Prévia do material em texto
Endocrinologia do eixo somatotrófico Não é somente o eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano que participa do controle da reprodução da fêmea, outros tecidos também podem participar ativamente desse controle, dentre eles o eixo somatotrófico, em que a hipófise por meio de outros hormônios tem participação efetiva no controle reprodutivo. Período de transição: de 21 dias pré-parto até 21 dias pós-parto. Essa fase de transição é quando grande parte dos ajustes hormonais e metabólicos acontecem para atender a demanda de produção de leite que virá após o parto. Esses ajustes hormonais e metabólicos (todo o organismo do animal está trabalhando para atender a produção de leite) são denominados de homeorrese. A homeorrese são ajustes do organismo como um todo, para atender a uma demanda principal, porém de longa duração (diferente da homeostasia que corresponde a ajustes pontuais que ocorrem para atender demandas momentâneas). Corticoides: começam baixos e tem um pico de cortisol no parto (estresse do parto e as alterações para ocorrer a parição) Somatotropina (GH): começa com níveis baixos, começa a subir na última semana do pré-parto, tem um pico no parto, se mantém elevada no pós-parto e depois ocorrem ajustes para o retorno aos menores níveis Prolactina: aumenta Progesterona gestacional: bastante elevada na gestação e cai antes do parto Estrógeno: aumenta antes do parto e diminui após Existe uma relação inversa entre a taxa de concepção (TC) e a produção anual de leite em vacas leiteiras. A produção leiteira aumentou com a seleção e paralelamente houve um decréscimo na fertilidade dos animais. Hipóteses: A seleção genética para maior produção de leite reduziu a fertilidade. Aumentando o número de doses para a concepção o animal leva um maior número de dias para conceber após o parto. Dessa forma, o intervalo de partos aumenta. Ou seja, selecionando animais para maior produção, algo interferiu na fertilidade refletindo em maior número de doses por concepção e, consequentemente, maiores intervalos de partos. Não ocorre somente em holandesas Atualmente: a fertilidade que vinha caindo até 2007 tende a melhorar, provavelmente porque houve mais atenção de usar touros de maior fertilidade, se ajustou mais o manejo reprodutivo, se aumentou o conhecimento de fisiologia e se promoveu a utilização de hormônios para sincronizar e induzir ciclicidade. Hormônios metabólicos e a reprodução Por que ao longo dos anos a fertilidade reduz nas vacas, mas se mantém em novilhas? Devido à relação insulina e GH. O hormônio GH é um maestro no processo de lactação, sendo um hormônio catabólico e fundamental para direcionar o organismo para produzir leite. Já a insulina é um hormônio anabólico. As vacas de maior produção têm maior quantidade de GH, ou seja, o organismo trabalha mais para fazer leite, e o hormônio que rege a lactação fica aumentado enquanto o antagônico mais baixo. Vacas de alta produção tem mais GH (hormônio do crescimento) em relação a insulina. O processo de lactação depende da ação coordenada dos hormônios metabólicos. O GH é produzido na adenohipófise e tem um receptor no fígado (GHr 1A), e agindo nele, leva o fígado a produzir IGF-1 e sua proteína de ligação (para viajar na corrente sanguínea), importante para o folículo e também para outros tecidos. O pico de GH no momento do parto age prioritariamente no fígado. Em condições normais, quando o cérebro aumenta a produção de GH ou esse hormônio é injetado, sempre que o organismo tiver mais GH circulante, ele age no organismo como um todo (ovários, musculo, tecido adiposo e no fígado por excelência para produzir IGF-1). O IGF-1, em teoria, promove maior saúde reprodutiva, então por que a fertilidade cai quando GH está alto? Não existe lactação se o animal não tiver um boom de GH. O GH age no fígado para produzir IGF-1 ligado para agir em vários tecidos, dentre eles o