões podem acometer partes moles, a vértebra, parcialmente ou totalmente a medula. Nas lesões de medula, destaca-se que paraplegias são provocadas por lesões torácicas e tóraco-lombares enquanto a tetraplegia afeta membros superiores e inferiores, em geral por lesão cervical. Nas lesões cervicais altas, também pode haver paralisia respiratória. Gravidade do trauma: a gravidade desse trauma depende da altura da lesão e comprometimento medular. Como o diagnóstico pormenorizado de uma lesão estável pode exigir estudos radiográficos, parte-se do princípio que o paciente possui trauma instável e deve ser imobilizado. Manejo Geral Inclui a imobilização da coluna cervical e restrição dos movimentos, ventilação adequada, sendo os movimentos realizados pela equipe feitos em monobloco, evitando deslocar as lesões. Se o paciente tem sinais de choque neurogênico como bradicardia e refratariedade à fluidoterapia, usa-se vasopressores como norepinefrina e dopamina. Pode ser preciso avaliação especializada. Complicações: envolvem insuficiência respiratória, choque neurogênico e, tardiamente, infecções, escaras, espasticidade, disautonomias, trombose e dor crônica. Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Trauma Raquimedular
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