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2 Sobre os autores Matheus Crippa Silvestre é nutricionista formado pela universidade federal de Santa Catarina e pós graduado em nutrição esportiva pela UNINTER. Já atuou como professor de graduação da universidade UNIAVAN e atualmente é professor de pós-graduação na instituição UNIGUAÇU. Além da docência, realiza atendimentos nutricionais voltados para a área esportiva e estética na cidade de Balneário Camboriú e faz parte da equipe do professor Waldemar Guimarães. Tem experiência com atletas de diversas modalidades, desde o fisiculturismo até esportes de endurance. Marcelo Conrado de Freitas é formado em Educação Física, Mestre em Fisioterapia (UNESP) e Doutor em Ciências da Motricidade (UNESP). Possui mais de 30 artigos publicados em revistas internacionais sobre suplementação e treinamento. Professor da graduação e cursos de pós- graduação da UNIGUAÇU. 3 Sumário Capítulo 1. Fadiga e Recuperação Muscular ................................................... 5 Fisiologia da contração muscular ......................................................................... 6 Mecanismos fisiológicos da fadiga periférica ...................................................... 11 Fosfocreatina e fadiga ......................................................................................... 12 Acidose e fadiga ................................................................................................... 14 Ácido lático gera fadiga? ..................................................................................... 17 Estresse oxidativo e fadiga .................................................................................. 20 Glicogênio e fadiga .............................................................................................. 23 Hipóxia e fadiga ................................................................................................... 23 Fadiga Central ...................................................................................................... 27 Dano muscular ..................................................................................................... 29 Recuperação muscular ......................................................................................... 32 Capítulo 2. Suplementação Crônica .............................................................. 38 Creatina ................................................................................................................ 39 Beta Alanina ......................................................................................................... 42 Capítulo 3. Suplementação Pré-Treino ......................................................... 47 Bicarbonato de sódio ........................................................................................... 48 Cafeína ................................................................................................................. 51 Capsaicina ............................................................................................................ 56 Arginina ................................................................................................................ 57 Citrulina ................................................................................................................ 58 Nitrato .................................................................................................................. 60 Colinérgicos .......................................................................................................... 63 Carboidratos no pré-treino de musculação ......................................................... 64 Capítulo 4. Suplementação intra-treino e pós-treino .................................... 67 Ingestão de proteínas no pós-treino .................................................................... 68 Ingestão de carboidratos no pós-treino ............................................................... 70 Suplementação de BCAA ...................................................................................... 71 Suplementação com Whey Protein ...................................................................... 76 Blends Proteicos ................................................................................................... 78 Suplementação com HMB .................................................................................... 79 Glutamina ............................................................................................................ 80 Suplementação de vitaminas no pós-treino ........................................................ 80 4 5. Alimentos Funcionais e Performance ........................................................ 82 Suplementação com Ômega-3 e hipertrofia ....................................................... 83 Efeito anti-inflamatório do Ômega-3 .................................................................. 84 Compostos bioativos e capacidade antioxidante ................................................ 87 Evidências sobre compostos bioativos e desempenho ........................................ 90 Capítulo 6. Fitoterapia Esportiva .................................................................. 93 Introdução a fitoterapia....................................................................................... 94 Fitoterapia no aumento da testosterona e libido ............................................... 96 Fitoterapia no controle do stress, ansiedade e qualidade do sono ..................... 99 Fitoterapia na perda de peso .............................................................................101 5 CAPÍTULO 1 FADIGA E RECUPERAÇÃO MUSCULAR Neste capítulo, você irá aprender sobre: • Os mecanismos da fadiga periférica e central; • A acidose e sua relação com a fadiga; • Estresse oxidativo e fadiga; • Fosfocreatina e fadiga; • Glicogênio muscular e fadiga; • Dano muscular, células imunes e recuperação muscular; • Os fatores que interferem na recuperação da força muscular após o treino. 6 Fisiologia da contração muscular O termo “fadiga” significa redução na capacidade do músculo esquelético em produzir força (ALLEN et al., 2008). Sabemos que durante um momento de fadiga a força muscular diminui, mas para entender como ocorre o processo de fadiga durante o exercício, é preciso compreender como funciona a contração muscular e a produção de força. Por isso, vamos primeiramente detalhar o processo fisiológico da contração muscular para que depois ao estudarmos a fadiga, o conteúdo ficará mais fácil de compreender. A contração muscular é um processo fisiológico que envolve tanto os neurônios quanto as fibras musculares, sendo que a junção entre um neurônio e as fibras musculares que ele controla chama-se unidade motora. Cada músculo do organismo possui diversas unidades motoras, ou seja, vários neurônios que controlam inúmeras fibras musculares. A figura 1 representa um esquema de uma unidade motora. Figura 1 – Estrutura da unidade motora 7 Legenda: A unidade motora é constituída por um neurônio e as fibras musculares que o neurônio controla. A região que conecta o neurônio as fibras musculares é chamada de junção neuromuscular. Vamos entender agora como os neurônios influenciam o processo de contração muscular. O neurônio envia um estímulo elétrico as fibras musculares, fenômeno chamado de potencial de ação. Basicamente o potencial de ação significa a troca na voltagem no interior do neurônio, de negativo (repouso = -90 mv) para positivo (despolarização = +35mv). Essa troca de voltagem acontece justamente devido a mudanças na concentração de íons sódio, no qual durante afase de potencial de ação, inúmeros ions sódio entram no interior do neurônio. Como o sódio possui carga positiva (Na+) a entrada desse íon no neurônio causa a troca da voltagem de negativo para positivo. Esse estímulo elétrico se propaga até a região terminal do neurônio, local também chamado de junção neuromuscular, ou seja, junção entre o neurônio e as fibras musculares. Quando a voltagem fica positiva na região terminal do neurônio (potencial de ação) ocorre a liberação do neurotransmissor acetilcolina na fenda sináptica (espaço entre neurônio e fibra muscular). O próximo passo é a ligação da acetilcolina em seu receptor que está localizado na fibra muscular. Essa ligação causa abertura do receptor, sendo que isso permite a entrada de íons sódio no interior da fibra muscular, causando a despolarização (potencial de ação), ou seja, a troca de voltagem de negativo para positivo na fibra muscular. Percebam que a função do neurotransmissor acetilcolina é transmitir o potencial de ação do neurônio para a fibra muscular. Observem a figura 2 que explica exatamente a ação da acetilcolina na junção neuromuscular. 8 Figura 2 – Ação da acetilcolina na junção neuromuscular Legenda: Quando a voltagem fica positiva na região terminal do neurônio (potencial de ação) ocorre a liberação do neurotransmissor acetilcolina na fenda sináptica (espaço entre neurônio e fibra muscular). O próximo passo é a ligação da acetilcolina em seu receptor que está localizado na fibra muscular. Essa ligação causa abertura do receptor, sendo que isso permite a entrada de íons sódio no interior da fibra muscular, causando a despolarização (potencial de ação), ou seja, a troca de voltagem de negativo para positivo na fibra muscular. Percebam que a função do neurotransmissor acetilcolina é transmitir o potencial de ação do neurônio para a fibra muscular Agora que o potencial de ação chegou na fibra muscular, vamos entender os próximos passos para ocorrer a contração muscular. O potencial de ação se propaga até os túbulos transversos (túbulos T) e essa troca de voltagem faz o retículo sarcoplasmático liberar o cálcio, um importante fator que faz ocorrer a interação entre os filamentos de actina e miosina, gerando a contração muscular e produção de força. Observem que a função do potencial de ação proveniente dos neurônios é fazer o reticulo sarcoplasmático liberar cálcio para haver a contração muscular. Por isso, qualquer prejuízo na liberação de cálcio gera queda na força muscular (fadiga), conforme iremos detalhar nos próximos tópicos. 