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GESTÃO DA QUALIDADE AULA 1 Profª Dayse Mendes 2 CONVERSA INICIAL Para compreender como gerenciar a qualidade de um produto, é necessário primeiro entender o que é qualidade, em especial porque essa palavra traz em si um universo de situações distintas. Por isso, nesta aula, você vai observar que existem várias formas de se compreender o que é qualidade e que todas essas formas são corretas. Para tanto, você será apresentado ao conceito, desenvolvido por Garvin, de dimensões da qualidade. Esse conceito mostra que é possível entender qualidade com base em oito particularidades distintas, que são: desempenho, características, confiabilidade, conformidade, durabilidade, serviço, estética e qualidade percebida. Cada uma dessas dimensões está relacionada a entendimentos de áreas de conhecimento distintas que trabalham com a ideia de qualidade, dentre as quais a gestão das operações e dos processos organizacionais, em especial os de produção; o marketing, tanto no desenvolvimento de produtos, como na percepção do cliente sobre o produto final; a economia, nas questões de valor para o cliente e de maximização de lucros para as empresas; assim como a filosofia, na construção de um conceito de qualidade. Assim, desempenho significa o comportamento do produto enquanto está sendo usado; características são elementos componentes do produto que o diferenciam de outros produtos similares no mercado; confiabilidade diz respeito à probabilidade de um produto funcionar mal ou não funcionar num determinado período de tempo; conformidade reflete o quanto um produto é produzido de acordo com os padrões estabelecidos em seu projeto; durabilidade relaciona-se ao ciclo de vida do produto e quanto tempo ele pode ser utilizado com o desempenho inicial; serviço está relacionado à velocidade, à competência e à cortesia com que um produto, caso apresente alguma falha ou defeito, é reparado; estética demonstra o quanto um produto pode provocar uma reação inicial positiva ou negativa em seus possíveis consumidores, de acordo com as sensações que ele gera na pessoa; e qualidade percebida reflete a imagem que o produto tem no mercado. Se o produto tem uma boa imagem no mercado, as pessoas acreditam que ele tenha boa qualidade. Ao reconhecer cada uma dessas dimensões, será mais fácil estabelecer formas de gerir cada um desses aspectos distintos e, dessa forma, proporcionar o maior número de aspectos de qualidade possível em uma empresa e em um 3 produto. Vale lembrar que sempre que você ler a palavra produto, deve entender que é um sinônimo de bem e/ou serviço! Quando falamos a palavra qualidade, ela nos remete a uma série de imagens e compreensões distintas. Há muitas e muitas formas de se compreender qualidade e cada um de nós imagina algo diferente quando essa palavra é comentada. Ela pode ser caracterizada como a conformidade de um produto, a adequação de um processo produtivo, a padronização de um sistema, uma filosofia que perpassa a empresa como um todo. Há uma obsessão em relação ao tema, seja na literatura técnica, seja no dia a dia das organizações, mas não necessariamente um consenso acerca do que realmente seja ou de como tratar esse tema nas empresas. Em um texto clássico de Garvin (1984) sobre o assunto, o autor comenta que estudiosos de diferentes disciplinas (como filosofia, economia, marketing e gerenciamento de operações) entenderam a questão cada um sob um ponto de vista diferente. Garvin (1984) explica que o grupo da filosofia se concentrou em definir um conceito acerca de qualidade. O grupo da economia buscou compreender o impacto da qualidade na maximização de lucros e no equilíbrio de mercado; o grupo do marketing analisou o comportamento de compra e satisfação do cliente quanto à qualidade; e o grupo de gerenciamento de operações preocupou-se com práticas de engenharia e controle de fabricação que levem à qualidade de produto. De acordo com Garvin (1984, p. 25), “o resultado foi uma série de perspectivas concorrentes, cada uma baseada em uma estrutura analítica diferente e cada uma empregando sua própria terminologia”, levando a abordagens distintas acerca do conceito do que seja qualidade. Além disso, a qualidade em si não é algo que se identifique espontaneamente ou que se possa observar de forma direta, apesar de ser um atributo das coisas ou das pessoas que possuem essa qualidade. Para Toledo et al. (2014, p. 1), o “que é identificável e observável diretamente são as características das coisas ou pessoas”. Dessa forma, a qualidade se torna visível pela característica observada, e isso pode trazer um grau grande de subjetividade ao que se entende por qualidade, já que cada pessoa pode estar falando de coisas diferentes. O emprego genérico da palavra qualidade para