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E-book 2 MANIFESTAÇÕES CULTURAIS RÍTMICAS E EXPRESSIVAS Ana Roberta Almeida Comin Neste E-Book: INTRODUÇÃO ����������������������������������������������������������� 3 A COMPREENSÃO DO SOM ���������������������������������4 OS BENEFÍCIOS DA MÚSICA ������������������������������� 7 Os domínios do desenvolvimento humano ����������������������������7 MÚSICA COMO EXPRESSÃO DA CULTURA�����11 África ���������������������������������������������������������������������������������������12 Oriente Médio ��������������������������������������������������������������������������16 Índia �����������������������������������������������������������������������������������������18 Extremo Oriente ����������������������������������������������������������������������20 Oceania ������������������������������������������������������������������������������������22 Américas ���������������������������������������������������������������������������������24 A MÚSICA E O RITMO NO CONTEXTO DAS EXPRESSÕES CORPORAIS ���������������������������������28 CONSIDERAÇÕES FINAIS �����������������������������������30 SÍNTESE ��������������������������������������������������������������������34 2 INTRODUÇÃO Neste e-book você poderá aprender sobre a musica- lidade e tudo o que ela representa� Vamos estudar como o cérebro e o sistema auditivo transformam um simples estímulo mecânico em música� Além do aspecto fisiológico, analisaremos os seus efeitos nos principais domínios do desenvolvimento humano e o modo com que a música se entrelaça à cultura� Você também encontrará respostas sobre o que é a expressão corporal e o que ela representa nas prin- cipais manifestações da arte� 3 A COMPREENSÃO DO SOM Sabemos que o cérebro dos seres humanos é uma máquina incrível, pois é ele, junto à nossa capacidade de memória e linguagem, que nos permite compre- ender o que é a música� Antes de chegar aos ouvidos, a música é apenas ar, que se inicia por vibrações. Ao adentrar as tubas auditivas, as membranas timpânicas vibram de modo que os ossículos (martelo, bigorna e estribo) oscilam em resposta ao som e, através do movimento mecâ- nico, o conduzem para o compartimento seguinte. Esse processo cria pressão sobre o fluido presente no interior da cóclea, que ativa células ciliadas, res- ponsáveis por gerar estímulos elétricos para o nervo auditivo� Esses estímulos serão transmitidos para o córtex auditivo no lobo temporal do cérebro, onde será decodificado. Todo esse processo, complexo e que envolve diversas estruturas, leva impressionantes milésimos de duração para acontecer� 4 O som entra pelo canal auditivo e chega até o tímpano, fazendo-o vibrar� O tímpano aciona os ossinhos do ouvido, que se movem e pressionam a cóclea� Com a força da pressão a cóclea se mexe e o líquido dentro dela também� Essa movimentação ativa as pequenas células ciliadas em seu interior� Ao receber esse estímulo os cílios mandam a informção do som para o cérebro� Todo esse processo dura milésimos de segundos Figura 1: Esquema ilustrado de como o som deixa de ser uma vibra- ção no ar para ser interpretada na forma de música pelo cérebro e as demais estruturas envolvidas no processo. Fonte: Estudopratico O mecanismo de condução e compreensão musical é tão refinado que somos capazes de dedicar nossa atenção a um único instrumento durante uma música, por exemplo� Em princípio a música pode ser descrita somente como um simples som, enquanto, na verdade, é um código complexo que envolve ritmo, volume, timbre, batida, tempo e melodia, além de demandar habi- lidades como a escuta, a memória e a linguagem. Somente o cérebro de um ser evoluído o bastante é capaz de montar esse verdadeiro quebra-cabeça de 5 diferentes variáveis� O conjunto dessas atividades motoras e cognitivas envolvidas no processamento da música é chamado de função cerebral� Outro ponto importante sobre a perspectiva evolutiva é a forma como a música reverbera sentimentos, uma vez que é capaz de estimular a memória não verbal. A música ativa a área do cérebro responsável por atividades prazerosas e está ligada profundamente às nossas emoções� 6 OS BENEFÍCIOS DA MÚSICA Os domínios do desenvolvimento humano Até o momento, pudemos compreender como nosso cérebro consegue interpretar um som sob a perspec- tiva da fisiologia, mas quais seriam os seus efeitos em relação ao