9 Após ser liberado, o cálcio tem como destino os filamentos de actina, pois lá o cálcio se liga em uma proteína chamada de troponina. O encurtamento do sarcômero acontece quando os filamentos de actina se unem com os filamentos de miosina, mas para isso acontecer o cálcio tem uma importante função. A miosina é uma proteína que possui uma região chamada de “cabeça da miosina”, no qual essa região se liga no sítio ativo da actina e através da quebra do ATP temos a energia necessária para encurtar o sarcômero. Durante o repouso, uma proteína chamada de tropomiosina encobre o sítio ativo da actina, não deixando a cabeça da miosina se ligar na actina. Quando o cálcio se liga na troponina, essa proteína é ativada e nesse momento ela descola a tropomiosina, expondo o sítio ativo da actina. Agora, com o sítio ativo exposto, a cabeça da miosina consegue se ligar na actina. Observem que a função do cálcio é ativar a troponina e isso vai expor o sítio ativo da actina, pois a troponina desloca a tropomiosina. Observem a figura 3 que mostra a diferença nos filamentos de actina no estado sem cálcio (músculo relaxado) e com cálcio (músculo em contração. Figura 3 – Função do cálcio no processo de contração muscular 10 Legenda: Observem na imagem A que representa os filamentos de actina em estado de relaxamento, no qual não há presença do cálcio. Percebam que a tropomiosina está encobrindo os sítios ativos da actina, não deixando a cabeça da miosina se conectar com a actina. Por outro lado, na imagem B o cálcio que foi liberado pelo retículo sarcoplasmático se liga na troponina e isso causa um deslocamento da tropomiosina, expondo o sítio ativo da actina. Com o sítio ativo exposto a cabeça da miosina consegue se ligar na actina. Como observamos, o cálcio é necessário para haver o encurtamento dos sarcômeros e a produção de força muscular aconteça. Além do cálcio, a quebra do ATP também é necessária, pois por meio dessa quebra ocorre a liberação de energia para realizar o movimento mecânico do sarcômero (interação entre actina e miosina). Vejam a figura 4, no qual mostra a importância da quebra do ATP para haver liberação de energia para ocorrer a ligação entre os filamentos de actina e miosina e a força seja produzida para o movimento acontecer. Figura 4 – Liberação de energia para a contração muscular por meio da quebra do ATP Legenda: A quebra do ATP promove a liberação de energia para realizar o movimento mecânico do sarcômero, ou seja, interação entre os filamentos de actina e miosina. 11 Mecanismos fisiológicos da fadiga periférica Se o objetivo é potencializar o desempenho no treinamento, seja musculação, corrida ou bike é muito importante dominar os mecanismos fisiológicos da fadiga. Para ocorrer à contração muscular durante o exercício é necessário ter a interação entre os filamentos de actina e miosina, ou seja, encurtamento dos sarcômeros. O ligamento entre os filamentos de actina e miosina gera a produção da força necessária para o exercício. Por isso, qualquer fator que atrapalhe a interação entre estes filamentos pode contribuir para a redução na capacidade do músculo em produzir força (fadiga). Mas antes de conhecer os mecanismos da fadiga periférica, vamos compreender melhor o que faz o músculo produzir força. Para ocorrer à contração muscular são necessários dois fatores fisiológicos. O primeiro é a disponibilidade de energia através da quebra de moléculas de adenosina trifosfato (ATP). A Miosina é uma proteína que contém uma região denominada “cabeça da miosina”, sendo que essa região só consegue se ligar na Actina quando ocorre a quebra da molécula de ATP para ter energia suficiente para encurtar o sarcômero e promover a contração muscular. Durante o exercício físico, principalmente de alta intensidade, pode ocorrer redução dos níveis de ATP celular, sendo que a diminuição na disponibilidade de ATP reduz a interação entre os filamentos de Actina e Miosina e a produção de força muscular. Por este motivo, aumentar a capacidade do indivíduo em produzir ATP através de estratégias nutricionais pode otimizar o desempenho no exercício físico. O segundo fator fisiológico que pode gerar a fadiga periférica é a disponibilidade de cálcio no sarcoplasma. Além do ATP, o cálcio é essencial para ocorrer à contração muscular e a produção 12 de força. O estímulo neural nas células musculares promove a liberação de cálcio no retículo sarcoplasmático, sendo que em seguida, o cálcio estimula a interação entre os filamentos de Actina e Miosina. Basicamente, a função dos neurônios é estimular a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático para que haja a contração muscular. Isto significa que qualquer prejuízo na liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático diminui a produção de força muscular. Por isso, muitos estudos tem demonstrado que a redução de cálcio no citoplasma muscular está relacionada com uma menor produção de força, ou seja, a diminuição na função do retículo sarcoplasmático em liberar o cálcio é um dos principais mecanismos que explicam a fadiga periférica (ALLEN et al., 2008). Portanto, nós iremos compreender nospróximos tópicos os principais fatores que podem atrapalhar a função do retículo sarcoplasmático em liberar cálcio durante o exercício e os fatores que podem diminuir os níveis de ATP celular. Através deste conteúdo você conseguirá entender com mais detalhes por qual motivo a fadiga periférica acontece. Fosfocreatina e fadiga A fosfocreatina é encontrada em altas concentrações no músculo esquelético e cardíaco, onde atua como uma fonte de energia rápida para a formação de ATP (KREIDER et al, 2017). Em estímulos intensos, como por exemplo, uma série de treinamento resistido ou um sprint máximo de corrida, o estoque de fosfocreatina reduz de maneira progressiva, diminuindo drasticamente em torno de 15 a 20 segundos. É importante destacar que somente quando o esforço é de alta intensidade que a fosfocreatina é usada em maior 13 velocidade, sendo em um esforço de baixa ou moderada intensidade o uso de fosfocreatina para fazer ATP é muito baixo. Agora observem a figura 4 e vejam que durante o trabalho muscular intenso a fosfocreatina é utilizada para sintetizar ATP. Percebam que esse processo é rápido, havendo apenas uma única reação. Por isso, quando o esforço é intenso a prioridade acaba sendo usar fosfocreatina, pois mais rápido será o fornecimento de ATP. Porém, quando a fosfocreatina diminui no músculo, a fadiga aumenta, pois com menos fosfocreatina a velocidade em fazer ATP é menor, reduzindo a capacidade do músculo em produzir força. Por isso que é impossível sustentar um esforço máximo por muito tempo, ou seja, durante as repetições na musculação ou uma corrida máxima a força vai diminuindo em grande parte devido à queda de fosfocreatina muscular. Agora vamos compreender a importância da pausa entre séries para restaurar o estoque de fosfocreatina. Durante a pausa entre os estímulos intensos o processo é inverso, ou seja, o ATP proveniente principalmente das mitocôndrias (metabolismo aeróbio) é usado para restaurar a fosfocreatina. Interessante observar que a enzima creatina quinase trabalha quebrando a fosfocreatina para gerar ATP e ao mesmo tempo durante a pausa usa o ATP para refazer a fosfocreatina, como demonstrado na figura 5. Mas quanto tempo de pausa é necessário para recuperar completamente o conteúdo de fosfocreatina no músculo? Bom, para recuperar 100% o conteúdo de fosfocreatina muscular é necessária uma pausa longa, em torno de 3 a 8 minutos. Por isso que o desempenho é maior ao usar pausas longas na musculação ou corrida intervalada de alta intensidade, pois com mais fosfocreatina no músculo, maior a produção de ATP e consequentemente força. 14 Caso a pausa for curta entre séries (menos que 3 minutos) ocorre uma restauração incompleta da fosfocreatina, reduzindo o desempenho e aumentando a dependência do metabolismo anaeróbio lático (ZAJĄC et al, 2015). Então, quando a pausa entre séries é curta, maior é o uso da glicólise e consequentemente a produção do lactato aumenta. Figura 5 – Reação química da fosfocreatina para gerar ATP Legenda: Durante o estímulo de exercício intenso o estoque de fosfocreatina é utilizado para formar ATP. Esse processo acontece quando a enzima creatina quinase quebra a fosfocreatina em creatina para produzir ATP. Por outro lado, durante a pausa o estoque de fosfocreatina pode ser recuperado, havendo a necessidade de uma pausa de 3 a 8 minutos para recuperar 100% o estoque de fosfocreatina. Percebam que durante a pausa a via é invertida, no qual o ATP proveniente das mitocôndrias é usado para ressintetizar a fosfocreatina, sendo que a enzima creatina quinase também faz essa reação. Acidose e fadiga Acidose é uma condição fisiológica caracterizada pela diminuição do pH das células musculares, no qual ocorre em exercícios de alta intensidade combinados com pausas curtas entre séries. O precursor da acidose muscular são os íons de hidrogênio (H+), pois quando esses íons são acumulados na célula muscular geram uma diminuição no pH celular. Esta condição diminui a capacidade do músculo esquelético em produzir força. 