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DIREITO PENAL E LEIS PENAIS EXTRAVAGANTE

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ESTÁCIO DE SÁ
ARACAJU/SE, 03/10/22
DISCIPLINA: DIREITO PENAL E LEIS PENAIS EXTRAVAGANTE
PROFESSORA LARA SANABRIA VIANA
AV1
1. Imagine a seguinte situação hipotética: Determinada construtora pagou R$ 500 mil a João (servidor público) para obter favores ilícitos na Administração Pública. Depois de receber a vantagem indevida, João ocultou a origem dos R$ 500 mil de propina simulando ganhos com a venda de gado. O Ministério Público denunciou João pela prática dos seguintes delitos:
a) corrupção passiva (art. 317 do CP):
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
b) lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98):
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
A defesa do réu alegou que ele não poderia responder pelos dois crimes em concurso. Isso porque se o indivíduo recebeu dinheiro indevidamente, é óbvio que ele irá ocultar ou dissimular a sua origem ilícita. Assim, a autolavagem não poderia ser punida, devendo ficar absorvida pelo crime de corrupção passiva. A lavagem, neste caso, seria um pós-fato impunível. A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? Responda, fundamentadamente.
A tese não será acolhida pelo STF. No Brasil, a tipificação e os aspectos processuais do crime de lavagem de dinheiro são regulados pela Lei nº 9.613/98, onde diz em seu Art. 1º: ¨Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. ¨ Em outras palavras, lavar é transformar o dinheiro “sujo” em dinheiro aparentemente lícito. A defesa alegava que não havia autonomia entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro. Logo, haveria consunção do segundo delito pelo primeiro. Isso não é correto. Não é possível ao agente, a pretexto de não ser punido pelo crime anterior ou com o fim de tornar seguro o seu produto, praticar novas infrações penais, lesando outros bens jurídicos. Em verdade, a excludente de culpabilidade demonstra-se totalmente incompatível com o delito de lavagem de dinheiro, uma vez que este não se destina à proteção de bens jurídicos, mas sim, entre outras finalidades, a assegurar o próprio proveito econômico obtido com a prática do crime antecedente. Embora o tipo penal constante no Artigo 317 do Código Penal preveja a possibilidade do recebimento da vantagem indevida de forma indireta, quando o agente pratica conduta dissimulada que lhe permita não apenas a posse do recurso ilícito, mas também sirva para conferir-lhe aura de legalidade, imprimindo-lhe feição de licitude, deve responder pelo crime de lavagem de dinheiro. Embora a tipificação da lavagem de capitais dependa da existência de uma infração penal antecedente, é possível a autolavagem, isto é, a imputação simultânea, ao mesmo réu, do delito antecedente e do crime de lavagem, desde que sejam demonstrados atos diversos e autônomos daquele que compõe a realização do primeiro crime, circunstância em que não ocorrerá o fenômeno da consunção. Com efeito, a autolavagem merece reprimenda estatal, na medida em que o autor do crime antecedente, já com a posse do proveito do crime, poderia simplesmente utilizar-se dos bens e valores à sua disposição, mas reinicia a prática de uma série de condutas típicas, a imprimir a aparência de licitude do recurso obtido com a prática da infração penal anterior. Dessa forma, se for confirmado, a partir do devido processo legal, que o indivíduo deu ares de legalidade ao dinheiro indevidamente recebido, estará configurado o crime de lavagem de capitais. Em suma: Na autolavagem não ocorre a consunção entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro. STJ. Corte Especial. APn 989-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/02/2022 (Info 726). 
2. Explique em que consiste a Teoria da Cegueira Deliberada.
A Teoria da Cegueira Deliberada trata da ignorância de determinada origem ilícita de bens, direitos ou valores para eximir-se de eventual responsabilidade. Parte-se da teoria para a compreensão das diretrizes que a jurisprudência adota para solucionar as lides e, ao final, analisam-se as dificuldades de cumprimento do transporte da teoria. A Suprema Corte dos Estados Unidos desenvolveu a teoria da cegueira deliberada - "Willful Blindness Doctrine", dentre outras nomenclaturas - para classificar, inicialmente, crimes de lavagem de dinheiro. O objetivo era tornar típica a conduta do agente que tem consciência sobre a provável origem ilícita dos valores envolvidos e, deliberadamente, abstém-se da responsabilidade de conhecer a origem deles. Assim como a avestruz (vocábulo núcleo de outra designação para o mesmo instituto), ao se esconder a cabeça por debaixo da terra, oculta-se para evitar a consciência da ilicitude. A consequência é responder pelo delito na modalidade do dolo eventual. Utilizada em casos significativos no Brasil, como o furto ao Banco Central em Fortaleza/CE (2005) e a AP 470 (Mensalão), fora empregado como argumento palavras do à época Juiz Federal Sérgio Fernando Moro para classificar as condutas de alguns agentes na qualidade de dolo eventual.