ovário. Porém, na semana que antecede ao parto, dois dias antes de parir, o fígado deixa de responder ao GH. Com isso, há queda de produção em quantidade necessária o IGF-1, não tendo um feedback negativo na produção de GH. O GH vai continuar sendo produzido e agir em todos os outros tecidos para produzir leite, menos no fígado. Esse processo é chamado desacoplamento do eixo somatotrópico. Balanço energético negativo e a reprodução: O consumo de MS cai no momento do parto e tende a aumentar posteriormente. Consumindo menos, o animal tem uma redução da quantidade circulante de glicose. Glicose é fundamental para sintetizar a lactose do leite, então, formar leite consiste em consumir alimento e disponibilizar glicose para a síntese de lactose. Após o parto, a produção de leite aumenta rapidamente ao longo das semanas até alcançar um pico da 5º até a 8º semana. Porém, o pico de produção de leite não é sincrônico com o pico de ingestão de matéria seca (demanda maior que o consumo de MS). Isso gera um déficit energético. O período de balanço energético negativo é extremamente prejudicial à atividade reprodutiva. Dessa forma, a fertilidade é baixa durante esse período. Conclui-se que as vacas de alta produção ficam hipoglicêmicas, e a glicemia é fundamental para neurônios produtores de hormônios reprodutivos. Para desencadear a síntese de leite é necessário ter lactose, que é proveniente da glicose e da galactose. A glicose necessária para a produção de leite vem do consumo do animal. Porém, como nesse período o consumo de alimento é menor, com menor glicemia, ele está em déficit (BEN). Nesse período de alta produção de leite, mesmo com alta de GH, é uma fase em que o fígado se desacopla no pré-parto e se reacopla apenas no pós parto (a partir de 20 dias). Como o fígado não responde ao GH, tem uma baixa produção de IGF-1 (fator de crescimento extremamente importante para a saúde folicular). Até aqui, dois eventos já prejudicam os eventos reprodutivos, sendo eles: baixa de glicose e baixa produção de IGF-1. Isso ocorre porque o IGF-1 e a glicose são necessários para a multiplicação das células do folículo dominante, para a resposta do folículo dominante às gonadotropinas. O IGF-1 é responsável por fazer crescimento, maturação, proliferação e diferenciação das células foliculares. Como tem baixa desse fator e esses processos não ocorrem, a quantidade de estrógeno produzido pelo folículo dominante é baixa. OBSERVAÇÃO: IGF-1 é importante para a ação do LH e FSH. Como esses dois hormônios não atuam prontamente há baixa atividade estrogênica e ausência de pico de LH. Como deflagrar um processo ovulatório sem um pico de estrógeno? Por esse motivo, a atividade ovariana é prejudicada. Como atender as exigências de lactação quando a pouca glicose do baixo consumo de alimento está sendo desviada para atender a demanda de produção de leite? Não existe a possibilidade de transformar e atender as exigências de lactação na baixa de glicose, a não ser que o GH atue em outros tecidos (muscular e adiposo) priorizando a homeorrese e quebre tecidos para propiciar combustíveis para a síntese de leite. Sendo assim, os tecidos musculares e adiposo, em resposta ao GH, podem ser quebrados para produção de leite. É importante pontuar que o cérebro também precisa de glicose para a síntese dos seus hormônios (síntese de hormônios reprodutivos incluídos nisso). Quando a glicemia está baixa, o GH age em outros tecidos de reserva, como o tecido adiposo. A forma de armazenamento do adiposo é na forma de triglicerídeos (1 glicerol + 3 ácidos graxos). A ação do GH no tecido adiposo causa quebra de triglicerídeos em ácidos graxos não esterificados (NEFA) e glicerol (1 molécula de glicerol e 3 de ácidos graxos). Muito tecido adiposo sendo quebrado é desfavorável para a reprodução. Não é só tecido adiposo que é metabolizado, o hormônio do crescimento age também no tecido muscular. Nosmúsculos existem