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Ana Luiza Bittencourt TEORIA GERAL DO DIREITO PRIVADO – DIREITO CIVIL I Introdução histórica ao Direito Civil Brasileiro - No Brasil, as relações civis regiam-se pelas Ordenações do Reino português, mas também sofriam influência de costumes locais > devido à distância entre Portugal e Brasil, criou-se condições propícias para a firmação de costumes próprios pelos colonos > valia-se muito pelo bom senso. - A partir da Independência do Brasil, em 1822, marcada principalmente pela independência política, surgiu a necessidade da codificação do direito > a tentativa de construção das normas codificadas demorou muito tempo, até que Campos Salles nomeou Clóvis Beviláqua para a tarefa de construção de um código. Ele apresentou um projeto que, após 16 anos de debates transformou-se no Código Civil, promulgado em 1916, com vigência a partir de 1917. - O Código Civil, devido à demora de formulação, foi do tempo da transição do direito individualista para o social. Com isso, precisou ser revisto e atualizado. Depois de 1916 os acontecimentos alteraram profundamente os fatos sociais, requerendo maior interferência do poder judiciário em temas como “locação de serviços”; “propriedade”; “famílias”, enfim, contratos em geral. - Por causa disso, várias legislações esparsas implicaram na derrogação do Código Civil de 1916, como por exemplo, o Estatuto da Mulher Casada, a Lei do Divórcio, a leis sobre União Estável, a Lei de Registros Públicos etc. Publicada em janeiro de 2002, a Lei nº 10.406, contendo um novo Código Civil para o Brasil, revogou o antigo Código, com vacatio legis de um ano após a sua publicação. - “o novo Código passa a ter um aspecto mais paritário e um sentido social, atendendo aos reclamos da nova realidade” (Maria Helena Diniz). - Entretanto, por causa dos longos anos de discussão sobre a promulgação ou não do Código Civil, a realidade fática se alterou e continuamos necessitando de tutela específica para determinadas situações antes inexistentes. Ainda assim, é baseado em princípios pautados pela justiça social e o respeito à dignidade da pessoa humana. - A recodificação produziu novas normas, por meio de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, confessando assim a sua incompletude. “Normatividade carece de preenchimento valorativo”. - O Código Civil tem por diretrizes os seguintes princípios: • Princípio da Socialidade: prevalência do direito coletivo sobre o individual, dando ênfase à função social da propriedade e do contrato e à posse-trabalho. Ex.: todo indivíduo tem direito à propriedade, mas se existir um interesse coletivo nessa propriedade (como um ótimo local para a construção de um hospital), esse direito promove a desapropriação, uma vez que determinada propriedade não está cumprindo devida função social. • Princípio da Eticidade – fundado no respeito à dignidade humana, dando prioridade à boa-fé subjetiva e objetiva, probidade e equidade (honestidade e equilíbrio). • Princípio da Operabilidade – confere ao órgão aplicador maios elastério, para que, em busca de solução mais justa a norma possa, na análise do caso concreto, ser efetivamente aplicada > interpretação mais ampla baseada em princípios que buscam a otimização a depender de cada caso concreto. Estrutura e conteúdo do Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/2002.) - O Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002, entrou em vigor em janeiro de 2003, dando assim um prazo de um ano entre a publicação e entrada em vigor possibilitando aos juristas sua compreensão e análise antes de sua efetiva aplicação. Possui 2046 artigos, que tutelam variadas relações jurídicas do setor privado. • Parte Geral: 3 livros > pessoas (naturais e jurídicas); bens; fatos jurídicos (negócios jurídicos, atos jurídicos lícitos e ilícitos, prova); • Parte Especial: 5 livros > direito das obrigações (contratos), direito de empresa, direito das coisas, direito das famílias; direito das sucessões. • Livro complementar: disposições finais e transitórias (disciplinam as questões genéricas de aplicabilidade e questões relativas à fase de transição do antigo para o novo Código Civil). Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - É um "conjunto de normas" sobre as "normas" com objetivo de regulamentar outras normas. Não é exclusiva do Direito Civil, mas estabelece a alicerces a todo o sistema jurídico, sendo então uma norma atemporal. - A LINDB entre outras finalidades, estabelece nos seus artigos 1º a 6º a vigência e eficácia das normas jurídicas: • Validade: - Formal: concerne à elaboração pelo órgão competente, aos procedimentos legais, como por exemplo o quórum para a sua aprovação. A norma só é válida se obedecer aos critérios estabelecidos pelo ordenamento jurídico. - Material: é a validade constitucional, estando relacionada à necessidade de adequação de cada norma com o ordenamento jurídico. • Vacatio legis: é o período de vagância da lei > período entre a data de publicação de uma lei e o início de sua vigência. Uma lei publicada deve aguardar X tempo para entrar em vigor. A finalidade é a assimilação do conteúdo da lei. • Vigência: tempo de atuação da lei em que se pode ser invocada para produção de efeitos. Uma lei vigente é aquela que se encontra apta a produzir os efeitos para quais foi concebida. Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. § 2o (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009). § 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957) § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré- estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957) § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. - A LINDB estabelece também os casos de conflitos das leis no tempo. O direito é dinâmico, acompanha a sociedade e é necessária uma "regra geral" de funcionamento. Falamos aqui do Princípio da Continuidade das Leis. Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. - E estabelece ainda critérios hermenêuticos de interpretação. É impossível ao legislador prever a totalidade dos fatos, assim a aplicação da norma requer aguçada interpretação. Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DAS LEIS. A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isentam as pessoasdas sanções nela estabelecidas. Ninguém poderá se escusar do cumprimento da lei, as leis são de observância obrigatória. Em casos específicos, existe exceção a essa lei, como deficiência cognitiva. Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Direitos Fundamentais - Direitos Fundamentais são direitos considerados essenciais para que qualquer pessoa viva com dignidade dentro de uma sociedade > “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”. (José Afonso da Silva) > são baseados no princípio da dignidade da pessoa humana. - O art. 5° dispõe de direitos e garantias fundamentais e é preciso saber diferenciá-los: • Direitos: são os bens e vantagens prescritos na CF; • Garantias: são instrumentos através dos quais é assegurado o exercício, de forma preventiva ou não, dos direitos. Os direitos e garantias fundamentais estão divididos na CF por temas: - Direitos individuais e coletivos (artigo 5º da CF): relacionados ao direito à vida e à liberdade, tanto de indivíduos quanto de coletivos organizados ou formados a partir de características específicas. - Direitos sociais (do artigo 6º ao artigo 11 da CF): levam em consideração os direitos fundamentais que toda a sociedade desfruta. Os direitos à educação, alimentação, segurança, trabalho, moradia e saúde são exemplos de direitos sociais fundamentais. - Direitos de nacionalidade (artigos 12 e 13 da CF): direitos e deveres dos brasileiros (natos e naturalizados), em relação ao seu país e à sua condição de cidadão brasileiro em outros locais. - Direitos políticos (artigos 14 ao 17 da CF): determinam a liberdade de manifestação política, de se organizar politicamente e de constituir partidos políticos, apresentando regras, direitos e deveres do cidadão e da célula partidária política frente à sociedade. Obs.: a CF também possui princípios que dependem de interpretação argumentativa para sua aplicação. Ex.: art. 421 e 422 do Código Civil. - A doutrina traça a evolução dos direitos, por questões históricas e evolutivas, classificando-os em “gerações” ou “dimensões”, mas é melhor optar pelo termo “dimensões” por motivos de não existir uma relação de hierarquia entre os direitos. Sendo eles: • Direitos fundamentais de primeira dimensão: século XVII > necessidade de limitação dos abusos do Poder Público contra o particular. Dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos que traduzem direitos individuais inerentes ao homem, como o direito à liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, entre outros. • Direitos fundamentais de segunda dimensão: a partir do século XIX > impulsionados pelas reivindicações de normas trabalhistas e de assistência social, foram fixados direitos sociais, culturais e econômicos, quando