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Queimaduras SUMÁRIO 1. Introdução ..........................................................................................................3 2. Mecanismos de queimaduras .............................................................................3 3. Classificação por profundidade ..........................................................................6 4. Extensão da queimadura ...................................................................................11 5. Gravidade das queimaduras ..............................................................................14 6. Transferência para centro de grandes queimados .............................................16 7. Abordagem inicial de um paciente queimado ....................................................20 8. Avaliação de um paciente queimado .................................................................23 Referências ...................................................................................................... 29 Queimaduras 3 1. INTRODUÇÃO As queimaduras são feridas que decorrem de um processo de calor excessivo, de forma isolada e não recorrente. Mais amplamente, as queimaduras resultam de lesões traumáticas na pele ou em outros tecidos, principalmente, por exposições tér- micas ou outras exposições agudas. No processo de queimadura, algumas ou todas as células da pele ou outros tecidos são destruídas pelo calor, descarga elétrica, fric- ção, produtos químicos ou radiação, como veremos a seguir. As queimaduras são consideradas um importante problema de saúde pública, pois, além dos problemas físicos, podem levar também a danos de ordem psicológi- ca e social. No Brasil, acontecem cerca de 1 milhão de casos por ano, sendo que 100 mil buscam atendimento hospitalar e, destes, 2,5 mil vão a óbito direta ou indireta- mente em função de suas lesões. 2. MECANISMOS DE QUEIMADURAS • Calor: Causada comumente por chamas, líquidos quentes, objetos sólidos quentes e por vapor. A profundidade da lesão está relacionada à temperatura de contato, o tempo de contato e a espessura da pele. Devido a pele não pos- suir boa condutividade, a maioria das queimaduras térmicas se limitam a epi- derme e derme. • Eletricidade: À medida que a corrente elétrica penetra no corpo, a eletricidade vai sendo convertida em calor devido a baixa condutância da pele. A magnitude da lesão vai depender da trajetória da corrente, da resistência ao fluxo de cor- rente através dos tecidos e da força e duração do fluxo de corrente. Além disso, devido as diferentes velocidades de perda de calor por parte dos tecidos su- perficiais e profundos, pode coexistir pele aparentemente normal com necrose muscular profunda. Dessa forma, as queimaduras elétricas são, frequentemen- te, mais graves do que aparentam. É importante, ainda, avaliar o ponto de entra- da e de saída para estimar o caminho da corrente elétrica, a gravidade da lesão e os possíveis órgãos acometidos. Esse tipo de paciente deve ser transferido para centro de tratamento de queimados. Queimaduras 4 Figura 1. Queimadura elétrica com ponto de entrada Fonte: chatuphot/Shutterstock.com Saiba mais! Para o atendimento dos pacientes com queimadura elétrica deve-se haver uma preocupação em relação à segurança da cena. Por exemplo, após um acidente de carro, certificar se não há mais fios de eletrici- dade em contato com o carro ou soltos na cena. Além disso, deve-se orientar a vítima e outras pessoas que estejam no local a não tocarem no veículo devido a esse risco potencial de choque elétrico. • Fricção: Esse tipo de mecanismo promove lesão por mecanismo combinado de ruptura mecânica dos tecidos e pelo calor gerado pela própria fricção. Queimaduras 5 Figura 2. Lesão por fricção em mão esquerda Fonte: Kara Knight/Shutterstock.com • Química: A lesão é causada devido a reações cáusticas, incluindo alteração de pH, rompimento de membranas celulares e efeitos tóxicos pelos metabólicos liberados. O contato com ácido causa necrose de coagulação, enquanto um contato com substancia alcalina causa necrose liquefativa. Nas queimaduras químicas deve-se ter uma atenção especial em relação à absorção sistêmica de alguns produtos químicos que ameaçam a vida. Geralmente, as queimadu- ras por álcalis são mais sérias que por ácidos, pois os álcalis penetram mais profundamente. Os danos locais podem incluir toda a espessura da pele e dos tecidos adjacentes. Além da duração da exposição, a natureza do agente tam- bém determinará a gravidade da lesão. É necessário remover o produto químico com lavagem em água corrente por 20 a 30 minutos. Agentes neutralizantes não apresentam vantagem em relação a água corrente, pois a reação com es- ses produtos, por si só, produz calor e mais lesão. Queimadura por álcalis em região de olhos exigem irrigação contínua durante as primeiras 8 horas, poden- do-se fixar uma cânula de pequeno calibre no sulco palpebral. Figura 3. Queimadura por aterfato químico em membros superiores. Fonte: Studio 36/Shutterstock.com Queimaduras 6 • Radiação: A mais comum é a queimadura solar. Atualmente, as queimaduras por radiação tornaram-se mais comuns devido a terapias com radiação e tam- bém pacientes que recebem radiação excessiva em procedimentos diagnósti- cos, além de indivíduos que trabalham em indústria nuclear. As queimaduras por radiação são frequentemente associadas ao câncer devido a capacidade da radiação ionizante interagir e danificar o DNA. As lesões vão ser determinadas pela dose de radiação, tempo de exposição e tipo de partícula, que determina a profundidade da exposição (dependendo