aminoácidos que são importantes como substrato energético (cadeia carbonada quebrada doa aminoácidos para a gliconeogênese hepática, para atender demandas de tecidos que precisam prioritariamente de glicose e também para produção de leite). Em vermelho: componentes relacionados a prejuízos na reprodução. O que se passa com o evento da lactação? Por que a glicose é transformada em leite? Normalmente, os tecidos periféricos (ex: músculo) necessitam de glicose. Para que a glicose entre na célula e participe da atividade metabólica, depende de insulina. Os tecidos no geral dependem da insulina para internalizar a glicose circulante, mas a glândula mamária não. A glândula mamária tem receptores para a glicose (Glut-1 e Glut-3), que independem da insulina para internalizar glicose. Quando o tecido mamário pega a glicose circulante, a glicemia abaixa. Os demais tecidos periféricos possuem outro tipo de receptor para glicose (Glut-4) que é insulina-dependente. A glicose vai para a glândula mamária, existe metabolização hepática de glicose, existe a formação hepática de glicose pela gliconeogênese, mas o fígado é também um órgão central do metabolismo dos lipídeos que foram quebrados. Então, o ácido graxo não esterificado e o glicerol quebrado no tecido adiposo são incorporados ao leite, mas também são transportados ao fígado onde acontece o metabolismo lipídico. Existem três vias metabólicas para os lipídios no fígado: 1ª – Os hepatócitos tentam fazer uma oxidação total dos lipídeos que chegarem no fígado, produzindo CO2 + H2O + energia. O ideal é que isso aconteça, ou seja, todo tecido quebrado deveria ser metabolizado. Porém nem sempre acontece, pois a quantidade de tecido quebrado é maior do que a capacidade metabólica. 2ª – O fígado pode tentar metabolizar os ácidos graxos e o glicerol que chegam até ele, fazendo um processo contrário. Pode tentar re-esterificar, ou seja, pegar o glicerol e os ácidos graxos e fazer uma reação que forme o triglicerídeo novamente. Dessa forma, ele tenta exportar isso para o tecido adiposo onde ele foi quebrado. Para que isso aconteça, o fígado tem que produzir uma proteína de muito baixa densidade (VLDL) que irá exportar para o tecido adiposo. Porém, o ruminante é um péssimo exportador de lipídeos para o tecido adiposo. Ele faz re-esterificação, porém não tem capacidade de exportar satisfatoriamente o VLDL para o tecido adiposo. Se a exportação é ruim e se ele esterifica, começa a ocorrer deposição de triglicerídeo nos hepatócitos, acarretando em uma esteatose hepática (fígado gorduroso). 3ª – O excedente de triglicerídeos que o fígado não consegue metabolizar gera a formação de corpos cetônicos. Quando há quebra de lipídio no hepatócito e se não ocorre a metabolização total no ciclo de Krebs, o acetil-CoA é desviado para uma outra rota metabólica na síntese de corpos cetônicos, dentre eles o beta-hidroxi-butirato (prejudica a reprodução). No início da lactação existem substâncias prejudiciais ou que complicam o processo reprodutivo no pós parto ou no início da lactação. Esses marcadores estão associados com o risco de muitas doenças metabólicas, doenças infecciosas e falhas reprodutivas: ▪ Aumento de ácidos graxos livres que foram quebrados do tecido adiposo (se não consome alimento, precisa recorrer às reservas) ▪ Compostos nitrogenados decorrentes da quebra de tecido muscular: atenção que uma vaca de alta produção precisa de uma dieta rica em proteína, ou seja, muitas vezes são incorporados na dieta componentes nitrogenados. Aumento de compostos nitrogenados pela dieta e pela metabolização pode ter uma ação negativa no processo reprodutivo. ▪ Aumento de beta-hidroxi-butirato (BHBA): via de metabolismo lipídico com produção de corpos cetônicos. ▪ Baixa glicemia ▪ IGF-1 baixo O que caracteriza o balanço energético/proteico negativo e como ele pode interferir na reprodução? 