representar coisas distintas deve-se a que, geralmente, o usuário da expressão não explicita a que aspecto se refere o atributo qualidade. Por exemplo, é comum usar-se o termo indistintamente para se referir a produtos, 4 processos, sistemas e gerenciamento sem que isso fique explícito. Assim, a qualidade torna-se uma palavra “guarda-chuva”, que abriga e se confunde com outros conceitos como produtividade, eficácia e eficiência. (Toledo et al., 2014, p. 2) TEMA 1 – O QUE É QUALIDADE? Não se deve pensar nessas formas distintas de enxergar a qualidade como concorrentes, ou que só exista uma forma correta de entendimento do que seja qualidade. No entanto, também é necessário observar que o processo de harmonizar todos esses conceitos não é simples, visto que há conflitos entre eles na medida em que ter um processo produtivo conforme não é sinônimo de atender às expectativas do cliente, por exemplo. Para Toledo et al. (2014, p. 2), os autores que tratam do tema gestão da qualidade têm dificuldade em definir um conceito preciso do que seja qualidade já que um produto pode apresentar as mais diversas formas de qualidade para diferentes pessoas e em diferentes situações. Assim, “um consumidor, um produtor, uma associação de classe ou uma entidade governamental normativa ou reguladora” terão diferentes formas de enxergar o atributo de qualidade para um único e mesmo produto. Os autores também ressaltam que “cada área funcional de uma empresa, seja marketing, desenvolvimento de produto, engenharia de processos, suprimentos, fabricação ou assistência técnica” terá um entendimento diferente do que é qualidade. Nesse sentido, buscar “uma definição única que dê conta de todos esses pontos de vista [...] acaba tornando o conceito da qualidade excessivamente abrangente e analiticamente muito heterogêneo e, portanto, um conceito de pouca aplicação operacional”, o que o tornaria desinteressante para o uso em engenharia (Toledo et al., 2014, p. 2). Como não há uma única definição e nem um único entendimento sobre o uso da qualidade, Garvin (1984) propõe que existem cinco abordagens principais que devem ser consideradas quando se busca identificar a qualidade, de acordo com o entendimento da filosofia, da economia, do marketing e do gerenciamento de operações. Garvin (1984) as denomina de abordagem transcendental, ligada à filosofia; abordagem centrada no produto, ligada ao entendimento econômico; abordagem centrada na fabricação e abordagem centrada no valor, vinculadas ao gerenciamento de operações; e abordagem centrada no usuário, relacionada à economia, ao marketing e ao gerenciamento de operações. 5 Como abordagem transcendental, a qualidade é uma propriedade que se reconhece pela experiência. Assim, de acordo com essa abordagem, “qualidade só pode ser percebida após a exposição de uma sucessão de objetos” com essa característica única, reconhecida somente com a experiência da pessoa em relação ao produto. A abordagem centrada no produto, por sua vez, diz que“a qualidade é uma variável precisa e mensurável”, relacionada aos atributos de um produto. Assim, associa-se a ideia de que qualidade diz respeito a apresentar uma grande quantidade de atributos mensuráveis. Quanto mais atributos, maior a qualidade (Queiroz, 1995, p. 13-14). A abordagem centrada na fabricação diz respeito à conformidade que os produtos apresentam em relação aos requisitos e às especificações estabelecidas quando o produto foi projetado. Nesse sentido, essa abordagem tem foco em conceitos de engenharia, já que somente ao atender às especificações se pode considerar o produto como de excelência. Já a abordagem centrada no valor trata a qualidade como função do nível de conformidade do produto em relação a um custo aceitável, vinculando então requisitos operacionais com as necessidades do consumidor. Finalmente a abordagem centrada no usuário traz a noção de que a qualidade é definida pelo atendimento às preferências do consumidor. Dessa forma, um produto de qualidade é aquele que apresenta adequação ao uso (Queiroz, 1995, p. 14-16). Como a qualidade se apresenta como um conceito complexo e multifacetado, é necessário buscar compreender cada uma dessas facetas, para que não se gere maiores dificuldades na hora de aplicar o termo certo. Nesse sentido, Garvin (1984) propõe analisar detalhes de cada uma dessas facetas, trazendo então a ideia de oito dimensões da qualidade. Segundo esse autor, todas as oito principais dimensões da qualidade, em conjunto, abrangem uma vasta gama de conceitos. Dentre essas dimensões, encontram-se o desempenho (performance), as características (features), a confiabilidade (reliability), a conformidade (conformance), a durabilidade (durability), o serviço (serviceability), a estética (aesthetics), e a qualidade percebida (perceived quality). 