15 Agora vamos compreender como os íons H+ promovem a fadiga muscular. Durante as repetições, a energia para ocorrer à contração muscular e produção de força acontece quando o ATP é hidrolisado (quebrado) em adenosina difosfato (ADP) e, posteriormente, o ADP pode ser quebrado em adenosina monofosfato (AMP), ou seja, a contração muscular e a produção de força para fazer o movimento na fase concêntrica dependem de energia, e essa energia vem da quebra do ATP. Mas, toda vez que o ATP é quebrado ocorre liberação de íons H+ na célula muscular, indicando que, quanto maior a quebra do ATP, mais íons H+ são liberados. Assim, durante as repetições no treinamento resistido acontece uma quebra constante de ATP em ADP e AMP, que consequentemente, leva ao acúmulo de íons H+ (SCHOENFELD, 2010). Observe na figura 6 que o ATP ao ser quebrado em ADP há liberação de um íon H+ na célula. Isso significa que, quanto maior a quebra do ATP, mais H+ é liberado. Figura 6 - Produção de Íons de Hidrogênio (H+) pela quebra do ATP. Legenda: Observem que a quebra do ATP em ADP libera energia para ocorrer a contração muscular (encurtamento do sarcômero) durante o exercício. Além disso, a quebra do ATP causa liberação de H+, então, quanto mais ATP é quebrado, maior a produção de H+. 16 Do ponto de vista prático, o acúmulo de íons H+ pode ocorrer principalmente quando o treino é realizado com pausas curtas entre séries (< 2min). Observe na figura 7 que durante o estímulo de alta intensidade (exemplo: repetições na musculação ou corrida intensa) os íons H+ são produzidos pela quebra de ATP, mas durante a pausa os íons H+ são removidos, indicando que se as pausas forem curtas entre séries, mais íons H+ são acumulados nas células musculares. Portanto, quando as repetições são executadas próximo ou até a exaustão, e as pausas entre as séries são curtas (< 2min) ocorre um grande acúmulo de íons H+. Isso explica, em partes, o motivo pelo qual este tipo de treino gera bastante fadiga. Outro ponto importante é que ao usar pausas curtas o desempenho diminui nas próximas séries, e isso, como já citado, pode ser explicado devido ao acúmulo de íons H+ (acidose). Figura 7 – Acúmulo de íons de hidrogênio (H+) no treino de alta intensidade com pausas curtas entre séries Legenda: Durante as repetições na musculação ou corrida de alta intensidade, a quebra constante de ATP promove um acúmulo de H+ na célula muscular. No entanto, durante as pausas o H+ pode ser removido pelos sistemas tampão, mas quando a pausa for curta ocorre uma menor remoção de H+. Portanto, ao combinar estímulos intensos com pausas curtas ocorre o acúmulo de H+, gerando acidose e fadiga periférica. 17 Conforme mencionado anteriormente, o acúmulo de íons H+ promove uma diminuição no pH, gerando uma condição de acidose muscular. A acidose (pH abaixo de 7,4) pode reduzir a capacidade do músculo em produzir força (JUNIOR et al., 2015). Mas como isso acontece? Primeiro, a redução do pH pode interferir na atividade de enzimas da glicólise, que são responsáveis para a formação do ATP. Basicamente ao reduzir o pH, a formação de ATP pode ser comprometida, e, com prejuízos na formação do ATP, a produção de força diminui. Segundo, a acidose pode reduzir a função do retículo sarcoplasmático em liberar o cálcio, e, consequentemente, com menos cálcio há uma menor interação entre os filamentos de Actina e Miosina, reduzindo a produção de força muscular (ALLEN et al., 2008). Lembrando que o retículo sarcoplasmático tem uma grande importância para a contração muscular e produção de força justamente por liberar cálcio para que haja a interação entre os filamentos de Actina e Miosina. Diantedos efeitos da acidose na força muscular, atrasar o acúmulo de H+ durante o exercício é uma boa estratégia para promover a melhora no desempenho, sendo que a suplementação de beta-alanina e bicarbonato de sódio vem sendo usadas para esta finalidade, conforme será discutido nos próximos tópicos. Ácido lático causa fadiga? Muitos associam a fadiga ou a sensação de queimação muscular que acontece durante o treino intenso com a liberação de ácido lático, entretanto, essa afirmação está errada. Primeiro, o que encontramos no sangue é lactato e não o ácido lático. Segundo, a crença que o lactato gera fadiga acontece porque durante treinos 18 intensos a concentração do lactato no sangue é alta. Porém o lactato elevado no sangue é um indicativo de que o exercício está usando muito o metabolismo glicolítico, pois o lactato é produto final da glicólise, ou seja, se está realizando muita glicólise, mais lactato será produzido. Conforme observado no tópico anterior, quando o exercício é de alta intensidade e a pausa entre séries é curta, o estoque de fosfocreatina no músculo está incompleto, então esse treino dependerá muito mais da glicólise para produzir ATP, explicando o aumento na concentração de lactato. O lactato não causa fadiga, pelo contrário, pode ajudar a aumentar o desempenho. Vamos entender isso melhor. Para piruvato ser convertido em lactato na glicólise precisa da enzima lactato desidrogenase (LDH) e também da transferência de um íon H+ proveniente de NADH. Então, duas moléculas de NADH da glicólise fornecem dois íons H+ para ocorrer à formação de duas moléculas de lactato. Percebam que usamos os íons H+ para formar o lactato, então, a produção de lactato ajuda a combater a acidose durante o treinamento intenso. Agora que já entendemos que a formação do lactato ajuda a remover íons H+, vamos compreender os destinos do lactato após a produção. O lactato também pode ser usado como substrato energético, ajudando a produzir energia ao músculo durante o exercício. Após a produção, o lactato precisa ser transportado do músculo para a corrente sanguínea. Para isso, o lactato precisa passar por uma proteína transportadora chamada de transportador de monocarboxilato (MCT). O interessante é que para o lactato passar pelo MCT é necessário H+, ou seja, o transporte de lactato do músculo para o sangue utiliza H+, ajudando a controlar o pH. Do sangue, o lactato pode ir até o fígado para ser convertido em glicose 19 através da gliconeogênese. Interessante é que em exercício de alta intensidade ocorre aumento da glicemia, pois o lactato que está elevado no sangue acaba sendo usado para produzir glicose no fígado (FERRAZ et al, 2008). Então, o lactato ajuda a manter a glicemia durante o exercício, e parte dessa glicose entra no músculo para fazer ATP, conforme mostrado na figura 8. Percebam a importância que o lactato tem durante o exercício de alta intensidade, sendo uma molécula importante para controlar o pH e ao mesmo tempo para produzir glicose no fígado. Um fato interessante é que a prática de exercício, principalmente de alta intensidade pode aumentar a expressão de MCT no músculo esquelético. Essa adaptação melhora a capacidade de tamponar íons H+, sendo um dos motivos que o exercício intenso melhora o desempenho anaeróbio (capacidade de resistir a estímulos intensos). Portanto, não é lactato que gera a fadiga muscular, mas sim outros fatores conforme iremos detalhar aqui neste capítulo. Figura 8 – Funções benéficas do lactato sobre o desempenho durante o exercício físico 20 Legenda: Após a produção, o lactato é transportado do músculo para o sangue por meio do Transportador Monocarboxilato (MCT). Esse transporte necessita de íons H+, então a remoção de lactato no músculo ajuda a controlar o pH. Do sangue, o lactato pode ir até o fígado e ser convertido em glicose pela gliconeogênese. A glicose pode voltar ao músculo e ser usada para fazer ATP (glicólise). Estresse oxidativo e fadiga As Espécies Reativas de Oxigênio (ERO), também chamadas de radicais livres, são produzidas constantemente nas mitocôndrias a partir do consumo de oxigênio. Isso significa que as células produzem ERO a todo o momento, pois estamos constantemente consumindo oxigênio nas mitocôndrias. O termo ERO inclui coletivamente ambos os radicais de oxigênio (ou seja, radicais superóxido, hidroxila, peroxila e hidroperoxila) e agentes oxidantes não radicais (isto é, peróxido de hidrogénio e ácido hipocloroso). Nas mitocôndrias, a produção de ERO é proporcional ao consumo de oxigênio, indicando que aumentar o consumo de oxigênio promove maior produção de ERO (HATTORI et al., 2009). Por isso, durante o exercício o consumo de oxigênio aumenta e os músculos em contração são proeminentes fontes de produção de ERO, com maiores elevações em exercícios com maior volume ou intensidade, justamente devido ao maior consumo de oxigênio. As nossas células possuem um sistema de defesa para controlar a produção de ERO, pois o excesso gera diversos prejuízos ao organismo. Uma das maneiras da célula não deixar ocorrer uma produção excessiva de ERO é através da ação de enzimas antioxidantes como a glutationa peroxidase, a catalase e o superóxido dismutase, sendo que estas enzimas podem reduzir os níveis de ERO. Podemos dizer que quando a produção de ERO é 21 muito alta e supera a capacidade das enzimas antioxidantes ocorre um fenômeno denominado estresse oxidativo. Durante o treino a produção de ERO aumenta, porém o aumento excessivo de ERO está relacionado à geração da fadiga muscular, ou seja, o estresse oxidativo pode diminuir a capacidade do músculo esquelético em produzir força. O excesso de ERO pode atrapalhar a função do retículo sarcoplasmático em produzir cálcio, reduzindo a