da energia do fóton, a radiação pode causar queimaduras internas muito profundas). Figura 4. Queimadura por radiação em dorso e abdômen Fonte: Aula Sanarflix 3. CLASSIFICAÇÃO POR PROFUNDIDADE A classificação das queimaduras leva em consideração a profundidade da lesão tecidual. É importante essa determinação, já que a profundidade da queimadura vai indicar, em grande parte, o potencial de cicatrização e a necessidade de intervenção cirúrgica. O sistema de classificação tradicional utilizava a nomenclatura primeiro, segundo, terceiro e guarto graus. As designações atuais refletem a necessidade de intervenção cirúrgica ou não, sendo classificadas em superficiais (1º grau), espes- suras parciais superficial e profunda (2º grau) e espessura total (3º grau). O termo quarto grau ainda é muito utilizado para descrever queimaduras mais graves, que se estendem até o tecido subcutâneo, envolvendo vasos, nervos, músculos, ossos e/ou Queimaduras 7 articulações subjacentes. A determinação da classificação de acordo com a profun- dida está ilustrado abaixo: Figura 5. Camadas da pele e o acometimento de acordo com o grau da queimadura. Fonte: TimeLineArtist/Shutterstock.com Uma coisa que devemos sempre ter em mente é que as feridas, geralmente, não são uniformes em profundidade, apresentando uma mistura de componentes pro- fundos e superficiais. Existem regiões com uma pele mais fina, como as superfícies volares dos antebraços, parte medial da coxa, períneo e orelhas. Tais superfícies sus- tentam lesões de queimaduras mais profundas do que as sugeridas pela aparência inicial, não se devendo assumir queimaduras superficiais nessas áreas. Além disso, pelo mesmo motivo, não se deve assumir queimaduras superficiais em crianças me- nores de 5 anos e adultos maiores de 55 anos. Assim, as classificações de lesão por profundidade são: • Superficial: Também chamadas de epidérmicas, uma vez que envolvem apenas essa camada da pele. Não causam flictenas, mas são dolorosas, secas, aver- melhadas e empalidecem sob pressão. A recuperação é rápida: em cerca de 2 a 3 dias, a dor e o eritema reduzem e no 4º dia a epiderme cicatriza, se separando do epitélio lesionado. Todo o processo de cicatrização leva cerca de 6 dias. É comumente visto em queimaduras solares. Queimaduras 8 Figura 6. Queimadura superficial. Fonte Fevziie/Shutterstock.com• Espessura parcial: Envolvem a epiderme e porções variadas da derme que, dependendo do nível, a classifica como superficial ou profunda. Na espessura parcial superficial, a queimadura atinge epiderme e derme papilar. Há forma- ção de bolhas, com base rósea, dentre de 24 horas, entre a derme e epiderme, com aspecto úmido, chamada de aparência “lacrimejante”. Além disso, são extremamente dolorosas, inclusive às correntes de ar, avermelhadas e também empalidecem sob pressão. Algumas lesões que, inicialmente, parecem ser apenas epidérmicas, podem ser determinadas como espessura parcial super- ficial 12 a 24 horas depois. Essas queimaduras, geralmente, se resolvem em 7 a 21 dias, sendo as cicatrizes e comprometimento funcional incomuns, em- bora mais comumente ocorram alterações de pigmento. Devido a presença de detritos necróticos e exsudatos fibrinosos, deve-se atentar para a colonização bacteriana, podendo levar a uma cicatrização retardada e a necessidade de antibioticoterapia. Figura 7. Queimadura de segundo grau superficial com flictena não danificada. Fonte: OMfotovideocontent/Shutterstock.com Queimaduras 9 • Na espessura parcial profunda as queimaduras se estendem até a derme mais profunda e danificam os folículos capilares e tecido glandular. Possui coloração avermelhada-brilhante ou amarelo-esbranquiçada, não empalidece sob pressão, pode ser úmida, embora mais comumente seca, e possui aspecto ceroso. São dolorosas apenas sob pressão, quase sempre com flictenas (facilmente aber- tas) com base esbranquiçada. Se a infecção for evitada, as feridas podem cica- trizar espontaneamente, sem enxertia, em cerca de 2 a 9 semanas. Esses tipos de queimaduras, invariavelmente, causam cicatrizes hipertróficas. Caso haja envolvimento articular, espera-se uma disfunção da articulação, mesmo com fisioterapia agressiva. Queimaduras de espessura parcial que não cicatrizam em duas semanas são, funcional e cosmeticamente, equivalentes a queimadu- ras de espessura total. Figura 8. Presença de enxerto cutâneo, intervenção mais comum para cobertura da área de queima- dura, em membro inferior. Fonte: Jasni/Shutterstock.com • Espessura total: Esse tipo de queimadura se estende por toda a derme e, ge- ralmente, danifica todo o tecido subcutâneo subjacente. Tem uma aparência mais escura, podendo variar de branco ceroso, acinzentado a preto, possuindo um aspecto de couro. Geralmente são anestésicas, devido a destruição da inervação local. A pele fica seca e inelástica, e não empalidece sob pressão. Vesículas e bolhas não se desenvolvem e os pelos podem ser facilmente reti- rados dos folículos capilares. A derme morta e desnaturada é designada como escara, sendo que essa se separa do tecido subjacente e revela um leito não curado de tecido de granulação. Sem cirurgia, essas feridas cicatrizam por con- tratura, com epitelização em torno das bordas das feridas. Como a contratura é grave, a cura espontânea não é possível, sendo necessária uma intervenção ci- rúrgica. Queimaduras claras em toda a espessura podem simular a pele normal, exceto que a pele não empalidece sob pressão. Queimaduras 10 Figura 9. Queimadura de espessura total (terceiro grau) no membro superior de uma criança. Fonte: Zay Set Paing/Shutterstock.com Pequeno queimado Queimado leve