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Daniela Santos Rocha INTRODUÇÃO As bradicardias ou bradiarritmias caracterizam-se por frequência cardíaca (FC) baixa. • Absoluta: FC<60 bpm • Relativa: Paciente apresenta necessidade de débito cardíaco aumentado e frequência cardíaca inapropriada à sua condição clínica (p. ex., em torno de 60 bpm no choque séptico ou hipovolemia). • Considerada normal em pessoas jovens com bom condicionamento físico. Atletas comumente apresentam frequência cardíaca abaixo de 50 bpm sem repercussão hemodinâmica. E em lgumas situações de tônus vagal excessivo, como no pós-prandial de refeições copiosas, durante o sono, durante a passagem de sonda nasogástrica ou durante situações de estresse (por exemplo, coleta de sangue em alguns indivíduos). ETIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO Todos os miócitos têm alguma capacidade de despolarização espontânea, conhecida por automatismo. Há, no entanto, um grupo de células do coração diferenciadas nas quais o automatismo é maior, conhecido por sistema de condução, que é constituído pelo nó sinoatrial (NSA) e nó atrioventricular (NAV) e sistema His-Purkinje (SHP). O NSA localiza-se no teto do átrio direito, próximo à desembocadura da veia cava superior e é o local onde as células cardíacas dispõem de maior automatismo. Em condições normais, o impulso elétrico é originado no NSA, que envia o impulso ao átrio esquerdo através de células denominadas feixes de Bachman. A despolarização segue então por células específicas até o NAV e então ao SHP, que se divide em ramos direito e esquerdo. Quanto mais próxima do NSA, maior o automatismo de determinada célula cardíaca e maior a frequência cardíaca que esta será capaz de gerar. • Quando uma região alta do sistema de condução é acometida, incapaz de desempenhar sua função, a tendência é que a região imediatamente abaixo assume o comando. Assim, quanto mais distante o acometimento estiver do NSA, mais acentuada será a bradicardia. • A depender da localização da lesão o bloqueio poderá ser classificado como supra-hissiano (alto) ou infra-hissiano (baixo). CLASSIFICAÇÃO BRADICARDIA SINUSAL Nessa situação, o ritmo cardíaco é considerado normal, apenas a FC é mais baixa. O impulso cardíaco é gerado no NSA e, portanto, há onda P, a qual terá orientação de +30º a +90º, positiva em DI, DII, DIII e aVF. A cada onda P procede- se um complexo QRS. Normalmente a bradicardia sinusal não tem significado patológico quando encontrada em jovens com bom condicionamento físico. Pode também ser vista em outras situações de aumento do tônus vagal como passagem de sonda nasogástrica (SNG), coleta de sangue, após refeições copiosas, bexigoma, vômitos, compressão do seio carotídeo ou situações nas quais há hipertensão intracraniana associada (trauma, tumores, sangramentos, meningites, acidentes vasculares isquêmicos). A bradicardia sinusal pode ser consequência do uso de determinadas drogas como betabloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio, lítio, antiarrítmicos, clonidina e digoxina. DOENÇA DO NÓ SINUSAL A bradicardia é considerada patológica (doença do nó sinusal) quando causa repercussões hemodinâmicas, ou seja, quando a baixa frequência cardíaca impede um aumento necessário do débito cardíaco. Quando presente em idosos, deve chamar a atenção para a possibilidade de doença do nó sinusal (DNS). A DNS normalmente é de etiologia degenerativa e decorrente do comprometimento estrutural do NSA, cujas células sofrem substituição por tecido fibroso e/ou gorduroso. É mais prevalente em mulheres acima dos 60 anos de idade, mas também pode ocorrer esporadicamente em jovens (forma idiopática). Pode ser acompanhada de pausas maiores do que 3s e bloqueio sinoatrial ou alternância com períodos de taquiarritmias supraventriculares Bradicardias Daniela Santos Rocha (síndrome bradi-taqui). O tratamento costuma ser o implante de marca-passo definitivo. A ausência inesperada de uma onda p no ECG deve levantar a suspeita de bloqueio sinoatrial. Nessa situação há atividade do nó sinusal normal, mas esta não consegue atingir o miocárdio atrial. De forma semelhante aos bloqueios atrioventriculares, os bloqueios sinoatriais podem ser classificados em três tipos: • 1º GRAU: há retardo do estímulo sinusal no tecido atrial, mas ele progride (só detectável no estudo eletrofisiológico). • 2º GRAU: 1. Tipo I (Wenckebach sinoatrial): encurtamento gradual do intervalo PP antes da pausa sinusal (só detectável no estudo eletrofisiológico). 