nosso desenvolvimento? O desenvolvimento humano se inicia quando ainda somos reduzidos ao tamanho de uma simples célu- la, que se desenvolverá até se tornar um bebê. Esse bebê se tornará uma criança e assim sucessivamente até atingir a velhice e chegar o seu fim. É importante saber que cada uma dessas fases é caracterizada por marcos evolutivos no campo do desenvolvimento� O desenvolvimento humano pode ser descrito com base em três domínios principais. O domínio cogni- tivo está relacionado à capacidade de interpretação, memória e pensamento crítico. O domínio psicos- social (ou afetivo) aborda as emoções, os valores, as percepções e as crenças do indivíduo. E, por fim, o domínio motor, que tem a ver com o movimento, envolvendo arte, esportes e tarefas cotidianas. Nesta seção estudaremos como a musicalidade é capaz de influir em cada um desses domínios e todos 7 os benefícios que ela pode proporcionar no processo de desenvolvimento� Domínio cognitivo A convivência com a música é algo básico a todos, porém alguns vão além e dedicam-se ao aprendizado de instrumentos. Essas pessoas, segundo a ciência, passam a desenvolver determinadas habilidades além da própria música, como maior grau de aten- ção, concentração e controle emocional. Não por acaso, hoje, já nos primeiros anos escolares, são oferecidas aulas de música aos pequenos� Do ponto de vista fisiológico, esse fenômeno é explicado atra- vés do desenvolvimento do córtex auditivo primário, uma vez que ele é influenciado pela repetição da experiência, ou seja, quanto maior ela for, maior é o número de células estimuladas e reativas a sons e tons musicais. Pensando nisso, podemos inferir que à medida que vivenciamos essas experiências ocorre uma reorganização em nosso cérebro, graças à chamada plasticidade neural� Os benefícios da música vão além da prática de instrumentos. Somente ouvi-la também pode trazer vantagens, sendo até mesmo utilizada como ferra- menta de reabilitação por diversos profissionais da saúde. Por exemplo, a música pode reduzir níveis de estresse, melhorar a qualidade do sono, aumentar o ânimo e melhorar o nosso humor� 8 Domínio psicossocial Todos os benefícios de se ouvir e/ou praticar música estão relacionados à ativação de diferentes estados emocionais, que por sua vez geram reações fisioló- gicas como resposta. Por exemplo, músicas com mais batidas por minuto, comumente associadas às músicas agitadas, provocam o aumento da frequên- cia cardíaca, o que leva a um estado de maior ânimo e disposição, sendo elas normalmente a escolha número um na hora de se praticar exercícios físicos ou participar de competições� O inverso também é verdade, outras músicas podem trazer uma melodia que inspire sentimentos adver- sos como a tristeza e a saudade. Essas variações de efeito se dão por razões técnicas e culturais. As músicas são compostas com base em uma escala própria e cada cultura possui uma compreensão par- ticular sobre elas� As culturas ocidentais comumente associam escalas maiores à felicidade e menores à tristeza, embora isso não seja universal. Domínio motor Já pudemos constatar que a compreensão do som na forma de música requer diferentes capacidades e provoca diferentes respostas, o que invariavelmente nos leva a pensar no domínio motor� O desenvolvimento motor de um indivíduo não está somente ligado a questões fisiológicas intrínsecas ao seu corpo, mas também a experiências vividas 9 por ele e à interação com o ambiente no qual ele está inserido� Isso o leva a apresentar uma maior capacidade decontrolar movimentos ao longo do tempo. Nesse sentido, a música se faz extremamente importante� A música é capaz de contribuir no controle dos mo- vimentos do corpo, na execução de tarefas e na ca- pacidade de manusear objetos com habilidade, a chamada coordenação motora� Além disso, a música se expande nesse domínio, sendo ela representada pelo próprio corpo na forma da dança e da expressão corporal, como veremos em detalhes à frente� 10 MÚSICA COMO EXPRESSÃO DA CULTURA Já tratamos do papel da cultura na construção das sociedades e pudemos observar como o movimento foi visto ao longo da história em diferentes culturas. Agora vamos compreender como a música se tornou um componente fundamental da cultura� A música é capaz de quebrar a barreira das diferen- ças culturais, possibilitando novas relações sociais e conexões� Muitos ao pensarem em músicas