Médio queimado Queimado moderado Grande queimado Queimado grave Adultos: Qualquer extensão de 1° grau exclusivo. ≤ 10% de Superfície Corporal Queimada (SCQ) de 2° grau. Crianças: Qualquer extensão de 1° grau exclusivo. ≤ 5% de SCQ de 2° grau. Adultos: 10-20% de SCQ de 2° grau. 2° grau envolvendo mão ou pé ou face ou pescoço ou axila ou grande articulação. ≤ 10% de SCQ de 3° grau que não afetem olhos, orelhas, face, pé ou genitais. Crianças: 5-15% de SCQ de 2° grau. 2° grau envolvendo mão ou pé ou face ou pescoço ou axila ou grande articulação. ≤ 5% de SCQ de 3° grau que não afetem olhos, orelhas, face, pé ou genitais. Adultos: > 20% de SCQ de 2° grau > 10% de SCQ de 3° grau Crianças: > 15% de SCQ de 2° grau > 5% de SCQ de 3° grau Adultos e Crianças: • que envolvam olhos, ouvidos, orelhas, face, mãos, pés, períneo e genitais. • 3° grau atingindo mão ou pé ou face ou pescoço ou axila, em qualquer idade. • todas as lesões inalatórias com ou sem queimaduras. • queimaduras elétricas. • queimaduras com trauma (politrauma), com fratura óssea em qualquer localização ou com trauma craniano concomitante. • queimaduras em pacientes de alto risco (ex: diabetes, gravidez, DPOC, câncer, choque, insuficiência renal, insuficiência cardíaca, insuficiência hepática, distúrbios da coagulação e hemostasia, em- bolia pulmonar, infarto agudo do miocárdio, doenças consumptivas). • quadros infecciosos graves decorrentes ou não da queimadura (que necessitem antibioticoterapia venosa). • queimaduras em pacientes psiquiátricos. • síndrome compartimental ou do túnel do carpo, associada ou não à queimadura. • qualquer outra afecção que possa ser fator de complicação à lesão ou ao quadro clínico da queimadura. Tabela 1. Tabela exemplificando pequeno, médio e grande queimados. Fonte: Adaptado de Queimaduras [recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina; Organizadores: Nazaré Otília Nazário; Dilmar Francisco Leonardi e Cesar Augusto Soares Nitschke — Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2014. Queimaduras 11 • Extensão para tecidos profundos: Representa a queimadura de 4º grau. São lesões profundas e potencialmente fatais que se estendem através da pele até os tecidos moles subjacentes e podem envolver músculos e/ou ossos. Necessitam imediatamente de uma conduta intervencionista. 4. EXTENSÃO DA QUEIMADURA A avaliação da extensão da lesão é importante, visto que uma estimativa do tama- nho da queimadura é utilizada para orientar a terapia e determinar quando transferir um paciente para um centro de grandes queimados. A extensão da queimadura é estimada e expressa como a porcentagem total da área de superfície corporal. Vale salientar que as queimaduras superficiais (de primeiro grau) não estão incluídas na avaliação da extensão da superfície corporal queimada (SCQ). Os métodos mais utilizados para essa estimativa são: o gráfico de Lund-Browder e a Regra dos Nove. A Regra dos Nove é o mais utilizado na prática diária, quando se busca uma estimativa imediata para definição da conduta. O gráfico de Lund- Browder é indicado, principalmente, para crianças, porque considera a superfície cor- poral relativa afetada pelo crescimento. Um terceiro método que pode ser utilizado em queimaduras irregulares é o método da palma da mão. • Gráfico de Lund-Browder: É o método mais preciso para estimar a superfície corporal queimada para adultos e crianças. As crianças têm cabeças proporcio- nalmente maiores e extremidades inferiores menores, portanto, a área é estima- da com maior precisão utilizando esse instrumento. Queimaduras 12 ÁREA < 1 1 - 4 5 - 9 10 - 14 15 > 15 Cabeça 19.0 17.0 13.0 11.0 9.0 7.0 Pescoço 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 2.0 Tronco anterior 13.0 13.0 13.0 13.0 13.0 13.0 Tronco posterior 13.0 13.0 13.0 13.0 13.0 13.0 Cada braço (2x) 4.0 4.0 4.0 4.0 4.0 4.0 Cada antebraço (2x) 3.0 3.0 3.0 3.0 3.0 3.0 Cada mão (2x) 2.5 2.5 2.5 2.5 2.5 2.5 Genital 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 Cada nádega (2x) 2.5 2.5 2.5 2.5 2.5 2.5 Cada coxa (2x) 5.5 6.5 8.0 8.5 9.0 9.5 Cada perna (2x) 5.0 5.0 5.5 6.0 6.5 7.0 Cada pé (2x) 3.5 3.5 3.5 3.5 3.5 3.5 Tabela 2. Gráfico de Lund-Browder: Fonte: Adaptado de Queimaduras [recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina; Organizadores: Nazaré Otília Nazário; Dilmar Francisco Leonardi e Cesar Augusto Soares Nitschke — Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2014. Saiba mais! A porcentagem da SCQ pode estar subestimada em mulheres com mamas grandes que apresentam queimaduras no tronco ante- rior. Pensando nisso, uma tabela baseada no tamanho do sutiã destina-se a complementar o gráficode Lund-Browder. • Regra dos Nove: É uma regra prática e útil, sendo a mais frequente para avalia- ção da superfície corporal de adultos. O corpo do adulto é dividido em regiões anatômicas que representam 9%, ou múltiplos de 9% da SCQ. A configuração dá-se dessa forma: Cabeça = 9% Cada braço = 9% Cada perna = 18% Tronco anterior e posterior cada = 18% Genitália = 1% Queimaduras 13 Figura 11. Ilustração corporal baseada na segmentação do corpo pela regra dos nove. Fonte: Acervo Sanar. Como sabe-se que a proporção da superfície corporal da criança é diferente da do adulto, há uma Regra dos Noves especificamente para crianças. A cabeça corres- ponde a uma porcentagem maior e os MMII a uma porcentagem menor do que na do adulto. A porcentagem total que corresponde à cabeça de uma criança é duas vezes a cabeça do adulto normal. Sua configuração é a seguinte: • Cabeça = 18% • Cada braço = 9% • Cada perna = 14% • Nádegas = 5% • Tronco anterior = 13% • Tronco posterior = 18% Queimaduras 14 Figura 12. Fonte: Acervo Sanar • Método da palma da mão: Muito utilizado para queimaduras pequenas ou irre- gulares. É realizada por meio da medição utilizando a palma da mão do pacien- te. Excluindo-se os dedos, a palma da mão equivale a cerca de 0,5% da área total da superfície corporal do mesmo e toda a superfície palmar, incluindo os dedos, cerca de 1%, tanto em crianças quanto adultos. 