1 – Redução na ingestão de MS: redução de consumo no pré-parto devido ao espaço abdominal restrito (tamanho do feto) e também devido aos ajustes comportamentais do animal. O consumo vai se reestabelecendo para atender às exigências ao longo do pós parto. 2 – Elevada concentração de hormônio de crescimento (GH): para sustentar a lactação o GH é essencial, pois ele rege o processo da homeorrese. Então, por ter sua natureza catabólica, quando há um déficit de energia pelo não consumo de quantidade adequada de alimento, o organismo tem que abrir mão das suas reservas de proteína muscular, carboidratos e tecido adiposo, para transformar isso em substrato para produção de leite. Em um gráfico de quantidade circulante de GH em função do período de transição, verifica-se que ele está mais baixos nos dias que antecedem o parto e na última semana pré parto ele começa a aumentar paulatinamente até o primeiro mês de lactação. Depois disso ele vai se ajustar e reduzir ao longo do período de lactação. 3 – Mobilização de reservas corporais (gordura e proteína) e gliconeogênese: o animal mobiliza muita reserva para atender à demanda do pico de produção, que não é sincrônico com o consumo. O responsável por essa mobilização de reservas é o GH. Essa mobilização de reservas gera perda de escore corporal. 4 – Redução na concentração de leptina do tecido adiposo: quando há mobilização das reservas, a leptinemia cai. Vale ressaltar que a leptina é um hormônio permissivo ao processo reprodutivo, pois ela tem uma função favorável nos ovários e no cérebro (hipotálamo e hipófise), participando da síntese de hormônios reprodutivos. 5 – Reduzida concentração de glicose: estado de balanço energético negativo, que se ajusta após o pico de lactação. 6 – Reduzida concentração de insulina: quando a glicose cai e se mantém mais baixa (hipoglicêmica), o hormônio relacionado à glicemia é a insulina pancreática. A insulina é um hormônio anabólico e ela faz com que a glicose circulante seja transferida para as células para ser armazenada na forma de reservas. Se a insulina fosse alta, a tendência seria o animal depositar glicose na forma de tecidos de reserva e com isso a produção de leite cairia. Então, a insulina é um hormônio antagônico ao GH e se encontra mais baixa no início da lactação. 7 – Reduzida concentração de IGF-1: na fase inicial da lactação existe um sistema de desacoplamento onde o GH fica elevado para manter a lactação (homeorrese). Dessa forma, o fígado perde a capacidade de responder ao GH devido à menor expressão dos receptores para esse hormônio no fígado, então antes do parto o IGF-1 é alto e depois começa a cair, acompanhando a curva da insulina. Correlacionando as semanas de pós parto com a concentração plasmática de IGF-1: A quantidade circulante de IGF-1 é maior nas vacas que ovulam, ou seja, quando ele age no folículo melhorando o ambiente folicular e a esteroidogênese folicular há o aumento da produção de estrógeno. O pico de estrógeno é necessário para induzir o processo ovulatório. Vacas com baixa de IGF-1 tendem a não ovular precocemente quando comparadas com os animais que mantém níveis ou concentrações mais elevadas de IGF-1 O IGF-1 é importante, não somente no crescimento folicular, mas também para o desenvolvimento embrionário – o histotrofo ou leite uterino é rico em IGF-1. 8 – Elevada concentração de AGNE e BHBA: o GH elevado gera mobilização de tecido adiposo, e seu metabolismo, pela via de cetogênese, gera ácidos graxos livres e BHBA (beta-hidroxi-butirato), duas substâncias características do balanço energético negativo que podem ter ação prejudicial no processo reprodutivo. Quando elas aumentam no sangue, também aumentam no microambiente folicular – causam apoptose nas células da teca, granulosa e gameta (prejudica a esteroidogênese e inviabiliza a fecundação). Além disso, os AGNE apresentam uma grande relação com o pâncreas, pois prejudicam a ação da insulina em vários tecidose diminuem sua síntese e liberação.