Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Medicina UniFTC | 4º semestre 1 A OMS define aborto como interrupção da gravidez antes das 22 semanas de gestação ou um feto < 500g ou 16,5 cm. No Brasil, o aborto não é considerado crime em 3 situações: gravidez representa com risco de vida para a gestante, quando é resultado de um estupro ou em casos de anencefalia. EPIDEMIOLOGIA A magnitude do abortamento no mundo é desconhecida, uma vez que em diversos países ocorre ilegalidade parcial ou total para a realização do mesmo. Os dados epidemiológicos acerca do aborto são subclínicos devido a muitas vezes acontecerem sem que a mulher reconheça que está abortando ao confundir a expulsão do concepto com um sangramento menstrual, já os clinicamente reconhecidos chegam a incidência de 10-15%, destes, 80% ocorrem antes das 12 semanas. Porém, a existência de testes altamente sensíveis de hCG nota-se que a mag- nitude de perda gestacional após a implantação é de 62%. O risco de abortamento é maior em mulheres com idade maior ou igual a 35 anos e, tal risco se eleva se o homem tiver mais de 40 anos. CLASSIFICAÇÃO PRECOCE OU TARDIO O abortamento é considerado precoce se ocorre até a 12ª semana e tardio se ocorre entre a 13ª e 20ª semana. ESPONTÂNEO OU PROVOCADO Espontâneo ocorre sem nenhum tipo de intervenção externa, podendo ser causado por doenças da mãe ou anormalidades do feto. O provocado decorre de uma interrupção externa e intencional que acarreta na interrupção da gestação. Esta, representa custos altos para o SUS em consequência das suas complicações, principalmente, quando há evolução para aborto infectado. ESPORÁDICO OU HABITUAL Os abortamentos esporádicos têm como principal causa as anormalidades cromossômicas que chegam abranger 50-80% dos abortamentos, sendo as aneuploidias aquelas que representam maior frequência seguidas das triploidias e tetraploidias. A trissomia autossômica possui 52% de frequência e 19% de síndrome de Turner. Abortamento habitual é aquele que ocorre 3 vezes ou mais na mesma gestante, nesse caso as principais causas são: incompetência istmo cervical e síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF). SEGURO E INSEGURO Seguro é aquele realizado por um médico bem treinado, com materiais e ambiente adequados representando risco menor para a saúde da mulher. E inseguro é o aborto realizado sem recursos médicos mínimos e/ou sem pessoa capacitada para realizá-lo. APRESENTAÇÃO CLÍNICA Toda gestante com sangramento vaginal no 1º trimestre deve ser submetida a exame abdominal, exame especular e toque vaginal. Com isso, e associada a coleta de uma boa anamnese, é possível diagnosticar e classificar a mesma dentro de uma das 6 apresentações clínicas. Podemos separar os tipos em dois grupos, sendo o primeiro: ameaça de abortamento, completo e retido; o segundo grupo: incompleto, infectado e inevitável. AMEAÇA DE ABORTAMENTO Abortamento em que há chance de reversão do quadro por haver ainda perspectivas de evo- lução da gravidez. O sangramento é pouco e a dor, quando presente, diz respeito às contrações uterinas incapazes de produzir modificações cervicais. Ao exame especular pode-se notar sangramento ativo e na USG transvaginal é possível notar hematoma retroplacentário. A conduta é expectante mesmo na presença de hematoma e, prescrição de sintomáticos se necessário. É importante orientar a paciente evitar relações sexuais em caso de perda sanguínea e retornar ao serviço de saúde em caso de aumento do sangramento. Medicina UniFTC | 4º semestre 2 Figura – A. Ameaça de abortamento. Nota-se hemorragia intrauterina. B. USG evidenciando hematoma intrauterino. SG= saco gestacional, H= hematoma. ABORTAMENTO COMPLETO Consiste no abortamento em que há eliminação total do concepto. Os sintomas são redução ou parada do sangramento e das cólicas após a ex- pulsão do ovo íntegro. No entanto, se o episódio aconteceu e o diagnóstico seria dado apenas com o relato colhido na anamnese, o ideal é que seja solicitada um exame de imagem que possibilite a confirmação do diagnóstico. A conduta é expectante, devendo haver apenas monitoramento da