5. GRAVIDADE DAS QUEIMADURAS A gravidade da lesão é determinada por uma combinação de fatores, como o me- canismo de lesão, profundidade da queimadura, extensão e localização. Vamos abor- dar abaixo as lesões leves, moderadas e graves. • Pequenos queimados/baixa gravidade: São aquelas que podem ser tratadas em consultório médico ou ambulatorialmente. Existem alguns critérios na sua classificação: Queimaduras de 1º grau. Queimaduras de 2º grau com SCQ até 5% em crianças (menores de 12 anos). Queimaduras de 2º grau com SCQ até 10% e maiores de 12 anos. Queimaduras 15 • Médios queimados/média gravidade: São aquelas que requerem admissão em um hospital, mas não em um centro de queimados. Inclui queimaduras superfi- ciais ou profundas de extensão limitadas. Queimaduras de 2º grau com SQC entre 5% e 15% em crianças. Queimaduras de 2º grau com SCQ entre 10% e 20% em maiores de 12 anos. Qualquer queimadura de 2º grau envolvendo mão, pé, face, pescoço, axila ou grande articulação. Queimadura de 3º grau com SCQ até 5% em crianças (que não envolvam fa- ce, mão, períneo ou pé). Queimaduras de 3º graus com SCQ até 10% em maiores de 12 anos (que não envolvam face, mão, períneo ou pé). • Grandes queimados/grande gravidade: São as queimaduras que devem ser tra- tadas em um centro de queimados. Esse é um grupo mais susceptível a infec- ções, em decorrência de imunossupressão e perda da cobertura cutânea. Além disso, os pacientes que ficam internados por tempo prolongado associados às medidas invasivas, como ventilação mecânica, cateterização vascular e vesical, são expostos ainda mais a infecções nosocomiais. São classificados como grandes queimados: Queimadura de 2º grau com SCQ > 15% em crianças. Queimaduras de 2º grau com SCQ > 20% em maiores de 12 anos. Queimaduras de 3º grau com SCQ > 5% em crianças. Queimaduras de 3º grau com SCQ > 10% em maiores de 12 anos. Queimaduras de 2º ou 3º graus atingindo períneo. Queimaduras de 3º grau atingindo mão, pé, face, pescoço ou axila. Queimaduras por corrente elétrica. Além disso, será considerado também como grande queimado, independente da área corporal queimada, pacientes que apresentarem associado à queimadura: Queimaduras 16 LESÃO INALATÓRIA POLITRAUMA FRATURA ÓSSEA EM QUALQUER LOCALIZAÇÃO TRAUMA CRANIANO CHOQUE DE QUAQUER ORIGEM INSUFICIÊNCIA RENAL INSUFICIÊNCIA CARDÍACA INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA DIABETES DISTÚRBIOS DE COAGULAÇÃO E HEMOSTASIA EMBOLIA PULMONAR INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO QUADROS INFECCIOSOS GRAVES DECORRENTES OU NÃO DAS QUEIMADURAS SÍNDROME COMPARTIMENTAL OU DO TÚNEL DO CARPO DOENÇAS CONSUPTIVAS QUALQUER OUTRA AFECÇÃO QUE POSSA SER FATOR DE COMPLICAÇÃO Fonte: Adaptado de QueimadurasPROVAB. Queimaduras 17 Se liga! Os sinais sugestivos de lesão por inalação são: queima- duras no rosto ou cervical, chamuscamentos dos pelos do rosto (cílios ou vi- brissas nasais), depósito de carbono em face com expectoração, alterações na orofaringe, como eritema e rouquidão, confusão mental, confinamento durante o incêndio, carboxihemoglobina, no sangue superior a 10%.4 Caso haja pre- sença de algum dos sinais sugestivos de lesão por inalação, há necessidade de intubação orotraqueal, uma vez que aguardar por exames complementares com alterações, como uma gasometria arterial ou evidências radiológicas de alteração pulmonar, permite que o edema impeça a intubação por estar muito edemaciado e necessitaria de uma via aérea cirúrgica.4 6. TRANSFERÊNCIA PARA CENTRO DE GRANDES QUEIMADOS O Centro de Referência na Assistência a Queimados é uma unidade hospitalar que possui ambulatório, pronto socorro, sala cirúrgica, leitos de enfermaria e UTI, exclusi- vos para atendimento a pacientes vítimas de queimaduras. A localização de uma queimadura geralmente direciona essa transferência. Assim, queimadura em região de rosto, mãos, pés e genitais, bem como grandes queima- duras em outras áreas do corpo e aquelas associadas a lesões por inalação são, frequentemente, encaminhadas ao centro de queimaduras para intervenção especia- lizada. Acometimento do trato respiratório, como por gases superaquecidos, podem causar queimaduras no sistema respiratório. Mais comumente, a lesão ocorre devido à fumaça, exercendo seus efeitos por irritação química local. Inalação de produtos químicos, como monóxido de carbono ou cianeto, podem levar, além de danos locais no sistema respiratório, a intoxicação sistêmica. Se liga! Lesões térmicas causadas por fumaça quente, geralmente, queimam apenas a faringe, enquanto o vapor pode também queimar as vias aéreas abaixo da glote. Queimaduras 18 Os queimados que devem ser encaminhados para um centro especializado de queimados, além dos grandes queimados, são: • Acometimento de rosto , mãos , pés , genitália, períneo ou articulações principais • Espessura parcial > 10% da superfície corporal queimada • Queimaduras de 3º grau • Queimaduras elétricas • Queimaduras químicas • Lesão por inalação • Distúrbios médicos preexistentes que podem complicar o tratamento • Traumas ou fraturas associadas • Crianças queimadas em hospital sem equipamento ou profissionais qualifica- dos para aquele atendimento • Pacientes que necessitarão de