anti- gas citarão uma música clássica, com uma grande orquestra tocando e um maestro regendo. Mas será mesmo que esse estilo musical é realmente onde tudo começou? Tendemos a ter esse pensamento, pois temos uma percepção cultural baseada no neoclassicismo eu- ropeu que, durante longo tempo, relegou a segundo plano outro tipo de música que não fosse a erudita� O neoclassicismo baseou muitas outras culturas além da nossa, sobretudo a de países colonizados por países europeus� Essa estética cultural prevaleceu na arte e na arqui- tetura da Europa no final do século 18 e início do 19, com os padrões voltados às heranças da Grécia e da Roma antigas. O estilo neoclássico se difundiu no Brasil a partir das preferências da corte portuguesa e se tornou uma espécie de “estilo oficial”. 11 Em muitos pontos, a adoção do neoclassicismo eu- ropeu foi bastante problemática, uma vez que se sobrepujou em relação aos valores nacionais. Para muitos, perdura até os dias de hoje o sentimento de que “só é belo o que é estrangeiro”, o que desvaloriza nossa produção� Mediante o exposto, faz-se altamente necessária a desconstrução desse senso comum para que outras formas de cultura sejam vistas e apreciadas dentro de suas qualidades� Cada povo há de possuir a sua própria identidade cultural baseada nas suas vivên- cias, histórias e crenças, o que o torna único. A seguir, vamos explorar a musicalidade dentro da cultura de diversos povos pertencentes a diferentes continentes� Vale ressaltar-se a cautela que devemos ter ao abordar esse assunto para não o reduzir ou ge- neralizar. Um erro crasso seria afirmar, por exemplo, que a América do Sul se resume ao samba, como se não existissem outros países ou como se a riqueza cultural do nosso próprio país fosse restrita somente a um ritmo ou expressão cultural� África Antropólogos e estudiosos no assunto consideram o continente africano como o berço da humanidade. É formado por 54 países e é o segundo mais populoso do planeta, o que nos dá uma ideia da efervescência cultural dessa terra� 12 De maneira geral, a música é parte importante na vida do povo africano, independentemente de localidade ou etnia. Ela se faz presente na espiritualidade, nos rituais, nas celebrações e na vida cotidiana. Outro ponto importante é que a música também contribui na perpetuação dos costumes e tradições por meio de histórias cantadas, uma vez que nem todos utili- zam o sistema de registros escritos. Como vimos anteriormente, a musicalidade desse continente representa bem mais do que um simples som. As músicas são altamente rítmicas, compostas por padrões rítmicos complexos, geralmente envol- vendo um ritmo tocado contra o outro para criar a chamada polirritmia� Outra característica importante da construção musi- cal africana é o ritmo� Diferentemente das métricas ocidentais, várias partes da música não combinam necessariamente de forma harmoniosa� Os sons dos instrumentos não convergem necessariamente entre si� Isso se deve ao fato da música ser uma representação da vida� A musicalidade africana também é marcada pela chamada-e-resposta. Uma voz ou instrumento so- noro toca uma pequena frase melódica, e essa frase é ecoada por outra voz ou instrumento. Além disso, as músicas costumam apresentar alto grau de im- proviso� O padrão rítmico central é tocado como de costume e os percussionistas improvisam novos padrões sobre os originais. 13 Aqui chegamos a um ponto importantíssimo da so- noridade africana: os instrumentos de percussão� Muitos deles são utilizados até hoje, inclusive em terras brasileiras, como o berimbau, o agogô, o caxixi, o atabaque, a cuíca, o reco-reco e o tambor. Como dito anteriormente, a África é um continente imenso e vale um olhar atento pelas suas principais regiões. O norte da África, local onde triunfou a ci- vilização egípcia, no passado foi conquistado por povos árabes, influência essa que é marcante em sua cultura e música, como veremos a seguir. As demais regiões do continente são classificadas como subsaarianas, ou seja, que ficam ao sul do deserto do Saara. Essas regiões são bastante he- terogêneas, com povos e etnias particulares que se utilizam da música para acompanhar o trabalho, ce- lebrar casamentos, afastar maus espíritos, saudar ancestrais e marcar eventos importantes em seu meio social� 14 Figura 2: Representação do continente africano e as suas divisões. Fonte: Unisinos