capacidade de interação entre os filamentos de Actina e Miosina e a força muscular (REID et al., 2016), conforme demonstrado na figura 9. É importante mencionar que a produção excessiva de ERO acontece em treinos de alta intensidade ou em treinos de alto volume, pois nestas condições as enzimas antioxidantes não conseguem controlar a produção de ERO. Figura 9 – Mecanismo que o estresse oxidativo causa fadiga durante o exercício físico de alta intensidade Legenda: Durante o exercício físico de alta intensidade o consumo de oxigênio nas mitocôndrias é elevado, aumentando a produção de Espécies Reativas de Oxigênio (ERO). Essa condição é conhecida como estresse oxidativo, no qual o acúmulo de ERO diminui a liberação de cálcio no retículo sarcoplasmático. Com a redução de cálcio no citoplasma das células musculares ocorre 22 menor interação entre os filamentos de actina e miosina e consequentemente a produção de força diminui (fadiga). Vimos que o acúmulo de ERO pode acontecer durante o exercício físico devido ao aumento no consumo de oxigênio nas mitocôndrias. Além disso, após o treino esse acúmulo de ERO pode se manter. Vou explicar isso melhor. Sabemos que o exercício pode gerar microlesões, principalmente quando há ações excêntricas e mudanças de estímulos. Essas microlesões aumenta o recrutamento de células do sistema imunológico como os macrófagos e neutrófilos que agem no local das microlesões para promover a restauração tecidual. As células imunes podem liberar ERO no músculo, ou seja, quando o treino gera muitas microlesões o estresse oxidativo se mantém após o treino e isso diminui a capacidade do músculo em produzir força. Após o treino a força muscular diminui, sendo que dependendo do tipo de treino realizado a recuperação da força pode levar de 5 a 7 dias (PEAKE, 2017). Claro, tanto a fadiga como a recuperação muscular pós-treino são multifatoriais, ou seja, dependem de vários fatores. O estresse oxidativo éum dos fatores de fadiga e de atraso na recuperação muscular, no qual aumentar a capacidade antioxidante é uma estratégia muito interessante para otimizar a performance. Em outras palavras, aumentar a atividade das enzimas antioxidantes (SOD, catatase e glutationa peroxidase) é uma ótima maneira de melhorar o desempenho e ainda acelerar a recuperação muscular (PANZA et al., 2015). A pergunta que fica é: Como aumentar a capacidade antioxidante? Bom, iremos compreender esse conteúdo no tópico de compostos bioativos, no qual iremos discutir o papel dos compostos bioativos presentes das frutas e nos vegetais para aumentar a 23 capacidade antioxidante e melhorar a performance e sensibilidade à insulina. Glicogênio e fadiga O glicogênio muscular é um substrato energético para a glicólise produzir ATP. Primeiro, é importante compreender que o glicogênio muscular diminui progressivamente durante o exercício, sendo dependente da intensidade e do volume do exercício (HEARRIS et al, 2018). Vamos analisar a figura 10 que demonstra diversos estudos que avaliaram o efeito do exercício em diferentes protocolos sobre o conteúdo de glicogênio muscular (IMPEY et al, 2018). Percebam que o exercício de maior intensidade (120-150% do VO2máx) faz o glicogênio diminuir de maneira mais rápida, sendo que isso acontece justamente devido ao fato do fluxo glicolítico ser maior (metabolismo anaeróbio lático) nesse tipo de exercício. No entanto, quando o exercício é feito em intensidade moderada a queda do glicogênio acontece de maneira mais lenta e dependente do tempo (volume). Percebam que o exercício mais longo (2 a 4 horas) ocorre uma redução significativa do glicogênio muscular. Vejam na figura o estudo de Coyle e colaboradores (1986) que verificaram uma queda progressiva do conteúdo de glicogênio muscular de acordo com o tempo. Houve uma redução do glicogênio muscular após 120 minutos de exercício moderado (71% do VO2máx), porém a queda de glicogênio muscular foi maior após 180 minutos de exercício. Do ponto de vista prático, no início de uma prova de endurance (maratona) o estoque de glicogênio muscular está elevado, porém o glicogênio vai reduzindo de maneira progressiva, sendo que ao final da prova o conteúdo de glicogênio 24 muscular estará baixo. Entendam que houve uma redução drástica no glicogênio muscular justamente devido ao alto volume. Figura 10 – Influência da intensidade e volume do exercício sobre a depleção do glicogênio muscular Legenda: O glicogênio muscular diminui em maior velocidade quando o exercício é de alta intensidade (120 a 150% do VO2máx), conforme mostrado na figura. Porém, em exercício de intensidade moderada o glicogênio muscular diminui em menor velocidade e de maneira progressiva. Quando maior o volume, maior a redução do glicogênio muscular. A baixa quantidade de carboidratos na dieta pode reduzir o desempenho no treinamento principalmente pela diminuição do estoque de glicogênio muscular. A redução nos estoques de glicogênio muscular diminui a velocidade na síntese de ATP durante o exercício físico, pois quando o glicogênio muscular está baixo, maior a dependência do metabolismo aeróbio, a via energética que produz ATP de maneira mais lenta. Como vimos no começo do capítulo, a redução na disponibilidade de ATP diminui a produção de 25 força muscular, pois a quebra do ATP é necessária para liberar energia e com isso ocorrer a interação entre os filamentos de actina e miosina (encurtamento dos sarcômeros). Portanto, é muito difícil sustentar um exercício de alta intensidade quando o estoque de glicogênio muscular está baixo. Um outro motivo que o baixo conteúdo de glicogênio muscular afeta o desempenho é devido à redução na função do retículo sarcoplasmático em liberar o cálcio, sendo que a baixa disponibilidade de cálcio também reduz a interação entre os filamentos de actina e miosina, diminuindo a produção de força. O estudo de Ortenblad et al. (2011) demonstrou que a restauração do glicogênio muscular pós-treino via consumo de carboidratos melhorou a eficiência do retículo sarcoplasmático em liberar cálcio 4 horas após o exercício. Por outro lado, a taxa de liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático permaneceu deprimida em 77% na ausência da ingestão de carboidratos pós-treino. Em acordo com estes achados, Leveritt e colaboradores (1999) observaram uma redução na capacidade de realizar repetições durante o agachamento a 80% de 1RM quando o glicogênio muscular estava reduzido por restrição de carboidratos. Uma recente revisão de literatura demonstra resultados interessantes sobre a influência dos carboidratos sobre o desempenho no treinamento resistido (CHOLEWA et al., 2019). O aumento na ingestão de carboidratos após um período de restrição (carb up) aumentou o desempenho na força máxima (ou seja, teste de 1RM durante uma competição de powerlifting) e também resistência muscular. O glicogênio muscular também exerce uma grande importância na performance em exercícios de endurance. Ao realizar exercício 26 aeróbio em alta intensidade, o glicogênio muscular se torna o principal substrato de energia e, portanto, a depleção de glicogênio é considerada um importante fator limitante do desempenho deste tipo de exercício. Quando falamos de exercício aeróbio de longa duração, o glicogênio muscular diminui progressivamente. Então, iniciar a prova com o glicogênio muscular cheio é muito importante para aumentar o desempenho nesse tipo de exercício. Por isso, para atingir um alto nível de desempenho durante exercícios que dependem da via glicolítica (seja musculação ou endurance), seria recomendável iniciar o treino com as reservas cheias de glicogênio muscular. Além disso, a dieta rica em carboidratos favorece a melhora do desempenho no exercício devido ao maior estoque de glicogênio muscular. Hipóxia e fadiga Durante o exercício físico o fluxo sanguíneo aumenta para o músculo ativo, ou seja, o sangue é direcionado para o músculo que está em contração durante o treino. Esse ajuste fisiológico é necessário, pois essa maior chegada de sangue ao músculo ativo tem como finalidade levar substratos energéticos (glicose, ácidos graxos e aminoácidos) e oxigênio para a produção de ATP. Sabemos que ao aumentar a intensidade do exercício o consumo de oxigênio aumenta, porém esse aumento possui um limite, no qual chamamos esse platô de consumo máximo de oxigênio. Em esforço intenso, a demanda energética é alta, então, o consumo de oxigênio nas mitocôndrias aumenta para produzir mais ATP. Porém, nessa condição de esforço intenso pode haver uma diminuição do conteúdo de oxigênio no músculo (hipóxia), pois o fornecimento de oxigênio 27 para o músculo é limitado e não suporta a alta demanda de oxigênio que acontece em exercício de alta intensidade. A queda de oxigênio muscular está associada a fadiga e redução na capacidade do músculo em produzir força, ou seja, diversos estudos tem demonstrado que se existe hipóxia no músculo a produção de força diminui (JUBEAU et al., 2017). Um dos motivos que explica a fadiga pela hipóxia é que a redução na disponibilidade de oxigênio no músculo diminui a capacidade das mitocôndrias em produzir ATP, sendo que menos ATP significa menor interação entre os filamentos de actina e miosina e consequentemente diminui a produção de força. Um exemplo de hipóxia durante o exercício é quando se usa o método de restrição do fluxo sanguíneo em exercícios resistidos, no qual a compressão mecânica na coxa ou braço diminui o fluxo sanguíneo para o músculo ativo, gerando hipóxia e consequentemente fadiga (SCOTT et al., 2014). Portanto, a redução na disponibilidade de oxigênio no músculo