intervenção social, emocional ou de reabilitação especial A internação na UTI está indicada em: • Pacientes queimados na fase aguda, com SCQ ≥ 20% em crianças. • Pacientes queimados na fase aguda, com SCQ ≥ 30% em maiores de 12 anos. • Pacientes com suspeita ou diagnóstico de inalação de fumaça. Queimaduras 19 QUEIMADURAS MECANISMOS DE LESÃO CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES GRAVIDADE DAS LESÕES EXTENSÃO DAS LESÕES CALOR SUPERFICIAL GRÁFICO DE LUND-BROWDER ELETRICIDADE ESPESSURA PARCIAL SUPERFICIAL FRICÇÃO ESPESSURA PARCIAL PROFUNDA QUÍMICA ESPESSURA TOTAL RADIAÇÃO EXTENSÃO PARA TECIDOS PROFUNDOS REGRA DOS NOVE MÉTODO DA PALMA DA MÃO Para pequenas queimaduras ou irregulares PEQUENO QUEIMADO GRANDE QUEIMADO 1º GRAU 2º ou 3º em períneo 2º GRAU: > 5% em crianças > 10% em adultos 2º GRAU: > 15% em crianças > 20% em adultos MÉDIO QUEIMADO 3º GRAU: > 5% em crianças > 10% em adultos 2º GRAU: Entre 5% e 15% em crianças Entre 10% e 20% em adultos 3º grau em pés, mãos, face, pescoço ou axila 2º grau em pés, mãos, face, pescoço ou axila Queimaduras elétricas Lesões associadas: lesão inalatória, politrauma, fraturas, TCE, choque, IR, IC, IH, DM, IAM, distúrbio de coagulação e hemostasia, síndrome compartimental 3º GRAU: Até 5% em crianças Até 10% em adultos CRITÉRIOS DE REFERENCIAÇÃO PARA CENTRO DE QUEIMADOS ACOMETIMENTODE ROSTO, MÃOS, PÉS, GENITÁLIA, PERÍNEO OU ARTICULAÇÕES PRINCIPAIS ESPESSURA PARCIAL > 10% DA SCQ QUEIMADURAS DE TERCEIRO GRAU QUEIMADURAS ELÉTRICAS (INCLUINDO DANOS CAUSADOS POR RAIOS) QUEIMADURAS QUÍMICAS LESÃO POR INALAÇÃO DISTÚRBIOS MÉDICOS PREEXISTENTES QUE PODEM COMPLICAR O TRATAMENTO TRAUMAS OU FRATURAS ASSOCIADAS CRIANÇAS QUEIMADAS EM HOSPITAL SEM EQUIPAMENTOS OU PROFISSIONAIS QUALIFICADOS PARA AQUELE ATENDIMENTO PACIENTES QUE NECESSITARÃO DE INTERVENÇÃO SOCIAL, EMOCIONAL OU DE REABILITAÇÃO ESPECIAL INTERNAÇÃO NA UTI QUEIMADOS EM FASE AGUDA, COM SCQ ≥ 20% EM CRIANÇAS QUEIMADOS EM FASE AGUDA, COM SCQ ≥ 30% EM ADULTOS SUSPEITA OU DIAGNÓSTICO DE LESÃO POR INALAÇÃO Fonte: Adaptado de QueimadurasPROVAB. Queimaduras 20 7. ABORDAGEM INICIAL DE UM PACIENTE QUEIMADO Introdução As lesões térmicas possuem alta morbimortalidade, mas a aplicação dos princí- pios básicos de reanimação inicial no trauma minimiza esse desfecho. Tais princí- pios incluem a atenção quanto ao comprometimento da via aérea, como em inalação de fumaça, a fim de mantê-la sempre pérvia, verificando também a necessidade de ventilação. Além disso, é realizada manutenção da normalidade hemodinâmica através de reanimação com infusão de volume. O médico também deve estar atento para tratar possíveis complicações, como rabdomiólise e arritmias cardíacas, vistas, por exemplo, em queimaduras elétricas. Outro ponto importante é estar sempre aten- to no controle da temperatura e a remoção do paciente do ambiente causador da lesão, como, por exemplo, na insolação. A abordagem inicial do paciente queimado será descrita abaixo. Interrupção do processo de lesão Inicialmente, os acessórios e roupas do paciente devem ser todos removidos, ex- ceto se houver aderência à pele. Tecidos sintéticos queimam rapidamente em altas temperaturas e derretem, formando resíduos aquecidos que continuam lesando a vítima. Roupas embebidas em substâncias químicas devem ser removidas cuidado- samente, assim como o próprio pó químico que, se presente, deve ser removido da ferida com escova. Após a interrupção do processo de lesão, a superfície corporal acometida deve ser banhada copiosamente com água corrente. Após isso, cobrir o paciente com lençóis quentes e secos, evitando hipotermia. Se liga! Não se deve NUNCA aplicar agentes neutralizantes, pois a reação é exotérmica, podendo agravar a queimadura. Queimaduras 21 Vias aéreas As queimaduras podem levar a um processo de edema e, por isso, a via aérea superior sempre está em risco de obstrução. Como os sinais de obstrução, inicial- mente, são sutis, mas evoluem com grande agilidade, levando o paciente a entrar em crise rapidamente, a avaliação precoce da necessidade de intubação orotraqueal é essencial. Quanto mais grave a lesão em relação a profundidade, extensão, queima- duras em região de face e pescoço, lesões inalatórias e queimaduras no interior da boca, maior o risco de obstrução. Esses problemas são ainda maiores quando se tra- tam de crianças, pois essas possuem vias aéreas mais curtas. Se liga! A intubação orotraqueal em pacientes queimados está indicada quando presente algum dos critérios que sugira lesão por inalação, queimaduras circunferenciais em região de pescoço ou tórax, ou ainda de es- pessura total, que possam comprometer a respiração, ou quando necessitem de transferência. Saiba mais! Pacientes com lesão por inalação podem necessitar de broncoscopia. Assim, optar sempre por um tubo maior. Ventilação Deve-se ter a preocupação quanto à ventilação desses pacientes em situações de hipóxia, intoxicação por monóxido de carbono e por lesões inalatórias de fumaça. Nesses pacientes deve ser administrado oxigênio suplementar, podendo ser com ou sem intubação, dependendo se há indicação para esse procedimento. A suspeita de intoxicação por monóxido deve-se partir da história e pela medida direta desse gás no sangue (HbCO). Quando a concentração é inferior a 20%, o paciente geralmente, não apresenta manifestação clínica, devendo-se, portanto, valorizar a história do paciente. Níveis mais elevados de CO podem se manifestar por cefaleia, náuseas, confusão, coma e morte. A utilização do oxigênio em alto fluxo, com máscara uni- direcional, sem recirculação, é mandatória nesses casos. Por fim, pode-se realizar a radiografia