6 Figura 1 – Dimensões da qualidade Fonte: Garvin, 1994 Garvin (1984, p. 33) comenta que uma vez que, ao desmembrar o conceito de qualidade e considerar separadamente cada dimensão, as fontes de discordância e de conflito se esclarecem, o gerenciamento da qualidade pode acontecer com eficácia e efetividade, pois: A diversidade desses conceitos ajuda a explicar as diferenças entre as cinco abordagens tradicionais da qualidade. Cada uma das abordagens concentra-se implicitamente em uma dimensão diferente da qualidade: a abordagem centrada no produto concentra-se no desempenho, recursos e durabilidade; a abordagem centrada no usuário se concentra na estética e na qualidade percebida; e a abordagem centrada na fabricação se concentra na conformidade e confiabilidade. Ao conhecer cada uma dessas dimensões e as abordagens às quais estão relacionadas, o gestor da qualidade pode tomar decisões mais assertivas e garantir uma maior vantagem competitiva para a organização na qual estão sendo aplicados esses conceitos. Também é possível utilizar esse conhecimento para fins estratégicos. Planejar o uso de um conjunto de dimensões em um produto pode trazer a percepção no mercado de que ele apresenta qualidade superior, por exemplo. Ou escolher algumas das dimensões pode fazer com que o produto atinja um determinado nicho de mercado com melhores resultados para a empresa. Mas Garvin (2002) alerta é quase impossível competir por meio de qualidade com as oito dimensões ao mesmo tempo pois existem restrições e trade-offs entre elas. 7 TEMA 2 – AS DIMENSÕES DESEMPENHO E CARACTERÍSTICA A primeira dimensão da qualidade apresentada por Garvin (1984) é o desempenho, em especial porque essa dimensão é a que define a qualidade como a característica operacional primária de um produto, ou seja, é umas das primeiras observações que se faz quando se tenta classificar um produto como tendo qualidade ou não. Desempenho pode ser entendido, então, como o comportamento do produto quando está em uso e se esse comportamento é o esperado em relação àquele produto. Nesse sentido, essa dimensão, caracteristicamente, envolve valores quantitativos, que podem ser mensurados tanto durante a manufatura do produto quanto, a posteriori, pelo comprador ou usuário do mesmo produto. Figura 2 – Desempenho Fonte: Zety Akhzar/Shutterstock. Um exemplo clássico dessa dimensão é dado quando falamos sobre programas ou revistas de automóveis. Normalmente é apresentado nesse tipo de mídia características como velocidade máxima e tempo de aceleração como fatores que distinguem um bom desempenho de um mau desempenho do veículo, assim como se fazem comparações entre o desempenho de automóveis com características semelhantes, mas de fabricantes distintos. 8 Já num restaurante fast-food, o desempenho poderia ser entendido, por exemplo, como rapidez no atendimento. Vide a situação de uma famosa franquia de fast-food que algum tempo atrás exibia uma promoção em que o cliente tinha o direito de acionar um cronômetro de 60 segundos logo após finalizar sua compra. Se o pedido não fosse entregue dentro do prazo, o cliente ganhava um vale sanduíche. Assim, a franquia podia demonstrar sua qualidade de atendimento por meio de seu desempenho de atendimento. Ou seja, essa é uma dimensão da qualidade que pode levar à análise de características muito distintas, dependendo do produto que se está observando e das preferências de quem o está usando, combinando assim elementos das abordagens do produto e do usuário. Conforme Garvin (1987), apesar das preferências serem normalmente subjetivas, elas também podem apresentar tendências universais, fazendo com que o desempenho possa ser medido por meio de padrões mais objetivos. O autor lembra que essas preferências não estão relacionadas a gosto, mas sim a requisitos funcionais e exemplifica essa ideia dizendo que a “quietude do passeio de um automóvel é geralmente vista como um reflexo direto de sua qualidade [pois] quem quer um carro barulhento”? Detalhando mais esse conceito, Garvin (1984) diz que os atributos mensuráveis do produto estão envolvidos no desempenho, e as marcas geralmente podem ser classificadas objetivamente em pelo menos uma dimensão de desempenho, mas que a conexão entre esse desempenho e a qualidade do produto é mais difícil de estabelecer, pois se as diferenças de desempenho são percebidas como diferenças de qualidade, isso normalmente depende das preferências individuais. Os usuários normalmente têm uma ampla gama de interesses e necessidades. É provável que cada um iguale qualidade a alto desempenho em sua área de interesse imediato. A conexão entre desempenho e qualidade também é afetada pela semântica. Entre as palavras que descrevem o desempenho do produto estão os termos frequentemente associados à qualidade, bem