é um dos mecanismos de fadiga, sendo que o uso de vasodilatadores, por exemplo, o nitrato da beterrabae a citrulina vem sendo utilizado como recurso nutricional para aumentar o desempenho, pois melhora da vasodilatação aumenta a entrega de oxigênio ao músculo ativo, atrasando essa condição de hipóxia muscular. Fadiga central Vimos no início do capítulo que os neurônios enviam estímulos elétricos ao músculo chamados de potencial de ação. A chegada de potencial de ação as fibras musculares aumentam a liberação de cálcio, gerando a contração muscular. Basicamente a fadiga central refere-se à diminuição na frequência de disparos de potenciais de 28 ação para o músculo, e claro, a redução na chegada de estímulos elétricos ao músculo diminui a produção de força (ZALAC et al., 2015). Vamos entender esse processo com mais detalhes. Conforme detalhado anteriormente, durante o exercício, principalmente de alta intensidade ocorre a fadiga periférica causada pela acidose, hipóxia, estresse oxidativo e outros fatores. Essas alterações fisiológicas no músculo geram ativação de neurônios aferentes III e IV. Esses neurônios são chamados de aferentes por enviar informações da periferia para o sistema nervoso central. A ativação dos neurônios aferentes III e IV causa uma redução na frequência de disparos de potenciais de ação do córtex motor para o músculo, promovendo inibição dos neurônios motores e como consequência ocorre redução na capacidade do músculo em produzir força. Percebam que existe uma comunicação entre o músculo (região periférica) e o sistema nervoso central, pois durante uma condição de fadiga periférica (exercício intenso) os neurônios aferentes III e IV são ativados e eles enviam uma informação ao centro para reduzir a capacidade do músculo em força. Os estudos tem sugerido que as alterações fisiológicas causadas no músculo durante o exercício intenso (exemplo: acidose hipoxia) são gatilhos para ativar os neurônios aferentes III e IV. Observem a figura 11 que mostra o mecanismo de fadiga central durante o exercício de alta intensidade. A inibição farmacológica dos neurônios aferentes III e IV durante o exercício diminuiu a fadiga durante uma força isométrica máxima de extensão de joelhos, ou seja, quando esses neurônios estão inibidos, a queda na produção de força do músculo quadríceps foi menor em comparação a condição controle, no qual houve maior queda de força justamente devido a maior ativação dos neurônios 29 aferentes III e IV (ZALAC et a., 2015). Esse resultado sugere a importância que a ativação dos neurônios aferentes III e IV possuem para promover a fadiga muscular durante o exercício físico. Figura 11 – Mecanismo de fadiga central durante o exercício físico de alta intensidade Legenda: Durante o exercício de alta intensidade ocorre alterações fisiológicas como a acidose, hipóxia, estresse oxidativo entre outras. Essas alterações fisiológicas causam ativação dos neurônios aferentes III e IV que mandam uma informação ao córtex motor para reduzir a frequência de disparos de potenciais de ação para o músculo, gerando inibição dos neurônios motores e como consequência ocorre redução na produção de força muscular. Dano muscular Após uma sessão de treinamento a capacidade do músculo em produzir força diminui, sendo que isso acontece principalmente quando esse treino gera um elevado dano muscular. Com o passar do tempo, a regeneração muscular acontece e a capacidade do músculo em produzir força retorna aos valores normais, ou seja, 30 houve a recuperação muscular. Uma condição muito comum em esportes de alto rendimento é o excesso de treinamento, no qual não há tempo suficiente para haver essa recuperação muscular, e isso faz o desempenho do atleta diminuir. Por outro lado, se o tempo de recuperação entre uma sessão a outra é suficiente, o desempenho é melhor no próximo treino. Então, se queremos aumentar o desempenho no treinamento é preciso não só atrasar a fadiga durante a sessão, mas também acelerar o processo de recuperação muscular. Primeiro, vamos entender melhor como acontece o dano muscular durante o treinamento. A atividade contrátil durante o exercício físico induz microlesões de graus variados no tecido muscular. As microlesões caracterizam-se pela ruptura da matriz extracelular, da lâmina basal e do sarcolema das fibras, levando uma liberação de proteínas intracelulares como a creatina quinase (CK), lactato desidrogenase (LSH) e mioglobina. Vejam a figura 12, no qual mostra o extravasamento destas proteínas para o sangue. Figura 12 – Alterações estruturais no sarcômero com incidência de dano muscular e extravasamento de proteínas para o sangue. 31 Legenda: Após o exercício físico pode haver ruptura na matriz extracelular, da lâmina basal e do sarcolema das fibras, gerando extravasamento de enzimas do músculo para o sangue, como a creatina quinase (CK) e a enzima lactato desidrogenase (LDH). Por isso, a concentração plasmática de CK vem sendo utilizado com um biomarcador de dano muscular, pois o aumento na concentração de CK no sangue indica uma maior ruptura das estruturas do sarcômero. O dano muscular também é caracterizado por rompimento, alargamento ou prolongamento da linha Z dos sarcômeros e comprometimento na ligação entre os filamentos de actina e miosina. Todas essas alterações no sarcômero levam ao decréscimo na produção de força muscular, inflamação local, infiltração de células do sistema imune e a dor muscular tardia (PEAKE, 2017). Além da redução de força, a dor muscular tardia tem sido utilizada como um marcador indireto de dano muscular, sendo que o pico de dor acontece em torno de 2 dias após o treino, podendo haver a sensação de dor em até 5 dias após o treino (PEAKE, 2017). Diante disso, um sintoma muito utilizado na prática para saber se o treino gerou uma elevada magnitude de dano muscular é a dor tardia no músculo. Importante lembrar que a hipertrofia muscular acontece na ausência de dano muscular e da dor tardia (DAMAS et al., 2015), uma vez que a hipertrofia muscular pode ocorrer também por outros fatores como o estresse metabólico e/ou tensão mecânica. Importante destacar que o alto dano muscular vai ficando cada vez mais difícil de atingir. Evidências científicas têm demonstrado que o alto dano muscular acontece quando o músculo está em uma condição de “desacostumado”. Ou seja, um indivíduo destreinado ao realizar uma sessão de treinamento resistido terá um elevado dano muscular, sendo que, após a realização de outras sessões para o mesmo grupo muscular, o dano muscular é menor. Esse fenômeno 32 é denominado na literatura científica como “efeitos de sessões repetidas”, no qual o dano muscular é atenuado com realização de repetidas sessão de treinamento (DAMAS et al., 2015). Um exemplo na prática seria pela dor muscular tardia, um marcador indireto de dano muscular. A dor muscular é intensa na primeira sessão de treinamento resistido, indicando um elevado dano muscular, entretanto, ao realizar novas sessões para o grupo muscular, a dor vai diminuindo, indicando uma menor incidência de dano muscular. Recuperação muscular Como demonstrando anteriormente, após as alterações estruturais do sarcômero é necessário o reparo tecidual pós- treinamento. O reparo do tecido muscular envolve duas fases: a primeira é a fase degenerativa, envolvendo a necrose e a incidência de microlesões no tecido muscular. Já a segunda envolve a fase de regeneração, que é caracterizada pela reparação do tecido muscular e restabelecer a estrutura do sarcômero. Isso significa que as microlesões são um gatilho para estimular fatores que irão promover o processo de regeneração celular (Figura 13). Figura 13 – Fase degenerativa e regenerativa após a realização do treino. 33 Legenda:Esquema demonstrando a fase degenerativa que é caracterizada pelas alterações na estrutura do sarcômero, gerando inflamação, dor muscular e redução de força. Após isso, ocorre a fase regenerativa, no qual ocorre um recrutamento de células do sistema imune para realizar o reparo tecidual e liberar fatores anabólicos para estimular a síntese de proteínas nos ribossomos. A literatura mostra que após a execução de exercícios resistidos que promoveu uma alta incidência de dano muscular, a recuperação da força muscular pode levar até 7 dias, sendo dependente da magnitude do estímulo (intensidade e volume) e do dano muscular (SCHOENFELD, 2010). Ou seja, se a sessão de treinamento gerar um alto grau de dano muscular, a recuperação da força é mais lenta e com isso os 2 ou 3 dias que normalmente são utilizados de intervalo entre as sessões para o mesmo grupo muscular podem ser insuficientes, necessitando de mais tempo para ocorrer a recuperação da força muscular. Por outro lado, não são todos os treinos em que ocorre uma alta magnitude de dano muscular. Em sessões de treino com uma menor incidência de dano muscular a recuperação muscular é mais rápida, podendo ocorrer um novo estímulo para o mesmo grupo 34 muscular após 2 ou 3 dias. Assim, o tempo de recuperação entre uma sessão e outra do mesmo grupo muscular pode ser de acordo com a magnitude de dano muscular. Observem a figura 14 que demonstra o comportamento da força muscular antes e após o treinamento. Figura 14 – Comportamento da força muscular antes e após uma sessão de treinamento Legenda: Observem que a força muscular diminui após o treino em comparação ao pré-treino, no qual progressivamente há um aumento da força, podendo levar de 1 a 7 dias para ter a recuperação total da força muscular. A velocidade na recuperação muscular após o treino é influenciada pelo tipo de treino, magnitude de dano muscular e estratégias nutricionais. Vamos compreender melhor como que ocorre o processo de recuperação muscular. A regeneração tecidual é mediada em partes pela ação do sistema imunológico. Após o treinamento ocorre um aumento no conteúdo de células do sistema imune infiltradas no tecido muscular, especificamente neutrófilos e macrófagos. Os estudos mostraram que, quanto maior a incidência de dano muscular, mais infiltração de neutrófilos e macrófagos acontece no musculo esquelético. Essas células têm como função promover o processo de regeneração celular por exercer o processo de fagocitose. 