de tórax e gasometria arterial para a avaliação da condição pulmonar inicial desse doente. Em muitos casos essa avaliação será normal, mas o paciente pode evoluir com piora rapidamente. Queimaduras 22 Obtenção de acessos venosos A reposição volêmica será necessária para qualquer paciente com mais do que 20% da superfície corporal acometida. Os acessos devem ser estabelecidos em veias periféricas com cateter de grosso calibre, no mínimo 16 G. Preferivelmente deve se realizar o acesso em região de pele intacta, porém, caso não seja possível, a queimadura não inviabiliza o processo. Lembrar que os MMSS são prioridade em re- lação aos MMII, devido à alta incidência de flebites e flebites sépticas nas veias sa- fenas. A infusão é realizada, preferencialmente, com Ringer Lactato, como veremos mais adiante. Circulação Para a reanimação do paciente com fluidos, a monitorização do débito urinário será uma forma confiável de avaliação do volume sanguíneo circulante e acompa- nhamento da necessidade de reposição. Assim, a sondagem vesical é um procedi- mento que deve ser feito em pacientes queimados. Iniciar a reposição volêmica com solução isotônica aquecida, preferencialmente Ringer Lactato, segundo a fórmula de Parkland, que se dá da seguinte forma: Reposição volêmica em >14 anos = 2 mL X Kg X SCQ% Reposição volêmica em crianças = 3 mL X Kg X SCQ% Reposição volêmica em queimaduras elétricas = 4 mL X Kg X SCQ% Assim, para fins de cálculo inicial, programa-se que metade desse volume de Ringer Lactato deve ser administrado nas primeiras 8 horas e o restante nas 16 ho- ras seguintes, fechando a infusão em 24 horas. Por exemplo, um homem de 100 kg com queimaduras de 80% de SCQ requer 2 × 80 × 100 = 16.000 mL em 24 horas. Metade desse volume (8.000 mL) deve ser fornecido nas primeiras 8 horas, portanto, o paciente deve ser iniciado a uma taxa de 1000 mL / h. A metade restante do líquido total é administrada durante as 16 horas subsequentes. Após essa quantidade alvo inicial, e independente do esquema de reposição ad- ministrado, um volume de líquido deve ser fornecido ao paciente para hidratá-lo, com base no débito urinário, segundo o cálculo: Hidratação = 0,5 mL X Kg Hidratação em < 30 kg=1 mL X Kg Essa hidratação deve ser feita a cada hora. Em presença de hematúria ou he- moglobinúria, deve-se estimular a diurese para grandes volumes (2 ml/ kg/h em Queimaduras 23 crianças e 70 mL/h em maiores de 12 anos). Outra ressalva é que em crianças < 30 kg, pode ser necessária a associação de glicose nos fluidos para evitar hipoglicemia. É importante entender que uma reposição insuficiente resulta em hipoperfusão, podendo levar a lesão de órgão. Já uma reposição excessiva resulta em aumento do edema, que pode levar a complicações, como progressão da profundidade da queimadura ou síndrome compartimental em abdome e extremidades. O objetivo da ressuscitação é manter o equilíbrio e, consequentemente, um perfusão adequada, conforme indicado pelo débito urinário. Se liga! O ECG deve ser monitorado para identificar distúrbios do ritmo cardíaco, uma vez que arritmias cardíacas podem ser o primeiro sinal de hipóxia e de anormalidade do equilíbrio ácido-básico ou eletrolítico. 8. AVALIAÇÃO DE UM PACIENTE QUEIMADO Após a abordagem inicial do paciente para minimizar o risco de morte, realiza-se uma avaliação do doente com a história, classificação da superfície corporal e pro- fundidade da lesão. História Como vimos, o mecanismo de lesão é algo muito importante, visto que, por exem- plo, queimaduras elétricas já se configuram como lesão grave, devendo o paciente ser referenciado para um centro dequeimados. Assim, a história deve ser abordada de forma cuidadosa, buscando-se lesões associadas, como traumas, fraturas, lesões internas, lesões de SNC, lesão por inalação. A história pode ser obtida do doente ou de familiar, a partir do mnemônico “ARDEU?”: • A- Alergias • R- Remédios em uso (vacinação antitetânica?) • D- Doenças prévias, atuais e data da última menstruação (gravidez?) • E- Eventos relacionados à lesão Queimaduras 24 • U- Última refeição Além disso, deve-se estar atento para que a história condiga com a situação clíni- ca do paciente, devendo afastar situações de tentativa de suicídio ou de abuso. Saiba mais! As queimaduras suspeitas de abuso físico são ca- racterizadas como menores, ocorrendo principalmente em crianças. Fatores que corroboram para a suspeita é uma história inconsistente e características físicas sugerindo tal lesão, como: queimaduras escaldantes com borda nitida- mente demarcada, queimaduras na forma distinta de objetos sólidos, pequenas queimaduras circulares combinando com uma ponta de cigarro ou charuto, queimaduras na área perineal que correspondam a um padrão de imersão, por exemplo, criança “mergulhada” em água escaldante. SCQ e profundidade da queimadura São definições que já foram abordados anteriormente no material, mas lembran- do: quanto a SCQ, pode-se utilizar o gráfico de Lund-Browder, a Regra dos Nove ou da palma da mão, dependendo do caso, da urgência e da escolha de quem está ava- liando o paciente. Para evitar superestimar ou subestimar a extensão da queimadura, não incluir queimaduras superficiais, utilizar a Regra dos Nove reconhecendo que crianças possuem proporções diferente dos adultos e, para tamanhos irregulares ou queimaduras pequenas, utilizar o método da palma da mão (com dedos representan- do 1% da área corporal). Medidas auxiliares Outras medidas auxiliares também podem ser necessárias em alguns pacientes, como escarotomia, fasciotomia, sondagem gástrica, antibioticoterapia, narcóticos, analgésicos ou