como os termos que falham em manter a associação. Por exemplo, uma lâmpada de 100 watts fornece maior potência (desempenho) do que uma lâmpada de 50 watts, mas poucos consumidores considerariam essa diferença como uma medida de qualidade. Os produtos simplesmente pertencem a diferentes classes de desempenho. Nesses termos, o desempenho de um produto corresponderia às suas características objetivas, 9 enquanto a relação entre desempenho e qualidade refletiria reações individuais (Garvin, 1984). Figura 3 – Classes diferentes de desempenho Fonte: Dilok Klaisataporn/Shutterstock. Uma segunda dimensão da qualidade de um produto, apresentada por Garvin (1987), é a característica. Essa dimensão diz respeito àquilo que diferencia um produto qualquer de seus concorrentes, estando intimamente ligada com a dimensão desempenho. Garvin (1987) associa essa dimensão à ideia de recursos que o produto apresenta, como uma espécie de características secundárias que, embora não totalmente necessárias para o bom desempenho do produto, agregam valor e complementam o seu funcionamento básico, ou seja, nesses produtos há a oferta de algo a maisque o cliente valoriza. Entretanto não atendê-los é motivo para não escolha ou reclamação. Podemos observar que em muitas situações fica difícil diferenciar as características primárias do produto, ou seja, seu desempenho, das características secundárias. Recursos, como desempenho do produto, envolvem atributos objetivos e mensuráveis; sua tradução em diferenças de qualidade é igualmente afetada pelas preferências individuais. Dessa forma, é possível fazer uma distinção entre os dois conceitos, principalmente pelo grau de importância que é dado a esse elemento do produto pelo usuário. No entanto, possibilitar o acesso às características sem elevar consideravelmente os custos do produto exige novas estratégias dos gerentes operacionais. Conforme Garvin (1987), as características são um aspecto da 10 qualidade que cresce em importância com o aperfeiçoamento e a maior utilização de tecnologia de fabricação flexível. Figura 4 – Característica Fonte: Vector Shutterstock/Shutterstock. Como exemplos, pense num relógio de pulso que, além de mostrar as horas, inclui as funções de contagem de passos ou medição do batimento cardíaco; ou o oferecimento de uma sobremesa gratuita em um restaurante no dia do seu aniversário. TEMA 3 – AS DIMENSÕES CONFIABILIDADE E CONFORMIDADE A confiabilidade é mais uma das dimensões de análise da qualidade de um produto e reflete a probabilidade de esse produto funcionar mal ou parar de funcionar dentro de um determinado horizonte de tempo, especificado quando de sua venda. Assim, em seu sentido amplo, a confiabilidade está relacionada à operação bem-sucedida do produto ao longo do tempo e é um indicador de qualidade vinculado ao tempo (Machado; Andrade, 2013). Essa é uma dimensão importante para o consumidor, na medida em que quanto menos confiável é o produto, mais crescem seus custos de manutenção e maior pode ser seu tempo de inatividade. Garvin (1987) exemplifica essa dimensão comentando sobre a sensibilidade de agricultores ao aspecto da inatividade, durante a temporada de colheita, já que equipamentos confiáveis durante esse período podem significar a diferença entre um bom ano ou a perda 11 daquilo que foi cultivado. Assim, ter equipamentos confiáveis é fundamental para o sucesso do empreendimento desse agricultor. Sabendo-se o nível de confiabilidade dos produtos, é possível determinar se as expectativas dos clientes quanto a um produto serão atingidas, bem como o nível de qualidade dele, antes mesmo do uso do produto pelo consumidor. Isso é possível, já que se pode estimar a confiabilidade de um produto em suas as etapas de desenvolvimento. No entanto, esse não é um procedimento simples, já que há dificuldade em se coletarem dados desse tipo durante o desenvolvimento do produto. Nesse sentido, Droguett e Mosleh (2006, p. 57) sugerem a busca de “fontes de informação alternativas, tais como teste de vida acelerados e opiniões de especialistas, quando da avaliação de confiabilidade de um produto”. Figura 5 – Confiabilidade Fonte: N. D. Fernandez/Shutterstock. Entre as medidas mais comuns de confiabilidade estão o tempo médio para a primeira falha, o tempo médio entre falhas e a taxa de falhas por unidade de tempo. Como essas medidas exigem que um produto esteja em uso por algum tempo, são mais relevantes para bens duráveis do que para bens e serviços consumidos instantaneamente (Garvin, 1984). A quarta dimensão, a conformidade, reflete a visão mais tradicional da qualidade, ou seja, reflete o quanto um produto é produzido de acordo com os padrões estabelecidos em seu projeto. Assim, o produto deve atender tanto às dimensões nominais preestabelecidas quanto às