35 Alguns estudos têm verificado uma infiltração de neutrófilos no tecido muscular após 24 horas e mais tarde, após 48 horas da sessão de treinamento, foi verificado um aumento na infiltração de macrófagos no tecido muscular, podendo haver macrófagos infiltrados em até 7 dias após o treino. Diante disso, o dano muscular é um gatilho para atrair as células do sistema imune até o tecido muscular com o objetivo principal de regeneração celular. Estudos em animais têm demonstrado a eficiência de neutrófilos e macrófagos no remodelamento do tecido muscular após o treinamento resistido, uma vez que a eliminação dessas células retardou o processo de regeneração muscular. Além do efeito sobre a regeneração muscular, as células imunes podem atuar no músculo esquelético após o treino secretando substâncias com ações anabólicas, que estimulam a síntese de proteínas nos ribossomos. Diversos estudos têm demonstrado que o dano muscular induzido pelo treinamento resistido pode gerar um processo inflamatório local. Ou seja, há um aumento na expressão de proteínas pró-inflamatórias no músculo que sofreu o dano muscular, especificamente a Interleucina-6 (IL-6). A IL-6 desempenha uma função de acelerar o processo de regeneração no tecido muscular esquelético após o exercício, em parte pela participação no recrutamento de mais neutrófilos e macrófagos para promover a fagocitose (PEAK, 2017). Os neutrófilos e macrófagos podem contribuir para a recuperação muscular por liberar no músculo as espécies reativas de oxigênio (ERO), interleucina-6 (IL-6) e o fator de crescimento mecânico (MGF), no qual esses todos esses fatores podem ativar a via da mTOR e a síntese de proteínas nos ribossomos. O aumento da síntese de proteínas é necessário quando há dano muscular, 36 justamente devido à necessidade de novas proteínas para promover o processo de regeneração, já que o sarcômero sofreu diversas alterações estruturais. A figura 15 resume o papel das células imunes no processo de recuperação muscular. Figura 15 – Infiltração de células imunes no músculo e sua função na recuperação muscular Legenda: Após o treinamento com alto dano muscular ocorre infiltração de neutrófilos e macrófagos no músculo. Essas células liberam espécies reativas de oxigênio (ERO), Interleucina-6 (IL-6) e o Fatore de Crescimento Mecânico (MGF), substâncias que estimulam a síntese de proteínas musculares e a recuperação muscular. Importante mencionar que a queda de força muscular após o treino está associada as microlesões, então o estímulo de síntese de proteínas após o treino tem um papel essencial em promover a recuperação muscular. Por isso, a ingestão de proteínas tem se mostrado uma importante estratégia para acelerar o processo de recuperação muscular, uma vez que ao ingerir proteínas ocorre estímulo para aumentar a síntese de proteínas musculares e ao mesmo tempo há fornecimento de aminoácidos para haver a formação das proteínas musculares. Por isso, vários estudos tem demonstrando que a ingestão correta de proteínas acelera o 37 processo de recuperação muscular, pois se há maior formação de proteínas, mais rápido será a regeneração muscular. Além das microlesões, a queda de força pós-treino também acontece devido à alta concentração de ERO no músculo, pois as células imunes infiltradas no músculo produzem ERO, gerando o estresse oxidativo (acúmulo de ERO). Como detalhado anteriormente, o acúmulo de ERO gera prejuízo na liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, reduzindo a capacidade contrátil do músculo. Por isso, é importante entender que a maior capacidade antioxidante através do consumo regular de compostos bioativos presentes nas frutas e vegetais pode favorecer a recuperação muscular, pois se o indivíduo é mais eficiente em remover ERO, a recuperação muscular pode ser mais rápida. 38 CAPÍTULO 2 SUPLEMENTAÇÃO CRÔNICA Neste capítulo, você irá aprender sobre: • Os mecanismos fisiológicos que a suplementação de creatina aumenta o desempenho; • O protocolo de suplementação de creatina; • Os efeitos da creatina sobre a água corporal; • Os mecanismos fisiológicos que a suplementação de beta alanina aumenta o desempenho; • O protocolo de suplementação de beta alaninia; • Os tipos de exercício físico que a suplementação de beta alanina pode aumentar o desempenho. 39 Creatina A creatina é um dos suplementos com maior nível de comprovação científica. Embora muitas pessoas consomem a creatina após o treinamento, esse suplemento deve ser ingerido de forma crônica, e dessa maneira o horário de consumo não vai impactar de forma tão significativa nos efeitos dessa suplementação. O mecanismo básico que a suplementação de creatina aumenta a performance é a elevação dos estoques de fosfocreatina no nosso organismo, elevando a capacidade do indivíduo em produzir ATP, e claro, se a capacidade de fazer ATP aumenta, o desempenho é maior. A fosfocreatina é encontrada em altas concentrações no músculo esquelético e cardíaco, onde atua como uma fonte de energia rápida para a formação de ATP. Em estímulos intensos, como por exemplo, uma série de treinamento resistido, o estoque de fosfocreatina podereduzir de maneira progressiva com a execução das repetições. O estoque de fosfocreatina pode durar em torno de 15 segundos, ou seja, após uma série de musculação ou um sprint de corrida/bike o estoque da fosfocreatina pode reduzir de maneira significativa. Mas durante a pausa ocorre a restauração da fosfocreatina muscular, sendo que há necessidade de aproximadamente 3 a 8 minutos para restaurar 100% o conteúdo de fosfocreatina muscular. Quando o estoque de fosfocreatina está baixo, a capacidade do músculo em produzir força diminui devido à queda na velocidade de produção do ATP, explicando em partes a redução do desempenho quando pausas curtas entre séries são utilizadas (menor que 2 minutos). Isso indica que aumentar o estoque de fosfocreatina é boa estratégia para melhorar o desempenho em treinos de alta 40 intensidade (KREIDER et al., 2017), como a musculação e o treinamento intervalado de alta intensidade (corrida ou bike). A creatina pode ser obtida através da dieta em indivíduos que consomem carne, no entanto, as concentrações de creatina na carne são reduzidas com o cozimento (PURCHAS et al., 2006). Por isso, a maioria das pessoas não alcança 3 g de creatina por dia através da dieta, indicando que a suplementação é necessária. A creatina é um dos suplementos alimentares que mais dispõe de evidências científicas. Numerosos estudos observaram aumento na massa muscular e força após a suplementação com creatina. Vamos compreender a forma correta de suplementar com a creatina. Deve ser utilizado de 3 a 5 gramas de creatina todos os dias (0.03-0.1 g/kg), em dias de treino ou não. Alguns estudos relataram um aumento maior de fosfocreatina no músculo quando utilizada juntamente com carboidratos, sendo uma ótima opção ingerir a creatina em alguma refeição que contém carboidrato. A fase de saturação não é obrigatória, pois os estudos mostram que cronicamente ela não interfere no resultado final (HULTMAN et al., 1996). Porém, a fase saturação é indicada se você deseja que os efeitos da suplementação aconteçam mais rápido, utilizando em torno de 20 gramas por dia (0.3 gramas por kg) em 4 doses divididas durante 5-7 dias seguidos. Com relação a efeitos colaterais, a suplementação de creatina por longos períodos é seguro. Outro efeito da suplementação de creatina é gerar o aumento de água intracelular, ou seja, dentro do músculo. Muitas pessoas acreditam que a suplementação de creatina pode gerar retenção de líquidos, mas o aumento de água é no músculo esquelético e não no espaço extracelular (POWERS et al., 2003). Além disso, com a suplementação de creatina também 41 conseguimos aumentar o conteúdo de glicogênio muscular, e quanto maior a quantidade de glicogênio, mais água no músculo. É importante destacar que o aumento no conteúdo de glicogênio e água muscular pela suplementação de creatina pode interferir no peso corporal, por isso é muito comum ver as pessoas ganhando peso corporal ao usar a suplementação de creatina. Lembrando que esse aumento de água e glicogênio muscular também gera um aumento da espessura muscular, sendo muito comum haver ganho de massa muscular com o uso da creatina. Embora existem várias formas de creatina no mercado, a creatina monohidratada ainda é a melhor opção, pensando em custo x benefício. Os outros tipos de creatina são mais caros e não gera efeitos superiores que a creatina monohidratada. Na musculação a suplementação de creatina pode aumentar a capacidade do indivíduo em levantar mais carga ou realizar mais repetições, elevando o volume total (total de repetições x carga) das sessões de treino. Dado que o volume total exerce uma grande influência sobre a hipertrofia muscular, a suplementação de creatina é muito interessante para praticantes de musculação que desejam aumentar a força e a massa muscular. Claro que a suplementação de creatina também pode