sedativos e vacinação antitetânica Fasciotomias e escarotomias Em queimaduras circulares, deve-se sempre descartar a síndrome compartimen- tal. Essa é uma condição em que há elevação da pressão dentro do compartimento muscular, o que interfere na perfusão das estruturas distais e internas desse com- partimento. Os sinais da síndrome compartimental correspondem à piora da dor com a movimentação passiva, tensão do membro, dormência e, eventualmente, ausência de pulso distal. Na dúvida do diagnóstico, pode-se inserir uma agulha co- nectada a um medidor de pressão dentro do compartimento e caso pressão > 30 Queimaduras 25 mmHg, indica-se a fasciotomia. Uma USG doppler também pode ser realizada para o diagnóstico. Essa síndrome compartimental também pode ocorrer em região torácica, e até mesmo abdominal, devido a queimaduras circunferenciais, dificultando a respiração do paciente e causando aumento das pressões de pico inspiratórias. Assim, a esca- rotomia está indicada, devendo ser realizada ao nível das linhas axilares anteriores combinadas com uma incisão na transição toracoabdominal. Sondagem gástrica Esse procedimento é indicado para pacientes nauseados, vomitando, com disten- são abdominal ou quando queimadura envolver uma SCQ > 20% em maiores de 12 anos e SCQ > 15% em crianças. Outras condições são: em necessidade de suporte ventilatório; múltiplas intervenções cirúrgicas; estado nutricional comprometido ante- riormente à queimadura; perda de peso > 10% durante o tratamento; TCE ou traumas faciais graves com incapacidade de deglutição. Também é um procedimento que de- ve ser realizado para a transferência do paciente. Ao utilizar a sonda gástrica, admi- nistrar o alimento dando preferência ao uso de bombas de infusão (se disponíveis), correndo lentamente, ao invés de alimentação com infusões de volume horário, “em bolo”, evitando plenitude e não interferindo na alimentação via oral. Analgesia Geralmente pacientes queimados estão agitados e ansiosos, podendo necessi- tar de medicação de controle. Normalmente apresentam-se nesse estado devido a hipoxemia ou hipovolemia, mais do que a dor, sendo a oxigenoterapia e a reposição volêmica medidas de controle para esses pacientes. Para a dor, apenas a cobertura da queimadura já promove alívio, mas quando necessária medicação (narcóticos, analgésicos ou sedativos), deve-se escolher os de ação imediata, por meio de admi- nistração via endovenosa, em doses baixas e frequentes. Imunização antitetânica e antibioticoterapia A profilaxia do tétano é necessária quando as feridas forem consideradas tetano- gênicas. Não se deve perder a oportunidade de vacinar as crianças (verificar sempre o cartão de vacinação) ou fazer a dose de reforço nos adultos. Avaliar inclusive a necessidade de soro anti-tetânico, a depender das características da ferida. Quanto à antibioticoterapia profilática, essa não é recomendada para pacientes queimados, devendo ser reservada apenas para o tratamento de infecções por meio da utiliza- ção de antimicrobianos tópicos, como será descrito abaixo em cuidados com a fe- rida. Em pacientes com queimaduras a partir de 2º grau apresentando temperatura superior a 39°C e afastado outros diagnósticos, juntamente com exames labora- toriais sugestivos de infecção, pode-se escolher entrar com antibiótico sistêmico. As fontes de microrganismos podem ser endógenas (flora normal) ou exógenas Queimaduras 26 (proveniente do ambiente ou do próprio cuidado médico individual). Os organismos associados às infecções em pacientes queimados incluem bactérias gram-positivas, gram-negativas e, até mesmo, fungos. Caso o fechamento da ferida seja demorado e o paciente seja colonizado havendo necessidade de tratamento com antibióti- cos de largo espectro, tais organismos iniciais podem ser substituídos por fungos e bactérias de maior resistência, dentre os quais se destacam e merecem atenção especial: Staphylococcus aureus, resistente à meticilina, e Pseudomonas aerugino- sa. Microrganismos fúngicos, especialmente espécies de Cândida e outros, como Aspergillus e Mucor, estão associados a graves infecções em pacientes queimados. Infecções virais, como herpes simples e herpes zoster, raramente complicam feridas de queimados. Cuidados com a ferida Logo na abordagem inicial, a ferida deve ser coberta com pano limpo e seco para aliviar a dor e evitar hipotermia. Não se deve utilizar compressas ou água frias em pacientes com queimaduras extensas (> 10% SCQ) e sempre instruir o paciente a nunca estourar as flictenas. O cuidado posterior deve-se basear em uma técnica asséptica para realização dos curativos, reduzindo as chances de infecções. Tal téc- nica inclui a lavagem das mãos, uso de campos, luvas e instrumentais esterilizados. Além disso, alguns passos devem ser seguidos: • Reavaliar a ferida: a cada troca de curativo deve-se observar mudanças no ca- ráter de odor, volume, aspecto da exsudação e presença de necrose, os quais devem direcionar a escolha da cobertura adequada do tipo de ferida. Por fim, deve haver limpeza sistemática e diária da área queimada. • Desbridamento de tecidos desvitalizados: é um procedimento de grande im- portância para redução das complicações infecciosas das queimaduras. Uma vez que os resíduos se acumulam na superfície da ferida, eles podem retardar a migração dos queratinócitos, atrasando, assim, o processo de epitelização. • Tratamento com antimicrobianos tópicos: têm grande destaque no controle de infecções associadas às lesões por queimaduras. Dentre eles, destacam-se as associações entre sulfato de neomicina e bacitracina, e o sulfato de neomici- na isolado. Entretanto, a