As apresentações musicais podem ter longa dura- ção e, além de instrumentos e voz, costumam ser acompanhadas por danças e coreografias próprias. Uma das dificuldades do estudo da musicalidade africana, além das diferenças sonoras em relação ao que demais ocidentais costumam estudar, são os poucos ou raros registros escritos deixados por essas populações, uma vez que prevalece a oralidade na transmissão de histórias, músicas e cultura em geral. A diáspora do povo negro, provocada pela interfe- rência do homem branco em seu continente natal, fez com que essas pessoas aportassem em terras distantes na condição de escravizados. Por mais que seus algozes tenham tentado apagar os seus valores religiosos e podar as suas raízes culturais, é 15 inegável a sua sobrevivência e difusão. Seja o samba no Brasil ao som de pandeiros e outros instrumen- tos de percussão, a dançante rumba cubana ou o revolucionário rock and roll nos Estados Unidos, to- dos possuem o DNA da mãe África e de seus filhos mundo afora� Podcast 1 Oriente Médio Não raro, essa região do planeta é confundida com um continente. O Oriente Médio é uma região loca- lizada na parte oeste da Ásia, também conhecida como Ásia Ocidental, e compreende os principais pa- íses árabes como Líbano, Irã, Iraque, Arábia Saudita e Emirados Árabes, dentre outros. Vale ressaltar-se que por essas terras, citadas desde os tempos bíblicos, caminharam povos de diferentes etnias e crenças como muçulmanos, judeus, cristãos, assírios, curdos e babilônios, dentre tantos outros, que deixaram para o Oriente Médio um rico legado cultural� Apesar da sua prevalência instrumental, no passado, mulheres de belas vozes eram escolhidas para entoar canções. E não somente, também aprendiam a tocar instrumentos� O Oriente Médio possui uma riqueza cultural mui- to grande, sobretudo sua musicalidade. Visando 16 a preservar esse bem, em 1932 foi organizado o Congresso de Música Árabe. O evento, realizado no formato de um grande festival, reuniu artistas e ins- trumentistas de todo o chamado “mundo árabe”. Os organizadores tinham como objetivo apresentar, discutir, documentar e registrar as inúmeras tradições musicais dessa cultura, uma vez que, à época, acre- ditava-se que várias de suas manifestações estavam em declínio� Desse modo elas não seriam perdidas e poderiam ser preservadas. Como resultado, foram registradas 360 performances e gravados 162 discos de músicas típicas da região. O Oriente Médio também possui instrumentos musi- cais próprios e fundamentais na composição. Atribui- se a essa região o surgimento de instrumentos como o violino, o oboé (um instrumento musicalde sopro) e o trompete� Uma curiosidade: atribui-se à atual Síria o primeiro artefato arqueológico em forma de partitura musical. Encontrada na década de 1950, pesquisadores de- moraram cerca de 20 anos para a sua compreensão� O material talhado em argila recebeu o nome de H6 e conta de maneira milenar uma história um tanto interessante. A canção narra a história de uma jovem que não pode ter filhos e crê que o fato se deve ao seu comportamento. Em uma tentativa de reparação, a moça sai à noite para rezar para a deusa Nikkal, deusa da Lua, e leva consigo uma pequena oferenda com sementes ou óleo de gergelim. 17 Apesar do tom sóbrio, outra partitura encontrada no mesmo período conta a história de uma jovem moça que trabalhava como garçonete em um bar servindo cervejas. Ou seja, a música nos mostra que os antepassados não a dedicavam somente a mo- tivos religiosos, mas também como uma forma de descrever a vida cotidiana� Índia É um fato que a música é um fenômeno universal, mas a sua construção e compreensão difere de lugar para lugar. Na maior parte do planeta, se você pergun- tar qual é a base fundamental de uma composição, a resposta será a mesma: as notas musicais� As sete notas musicais – dó, ré, mi, fá, sol, lá e si – não fazem parte das escalas da música clássica da Índia� A musicalidade desse país é baseada em ragas. Um raga pode ser compreendido como um conjunto de normas de como construir uma melodia. É ele que define se a escala deve ser ascendente ou descen- dente, as notas a serem tocadas e por aí em diante. Os ragas também têm como função a expressão de sentimentos através da música, como a devoção, a bravura, a dor, a solidão, a serenidade etc... Outra particularidade, além dos sentimentos, é que cada raga pode estar associado a um horário do dia ou a uma estação do ano. Não à toa há o registro de cerca de duzentos ragas diferentes. 