aumentar o desempenho em outras modalidades de exercício, como na corrida, no ciclismo e modalidades esportivas. A figura 16 resume os efeitos fisiológicos que a suplementação de creatina causa no organismo. Figura 16 - Efeitos fisiológicos da suplementação de creatina 42 Legenda: A suplementação crônica de creatina aumenta o estoque de fosfocreatina no músculo, gerando aumento da força muscular (desempenho) e também água intracelular. Beta Alanina A beta alanina é um aminoácido não essencial que tem a função de promover a síntese de carnosina, uma substância encontrada principalmente no músculo esquelético que exerce uma função tamponante. A principal finalidade de suplementar com beta alanina é aumentar os estoques de carnosina no músculo esquelético. Vamos compreender agora como que a suplementação de beta alanina aumenta os estoques de carsonina. A beta alanina entra na célula muscular através dos seus transportadores, sendo o principal a proteína TauT, e se une a outro aminoácido chamado de histidina para formar carnosina através da enzima carnosina sintase. A carnosina atua como um tamponante intramuscular, reduzindo a quantidade de íons H+. Em outras palavras, o aumento no conteúdo de carnosina no músculo atrasa a acidose muscular, prolongando o 43 tempo até a fadiga. A figura 17 resumo o mecanismo que a suplementação de beta alanina causa a melhora do desempenho. Figura 17 - Mecanismo que a suplementação de beta alanina aumenta o desempenho. Legenda: A suplementação crônica de beta alanina aumenta o estoque de carnosina muscular. A beta alanina entra na célula muscular pelos transportadores denominados TauT. Ao entrar no músculo a beta alanina se associa com o aminoácido histidina, no qual são convertidos em carnosina através da ação da enzima carnosina sintase. Com o aumento de carnosina muscular a capacidade de tamponar (remover) íons H+ aumenta, melhorando o desempenho em exercícios de alta intensidade. Vimos no capítulo 1 que o acúmulo de H+ gera acidose no músculo (queda no pH), e isso pode contribuir para a fadiga muscular durante o exercício de alta intensidade. Sendo assim, o principal mecanismo que explica a melhora do desempenho com a suplementação de beta alanina é atribuído ao aumento na capacidade de tamponar (reduzir) os íons H+ no músculo. A suplementação de 4 a 6.4 g por dia de beta alanina por 3 a 4 semanas é eficiente para aumentar os níveis de carnosina muscular (ARTIOLI et al, 2010). 44 A beta alanina é um dos suplementos que também possui um alto grau de comprovação científica com relação ao seu efeito sobre o desempenho. Uma meta-análise conduzida por Saunders e colaboradores (2016) mostrou que a suplementação de beta alanina aumenta a performance em exercícios intensos com duração entre 30 segundos e 10 minutos. Um erro muito comum é achar que a suplementação de beta alanina tem efeitos imediatos, pois muitos suplementos do mercado ofertam 2 g de beta alanina e recomendam usar somente no pré-treino. A dose recomendada pelos estudos fica entre 3.2 a 6.4 gramas por dia todos os dias, em dias de treino ou não. O horário de ingestão é indiferente, pois o efeito da beta alanina é crônico, ou seja, o aumento da carnosina no músculo acontece depois de dias ingerindo a beta alanina. Alguns estudos tem sugerido que após 4 a 12 semanas para aparecer os efeitos ergogênicos da suplementação de beta alanina. No contexto do treinamento resistido, a beta alanina pode ser interessante para pessoas que treinam em alto volume, usam pausas curtas entre séries e métodos como drop-set, bi-set, rest-pause entre outros. Ou seja, indivíduos que treinam com tempo de contração elevado combinado com pausas curtas entre séries, pois neste tipo de treinamento o acúmulo de H+ é elevado. Um efeito colateral muito comum com a suplementação de beta alanina é a sensação de coceira/formigamento queacontece, principalmente quando é ingerido doses acima de 1.6 gramas de uma única vez. Esse efeito acontece porque a beta alanina causa ativação dos receptores MrgprD em neurônios sensoriais primários, sendo que a ativação desses receptores promove a sensação coceira/formigamento. Importante mencionar que esse efeito colateral da beta alanina não causa nenhum tipo de efeito deletério a 45 saúde, e para reduzir a coceira basta aumentar a frequência e reduzir as doses. Por exemplo, tomar 6 doses de 1 grama por dia ao invés de 2 doses de 3 gramas. Muitos estudos mostraram efeitos positivos da suplementação de beta alanina sobre o desempenho no ciclismo. São poucos os estudos que investigaram o efeito da suplementação de beta alanina associado à musculação sobre o ganho de massa muscular e força, e os resultados controversos, ou seja, temos estudos mostrando benefícios no desempenho na musculação (HOFFMAN et al., 2008; MATÉ-MUÑOZ et al., 2018) e no ganho de massa magra (KERN e ROBINSON, 2011) e outro estudo dizendo que a beta alanina não promoveu resultados superiores sobre o ganho de massa magra (OUTLAW et al., 2016). Questões para maior fixação do conteúdo 1) A creatina é um suplemento que demonstra uma boa comprovação científica para a melhora do desempenho. Ao suplementar com creatina a força muscular aumenta. Portanto, explique por qual mecanismo fisiológico a creatina promove a melhora da força muscular. 2) É recomendada a suplementação de creatina em pessoas que praticam musculação e que buscam o ganho de massa muscular. De acordo com os efeitos fisiológicos da creatina, explique como esse suplemento pode aumentar a espessura muscular. 3) Homem, 26 anos, atleta de ciclismo em provas de curta duração. O atleta relata que seu treino consiste em sprints máximos e pausas curtas entre séries, no qual sente muita queimação na coxa neste tipo de treinamento. Descreva um dos principais causadores da fadiga nesse tipo de condição e qual suplemento poderia ajudar para melhorar seu 46 desempenho. Monte um protocolo de suplementação para esse atleta. 4) Explique a diferença no mecanismo de ação entre a suplementação de beta alanina e bicarbonato de sódio (ver capítulo 4) sobre a acidose e melhora do desempenho. 5) Atleta, seu objetivo é aumentar a força máxima, sendo que seu treinamento consiste em realizar a musculação com carga alta (acima de 80% de 1 repetição máxima) e pausas longas entre séries (3-4 minutos). Qual suplemento você indicaria pra esse indivíduo? Justifique sua resposta. 47 CAPÍTULO 3 SUPLEMENTAÇÃO PRÉ-TREINO Neste capítulo, você irá aprender sobre os mecanismos de ação, as evidências científicas e protocolo de suplementação de: • Bicarbonato de sódio; • Cafeína; • Capsiate; • Arginina; • Citrulina; • Nitrato; • Colinérgicos; • Carboidratos no pré-treino. 48 Bicarbonato de Sódio O bicarbonato de sódio é um suplemento que vem ganhando muito destaque, pois além de possuir efeitos interessantes sobre a performance o seu custo é muito baixo, diferente da beta alanina que acaba sendo uma suplementação de maior custo. Vamos compreender primeiramente como a suplementação de bicarbonato de sódio pode aumentar o desempenho. Ao utilizarmos esse suplemento teremos como consequência um aumento na concentração de bicarbonato no nosso sangue. O bicarbonato faz parte de um dos sistemas tampões do nosso organismo, sendo um dos principais responsáveis pelo controle do pH sanguíneo. Nesse sistema, o bicarbonato (HCO3-) se junta com um íon hidrogênio (H+), dando origem ao ácido carbônico e ao final formando dióxido de carbono (CO2) e água (H20), ou seja, o bicarbonato atua removendo íons H+ no sangue. A ingestão de bicarbonato de sódio aumenta a concentração de bicarbonato no sangue, elevando a capacidade de tamponamento extracelular (sangue). Mas a pergunta que fica é: como o aumento de bicarbonato no sangue pode atrasar a fadiga muscular? Os íons H+ podem ser transportados do músculo esquelético para o sangue por meio de transportadores monocarboxilatos (MCT). No entanto, o transporte dos íons H+ é controlado pela diferença de concentração, ou seja, os íons H+ passam do local de maior concentração para o local de menor concentração. A concentração de íons H+ é muito maior no músculo do que no sangue, principalmente durante o exercício intenso com pausas curtas entre séries. Então, ao elevar a concentração de bicarbonato no sangue via suplementação vai ocorrer uma redução dos íons H+ no meio extracelular (sangue), facilitando o transporte dos íons H+ 49 que estão no músculo para o sangue (JUNIOR et al., 2015). Sendo assim, o aumento na concentração de bicarbonato no sangue aumenta o pH extracelular, causando um gradiente de pH entre o meio intra e extracelular, favorecendo assim o efluxo de íons H+ da região intramuscular para o sangue pela maior atividade dos transportadores de monocarboxilatos (MCT). De maneira geral, a suplementação de bicarbonato de sódio otimiza o transporte de íons H+ do músculo para o sangue, indicando que durante o treino, os íons H+ vão demorar mais pra se acumular no músculo e isso pode aumentar o desempenho. A figura 9 resume o principal mecanismo fisiológico que a suplementação de bicarbonato de sódio aumenta o desempenho. Figura 18 - Mecanismo que a suplementação de bicarbonato de sódio aumenta o desempenho Legenda: A suplementação aguda de bicarbonato de sódio causa um aumento na concentração plasmática de bicarbonato. O aumento de bicarbonato no sangue diminui a concentração de H+ no meio extracelular, elevando o pH. Com a concentração reduzida de íons H+ no plasma, grande parte dos íons H+ que são produzidos no músculo durante o exercício migra para o meio extracelular por meio do transportador MCT. Basicamente