sulfadiazina de prata é universalmente aceita como o tópico mais eficaz para controle da infecção local. A sulfadiazina de prata 1% é efetiva, particularmente, contra bactérias gram-negativas (E. coli, Enterobacter, Klebisiela sp, P. aeruginosa), mas inclui gram-positivas (S.aureus) e a Candida albicans,e deve ser utilizada apropriadamente em correspondência ao estágio de infecção encontrado. • Escolha do curativo: quanto ao tipo de curativo, existem várias alternativas, como os biológicos e os sintéticos. Os biológicos incluem enxertos de pele de cadáver e de porco, que são utilizados como curativos temporários, principal- mente em lesões extensas. Já os sintéticos são membranas colocadas sobre as queimaduras, permitindo o mesmo efeito dos curativos biológicos, ou seja, Queimaduras 27 cobrir a lesão, proporcionando cicatrização por debaixo deles. Porém, esse tipo de curativo não possui atividade antimicrobiana, portanto devem ser aplica- dos precocemente, em menos de 72 horas, a fim de impedir uma colonização bacteriana e posterior infecção. Cabe ao profissional que cuidará do paciente queimado avaliar a queimadura e decidir qual será o melhor curativo a ser uti- lizado no tratamento, levando sempre em consideração a realidade local e o custo-benefício. Saiba mais! PROCEDIMENTOS PARA UM CURATIVO IDEAL: • Lavar as mãos com a técnica correta- • Utilizar gaze uma só vez • Lavar ferida com SF 0,9%, promovendo pressão suficiente para remover exsu- dato da ferida e eventuais corpos estranhos • Secar pele ao redor da ferida sem tocar no leito desta • Adequar o curativo ao tamanho da ferida • Remover ao máximo as secreções, corpo estranho e tecido necrótico • Fechar curativos primários cobertos com gazes ou compressas, fazendo uma proteção da pele do paciente com adesivo microporoso e vedar com esparadra- po comum, para manter o meio úmido • Observar e anotar o aspecto da lesão e o curativo realizado para acompanhar a evolução da ferida *Curativos primários, como alginato de cálcio e carvão ativado, ficam em conta- to direto com a lesão e exigem uma cobertura CARACTERÍSTICAS DE UM CURATIVO IDEAL: • Manter a temperatura em torno de 37°C no leito da ferida; • Absorver o excesso de exsudato, mantendo a umidade ideal; • Prevenir a infecção, devendo ser impermeável a bactérias; • Permitir sua remoção sem causar traumas no tecido neoformado; • Não deixar resíduos no leito da ferida; • Limitar a movimentação dos tecidos em torno da ferida; • Proteger contra traumas mecânicos. Queimaduras 28 ABORDAGEM DO PACIENTE QUEIMADO Fonte: Próprio autor. ABORDAGEM INICIAL INTERRUPÇÃO DO PROCESSO DE LESÃO VIAS AÉREAS E VENTILAÇÃO ACESSOS E REPOSIÇÃO VOLÊMICA RETIRAR ACESSÓRIOS E ROUPAS VERIFICAR PERVIEDADE DA VIA AÉREA FÓRMULA DE PARKLAND LAVAGEM COPIOSA COM CORRENTE POR 20 A 30 MINUTOS QUEIMADURA QUÍMICA EM REGIÃO DE OLHO, LAVAGEM COPIOSA POR 8H NUNCA USAR AGENTES NEUTRALIZANTES REALIZAR COBERTURA DA FERIDA COM PANO LIMPO E SECO EVITAR INFECÇÃO E HIPOTERMIA CHECAR CRITÉRIOS LAVAGEM COPIOSA DE LESÃO INALATÓRIA QUEIMADURA CIRCUNFERENCIAL EM PESCOÇO OU TORAX? NECESSIDADE DE INTUBAÇÃO? NECESSIDADE DE VENTILAR? HIPÓXIA, INTOXICAÇÃO POR MONÓXIDO DE CARBONO, LESÕES INALATÓRIAS GERAL: 2 ml X Kg X SCQ% CRIANÇAS: 3 ml X Kg X SCQ% ELETRICIDADE: 4 ml X Kg X SCQ% MANUTENÇÃO SEGUNDO DÉBITO URINÁRIO GERAL: 0,5 ml X Kg (por hora) < 30kg: 3 ml X Kg (por hora) + GLICOSE ECG PARA MONITORIZAÇÃO RADIOGRAFIA DE TÓRAX E GASOMETRIA ARTERIAL AVALIAÇÃO DO PACIENTE HISTÓRIA A- ALERGIA R- REMÉDIOS D- DOENÇAS E DIA DA ÚLTIMA MENSTRUAÇÃO E- EVENTOS RELACIONADOS À LESÃO U- ÚLTIMA REFEIÇÃO DEFINIÇÃO DA SCQ GRÁFICO DE LUND-BROWDER REGRA DOS NOVE MÉTODO DA PALMA DA MÃO DEFINIÇÃO DA PROFUNDIDADE SUPERFICIAL ESPESSURA PARCIAL PROFUNDA ESPESSURA PARCIAL SUPERFICIAL ESPESSURA TOTAL EXTENSÃO PARA TECIDOS PROFUNDOS FASCIO- TOMIAS ANTIBIOTI- COTERAPIA ESCARO- TOMIAS CUIDADOS COM A FERIDA SONDAGEM GÁSTRICA ANALGESIA VACINAÇÃO ANTITETÂNICA MEDIDAS AUXILIARES Queimaduras 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Rice, P.H., Orgill, D.P. Assessment and classification of burn injury. Uptodate 2019. Atualizado em: Apr, 2020. Wiktor, A., Richards, D. Treatment of minor thermal burns. Uptodate 2019. Atualizado em: Apr, 2020. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Queimaduras: Diagnóstico e Tratamento Inicial. Projeto Diretrizes. Abril 2008. American College of Surgeons. ATLS, Advanced Trauma Life Suport. 10ª Edition. 2018. Queimaduras [Internet] / Universidade Federal de Santa Catarina; Organizadores: Nazaré Otília Nazário; Dilmar Francisco Leonardi e Cesar Augusto Soares Nitschke — Florianópolis; Acesso em 17 de dezembro de 2022; Disponível em: <https://ares. unasus.gov.br/acervo/html/ARES/13962/1/QueimadurasPROVAB.pdf> Imagem utilizada sob licença da Shutterstock.com, disponível em: < https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/blisters-on-finger-caused-by-electric-738258913 >. Acesso em: 17 de dezembro de 2022 magem utilizada sob licença da Shutterstock.com, disponível em: < https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/mild-blister-vesicle-bleb-bulla-on-1430174162 >. 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Acesso em: 17 de dezembro de 2022 Imagem utilizada sob licença da Shutterstock.com, disponível em: < https://www. shutterstock.com/pt/image-photo/burn-wound-surrounded-by-scabs-exsuda- tes-2192920027 >. Acesso em: 17 de dezembro de 2022 sanarflix.com.br Copyright © SanarFlix. Todos os direitos reservados. Sanar Rua Alceu Amoroso Lima, 172, 3º andar, Salvador-BA, 41820-770
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