18 A cultura musical indiana valoriza a sua sonoridade tanto quanto a imaginação e a criatividade de seus artistas, que pode livremente improvisar durante a sua apresentação, sendo o improviso uma marca importante na música deste país� Tradicionalmente, as canções são acompanhadas por instrumentos típicos como o sitar, a flauta de bisel, as tablas, a vina e o santoor indiano. A Índia, parte do continente asiático, é um país de grandes contrastes. Em termos territoriais, é o sétimo maior país do mundo e o segundo mais populoso. Lá habitam diferentes grupos étnicos que professam di- ferentes religiões e manifestam a sua cultura através da música, de festividades aos deuses e das cores. Toda essa identidade pluricultural foi construída atra- vés de uma história milenar. No entanto, o processo de modernização do país deu novos ares à cultura. A partir dos anos 2000, Bollywood – junção de Bombaim (antigo nome da cidade de Mumbai, onde encontra-se a maioria dos estúdios e produtoras de filmes) e Hollywood (a famosa e consagrada indús- tria cinematográfica dos Estados Unidos) – passou a receber maior atenção da crítica dos demais paí- ses e a conquistar grandes públicos na Índia. Com muitas cores, brilhos e por vezes até exageros hoje a maior parte dos filmes produzidos por Bollywood são musicais� Esse fenômeno social nos mostra a importância da música para a cultura indiana. Seja nas celebrações religiosas, nos rituais, como a cremação de mortos, 19 ou nas salas de cinema, a musicalidade indiana es- tará presente� Extremo Oriente Retornamos mais uma vez ao continente asiático, des- sa vez à região denominada como “extremo oriente”. Compõem esse território países como o Japão, a China, a Coréia do Norte, a Coréia do Sul, Taiwan e Mongólia. Cabe destacarmos que a cultura desses países e a sua relação com a música atravessa milênios� Por exemplo, há mais de 4 mil anos a.C. filósofos chine- ses já descreviam a presença da música e atribuíam sua existência à natureza. Voltando ainda mais na linha temporal, na região também foram encontradas 16 flautas confeccionadas em ossos. Especialistas estimam que os artefatos tenham entre 8 e 9 mil anos de existência� Esses países possuem tradições musicais próprias. Em geral são canções voltadas ao aspecto religioso, próprias para rituais e cerimônias, e músicas folcló- ricas que narram as suas tradições� As melodias dessa região normalmente são acompa- nhadas pelo som de flautas, sinos, gongo e tambores, e nem sempre apresentam letra� A cultura dos países do extremo oriente é marcada pela tradição na dança e na arte da interpretação� Por esse motivo, grande parte das músicas no passado eram compostas especialmente para essa finalidade. 20 Aqui cabe citarmos uma figura lendária que possui estreitos laços com a música: a gueixa. No imaginá- rio ocidental, as moças de rosto pintado de branco possuem uma aura de encanto e mistério� Na cultura japonesa, as mulheres que se dedicam à carreira de gueixa devem estudar a fundo, desde cedo, a arte do entretenimento, o que inclui a dança, o canto e a arte. Uma de suas muitas incumbências é o estudo e a prática do shamisen, um instrumento semelhante a um banjo de três cordas, cujo som melancólico por vezes é acompanhado pela flauta – outro instrumento que as gueixas também devem saber tocar. Por fim, o repertório musical dessas mulheres também era composto por instrumentos de percussão, como o ko-tsuzumi, um pequeno tambor de ombro em forma de ampulheta, e o taiko, um tambor de chão. Figura 3: Retrato de uma tradicional gueixa e o seu shamisen. Fonte: Japanesetradmusic 21 Saltando para os dias atuais, graças à internet, à glo- balização e à velocidade da informação, a música pop sul-coreana, também conhecida como k-pop (do inglês Korean pop), é o novo fenômeno entre os mais jovens, ultrapassando as fronteiras do país asiático e ganhando destaque pelo mundo. A sonoridade do estilo recebe influências externas, de modo que uma identidade sonora e visual seja criada� Esse fato revela que embora as tradições sejam mantidas, a música e a cultura são elementos dinâmicos� Oceania Esse continente é basicamente formado por um con- junto de ilhas, cujos países mais conhecidos são: Nova Zelândia, Austrália, Samoa e Papua Nova