a suplementação de bicarbonato de sódio aumenta o efluxo de H+ do músculo para o sangue, sendo que essa resposta fisiológica aumenta o desempenho. Um dos principais efeitos colaterais da suplementação de bicarbonato de sódio é com relação aos desconfortos 50 gastrointestinais. Ao realizar a suplementação, cerca de 80-85% do bicarbonato ingerido é utilizado no estômago, ocorrendo o tamponamento dos ácidos estomacais. Isso causa um aumento significativo dos níveis de CO2 e H20. Pelo fato de o CO2 ser um gás, o seu aumento irá promover uma dilatação estomacal, gerando dois dos efeitos colaterais mais comumente relatados após a ingestão de altas doses de bicarbonato de sódio: dor abdominal (causada pela distensão da parede do estômago) e eructação (causado pela eliminação do gás carbônico). Existem muitos estudos comprovando que a suplementação com bicarbonato de sódio aumenta o desempenho. O último consenso publicado por Maughan e colaborares (2018) colocou a suplementação de bicarbonato de sódio entre as mais eficazes presentes hoje no mercado, ao lado de suplementos como creatina, nitratos, cafeína e beta alanina. As doses médias ficam em 300 mg por kg de peso total, utilizadas 60 a 150 minutos antes do exercício físico em combinação com uma refeição rica em carboidratos para reduzir os efeitos colaterais gastrointestinais. Importante mencionar que utilizar a dose acima do recomendado não promove efeito adicional sobre a performance e aumenta o risco de colaterais. Com relação ao uso crônico de bicarbonato de sódio, não existe segurança, portanto, essa é uma suplementação a ser utilizada de forma aguda. Baseado no mecanismo de ação do bicarbonato (remoção de H+), a suplementação de bicarbonato de sódio pode ser mais efetiva em indivíduos que fazem musculação com alto volume, séries próximas ou até a exaustão, pausas curtasentre séries e tempo de contração prolongado (drop-set, bi-set, altas repetições, etc.), ou seja, a suplementação de bicarbonato de sódio pode ser mais efetiva 51 em treinos que geram acidose (HADZIC et al., 2019). Por isso, não faz muito sentido usar bicarbonato de sódio em treinos de carga alta e pausas longas, sendo que neste tipo de treino o principal motivo da fadiga não é proveniente da acidose. Já relacionado à musculação, existem poucos estudos que investigaram o efeito do bicarbonato de sódio sobre o desempenho no treinamento resistido. Duncan e colaboradores (2014) demonstraram que a suplementação de bicarbonato de sódio (0.3 g/kg) aumentou o rendimento no supino reto, porém não aumentou rendimento no agachamento livre em homens treinados. Além disso, foi observado que a suplementação elevou os níveis plasmáticos de bicarbonato e aumento do pH. Outras modalidades também podem se beneficiar com a suplementação de bicarbonato de sódio, como no ciclismo e modalidades esportivas, o importante é entender que a suplementação é indicada em treinos que vão promover a acidose, ou seja, treinos de alta intensidade combinado com pausas mais curtas entre séries. Cafeína A cafeína é uma das substâncias mais utilizadas nos suplementos pré-treino do marcado, justamente devido ao seu efeito estimulante. Com relação ao seu efeito para aumentar o desempenho, a suplementação de cafeína possui um bom grau de comprovação científica, sendo que a meta análise publicada por GRGIC e colaboradores (2018) mostrou aumento significativo da performance com o uso entre 3 a 6 mg por quilo de peso corporal 1 hora antes do treinamento. O motivo que faz a cafeína aumentar a performance é multifatorial, a cafeína reduz o sono, aumenta a 52 concentração, gera liberação de catecolaminas que irão aumentar a lipólise e glicogenólise durante o exercício e ainda pode aumentar a liberação de cálcio no retículo sarcoplasmático. Após 15 minutos da ingestão oral, a concentração de cafeína aumenta no sangue, sendo que o pico de concentração é atingido em torno de 1 hora após. Por esse motivo, os estudos recomendam que a suplementação de cafeína seja realizada 1 hora antes do exercício na dose de 3-6mg/kg de peso corporal. Existem muitos estudos que investigaram o efeito da cafeína no desempenho. Relacionado a musculação, a revisão de literatura conduzida por Grgic e colaboradores (2019) faz algumas recomendações: 1) A cafeína pode aumentar agudamente a força, a potência e o número de repetições executadas até a falha; 2) As doses variam de 3 a 9mg/kg, sendo que doses elevadas (9mg/kg) os efeitos colaterais são mais evidentes, como insônia e aumento de pressão arterial; 3) Os mecanismos pelos quais a cafeína aumenta o rendimento no exercício resistido são multifatoriais, ou seja, por diversos fatores que serão abordados a seguir. A influência da cafeína sobre o sistema nervoso central é um dos principais mecanismos que esta substância pode melhorar o desempenho no exercício resistido. A redução no sono é um dos efeitos centrais da cafeína, sendo que um estudo verificou uma redução até mesmo na duração do sono quando indivíduos saudáveis ingeriram 400 mg de cafeína imediatamente antes de dormir. O estudo também verificou que a ingestão de cafeína no período entre 3 e 6 horas antes de dormir também afetou a duração do sono (DRAKE et al., 2013). O mecanismo que explica este efeito é que a cafeína pode bloquear o receptor de adenosina no sistema nervoso central. A adenosina é um neurotransmissor que ao se ligar 53 em seu receptor estimula a sensação de sono. Portanto, devido ao efeito antagonista da cafeína sobre o receptor de adenosina, o neurotransmissor não consegue atuar no seu receptor e isso acaba reduzindo a sensação de sono. Observem a figura 19, no qual mostra a ação da cafeína inibindo o receptor de adenosina em neurônios. Figura 19 – Mecanismo que a cafeína diminui a sensação de sono Legenda: A adenosina é um neurotransmissor que ao ligar no seu receptor nas células neurais causa aumento na sensação de sono. A cafeína pode ligar no receptor de adenosina, sendo que essa ligação não deixa o neurotransmissor adenosina agir em seu receptor, diminuindo a sensação de sono. A redução do sono e o aumento no estado de alerta induzido pela cafeína pode aumentar o limiar de sensação de fadiga e fazer com que o indivíduo suporte uma intensidade maior de treinamento. Algumas pessoas podem ter uma maior responsividade ao efeito da cafeína sobre a redução no sono, sendo que possivelmente isto está 54 relacionado à capacidade do indivíduo metabolizar a cafeína no fígado pela enzima CYP1A2. Ou seja, aquelas pessoas que sentem uma diminuição mais drástica no sono ao ingerir cafeína podem ter uma expressão maior da enzima CYP1A2, e as pessoas que fazem ingestão de cafeína e não sentem muito uma diminuição no sono tem baixa expressão da enzima CYP1A2 no fígado (YANG et al., 2010). A redução na liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático é um dos principais mecanismos da fadiga periférica, conforme detalhado nos tópicos anteriores. A diminuição do cálcio muscular induz uma menor interação entre os filamentos de Actina e Miosina, promovendo a redução na produção de força muscular. Alguns estudos sugerem que a cafeína pode melhorar o desempenho no exercício por aumentar a liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, melhorando a capacidade contrátil e a força muscular (DAVIS e GREEN et al, 2009). A figura 20 resumo os principais mecanismos que a cafeína melhora o desempenho. Figura 20 - Principais mecanismos de ação que a cafeína aumenta o desempenho 55 Legenda: Existe uma boa comprovação científica que a suplementação de cafeína na dose de 3-6mg/kg no pré-treino aumenta o desempenho. Os mecanismos que podem explicar esses efeitos estão relacionados ao fato da cafeína agir no sistema nervoso central e inibir os receptores de adenosina, causando uma redução no sono. Além disso, a cafeína aumenta a produção de adrenalina e noradrenalina (catecolaminas) e melhora a liberação de cálcio no músculo esquelético, sendo fatores importantes para aumentar o desempenho. A cafeína também pode atuar no intestino. Estudos sugerem que cafeína pode aumentar a capacidade de absorção da glicose do intestino para o sangue, principalmente quando a dose de carboidratos é elevada. A absorção de glicose no intestino é dependente do transportador de glicose dependente de sódio (SGLT- 1), ou seja, a glicose passa do intestino para o sangue por meio do SGLT-1. No entanto, o SGLT-1 tem uma capacidade de transportar 60g/h de glicose, indicando que altas doses de carboidratos (>60g) podem saturar o SGLT-1 e isso gerar um atraso na absorção da glicose do intestino para o sangue. A cafeína pode agir no intestino aumentando a atividade do SGLT-1 e aumentando a absorção de glicose, sendo que a ingestão combinada de cafeína com carboidratos no pré-treino melhorou o desempenho de ciclistas (YEO et al., 2005). No entanto, parece que para a cafeína otimizar a absorção de glicose é necessário que haja saturação do SGLT-1 (HULSTON et al., 2008), ou seja, quando há uma elevada ingestão de carboidratos (mais que 60g). Do ponto de vista prático, essa estratégia pode ser usada em indivíduos que fazem o pré-treino com alta dose de carboidratos, sendo esta estratégia muito usada em modalidade de endurance e alto volume (corrida ou ciclismo). Outra aplicação prática é usar a cafeína no pós-treino com alta quantidade de carboidratos, quando o objetivo é acelerar a reposição do glicogênio muscular. A maior eficiência na absorção de glicose no intestino aumenta a disponibilidade de glicose no sangue, e com 56 certeza,
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