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Material de apoio de Processo Civil I – Prof. Patricia Brazão. UNIDADE II: Jurisdição e Cooperação internacional. INTRODUÇÃO É uma das funções do Estado, que se substitui às partes na solução dos conflitos de interesses. Nos primórdios da história humana, quando ainda não havia Estado nem leis, a resolução dos litígios era feita pelos próprios titulares dos interesses em disputa. O resultado era, quase sempre, a predominância do mais forte, ou do mais esperto, sobre o mais fraco ou menos inteligente, o que nem sempre se coadunava com os ideais de justiça. A solução dos conflitos era parcial, na medida em que dada pelas próprias partes envolvidas. Com a evolução das instituições, o Estado assumiu para si, em caráter exclusivo, a responsabilidade de dar solução aos conflitos, proibindo que os próprios envolvidos o fizessem, de forma unilateral. Desde então, as lides passaram a ter uma solução imparcial. Ao aplicar a lei, que é geral e abstrata, a um caso concreto, busca o Estado a pacificação social. Cumpre ao Poder Judiciário fazer atuar a vontade concreta da lei. Fica evidenciado, pelo exposto, que uma das principais características da jurisdição é a substitutividade, que deriva de sua atividade de substituir as partes envolvidas no conflito para dar-lhes solução. Com isso, garante-se a exigência contemporânea de imparcialidade. A jurisdição é exercida em relação a uma lide, que o interessado deduz perante o Estado-juiz, inerte por natureza. Ao ser acionado por um dos interessados, ele, por meio de um processo, irá aplicar a lei ao caso concreto, buscando dar solução ao conflito. Somente os atos jurisdicionais tornam-se imutáveis, porque a partir de um determinado momento não podem mais ser discutidos. Os atos administrativos podem ser revistos e não têm o caráter de definitividade que caracteriza a jurisdição. JURISDIÇÃO, LEGISLAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO O poder é uno, pois há apenas uma separação de funções. A legislativa consiste na atividade de elaboração de normas gerais e abstratas, que são prévias ao conflito de interesses; a jurisdicional, na aplicação dessas normas ao caso concreto submetido à apreciação judicial (criação da norma jurídica concreta). Não se confunde a função jurisdicional com a administrativa. São três as diferenças fundamentais: a administração não tem caráter substitutivo – os procedimentos administrativos são apreciados por ela mesma; só a jurisdição busca solucionar os conflitos de interesses aplicando a lei ao caso concreto; e só ela produz decisões de caráter definitivo. PRINCÍPIO DA JURISDIÇÃO Tradicionalmente, a doutrina menciona quatro princípios inerentes à jurisdição. São eles: a) Investidura: só exerce jurisdição quem ocupa o cargo de juiz. A ausência de investidura implica óbice intransponível para o exercício da jurisdição, que é pressuposto processual da própria existência do processo. b) Aderência ao território: os juízes só têm autoridade dentro do território nacional, respeitados os limites da sua competência. Esta nada mais é que a medida territorial da jurisdição. É por essa razão que, fora dos limites territoriais de sua competência, eles devem buscar a cooperação dos outros magistrados, com a expedição de cartas precatórias. c) Indelegabilidade: a função jurisdicional só pode ser exercida pelo Poder Judiciário, não podendo haver delegação de competências, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do juiz natural. d) Inafastabilidade: a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5 º, XXXV). Mesmo que não haja lei que se possa aplicar, de forma específica, a um determinado caso concreto, o juiz não se escusa de julgar invocando a lacuna. ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO Como emanação do poder estatal, a jurisdição é una e não comporta distinção de espécies, salvo por razões exclusivamente didáticas. A doutrina costuma classificá-la quanto ao seu objeto, tipo de órgão que a exerce e hierarquia. Quanto ao objeto, classifica-se em civil, penal e trabalhista. Em relação ao organismo que a exerce, em comum ou especial, a primeira exercida pela justiça comum estadual e federal, e a segunda pela justiça trabalhista, militar e eleitoral. Por fim, quanto à hierarquia, em superior e inferior, conforme as decisões provenham de órgão de instâncias superiores ou inferiores. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA Jurisdição internacional (jurisdição de outros Estados) A jurisdição civil é exercida pelos juízes e tribunais em todo o território nacional, nos termos do CPC, art. 16. Não tem o juiz brasileiro jurisdição em outros territórios, porque, sendo ela uma manifestação do poder estatal, deve respeitar a soberania dos outros países. A jurisdição, como manifestação de poder, encontra óbice na soberania de outros países. De nada adiantaria que a lei brasileira autorizasse o processamento de determinadas ações perante a nossa justiça se a decisão aqui proferida não fosse exequível, por violar ou ofender a soberania de outro país. Reciprocamente, há certas ações que só podem ser julgadas pela justiça brasileira, em caráter de exclusividade. Se o forem em outro país, serão aqui inexequíveis, porque o Superior Tribunal da Justiça lhes negará homologação. Os