características de operação determinadas no produto. Por causa dessas características, é uma dimensão 12 facilmente compreendida por engenheiros, técnicos e operários, “pois está associada à uniformidade de produção e controle da variabilidade” (Queiroz, 1995, p. 30). Qualquer bem ou serviço envolve a criação de especificações de algum tipo. Nesse sentido, quando novos projetos de produto são desenvolvidos, as dimensões são definidas para os padrões de peças e adequação dos materiais a serem utilizados em sua fabricação. Essas especificações são normalmente expressas junto a tolerâncias, ou seja, é possível haver desvio dentro de um determinado intervalo, que também é especificado no projeto. De acordo com (Garvin, 1987), “como essa abordagem de conformidade equivale a boa qualidade à operação dentro de uma faixa de tolerância, há pouco interesse em saber se as especificações foram atendidas exatamente. Na maior parte, a dispersão dentro dos limites de especificação é ignorada”. Figura 6 – Conformidade Fonte: Flywish/Shutterstock. Na análise da conformidade, tanto elementos internos quanto elementos externos à organização estão envolvidos. Para Garvin (1984), dentro da fábrica, a conformidade é geralmente medida pela incidência de defeitos; a proporção de todas as unidades que não atendem às especificações e, portanto, requerem retrabalho ou reparo. No campo, os dados sobre conformidade geralmente são difíceis de obter. Duas medidas comuns para auxiliar nessa obtenção de dados externa são a incidência de chamadas de serviço para um produto e a frequência de reparos sob garantia. Essas medidas, embora sugestivas, negligenciam outros desvios do padrão, como etiquetas com erros ortográficos ou construção de má qualidade, que não levam a serviços 13 ou reparos. Medidas de conformidade mais abrangentes são necessárias para que esses itens sejam gerenciados. A conformidade é uma dimensão da qualidade que se relaciona fortemente com normalização, padronização e sistemas de gestão da qualidade, incluindo normas como a família ISO 9000, conhecida da maioria das pessoas que trabalham nessa área. Essa dimensão evoluiu ao longo do tempo de tal modo que, atualmente, é tida como um fator de competitividade para empresas e um poder regulatório para o Estado. Essa é, portanto, uma dimensão que se disseminou tanto em setores privados como públicos. Assim, cabe às organizações projetar internamente uma avaliação da conformidade que, conforme Inmetro (S.d., p. 8), pode ser definida como um “exame sistemático do grau de atendimento por parte de um produto, processo ou serviço a requisitos especificados”. É interessante observar que tanto a dimensão confiabilidade quanto a dimensão conformidade estão diretamente relacionadas à abordagem de qualidade baseada em fabricação. Melhorias realizadas em ambas as dimensões normalmente se traduzem em ganhos diretos de qualidade, porque defeitos e falhas de campo são considerados indesejáveis por praticamente todos os consumidores. Garvin (1984) conclui que “São, portanto, medidas de qualidade relativamente objetivas e têm menor probabilidade de refletir preferências individuais do que as classificações baseadas no desempenho ou nos recursos”. Essas dimensões acabam, portanto, por serem mais reconhecidas dentro de um processo produtivo e são mais concretas em se tratando de seu controle. TEMA 4 – AS DIMENSÕES DURABILIDADE E SERVIÇO A quinta dimensão é a durabilidade, que consiste numa medida do ciclo de vida de um produto, analisada tanto pelos seus aspectos técnicos quanto econômicos e tem uma forte ligação com a dimensão confiabilidade. Pode-se entender o ciclo de vida de um produto como os vários diferentes estágios que acontecem ao longo do tempo, de acordo com o comportamento econômico desse produto. Assim, uma análise de ciclo de vida pode servir como um instrumento que mostra o comportamento das vendas e dos lucros em função da idade econômica do produto. De acordo com Kotler e Armstrong (2015, p. 14 298), os quatro principais estágios do ciclo de vida do produto são denominados de introdução, crescimento, maturidadee declínio. Figura 7 – Ciclo de vida de um produto Fonte: Kotler; Armstrong, 2015, p. 298. A durabilidade, como aspecto técnico, está relacionada à vida útil do produto, ou seja, à quantidade de uso que se obtém de um produto antes que ele se deteriore fisicamente. Para Garvin (1984), uma lâmpada fornece o exemplo perfeito dessa situação: após uma determinada quantidade de horas de uso, o filamento queima, e a lâmpada deve ser substituída, pois o reparo é economicamente pouco interessante. Reparar é praticamente impossível. Assim, a durabilidade se torna a quantidade de uso que se obtém de um produto antes de quebrar, e a substituição é considerada preferível ao reparo contínuo. Já