Guiné. Sua rica cultura remonta ao tempo dos seus povos originários, como os aborígenes que habitaram o território que hoje conhecemos como Austrália ou os maoris, na Nova Zelândia. O histórico do povo maori revela que eles eram al- tamente espiritualizados. Por estarem em meio à natureza, reverenciavam-na como elemento sagrado. Por essa razão, a musicalidade se fazia presente, pedindo proteção e auxílio na navegação, por exem- plo. Era comum o uso de flautas, apitos e tambores. Não raramente “viralizam” nas redes sociais vídeos de atletas neozelandeses dançando o haka. Essa co- reografia, típica da cultura maori, era utilizada como 22 uma forma de demonstrar força e unidade frente a um inimigo. Os passos são acompanhados de pala- vras cadenciadas e cantadas em tom forte� Na Austrália, os aborígenes partilhavam crenças se- melhantes aos maoris da Nova Zelândia� Acreditavam na união de todos os seres da natureza com um ser superior que integrava tudo. Sendo assim, a natureza era fortemente respeitada e reverenciada por eles� A música era uma importante forma de conexão des- ses elementos� A musicalidade aborígene era, sobretudo, vocal e, por vezes, acompanhada pelo yidaki (didgeridoo)� Esse instrumento de sopro consiste em um tronco oco cujo som é produzido pela vibração dos lábios daquele que o toca� A origem do yidaki remonta a cerca de 1500 anos, conforme pinturas rupestres encontradas na região. Nessa cultura, esse instrumento é a representação da mãe serpente, a criadora da terra. As danças que eram coreografadas ao som do yidaki eram marcadas complementarmente pelo uso de bastões� 23 Figura 4: Imagem de um aborígene tocando um didgeridoo. Fonte: Thepoweredit Américas A América é um vasto continente, quecobre de nor- te a sul o globo terrestre e é lar dos mais diversos povos. Aqui trataremos desse lugar na sua essência original: os povos nativos. Antes da chegada dos europeus colonizadores e, posteriormente, das pessoas negras escravizadas vindas da África, habitavam essas terras uma imensa quantidade de povos indígenas de diferentes etnias, regiões e culturas. Em comum, o fato de que viam na natureza uma forma de conexão com o sagrado. Não raro, celebravam colheitas, fenômenos climáticos, a fertilidade, a caça e momentos importantes como o nascimento, a união e a guerra, dentre outros. Nesse contexto, a musicalidade marca rituais de modo in- 24 tegrativo com outras formas de expressão cultural, como a própria dança. Os nativos norte-americanos costumavam empregar em suas músicas a voz e instrumentos de percussão. A primeira podia aparecer como um solo, um coral ou um canto responsorial (como um jogo musical no qual um indivíduo pergunta e todos respondem ou repetem a fala). A percussão era feita a partir do som de tambores e chocalhos� Normalmente iniciava-se com batidas lentas e constantes que aumentavam gradualmente, acompanhadas não somente pelo canto, mas por coreografias também. A América pré-colombiana, isto é, antes da chega- da de Cristóvão Colombo e seus homens, contava com povos como os incas, os maias e os astecas na região da América Central e da Cordilheira dos Andes, ao sul do continente. Esses grupos formaram verdadeiros impérios, cujos resquícios até hoje são contemplados e visitados como pontos turísticos preservados como patrimônios da humanidade. Sua musicalidade estava relacionada principalmente à religiosidade, com uma profunda relação com a po- esia� As apresentações contavam com o acompa- nhamento de instrumentos, danças e encenações. Até os dias de hoje, como resultado do sincretismo cultural proporcionado pelos povos originários da região e a influência da colonização espanhola, pode- mos ver apresentações musicais típicas das regiões que refletem todo esse passado, sobretudo no Peru. Em geral, toca-se o charango, um instrumento de 25 cordas com formato semelhante a um violão; a zam- poña, uma espécie de flauta confeccionada a partir do junco, e a ocarina, outro instrumento de sopro, feito de barro, pedra ou madeira, em formato oval. Alguns grupos indígenas brasileiros acreditavam que a música era um presente dado pelos deuses, uma vez que ela se fazia presente tanto nas festividades coletivas quanto na esfera íntima e era um importan- te elemento socializador, uma vez que promoviam o contato entre diferentes tribos por meio da linguagem não verbal� A música para esses grupos