hemorragia. ABORTAMENTO RETIDO Trata-se de um aborto em que o concepto permaneceu retido na cavidade uterina sem vitalidade. Com isso, há regressão dos sinais gravídicos (redução da altura uterina e da circunferência abdominal, perda da turgescência mamária e dos sinais de presunção de gravidez) e perda dos batimentos cardioembrionários (BCE). Inicialmente, a conduta é expectante se o mesmo ocorre de forma precoce dentro do 1º trimestre, pois até 3 semanas após o abortamento o ovo costuma ser expulso. No entanto, é possível nestes casos proceder com esvaziamento uterino por meio da aspiração manual intrau- terina (AMIU) ou farmacologicamente com uso do Misoprostol. Sendo a retenção maior do que 4 semanas é necessário realizar o coagulograma antes de iniciar qualquer terapêutica. O abortamento retido tardio (no 2º trimestre ou > 12 semanas), a melhor conduta é expulsão imediata do feto com uso de Misoprostol e, em seguida, complementação com curetagem uterina. ABORTAMENTO INCOMPLETO Clínica mais frequente, decorrente da expulsão do feto, mas permanência da placenta ou restos placentários. O sangramento é o principal sintoma, ocorre redução uterina em comparação com a IG e as dores tipo cólica surgem na tentativa de expulsão do conteúdo intrauterino. A FEBRASGO, recomenda que a conduta em caso de < 12 semanas seja a realização de Misoprostol ou AMIU, se > 12 semanas orienta a realização da curetagem. Vale ressaltar, que a paciente deve ser internada para estabilização e realização dos procedimentos citados. ABORTAMENTO INFECTADO Este abortamento resulta da tentativa de esvaziar o útero com uso de instrumentos inadequados e técnicas inseguras, o que leva a Medicina UniFTC | 4º semestre 3 infecções polimicrobianas compreendendo mi- crorganismos da flora genital e intestinal. O sangramento costuma ter odor fétido e os demais sintomas variam de acordo com o grau e local de acometimento: • Endométrio e miométrio: cólicas intermitentes, febre 38ºC, dor à mobilização do colo e à palpação abdominal. • Peritônio pélvico: febre 39ºC, dor mais intensa, comprometimento do estado geral, colo aberto com saída de conteúdo purulento, sinais de peritonite que dificultam inclusive a tentativa de mobilização do colo uterino. O leucograma apresenta perfil de infecção e, na USG em alguns casos nota-se abscesso em fundo de saco. O tratamento consiste no uso de antibióticos (ATB) e na remoção do foco infeccioso. O esquema de antibióticos que deve ser usado é Ampicilina 500mg-1g, 6/6h ou Penicilina 20-40 milhões Ul/dia; + Gentamicina 1,5mg/kg/dia, 8/8h + Clindamicina 600-900mg, 6/6h ou Metronidazol 500mg-1g, 6/6h Em seguida, realiza-se curetagem para remoção do foco infeccioso. Porém, se as medidas acima não forem suficientes ou se houver suspeita de perfuração uterina/abscesso pélvico/lesão de alça, deve-se proceder para laparotomia seguida de retirada do foco, inclusive histerectomia se for o caso. Recomenda-se profilaxia com antitetânica naqueles casos em que para indução do aborto foram utilizados instrumentos metálicos ou possivelmente suspeitos de levar a infecção com tétano. Principalmente nos casos de abortamento infectado, é importante atentar-se para sinais de disfunção orgânica que, quando presentes, já deve aventar a suspeita de sepse, chamando atenção para um possível abortamento séptico. Para identificar presença ou não de disfunção orgânica têm-se utilizado o Escore SOFA (Sequential Organ Failure Assessment Score) onde é possível pontuar alterações no sistema respiratório, sanguíneo, hepático, cardiovascular, neurológicoe renal; havendo pontuação > 2 pontos é necessário levar esta paciente para um Unidade de Terapia In- tensiva, onde a mesma irá receber tratamento direcionado para a Sepse. Naqueles casos em que foram instituídas todas as medidas acima para tratamento, mas ainda assim a paciente continua apresentando febre deve-se pensar no diagnóstico diferencial de Tromboflebite Pélvica que deve ser tratada realização heparinização plena associada à antibioticoterapia. ABORTAMENTO INEVITÁVEL Clinicamente traduz-se pela dilatação do colo permitindo a detecção das membranas ovulares ou até mesmo do embrião, logo, apesar de não haver ainda expulsão do concepto, é inevitável que isto ocorra. Além disso, nota-se sangramento importante que chega a comprometer a hemodinâmica da paciente. Como o feto ainda não foi expulso da cavidade uterina, a conduta é com Misoprostol + curetagem. Além disso, é importante internar a paciente para estabilização e cuidados. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO No Brasil, a técnica farmacológica para tratamento do abortamento é o Misoprostol, o qual tem como apresentação comprimidos para uso vaginal de 25, 100 e 200 mcg, devendo ser utilizado apenas em contexto hospitalar. As vantagens do seu uso são: ausência de possibilidade de perfuração uterina e formação de sinéquias, redução dos riscos decorrentes da dilatação do colo e eliminação do risco anestésico. Vale ressaltar, que o uso do Misoprostol deve ser feito com base no tamanho uterino e não com base na idade gestacional. Se abortamento no 1º trimestre: 2 a 3 doses de 800 mcg, via vaginal, no intervalo de 3-12h. Observação: A dose utilizada em caso de aborta- mento incompleto no 1º trimestre é 400 mcg, dose única. Se abortamento no 2º trimestre: 200 mcg, via vaginal, a cada 4-6h, seguida por tratamento cirúrgico combinado. MECÂNICO Os métodos mais utilizados são a aspiração intrauterina (manual ou elétrica) e curetagem. A OMS recomenda que a AMIU seja o método de escolha em relação à curetagem para remoção do conteúdo uterino no 1º trimestre, sendo Medicina UniFTC | 4º semestre 4 inclusive uma das estratégias para a redução de mortalidade materna. AMIU A AMIU é realizada através de um vácuo manual produzido por uma seringa, mas é possível realizar a aspiração a vácuo elétrica por meio de uma bomba, técnica esta abreviada como AVE. Quando o colo encontra-se fechado, recomenda-se o uso de Misoprostol 400mcg, via vaginal, 3 horas antes do procedimento como forma de facilitar a realização do mesmo. Recomenda-se o uso de ATB profilático, via oral, até 12h antes, em dose única (200mg doxiciclina, 500mg-1g azitromicina ou 500mg-1g metronidazol). Ao realizar AMIU é possível substituir a anestesia geral por analgésicos. Figuras - Utiliza cânulas de Karman com diâmetros variáveis (4-12mm) acopladas a seringa com vácuo, promovendo retirada dos restos ovulares por aspiração. A: É feito vácuo na seringa. B: Histerometria com a cânula, devendo em seguida acoplar a seringa no local respectivo ao valor da histerometria. C: Liberar o vácuo da válvula. D: Remoção do conteúdo uterino CURETAGEM Consiste inicialmente na dilatação da cérvix e uso de uma cureta metálica para raspar as paredes do útero. A cureta, por seu material de aço e diâmetro variável, pode ocasionar acidentes como perfuração uterina. A indicação é para abortamentos incompletos do 2º trimestre, com abortamentos retidos > 12 semanas e inevitável após uso do Misoprostol. Apesar de não haver evidências de boa qualidade, indica-se a administração de Imunoglobulina Anti-Rh-D para mulheres Rh negativas com Coombs indireto negativo com abortamento espontâneo (incluindo ameaça de abortamento) ou induzido. A dose no 1º trimestre é 50 mcg e após 12 semanas recomenda-se 300mcg. INCOMPETÊNCIA ISTMO CERVICAL A incompetência istmo cervical diz respeito a incapacidade do colo uterino em reter o produto da concepção na ausência de sinais e sintomas de contração e/ou parto. É a principal causa de abortamento habitual tardio ou parto pré-termo extremo. O quadro clínico é bastante característico já que ocorre dilatação cervical sem dor até 4-6cm, feto morfologicamente normal e vivo. As perdas gestacionais costumam acontecer no 2º trimestre ou início do 3º com perdas gestacionais cada vez mais precoces do que a anterior. Dentre as principais causas que levam a esta incompetência, costuma haver história de trauma passado por conização, laceração cervical no parto, dilatação exagerada do colo em casos de interrupção provocada da gestação... Medicina UniFTC | 4º semestre 5 Figura – insuficiência cervical aguda com dilatação do colo e herniação de membranas. O tratamento é cirúrgico por meio