atos executivos determinados pelo juiz de certo país não poderão ser cumpridos diretamente em outro sem a colaboração deste. É preciso que, primeiro, haja a homologação da sentença estrangeira, para que ela se torne exequível. Também são excluídos de nossa jurisdição aqueles conflitos que não tragam qualquer interesse para a justiça brasileira. Um litígio entre estrangeiros, versando sobre fato ocorrido em outro território, não tem nenhuma relação com o Brasil. Por isso, não haveria qualquer razão para que a justiça brasileira dele se ocupasse. A harmonia e a cooperação entre os países, o respeito mútuo entre eles e os esforços diplomáticos para a boa convivência entre as nações justificam que cada país estabeleça regras e limitações a respeito da extensão da sua jurisdição. A decisão estrangeira Uma decisão ou sentença proferida em outro país é ineficaz enquanto tal e não pode ser executada no Brasil, nem produz aqui os seus efeitos. A existência de processo em país estrangeiro também é irrelevante perante a justiça brasileira. Estabelece o CPC, art. 24, que a ação intentada no estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas. Mesmo a decisão estrangeira já transitada em julgado deve ser ignorada pelo juiz brasileiro. Para que ela se torne eficaz, é preciso que seja homologada perante o Superior Tribunal de Justiça, na forma do art. 105, I, i, da Constituição Federal. A partir de então, ela se torna eficaz no Brasil, produzindo os efeitos da litispendência (há quem sustente que o disposto no art. 24 do CPC não estaria mais em vigor, porque o Brasil é signatário do Código de Bustamante, cujo art. 394 dispõe em contrário, aduzindo que a pendência de processo no estrangeiro impede a propositura de ação idêntica no Brasil). Mas o CPC atual é posterior à adesão do Brasil ao Código de Bustamante, e manteve a regra. Somente após a homologação – que tem natureza jurídica de ação – a decisão se tornará eficaz. A homologação vem tratada nos arts. 960 e s. do CPC; e os requisitos para seu deferimento vêm estabelecidos no art. 963 do CPC. Já o procedimento vem regulamentado no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conforme Emenda Regimental 28, de 17 de dezembro de 2014, com a redação dada pela Emenda 24/2016. Jurisdição do juiz brasileiro Os arts. 21 a 23 do CPC cuidam das ações que podem correr perante a justiça brasileira. Esses dispositivos contêm todas as hipóteses de ações que podem tramitar no Brasil. As que não seenquadrarem no rol não podem ser aqui julgadas, pois o juiz brasileiro carece, não propriamente de competência, mas da própria jurisdição. Por isso, o processo será extinto sem resolução de mérito. Essa solução difere daquela estabelecida em lei para a incompetência do juízo, dentro do território nacional, solucionada com a remessa dos autos ao foro e juízo competentes. Diferente é a solução quando falta ao juiz brasileiro jurisdição. Não teria cabimento que ele remetesse os autos a outro país, restando a extinção do processo sem resolução de mérito. Os dispositivos mencionados elencam, pois, as hipóteses de ações que podem ser julgadas pela justiça brasileira. Há, no entanto, uma diferença importante entre eles: os primeiros cuidam da competência concorrente, e o último, da exclusiva. No caso dos arts. 21 e 22, a justiça brasileira se reconhece com jurisdição, mas não nega que outros países também a tenham. Cabe ao interessado optar entre propor a ação no Brasil ou em outro país igualmente dotado de jurisdição. Se optar por outro país, a sentença lá proferida será ineficaz em território nacional enquanto não homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Nas hipóteses do art. 23, a jurisdição da justiça brasileira é exclusiva. Se houver decisão estrangeira versando sobre essas matérias, o Superior Tribunal de Justiça jamais a homologará, de sorte que ela estará condenada a permanecer sempre ineficaz em território brasileiro. Jurisdição concorrente São três as hipóteses do art. 21 do CPC. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que: a) o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil. Em regra, as demandas são aforadas no domicílio do réu. Na busca de proteção aos interesses do cidadão brasileiro, a lei estabelece a jurisdição da justiça brasileira quando ele for réu, o que vale para pessoa natural ou jurídica, e mesmo para pessoa jurídica estrangeira que tiver no Brasil agência, filial ou sucursal (CPC, art. 21, parágrafo único); b) no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação. Ainda que ambas as partes sejam estrangeiras, terá jurisdição a justiça brasileira quando o contrato celebrado entre elas tiver estipulado o Brasil como praça de cumprimento da obrigação; c) o fundamento se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. Essa norma tem especial importância para as ações de reparação de danos por ato ilícito. Ainda que ele tenha sido praticado por estrangeiro, a jurisdição será da justiça brasileira se o foi em território nacional. O art. 22 acrescenta três outras hipóteses de jurisdição concorrente: para as ações de alimentos, quando o credor tiver domicílio no Brasil ou o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos; para as ações decorrentes de relação de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; e