em seu aspecto econômico, a durabilidade diz respeito à situação em que é possível reparar o produto. Nesse sentido, a durabilidade se torna mais difícil de interpretar, pois o conceito assume uma dimensão adicional, já que a vida útil do produto varia com as mudanças nas condições econômicas. Os consumidores são confrontados com uma série de opções: cada vez que um produto falha, eles devem pesar o custo esperado e a inconveniência pessoal, de reparos futuros contra as despesas de investimento e operação de um modelo mais novo e mais confiável. Nessas circunstâncias, a vida de um produto é determinada por custos de reparo, avaliações pessoais de tempo e inconveniência, perdas devido a tempo de inatividade, preços relativos e outras variáveis econômicas, tanto quanto pela qualidade dos componentes ou materiais (Garvin, 1984). 15 Figura 8 – Durabilidade Fonte: Visual Generation/Shutterstock. Essa abordagem da durabilidade tem duas implicações importantes. Primeiro, sugere que durabilidade e confiabilidade estão intimamente ligadas. É provável que um produto que falhe com frequência seja descartado antes do que aquele que é mais confiável, visto que os custos de reparo serão mais altos e a compra de um novo modelo parecerá mais interessante. Segundo, essa abordagem sugere que os valores de durabilidade devem ser interpretados com cuidado. Um aumento ou redução na vida útil de um produto pode não ser devido a questões técnicas ou ao uso de materiais com mais ou com menos vida útil. O ambiente econômico no qual o produto está inserido pode simplesmente ter mudado, resultando no oferecimento pela indústria de produtos com maior ou menor vida útil. Uma maior durabilidade também pode ser resultado de um cuidado maior do usuário ao utilizar o produto. O serviço, a sexta dimensão, está relacionado à velocidade, à competência e à cortesia com que um produto, caso apresente alguma anomalia, é reparado. Normalmente, conhecemos essa ideia como a de serviço de pós- venda. Nessa situação, os consumidores estão preocupados não apenas com a quebra de um produto, mas também com o tempo decorrido antes da restauração do serviço, com a pontualidade com que os compromissos de serviço são mantidos, com a natureza de suas negociações com o pessoal de serviço e com a frequência com que as chamadas ou reparos de serviço falham. 16 Figura 9 – Serviço Fonte: Blocberry/Shutterstock. Segundo (Garvin, 1987), “Nos casos em que os problemas não são resolvidos imediatamente e as reclamações são registradas, os procedimentos de tratamento de reclamações da empresa também provavelmente afetarão a avaliação final dos clientes” acerca da qualidade do produto, determinando uma sensação de falta de qualidade, não pelas demais dimensões de qualidade do produto, mas pela falta de atendimento adequado. Algumas dessas variáveis relativas à dimensão serviço podem ser medidas objetivamente; outras refletem diferentes padrões pessoais do que se entende por um serviço aceitável. A capacidade de resposta, por exemplo, é normalmente medida pelo tempo médio gasto de reparo em um produto, enquanto a competência técnica se reflete na quantidade de vezes que chamadas de serviço são necessárias para corrigir um mesmo defeito. Como a maioria dos consumidores compara reparos mais rápidos e tempo de inatividade reduzido com maior qualidade, esses elementos de manutenção estão menos sujeitos à interpretação pessoal do que aqueles que envolvem avaliações de cortesia ou padrões de comportamento profissional. Por outro lado, de acordo com Queiroz (1995), há empresas que se especializam nessa dimensão da qualidade, refletindo que o processo de produção não termina com a venda do produto ao cliente e acabam por ser reconhecidas pela sua excelência nos serviços prestados. 17 TEMA 5 – AS DIMENSÕES ESTÉTICA E QUALIDADE PERCEBIDA A estética é uma dimensão bastante subjetiva, refletindo o quanto um produto pode provocar uma reação inicial positiva ou negativa no mercado a que se destina. Nesse caso, essa é uma dimensão totalmente baseada nas sensações que o produto provoca no consumidor. Então, é necessário observar que o termo estética não está sendo usado da mesma forma que o senso comum entende beleza; ele é mais amplo. Apesar de a dimensão estar relacionada a expectativas subjetivas, na medida em que se baseiam em percepções pessoais e individuais, pode se tornar decisiva para o processo de aquisição do produto pelo consumidor. De acordo com Garvin (1987), a estética do produto, em seus quesitos aparência, som, sabor, entre outras sensações, é claramente uma questão de julgamento pessoal e reflexo das preferências individuais. Observa-se o uso desse conceito pelos profissionais de marketing, com a ideia de “pontos ideais – aquelas combinações de atributos do produto que