o Estado interferiu para que a liberdade do homem fosse protegida totalmente (direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve, entre outros). • Direitos fundamentais de terceira dimensão: com o crescente desenvolvimento tecnológico e científico, as relações sociais se alteraram profundamente, iniciando uma preocupação voltada para a proteção da coletividade, desenvolvendo a noção de preservacionismo ambiental. Envolvido nessa coletividade, o ser humano passa a ter direitos chamados direitos de solidariedade. • Direitos fundamentais de quarta dimensão: segundo orientação de Norberto Bobbio, (apud LENZA, 2008, p. 589) referida geração de direitos decorreria dos avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio genético. Obs.: alguns pouco doutrinadores defendem a existência de direitos fundamentais de quinta dimensão sob a justificativa de avanços tecnológicos, como as questões básicas da cibernética ou da internet. Características dos direitos fundamentais • Historicidade: tiveram origem no Cristianismo, sobrevivendo no tempo e chegando aos dias atuais; • Universalidade: tutelam indiscriminadamente todos os seres humanos; • Inalienabilidade: por não terem conteúdo patrimonial não podem ser alienados, sendo impossível a transferência de direitos fundamentais, a qualquer título ou forma; • Irrenunciabilidade – o titular do direito fundamental não pode renunciá-lo, inobstante tenha a faculdade de não exercê-lo; • Imprescritibilidade – se são sempre exercíveis não há intercorrência temporal de não- exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição > não tem prazo. • Relatividade – não há direito humano absoluto, a própria Constituição determina a solução do conflito de interesses, ou atribui ao magistrado, no caso concreto, decidir a prevalência do direito em questão. Aplicação dos Direitos Fundamentais Constitucionais nas relações privadas (eficácia horizontal dos direitos fundamentais) - Antigamente, a ideia de defesa dos direitos fundamentais era voltada apenas ao Estado, pois entendia-se que, como administrador da sociedade, apenas ele poderia garantir tais direitos, da mesma forma que pode quebrá-los > porém, os direitos fundamentais não são oponíveis apenas aos poderes públicos > eles irradiam efeitos também no âmbito das relações particulares > os cidadãos podem (e devem) invocar a CF para limitar a atuação estatal, mas também podem utilizá-la para se defenderem de agressões de outros particulares. - Surge então a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas ou eficácia horizontal dos direitos fundamentais, baseando-se no fenômeno chamado constitucionalização do Direito Civil > leitura da lei civil sob a ótica da constituição. - Ex.: Art. 1.723/CC = afirma, na letra da lei, que a união estável é consolidada com a união de um homem com uma mulher, entretanto, um casal homossexual pode requerer a união estável baseando-se em direitos fundamentais garantidos pela CF. - A aplicação concreta dos direitos fundamentais se faz presente em toda e qualquer relação jurídica. - O sistema jurídico brasileiro se utiliza largamente de princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados para a otimização da aplicação da norma regra e para preservar os direitos fundamentais: • Princípios: têm amplitude maior > é preciso preencher esse conceito de valor > tem efeito erga omnes, mas depende de caso concreto > ex.: princípio da dignidade da pessoa humana. • Cláusulas Gerais: normas com diretrizes indeterminadas, que não trazem expressamente uma solução jurídica (consequência). A norma é inteiramente aberta > ex.: presunção da boa-fé. • Conceitos jurídicos indeterminados: são conceitos abertos que variam de cada situação/caso concreto > ex.: bons costumes, honra, dano moral. - É preciso ainda saber que as normas se dividem em regras e princípios, sendo eles: • Regras: possuem conteúdo objetivo, certo e específico. Estabelecem soluções a partir de uma textura fechada. São normas que incidem sobre a forma de “tudo ou nada”. Em conflito de regras, usa-se o critério hierárquico, cronológico ou de especialidade. • Princípios: possuem conteúdo abstrato, com alto grau de generalidade e são considerados como normas de otimização. Em conflito, deve-se usar o critério da ponderação (sopesamento) de valores conforme cada caso concreto. Obs.: toda norma é ou uma regra ou um princípio + não existe hierarquia normativa entre princípios e regras.
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