estava presente, mais uma vez, em rituais e cerimônias e havia regras e determinações para o uso de certas melodias, além da escolha daquele que iria cantá-la, bem como o momento certo para isso ser feito. Dessa forma, al- gumas canções e instrumentos só poderiam ser pra- ticados por homens, outros só por mulheres e outros, ainda, só para um determinado rito ou celebração. As flautas possuem um importante destaque para algumas etnias, sendo a sua prática normalmente reservada aos homens� 26 Figura 5: Homens indígenas brasileiros tocando flauta. Em algumas etnias, mulheres são proibidas até mesmo de escutar o seu som. Fonte: Emaze Podcast 2 Aqui concluímos essa viagem às principais culturas ao redor do mundo e exploramos um pouco as suas relações com a musicalidade. Um passo importante na compreensão de como as suas identidades foram construídas, incluindo a nossa, a brasileira. Conhecer as origens da música nos permitirá tam- bém um melhor entendimento do seu papel nas ma- nifestações do corpo, a chamada expressão corporal. 27 A MÚSICA E O RITMO NO CONTEXTO DAS EXPRESSÕES CORPORAIS Certamente você já ouviu a máxima “o corpo fala”. E, de fato, essa é uma verdade. Ainda que de uma forma não verbal, podemos utilizar do corpo para nos comunicarmos. Seja um gesto, uma careta, um sinal ou uma coreografia complexa. Tudo passa pela expressão corporal� Estudamos como a música pode afetar as nossas emoções. Somos seres dotados de sentimentos e, por vezes, manifestamos a necessidade de expressá- -los. Por meio desse desejo manifestam-se as ex- pressões corporais, que podem também representar ideias, pensamentos e movimentos representativos ou simbólicos. A expressão corporal pode aparecer em variados contextos como a voz, o corpo, o ritmo, o som, a postura, o movimento, o gesto, o espaço e o tempo. Por vezes, tais manifestações podem também surgir de maneira involuntária e serem interpretadas como uma manifestação de liberdade e criatividade� Esse tipo de expressão é intrínseco ao ser humano e é graças a ele que somos compreendidos desde a tenra idade. Por exemplo, muitas vezes pelas feições de um bebê os pais conseguem identificar se ele está com fome, com a fralda suja, com dor etc. Faz parte da nossa natureza. 28 Por ser natural da nossa espécie, a expressão cor- poral não está relacionada somente à sobrevivência e à socialização, mas também às artes em geral. Podemos encontrar as expressões corporais na for- ma de danças, encenações e na música. Não à toa, a Educação Física tem se dedicado a profundos es- tudos acerca do tema nos últimos anos� A expressão corporal pode aparecer como uma mani- festação espontânea do corpo executada a partir de experiências por ele vividas� Essa vivência livre pode favorecer o enriquecimento dos gestos expressivos, deixando-os mais criativos e espontâneos., além de favorecer a comunicação do indivíduo com o meio, canalizando nas expressões corporais uma forma de demonstrar sentimentos e pensamentos muitas vezes sublimados. Além das manifestações livres do corpo, a expressão corporal também pode ser conduzida ou até mesmo condicionada, como em uma coreografia de dança. Os movimentos são previamente estruturados, pla- nejados e ensaiados, para então serem executados. A dança é uma das mais conhecidas formas de ex- pressão corporal, estando ela inter-relacionada com a expressão corporal. Motivo esse que é objeto de estudo de inúmeros pesquisadores da área� A dança completa o ciclo visto até aqui: o movimento, o ritmo, a cultura, a expressão corporal e ela, a dan- ça. Percebam como tudo está intimamente ligado. São componentes fundamentais e complementares entre si� 29 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste e-book pudemos compreender conceitos inter- ligados e muito importantes. Inicialmente, pudemos ver como a música, até então uma simples vibração no ar, é captada pelo sistema auditivo e processada no cérebro. Um processo rico e complexo da natu- reza humana. Aprendemos como os domínios de aprendizagem são organizados e quais são os benefícios da música em relação a cada um deles� O domínio cognitivo é estimulado graças à plastici- dade neural, demonstrada através da repetição da experiência. Os ganhos observados são maiores ní- veis de atenção, concentração e controle emocional. A música pode afetar o âmbito psicossocial através das emoções: uma música pode despertar