melhor atendem às preferências de um consumidor específico” e que foi originalmente desenvolvida para trabalhar especificamente com essa dimensão da qualidade. Podemos compreender que as escolhas estéticas não são universais, pois as pessoas não têm o mesmo tipo de preferência, nem concordam com o que significa cada sensação que o produto oferece. Para trabalhar com essa dimensão, as empresas precisam procurar um nicho específico de mercado, já que, nessa dimensão da qualidade, é impossível agradar a todos. Um bom exemplo de mercado voltado à dimensão estética é o mercado de objetos de luxo. Como objeto de luxo, pode-se entender, conforme Galhanone (2005, p. 2), aquele produto que é “raro, exclusivo, restrito e, consequentemente, de custo mais elevado” e que, se “for acessível à maioria das pessoas, deixa de ser luxo”. Mas é importante ressaltar que não são só os objetos de luxo que apresentam características da dimensão estética da qualidade. 18 Figura 10 – Estética Fonte: Urbanbuzz/Shutterstock. Dessa forma, o design de um carro esportivo, a maciez de um tapete, o conforto de uma cadeira gamer, o ruído da agulha de uma vitrola no disco de vinil, o cheiro de um alimento, são exemplos de dimensão estética que um produto pode apresentar, já que a estética aqui diz respeito àquilo que pode ser percebido pelos nossos cinco sentidos: visão, tato, audição, paladar ou cheiro. A dimensão qualidade percebida é, também, bastante subjetiva, refletindo a imagem que o produto tem no mercado. Essa imagem é construída por meio de propaganda, dados históricos de desempenho ou de durabilidade, percepção de custo-benefício, status, ou mesmo do nome da marca. Cada um desses aspectos acaba por ser critérios de decisão na aquisição de um produto e na crença de sua qualidade. Nessa circunstância, as inferências sobre a qualidade são tão importantes quanto a própria realidade. A inferência pode ser entendida como um processo cognitivo por meio do qual uma assertiva é feita a respeito de algo desconhecido, tendo como base uma observação. No dia a dia, é possível, por exemplo, inferir a riqueza de uma pessoa pela observação do seu modo de vida, a gravidade de um acidente de trânsito pelo estado dos veículos envolvidos e o sabor de um alimentopelo seu aroma. A inferência revela-se como uma conclusão de um raciocínio, uma expectativa, fundamentada em um indício, uma circunstância ou uma pista. Assim, fundamentando-se em uma observação ou em uma proposição são estabelecidas algumas relações – evidentes ou prováveis – e chega-se a uma conclusão decorrente do que se captou ou julgou. (Dell’Isola, S.d.) Garvin (1984) explica que, como os consumidores nem sempre possuem informações completas sobre os atributos de um produto, eles frequentemente usam de inferência, pois precisam confiar em medidas indiretas ao comparar 19 marcas. Também é normal que o comprador transfira sua experiência com os produtos de uma marca para outros produtos dessa mesma marca. Isso acontece por falta de informação ou simplesmente pela força da impressão existente que a marca possui. Dessa forma, é importante observar que o conceito de qualidade percebida não está relacionado ao de satisfação com o produto, já que, no caso da qualidade percebida, o consumidor pode nem ter utilizado o produto e, mesmo assim, acreditar que ele tem qualidade. Figura 11 – Qualidade percebida Fonte: SN040288/Shutterstock. Como se pode perceber por suas características, essas duas últimas dimensões da qualidade, estética e qualidade percebida, são as mais subjetivas em relação às demais dimensões, já que estão sujeitas à forma como o consumidor, individualmente, se relaciona com o produto. Assim, são dimensões que exigem mais do gestor da qualidade e dificultam a criação de procedimentos de controle internos às organizações. FINALIZANDO Ao longo desta aula, você pôde perceber que o conceito de qualidade é muito mais complexo do que normalmente percebemos. Enquanto você está falando a palavra qualidade com um determinado entendimento, outra pessoa que está ouvindo você pode ter uma percepção completamente diferente do que você estava pensando. Dessa forma, tendo em vista o objetivo da disciplina que 20 é gerir a qualidade de produtos e de processos, foi necessário compreender que essa palavra tem múltiplos entendimentos. Assim, você conheceu o conceito, desenvolvido por Garvin, de dimensões da qualidade. A ideia de dimensões da qualidade ajuda a adentrar esse universo de possibilidades. Em seguida, você estudou oito dimensões distintas da qualidade, que são: desempenho, características, confiabilidade, conformidade, durabilidade, serviço, estética e qualidade percebida e soube que cada uma dessas dimensões está relacionada ao tipo de área de conhecimento em que foi criada e ao tipo de abordagem