da cerclagem do colo uterino, sendo a técnica de McDonald a mais simples e de escolha para tratamento. O procedimento é indicado para mulheres com histórico de perdas gestacionais com quadro clínico de incompetência istmo cervical, entre 12- 16 semanas e que após ultrassonografia nota-se feto vivo e sem malformações. Não se indica o procedimento antes das 12 semanas devido ao risco de abortamento por outras causas, assim como, também não está indicada a realização de cerclagem após as 16 semanas por conta do crescimento progressivo do útero que tornaria mais provável a dilatação do colo. Figura – técnica de McDonald. Sutura em bolsa na altura da junção cervicovaginal com fio Ethibond 5. Aquelas mulheres que possuem colo curto identificado no 2º trimestre, mas que não têm histórico de parto pré-termo anterior, não têm indicação de cerclagem por não terem ainda o diagnóstico de incompetência istmo cervical. Nestes casos, recomenda-se a progesterona vaginal para reduzir o risco de parto pré-termo em mulheres assintomáticas com gravidez única, sem história de parto pré-termo e colo ≤ 20mm identificado entre 16-24 semanas. A remoção da cerclagem deve ser feita entre 36- 37 semanas de gestação. Alguns serviços de saúde lançam mão do pessário vaginal como alternativa à cerclagem. Os pessários são dispositivos feitos de silicone e em formato de anel, facilmente dobráveis, o que torna sua inserção indolor. Antes de indicar tal conduta é preciso excluir patologia da flora vaginal. O tamanho do pessário é escolhido com base em USG transvaginal que mede o comprimento e diâmetro da cérvix, devendo ser removido assim que se iniciar o trabalho de parto ou até completar 37 semanas de gestação. Pode ocorrer leve sangramento, corrimento e edema cervical, sendo importante manter a vigilância da flora vaginal. SÍNDROME DO ANTICORPO ANTIFOSFOLÍPIDE (SAAF) Esta é uma das principais e mais importantes causas de abortamento habitual, correspondendo entre 3-15% destes e, decorre da associação entre anticorpos antifosfolipídeo (lúpus anticoagulante - LAC e antiocardiolipina – aCL) e trombose vascular ou prognóstico adverso na gravidez. Ocorre alteração na regulação da homeostasia da coagulação sanguínea, tendo como principal mecanismo a autoimunidade. A manifestação clínica mais comum é a trombose de vasos arteriais ou venosos de qualquer órgão, manifestações cutâneas como livedo articular e úlceras cutâneas e, complicações obstétricas dentre elas o abortamento principalmente no final do 1º trimestre, morte fetal, pré-eclampsia, retardo do crescimento intrauterino... Devido a diversidade de manifestações clínica foram estabelecidos critérios diagnósticos e, para fechar o diagnóstico deve-se ter ao menos 1 critério clínico e 1 laboratorial. Medicina UniFTC | 4º semestre 6 A. CRITÉRIOS CLÍNICOS 1. Trombose vascular: Um ou mais episódios clínicos de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos, ocorrendo em qualquer tecido ou órgão confirmada porDoppler ou exame histopatológico. A histopatologia deve excluir vasculite. 2 Morbidade gestacional: Uma ou mais mortes de feto morfologicamente normal com mais de 10 semanas de idade gestacional. Um ou mais nascimentos prematuros de feto morfologicamente normal com 34 semanas ou menos em virtude de pré-eclâmpsia, eclâmpsia ou retardo do crescimento uterino. Três ou mais abortamentos espontâneos antes de 10 semanas de idade gestacional, excluídas causas cromossomais ou maternas. B. CRITÉRIOS LABORATORIAIS 1. Anticorpo anticardiolipina: anticorpo anticardiolipina IgG ou IgM em títulos moderados a altos (>20unidades) em duas ou mais ocasiões com intervalo de no mínimo de no mínimo seis semanas. O teste deve ser Elisa padronizado. 2. Anticorpo anticoagulantes lúpico: anticoagulantes lúpico presente no plasma, detectado de acordo com as recomendações da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia. O tratamento consiste na associação entre AAS (75-100mg/dia) e heparinização plena com heparina de baixo peso molecular (enoxaparina 1mg/kg/ dia), desde o diagnóstico da gestação mantida por 6 semanas no pós-parto.
Compartilhar