para as ações em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional. Jurisdição internacional exclusiva O art. 23 do CPC enumera três hipóteses apenas, estabelecendo que compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: a) conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil, pois estes fazem parte do território nacional. Permitir que a autoridade estrangeira possa proferir decisão versando sobre parte de nosso território ofende a soberania nacional. Não há necessidade de que a demanda tenha natureza real. Mesmo que pessoal, será de competência exclusiva da autoridade brasileira se for relativa a imóvel; b) em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira e tenha domicílio fora do território nacional. Embora a lei se refira a inventário, a regra estende-se, por analogia, aos arrolamentos comuns e sumários. O dispositivo não fez qualquer alusão aos tipos de bens que devem integrar o espólio, de sorte que o dispositivo se aplica sejam eles móveis ou imóveis, sendo irrelevantes a origem e o domicílio do autor da herança; c) em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. Nessa hipótese, também não faz distinção entre bens imóveis ou móveis, bastando que estejam no Brasil. Autoridade judiciária brasileira e direito material estrangeiro O CPC deixa explícito que a jurisdição brasileira exerce-se nos limites do território nacional. Mas a autoridade brasileira pode aplicar, nos processos que aqui tramitam, normas de direito substancial estrangeiro. O art. 376 prevê expressamente essa possibilidade, aduzindo que a parte que alegar direito estrangeiro provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz. A aplicação de lei substancial estrangeira no Brasil não é regida pelo CPC, mas, em regra, pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O art. 10, § 1º, por exemplo, determina que a sucessão de bens de estrangeiros situados no país será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, desde que não lhes seja mais favorável a lei do país do de cujus. Cooperação internacional O CPC abre um capítulo para tratar da cooperação jurídica internacional. Com a globalização dos interesses econômicos e a facilidade de comunicação e de mobilização das pessoas, têm sido cada vez mais frequentes as situações em que um estado necessita da cooperação do outro para a melhor aplicação da justiça, e para fazer valer as decisões por ele proferidas. Daí a necessidade de uma regulação específica do tema. O CPC não apresenta um regramento detalhado e minucioso dos procedimentos pelos quais a cooperação se fará, mas traça as linhas gerais, as regras fundamentais que deverão ser observadas. No art. 26 fica estabelecido que caberá a tratado de que o Brasil for parte reger a cooperação internacional. Na falta dele, a cooperação poderá realizar- se com base na reciprocidade manifestada por via diplomática. A cooperação deverá observar determinados requisitos de caráter geral estabelecidos no CPC. São eles: I – o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente; II – a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados; III – a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou do Estado requerente; IV – a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação; V – a espontaneidade na transmissão de informações à autoridade estrangeira (art. 26 e incisos). É vedada, ainda, a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. O CPC ainda enumera aquilo que será objeto da cooperação internacional: citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; colheita de provas e obtenção de informações; homologação e cumprimento de decisão; concessão de medida judicial de urgência; assistência jurídica internacional ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira (art. 27). São previstas três maneiras fundamentais pelas quais dar-se-á a cooperação internacional: por auxílio direto, por carta rogatória ou pela homologação de sentença estrangeira. O auxílio direto cabe para fazer cumprir medida que não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil (art. 28). As hipótesesem que ele ocorrerá estão especificadas no art. 30. São situações em que a cooperação pode ser solicitada pelo órgão estrangeiro diretamente à autoridade nacional, sem necessidade de se observar procedimento perante o Superior Tribunal de Justiça. A homologação de sentença estrangeira depende de ação julgada pelo Superior Tribunal de Justiça. E a carta rogatória, nos termos do art. 36, é procedimento de jurisdição contenciosa em que se deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal. No auxílio direto não há necessidade de intermediação dos órgãos jurisdicionais, já que ele será solicitado e realizado diretamente. De acordo com o art. 30, além daquelas situações previstas em tratados de que o Brasil for parte, caberá auxílio direto para obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso; colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira; qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira. O procedimento do auxílio direto vem regulado nos arts. 31 e s. O procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa, e vem regulado no art. 36. A homologação de sentença estrangeira já foi examinada no item anterior.
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