em que é utilizada. Gestão de operações, marketing, economia e filosofia são áreas de criação mais relevantes. Abordagem transcendental, ligada à filosofia; abordagem centrada no produto, ligada ao entendimento econômico; abordagem centrada na fabricação e a abordagem centrada no valor, vinculadas ao gerenciamento de operações; e abordagem centrada no usuário, relacionada à economia, ao marketing e ao gerenciamento de operações, são os enfoques de utilização. Finalmente, você pôde estudar cada uma das dimensões e observou que desempenho está relacionado ao comportamento do produto ao ser usado; características são elementos componentes do produto que o diferenciam de outros produtos similares no mercado; confiabilidade está vinculada à probabilidade do produto funcionar mal ou não funcionar; conformidade diz respeito à produção de um produto de acordo com padrões estabelecidos; durabilidade relaciona-se ao ciclo de vida do produto e a quanto tempo ele pode ser utilizado; serviço acontece quando um produto apresenta defeito, nesse caso a qualidade está relacionada à velocidade, à competência e à cortesia na repação do produto; estética diz respeito às sensações que um produto causa no consumidor; e qualidade percebida reflete a imagem que o produto tem no mercado. Com esse conhecimento, você poderá gerenciar as várias facetas da qualidade de forma mais assertiva, obtendo melhores resultados tanto no que se refere a produtos quanto a processos. 21 REFERÊNCIAS DELL’ISOLA, R. L. Inferência na leitura. Glossário Ceale, S.d. Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/inferencia- na-leitura>. Acesso em: 17 jul. 2021. DROGUETT, E. L.; MOSLEH, A. Análise bayesiana da confiabilidade de produtos em desenvolvimento. Gestão da Produção, São Carlos, v. 13, n. 1, p. 57-69, abr. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 530X2006000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 jul. 2021. GALHANONE, R. F. O mercado do luxo: aspectos de marketing. In: VIII SEMEAD – SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO DA FEA/USP, Anais..., 2005. Disponível em <http://sistema.semead.com.br/8semead/resultado/trabalhosPDF/329.pdf> Acesso em: 17 jul. 2021. GARVIN, D. A. What does “product quality” really mean? 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Disponível em: 22 <https://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/12543/2/Emprego_da_con fiabilidade_para_o_estabelecimento_de_estrategias_de_manutencao_na_indu stria_metal_mecanica.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2021. QUEIROZ, E. K. R. de. Qualidade segundo Garvin. São Paulo: Annablume, 1995. TOLEDO, J. C. et al. Qualidade: gestão e métodos. Rio de Janeiro: LTC, 2014. CONVERSA INICIAL Para compreender como gerenciar a qualidade de um produto, é necessário primeiro entender o que é qualidade, em especial porque essa palavra traz em si um universo de situações distintas. Por isso, nesta aula, você vai observar que existem várias form... Esse conceito mostra que é possível entender qualidade com base em oito particularidades distintas, que são: desempenho, características, confiabilidade, conformidade, durabilidade, serviço, estética e qualidade percebida. Cada uma dessas dimensões es... Assim, desempenho significa o comportamento do produto enquanto está sendo usado; características são elementos componentes do produto que o diferenciam de outros produtos similares no mercado; confiabilidade diz respeito à probabilidade de um produto... Ao reconhecer cada uma dessas dimensões, será mais fácil estabelecer formas de gerir cada um desses aspectos distintos e, dessa forma, proporcionar o maior número de aspectos de qualidade possível em uma empresa e em um produto. Vale lembrar que sempr... FINALIZANDO Ao longo desta aula, você pôde perceber que o conceito de qualidade é muito mais complexo do que normalmente percebemos. Enquanto você está falando a palavra qualidade com um determinado entendimento, outra pessoa que está ouvindo você pode ter uma pe... Assim, você conheceu o conceito, desenvolvido por Garvin, de dimensões da qualidade. A ideia de dimensões da qualidade ajuda a adentrar esse universo de possibilidades. Em seguida, você estudou oito dimensões distintas da qualidade, que são: desempenh... Gestão de operações, marketing, economia e filosofia são áreas de criação mais relevantes. Abordagemtranscendental, ligada à filosofia; abordagem centrada no produto, ligada ao entendimento econômico; abordagem centrada na fabricação e a abordagem ce... Finalmente, você pôde estudar cada uma das dimensões e observou que desempenho está relacionado ao comportamento do produto ao ser usado; características são elementos componentes do produto que o diferenciam de outros produtos similares no mercado; c... REFERÊNCIAS