3. Discorra acerca da aplicação da Bagatela Imprópria e do Princípio da Insignificância na Lei Maria da Penha.
Aplicação da Bagatela Imprópria
O princípio da bagatela imprópria, da insignificância imprópria ou da irrelevância penal do fato é causa supralegal de extinção da punibilidade. Entretanto, para a doutrina há diversos exemplos em que a aplicação do princípio da bagatela imprópria estaria previsto expressamente na lei, extinguindo a pena em razão da desnecessidade de aplicação da pena, como por exemplos: A) No crime de peculato culposo, a reparação dos danos antes da sentença irrecorrível extingue a punibilidade. B) Pagamento do tributo nos crimes tributários. C) Colaboração premiada quando o juiz deixa de aplicar a pena. D) Homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária (art. 121, § 5º, do CP). Fundamenta-se na desnecessidade da pena, devendo o magistrado analisar as circunstâncias simultâneas e posteriores ao fato para verificar, no caso concreto, se ainda há interesse em punir o agente, pois se tornando a pena desnecessária deve ser extinta a punibilidade. Não é previsto expressamente no ordenamento jurídico, mas parte da doutrina afirma que o referido princípio encontra amparo legal na parte final do art. 59, do Código Penal, onde diz: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.”
Princípio da Insignificância na Lei Maria da Penha
O STF decidiu que o princípio da insignificância não se aplica a crimes cometidos no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.
“Princípio da insignificância e violência doméstica. Inadmissível a aplicação do princípio da insignificância aos delitos praticados em situação de violência doméstica.¨
Com base nessa orientação, a Segunda Turma negou provimento ao recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se pleiteava a incidência de tal princípio ao crime de lesão corporal cometido em âmbito de violência doméstica contra a mulher (Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha)” (RHC 133043/MT, Segunda Turma, DJe 20/05/2016).
Na mesma linha vem seguindo o STJ:
“A jurisprudência desta Corte Superior está consolidada no sentido de não admitir a aplicação dos princípios da insignificância e da bagatela imprópria aos crimes e contravençõespraticados com violência ou grave ameaça contra mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal atipicidade material da conduta ou desnecessidade de pena. Precedentes” (HC 333.195/MS, Quinta Turma, DJe 26/04/2016).
4. Caso prático:
Ricardo é preso vendendo droga em um beco que fica a 240m da escola pública do bairro. O Ministério Público denuncia Ricardo pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com a causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, considerando que a infração foi cometida nas imediações de uma escola. A defesa questionou a incidência da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, alegando que não houve comprovação de que o réu se utilizou daquele local com maior concentração de pessoas para potencializar a disseminação da droga. Além disso, a venda não foi feita para nenhum aluno, funcionário ou frequentador da escola. A tese da defesa foi acolhida na situação? Explique.
A tese de defesa não foi acolhida, pois, vejamos o que o STJ decidiu:
A prática do delito de tráfico de drogas nas proximidades de estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/06) enseja a aplicação da majorante, sendo desnecessária a prova de que o ilícito visava atingir os frequentadores desse local. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1558551/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/09/2017.
Para a incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III, da Lei nº 11.343/2006 é desnecessária a efetiva comprovação de que a mercancia tinha por objetivo atingir os estudantes, sendo suficiente que a prática ilícita tenha ocorrido em locais próximos, ou seja, nas imediações de tais estabelecimentos, diante da exposição de pessoas ao risco inerente à atividade criminosa da narcotraficância. STJ. 6ª Turma. HC 359.088/SP. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 04/10/2016.
Justamente por essa razão, o STJ entende que esta causa de aumento de pena tem natureza objetiva, de forma que não importa a intenção do agente:
Em relação à causa de aumento do art. 40, inciso III, da Lei de Drogas, cumpre destacar que a respectiva majorante tem caráter objetivo, prescindindo da análise da intenção do acusado em comercializar drogas com alunos das instituições de ensino. STJ. 5ª Turma. HC 359.467/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 18/08/2016.

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