sentimen- tos e a memória de uma pessoa. Já em relação ao domínio motor, a música contribui no controle dos movimentos do corpo, na execução de tarefas e na coordenação motora� Após explorarmos os efeitos da música no desen- volvimento humano, partimos para uma viagem de imersão cultural� Observamos como cada povo com- preende e reproduz a música, apreciando cada forma de maneira independente da visão eurocêntrica do neoclassicismo� 30 A África, um imenso continente, recebeu a influência árabe em sua musicalidade, em especial na região norte. Já a região subsaariana é marcada por músi- cas longas, com improviso, polirrítmicas, em forma de chamada-e-resposta� Instrumentos de percussão acompanham a sonoridade. A temática, em geral, é voltada para o trabalho, para fins religiosos e para celebrações� A música do Oriente Médio tem prevalência instru- mental e credita-seà região a criação do violino, do oboé e do trompete, além de resquícios arqueológi- cos também indicarem a primeira partitura musical, com letras sobre religiosidade e o retrato da vida cotidiana� A Índia possui um sistema particular de música� Elas são compostas a partir de ragas – um conjunto de normas de como construir uma melodia, que dita a escala e as notas. Os ragas também servem para expressar sentimentos e cada um é associado a um horário do dia ou a uma estação do ano� A liberdade e a criatividade são valorizadas e os músicos podem improvisar. Tradicionalmente as músicas são acom- panhadas por instrumentos típicos como o sitar, a flauta de bisel, as tablas, a vina e o santoor indiano. Ainda hoje a música é fundamental na Índia, seja nas celebrações religiosas, na vida cotidiana ou no cinema, representado por Bollywood� No que chamamos de Extremo Oriente, a música é valorizada e retratada ao longo de milhares de anos. Em geral, são canções voltadas ao aspecto religioso, 31 próprias para rituais e cerimônias e músicas folcló- ricas que narram as suas tradições, acompanhadas pelo som de flautas, sinos, gongo e tambores, e nem sempre apresentam letra. Neste tópico estudamos também o papel das lendárias gueixas, exímias ins- trumentistas e cantoras� A Oceania, o arquipélago-continente, contou com po- vos nativos como os maoris e os aborígenes. Ambos com forte ligação e fé na natureza e seus elementos. Os maoris executavam o haka ao som de passos fortemente cadenciados, enquanto os aborígenes tinham uma musicalidade vocal acompanhada pelo yidaki (didgeridoo), um instrumento de sopro. Nas Américas, de norte a sul, os nativos também re- produziam as suas músicas no intuito de reverenciar deuses, a natureza, celebrar momentos importan- tes e realizar rituais. Os nativos norte-americanos utilizavam a voz e os instrumentos de percussão, tambores e chocalhos. Podendo ser um solo, um coral ou um canto responsorial, que aumentava o tom gradualmente. Os povos nativos da América Central também possuíam forte relação com a música. Um dos exemplos é a música peruana marcada pelo som do charango, da zampoña e da ocarina. Já os homens dos povos nativos do nosso país usavam a flauta para compor suas músicas, algo nem sempre permitido às mulheres – o que variava de etnia para etnia. Algumas músicas eram cantadas somente por eles, outras somente por elas e a depender do ritual. 32 Ao explorarmos a musicalidade e a compreensão da música para cada população, percebemos algo intrínseco ao som e ao ser humano: a expressão cor- poral. Trata-se de uma manifestação não-verbal de ideias, pensamentos e movimentos representativos ou simbólicos. Pode ser espontânea como um gesto ou conduzida/condicionada como a dança ou uma peça de teatro� 33 SÍNTESE • África • Oriente Médio • Índia • Extremo Oriente • Oceania • Américas MANIFESTAÇÕES CULTURAIS RÍTMICAS E EXPRESSIVAS A compreensão do som Os benefícios da música Música como expressão da cultura A música e o ritmo no contexto das expressões corporais Referências bibliográficas & consultadas ALENCAR, V. P. Música e cultura: todo povo tem a sua música� Uol, Educação, [20--]. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/artes/ musica-e-cultura-todo-povo-tem-a-sua-musica.htm� Acesso em: 17 jul. 2020. ARAÚJO, U. F. Temas transversais, pedagogia de projetos e mudanças na educação: práticas e reflexões. São Paulo: Summus, 2014. [Biblioteca Virtual]. BASTOS, R. J. de M. 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