2. Tipo II: pausas sinusais súbitas são precedidas por intervalos PP regulares. As falhas são o dobro (ou outros múltiplos) do intervalo PP precedente e é a única BSA de que pode se suspeitar no eletrocardiograma de superfície. • 3º GRAU: bloqueio total da passagem dos estímulos do nó sinusal para o miocárdio atrial. É indistinguível da pausa sinusal (só detectável no estudo eletrofisiológico). BRADICARDIA ATRIAL A bradicardia atrial é semelhante à bradicardia sinusal, mas a orientação da onda P é diferente da sinusal. Normalmente o ritmo atrial ectópico localiza- se próximo do NSA e a diferenciação para uma bradicardia sinusal exige atenção. BRADICARDIA JUNCIONAL Na bradicardia juncional não há visualização de onda P precedendo o QRS ou, se ela ocorre, está localizada retrogradamente. Esse ritmo é originado quando as células do NAV são as de maior automatismo e assumem o ritmo diante de uma disfunção do NSA. BLOQUEIOS ATRIOVENTRICULARES Nos bloqueios atrioventriculares (BAV), a falha de condução ocorre na transição entre átrios e ventrículos. Essa falha pode ser contínua ou intermitente. A relação entre as ondas P (resultantes da despolarização atrial) e o complexo QRS (resultante da despolarização ventricular) é o que determina a classificação do bloqueio. • 1º GRAU: presença de intervalo PR superior a 200 ms. Ocorre um atraso na condução do NAV, mas sem repercussão patológica. • 2º GRAU: 1. Mobitz I: há um aumento progressivo do intervalo PR até que uma onda P não é conduzida por QRS (fenômeno de Weckebach). É um bloqueio “alto” e sua ocorrência não gera repercussões hemodinâmicas. O aumento progressivo do intervalo PR não é uniforme batimento a batimento. De maneira prática, o Mobitz 1 tem intervalo PR que precede a onda P bloqueada maior que o intervalo PR posterior ao bloqueio. 2. Mobitz II: ocorre uma súbita interrupção da condução atrioventricular, a qual não é precedida pelo aumento progressivo do intervalo PR. É considerado um bloqueio “baixo” e pode evoluir para o bloqueio atrioventricular total. É necessário buscar causas reversíveis associadas (isquemia, distúrbio eletrolítico ou uso de medicação cronotrópica negativa). • 3º GRAU: também conhecido por bloqueio atrioventricular total (BAVT), caracteriza-se pela completa dissociação entre a onda P e o QRS. O ritmo de escape ventricular costuma ser em menor frequência do que a frequência das ondas Ps. Os intervalos P-P e R-R são regulares, mas podem ser diferentes e são dessincronizados. (intervalor P-P são regulares entre si) Quanto mais próximo do NAV for o escape ventricular, maior a FC e mais estreito o QRS. Já quando o escape ventricular provém do SHP, a FC será abaixo de 40 bpm e o QRS > 120 ms. O BAVT pode ser congênito, secundário à isquemia, doença valvar, complicação de pós-operatório de cirurgia cardíaca, secundário a miocardiopatias ou doenças neurodegenerativas. Pode haver BAVT mesmo quando não há despolarização atrial (p. ex., na fibrilação atrial). Nesse caso, haverá linha de base isoelétrica (sem ondas P) ou com ondas f de fibrilação atrial e complexos QRS regulares e bradicárdicos (FA com BAVT é um rimo regular). Daniela Santos Rocha A dissociação atrioventricular é diagnósticodiferencial de BAVT. Nessa condição, os átrios e ventrículos atuam independentemente um do outro. Ocorre quando o nó AV ou local mais baixo no sistema de condução assume frequência maior que do NSA. Quando o ritmo atrial é maior que o ritmo ventricular, trata-se de BAVT, e quando o ritmo atrial é inferior ao ritmo ventricular pode-se tratar de dissociação atrioventricular. ACHADOS CLÍNICOS A bradicardia desencadeará sintomas normalmente quando a FC estiver abaixo de 50 bpm. O paciente pode apresentar-se ao pronto-socorro com queixa de confusão mental, síncope, pré-síncope, fraqueza inespecífica, dispneia ou dor torácica. EXAMES COMPLEMENTARES ECG DE 12 DERIVAÇÕES é o exame de maior valia. Rápido, de baixa complexidade e acessível, permite a rápida identificação de um BAV avançado e possibilita o início de seu tratamento. • Bradicardias estáveis encaminhadas para avaliação cardiológica ambulatorial podem requerer avaliação complementar através de outros exames como Holter, monitor de eventos, teste de ergométrico, tilt-test e até mesmo estudo eletrofisiológico. ELETRÓLITOS, HEMOGLOBINA/HEMATÓCRITO, FUNÇÃO RENAL, GASOMETRIA, TROPONINA, FUNÇÃO TIREOIDIANA, ECOCARDIOGRAMA E DOSAGEM DE ANTIARRÍTMICOS, conforme a suspeita clínica. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL BRADICARDIA DO ATLETA Atletas com bom condicionamento físico podem apresentar bradicardia. A bradicardia mais comum nesse grupo é a bradicardia sinusal, mas arritmia sinusal, marca-passo atrial mutável, pausas sinusais, BAV de 1º grau e até BAV de 2º grau são descritos em maior frequência nesse grupo de pessoas. Deve-se partir para a investigação de diagnósticos diferenciais e investigação detalhada apenas quando há presença de sintomas associados (p. ex., síncope, pré-síncopes e tonturas). MEDICAMENTOS Diversos medicamentos podem causar bradicardias: Daniela Santos Rocha • Betabloqueadores. • Bloqueadores de canais de cálcio (diltiazem, verapamil). • Digoxina. • Antiarrítmicos (amiodarona, propafenona, procainamida). • Antidepressivos tricíclicos. • Lítio. DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS A bradicardia pode ser consequência de distúrbios eletrolíticos. Hipercalemia e hipercalcemia quando acentuadas podem levar a esse quadro. Nesses casos, além da correção do distúrbio hidroeletrolítico de base, aconselha-se também a correção de eventual hipomagnesemia associada, pois se trata de um íon essencial para a manutenção da estabilidade da membrana miocárdica. HIPOXEMIA Trata-se de uma causa comum de bradicardia. Nesse caso, o objetivo do tratamento deve ser a correção da insuficiência respiratória. HIPERTENSÃO INTRACRANIANA Pacientes com hipertensão intracraniana rapidamente progressiva podem evoluir com síndrome de Cushing, que consiste em bradicardia, hipertensão e arritmia respiratória. A bradicardia costuma ser sinusal e nesse caso serve de alerta para aumento importante da pressão intracraniana de pacientes com substrato para tal (hemorragia subaracnóidea, acidente vascular encefálico, trauma, tumor do sistema nervoso central [SNC], meningite etc.). REFLEXO VAGAL Situações que cursam com aumento do tônus vagal podem associar-se com bradicardia, por exemplo no pós-prandial de refeições copiosas, durante o sono, durante a passagem de sonda nasogástrica, vômitos, tosse intensa ou em situações consideradas estressantes para o indivíduo. Pode estar associado ou não à ocorrência de síncope vaso-vagal. Compressão extrínseca do seio carotídeo em alguns indivíduos com hipersensibilidade do seio carotídeo (HSC), acidental ou provocada, também pode associar-se à ocorrência de bradicardia. A HSC ocorre predominantemente em indivíduos com mais de 50 anos de idade. ISQUEMIA MIOCÁRDICA O infarto de parede inferior com acometimento de coronária direita pode gerar bradicardia por isquemia do sistema de condução, situação revertida espontaneamente em até 90% dos casos em até 15 dias após o evento. Também pode estar presente nos infartos de parede anterior extensa, mas nesse caso ocorre devido ao acometimento miocárdico extenso. LESÃO MECÂNICA DO SISTEMA DE CONDUÇÃO Em caso de lesão mecânica das fibras do NSA e NAV, assume o ritmo mais baixo e não raro a consequência é o BAVT. Pode ocorrer após cirurgias cardíacas, implante de valva aórtica transcateter (do tipo autoexpansíveis), ablação em estudo eletrofisiológico ou endocardite infecciosa com formação de abscesso perivalvar. DOENÇAS DEGENERATIVAS DO SISTEMA DE CONDUÇÃO Acometem principalmente idosos, normalmente mulheres acima dos 65 anos, e constituem-se na fibrose e/ou substituição por células gordurosas de parte dos miócitos do sistema de condução. Essa condição geralmente evolui com doença do nó sinusal e o tratamento definitivo será o implante de marca- passo cardíaco. TRATAMENTO Bradicardias estáveis Quando a bradicardia não gera repercussões hemodinâmicas e não há necessidade de aumento imediato da FC, é preciso avaliar se o bloqueio é avançado ou não. • BAV de 2º grau Mobitz II e BAVT necessitam de internação hospitalar em ambiente com monitorização cardíaca e avaliação do cardiologista. Daniela Santos Rocha 1. A passagem de marca-passo transvenoso deve ser considerada para pacientes com frequência de escape ventricular < 30bpm e QRS > 120 ms e naqueles com sintomas secundários à bradicardia. 2. Nessa situação, a atropina pode ser utilizada não com o intuito de estabilização hemodinâmica do paciente, mas com o propósito de elucidação diagnóstica da capacidade de resposta cronotrópica do paciente. Nesse teste aplica-se atropina na dose de 0,04 mg/kg em bolus (não se ultrapassando a dose máxima de 2 mg). 2.1 POSITIVO: quando há reversão da bradicardia, mesmo que não duradoura, e indica efeito supranodal e nodal, possivelmente medicamentoso. • SBRADICARDIAS FOREM INFRANODAIS (BAV de segundo grau tipo II, total ou avançado), mesmo que o quadro seja estável no momento, podem degenerar. Deve haver um balizamento de cada situação que inclui características do paciente (idade e comorbidades), possibilidade técnica de realização da passagem de marca-passo transvenoso, risco do paciente (ritmos mais bradicárdicos, limitação do débito cardíaco pela frequência cardíaca) e possibilidade de transporte para centro/leito com mais recursos. Dependendo de cada situação, pode- se escolher pela colocação de um marca-passo transvenoso preventivo ou aguardar a transferência. Bradicardias instáveis Nessa situação, deve-se assegurar que o ritmo do paciente seja a causa da instabilidade. • Estabilização do paciente: suporte de via aérea e MOV. • A avaliação do nível de consciência deve ser constante. • ECG: Assim que possível. • Exames gerais devem ser coletados e outros de acordo com a história clínica (marcadores de necrose miocárdica, eletrólitos, função renal, gasometria arterial, hemograma, perfil toxicológico, função tireoidiana, dosagem de digoxina etc.). A instabilidade é definida como rebaixamento de nível de consciência, angina, hipotensão, síncope ou sinais de choque→ PROVIDENCIAR-SE O MARCA- PASSO TRANSCUTÂNEO (MCP TC) ou ATROPINA ou DROGA EM BOMBA DE INFUSÃO CONTÍNUA QUE PODERÁ SER ADRENALINA OU DOPAMINA Logo após a instalação do marca-passo transcutâneo, deve-se providenciar a passagem do marca-passo transvenoso (MCP TV). Atropina É a primeira droga a ser administrada nos quadros instáveis e deve ser feita na dose de 1,0 mg IV, repetida a cada 3 a 5 minutos até que se atinja a dose total de 3 mg. Importante lembrar que quadros de BAV avançado em geral não respondem à atropina. Daniela Santos Rocha *atropina 1mg bolus. Cálcio Na suspeita de intoxicação por bloqueador de canal de cálcio, o cálcio EV éindicado. Opções são: • Gluconato de cálcio 10% 3 a 6 g a cada 10-20 minutos ou infusão contínua de 0,6-1,2 mg/kg/h; • Cloreto de cálcio 1-2 g a cada 10-20 minutos ou infusão contínua de 0,2-0,4 mg/kg/h. Glucagon Na suspeita de intoxicação por betabloqueador, o glucagon EV é indicado. A dose é de 3-10 mg EV com infusão de 3-5 mg/h. Anticorpo antidigoxina Na suspeita de intoxicação por digitálico, indica-se o fragmento de anticorpo antidigoxina. A dosagem é de acordo com a digoxinemia ou quantidade ingerida. Uma ampola neutraliza 0,5 mg de diogxina. Deve ser administrado em pelo menos 30 minutos e pode ser repetido. Aminofilina Pacientes com infarto agudo do miocárdio que não estão instáveis ou têm sintomas graves com bloqueio atrioventricular de segundo ou terceiro grau têm indicação de aminofilina. A dose é de 250 mg EV em bolus. Insulina em alta dose Bolus de 1 U/kg seguido de infusão de 0,5 U/kg/h. Importante infundir glicose e potássio. Adrenalina Tem ação nos receptores alfa e beta-adrenérgicos e assim tem potência superior à dopamina para elevar a FC. Deve ser usada na dose de 2 a 10 μg/min. Dopamina Aumenta a frequência cardíaca graças à sua ação agonista em receptores β1-adrenérgico. Deve ser usada na dose de 2 a 20 μg/kg/min.
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